Volume 1
Capítulo 21: A Era da Morte
Maquinários robustos mantinham um paciente em constante monitoramento. No interior do hospital da resistência, aparelhos de última geração registravam batimentos fracos, porém consistentes, auxiliados por tubos respiratórios que preservavam a vida em perigo. O corpo de Hawk lutava pela própria sobrevivência.
Em uma visita inesperada à sala da operação, outro homem se juntou ao ambiente quieto: Jiro chegou no local deprimente. No intuito de dialogar com o sujeito operado, o Escultor de Ranque A se aproximou dos dispositivos no cômodo, cuja tecnologia de ponta era responsável por traduzir pensamentos em falas, a princípio impronunciáveis.
— Você parece tranquilo, velhote — comentou o recém-chegado.
— Jiro…? O que faz aqui?
— Vim trazer notícias. Tem bastante coisa rolando pelo mundo afora ultimamente.
— Você não deveria estar com a Proxie…? Eu soube sobre o acidente da nave…
— Ela não precisa de mim agora. Na verdade, nesse momento ela provavelmente está em uma competição.
— Competição…?
— É uma longa história. Um dos meus clones mais desocupados ficou encarregado de torcer por ela.
— Está tudo bem…?
Um controle holográfico — pequeno o suficiente para caber na palma da mão portadora — foi retirado das vestes de Jiro. Originada a partir da ferramenta computacional, uma projeção ocupou o centro da sala com dados valiosos. A imagem formada pelo instrumento era como um mapa do tesouro digital, pronto para guiar olhos sedentos por novas aventuras.
— Melhor do que nunca. Eu tenho informações que vão te deixar de queixo caído.
— Relíquias…?
— Não é sobre qualquer uma. A mais procurada desde as épocas primordiais da humanidade. Eu encontrei o paradeiro dela.
— Onde…?
— Planeta 1. O sinal que captei daquele lugar é perfeitamente oposto ao da Relíquia da Morte. Ter o encantador dela passeando pela nossa base ajudou bastante na análise da frequência.
— Você vai até lá…?
— Ainda está preocupado comigo? Quantas vezes vou precisar repetir a minha promessa? Eu vou estender sua vida, velhote. Vai ter bastante tempo para me agradecer depois.
— Jiro…
— Devo partir pelo final da manhã. Se ver alguma das minhas outras versões por aí, lembrem-se de avisá-las. Nós não compartilhamos da mesma mente, afinal.
O visitante caminhou até a saída do cômodo hospitalar. Passos apressados se somaram a punhos cerrados para formar um semblante determinado. Prestes a perseguir o objetivo traçado, nada parecia ser capaz de interromper o avanço inabalável, quando palavras carregadas frearam o ímpeto aventureiro.
— A Proxie está bem…?
— É engraçado. Eu nunca imaginei que conseguiria te dizer isso.
— O que quer dizer…?
— Ela fez um novo amigo. Não conheci o cara muito bem, mas tenho uma certeza: aquele garoto jamais vai sair do esquadrão da sua filha. Podemos considerar ele como o primeiro membro oficial.
— Então… Ela não está mais sozinha…
Batimentos instáveis dominaram os sensores operacionais. Ruídos cada vez maiores destacaram o desempenho crescente de maquinários sobrecarregados, os quais utilizavam todos os recursos disponíveis para preservar a vida em constante declínio.
— Tem algo de errado. Droga, preciso chamar os médicos!
— Eu nunca estive tão feliz antes… Nesse caso, acho que eu posso finalmente descansar…
— Hein? O que quer dizer, velhote?
— Alguém que nunca a abandonará… É o alívio que eu sempre esperei sentir… Obrigado, Jiro…
Um alarme ecoou pela região, seguido pela entrada desesperadora de dezenas de profissionais preparados. A emergência preencheu a quietude do local com o caos do acidente inesperado. Sons de todos os tipos anularam a atmosfera outrora pacífica, em uma explosão de sentimentos que tornava impossível manter qualquer respiração regulada.
— Ei, velhote! Está brincando comigo!? É alguma pegadinha!? Me responda!!!
Repentinamente, um alerta agudo interrompeu inteiramente a ação na sala frequentada. A agitação cedeu espaço para mentes perplexas, diante da situação sem explicação aparente. Após recuperar a calma perdida, um cirurgião se aproximou de Jiro, disposto a notificá-lo sobre o verdadeiro ocorrido.
— Sinto muito, senhor. Ele está morto.
***
O silêncio dominou a arena da resistência. Expressões boquiabertas marcaram faces desacreditadas, que se espalharam por toda a arquibancada do evento finalizado. Olhos arregalados piscavam repetidamente, na esperança de estarem enganados a respeito do resultado em sua frente.
No centro do palco de mármore, apenas uma garota permaneceu de pé, enquanto seu antigo adversário descansava sobre o chão destroçado. Luzes verdes ressaltaram o significado decisivo da queda presenciada. Depois de utilizar todas as suas forças para se manter firme, Proxie finalmente pôde relaxar, ao ouvir o apresentador propagar declarações impossíveis de serem previstas.
— Kazo foi eliminado! A dupla de Ranque F acaba de vencer a última partida de hoje!!!
Músculos tensos, antes movidos pela adrenalina, agora cediam gradualmente ao cansaço, conforme a excitação do combate se dissipava. A jovem ofegante tentava recuperar a calma, à medida que sua visão enfim se abria para os arredores, após longas horas focadas na luta desafiadora.
O desgaste corroía lentamente seu corpo, enquanto ela tomava o tempo necessário para compreender a conclusão surpreendente. Lábios incrédulos não sabiam qual forma dar para a emoção sentida. Felicidade, alívio, e até mesmo tensão se misturavam em seu peito, unidos para criar uma sensação tão intensa quanto indefinível.
“Eu… Venci?” se questionou a mente insegura.
Rostos consumidos pelo rancor contrastavam com a euforia da vencedora. Alheios a qualquer sentimento de prazer, dentes afiados rangiam em desprezo, no limite do ódio que bocas frustradas podiam suportar. Pernas inquietas se levantaram de seus assentos, prontas para protestar com passos firmes, manifestados pelo peso do estresse.
Vozes raivosas reverberaram pela arquibancada, expressando plena insatisfação com o término da competição. Espectadores das mais distintas classificações se reuniram em um descontentamento coletivo, enquanto ofensas verbais correspondiam a única válvula de escape restante.
— Esperamos tanto para ver esse desfecho? Que coisa patética!
— Precisa haver uma explicação! Ela deve ter trapaceado!
— Refaçam a disputa!
— Droga, Kazo! Você precisa se levantar e quebrar a outra perna dela! Eu não aguento assistir a essa porcaria!
Diante da chuva de insultos, a figura alvo de todo ódio permaneceu estática, como alguém que acorda após receber um banho de água fria. Expectativas, que por um breve momento haviam adotado uma visão otimista, enfim foram moldadas pela realidade caótica. Nada parecia ter mudado frente ao julgamento do público.
A exaustão abalou o equilíbrio da última remanescente da arena. Pálpebras pesadas caíam com a fadiga acumulada, quando a jovem soltou a tensão em suas pernas. Prestes a se render ao esgotamento, já não via motivos para continuar apoiada na prótese metálica. O piso de mármore, frio e imutável, parecia convidá-la a um descanso solitário — o mesmo que sempre a acolhera nos momentos em que ninguém mais o fazia. Sem forças para resistir, ela permitiu que seu corpo cedesse, entregando-se à queda. Apesar do triunfo surpreendente, o chão a aguardava em um desfecho já esperado.
“Esses idiotas devem estar uma fera comigo. O que mais eu esperava? Ninguém jamais comemoraria a vitória de uma fracassada como eu”, pensou Proxie.
Cabelos loiros serviram de apoio para a cabeça vulnerável, enquanto costas impediram o tombo do corpo enfraquecido. Roccan carregou a companheira, deixando que o peso dela repousasse com o devido conforto. Palavras animadoras foram proferidas pela voz cheia de entusiasmo.
— Isso foi irado!!! Você foi incrível, moça voadora!!!
— M-Moleque!?
— Parabéns pela vitória! Agora nós podemos procurar mais relíquias!
Com as pernas envolvendo a cintura do rapaz e os braços sobre ombros acolhedores, a garota foi rapidamente levada pelos braços firmes daquele que subira repentinamente no palco. Em contraste às inúmeras feições enfurecidas, um sorriso radiante estampou o semblante do recém-chegado.
Partículas rosa transportaram a dupla de ranque mais baixo para fora dos limites da arena. Portais místicos conferiram uma passagem segura para a saída do estádio, onde os gritos da torcida não poderiam mais alcançar ouvidos desinteressados. No caminho para um ambiente de maior privacidade, Proxie aproveitou a oportunidade para questionar o companheiro imprevisível.
— Você é idiota!? Por que se deu o trabalho de vir me carregar? Desse jeito, todos vão desprezar você também!
— Alguém estava falando alguma coisa? Nem percebi.
— Preste atenção nos arredores!
— Como eu ia fazer isso? A sua luta estava incrível demais para desviar o olhar!
— Me elogiar não diminui a sua estupidez!
— Fala sério… Aqueles dois eram bem durões. Isso te torna ainda mais durona!
— Você não vai me enganar! Pare de dizer coisas constrangedoras!
— Se preferir, eu aceito ser exaltado no seu lugar.
***
Ruas quietas deram espaço para uma conversa sem interrupções. Na ausência de outras presenças, os dois aliados teriam o tempo necessário para conversar apropriadamente. No entanto, o clima intimista formado pela situação tornava difícil qualquer tentativa de diálogo.
Roccan carregava Proxie em suas costas, até que a jovem decidiu se desfazer da ajuda fornecida. Embora a exaustão ainda atormentasse o seu corpo, ela não pretendia deixar suas pernas descansarem para sempre. A voz tímida quebrou o silêncio embaraçoso.
— E-Estou bem agora. Pode me deixar por aqui.
— Enlouqueceu? Eu vou te levar até a sua casa, apesar de eu não sei onde isso fica.
— E depois o que? Vai me abandonar e procurar outro esquadrão?
— Hein?
— É óbvio, não? Ninguém ficaria perto de mim com tantas oportunidades melhores disponíveis pela resistência.
— Por que eu faria isso? De todos os Escultores que conheci, posso afirmar que é com você que vou conseguir encontrar mais relíquias.
Um tom decidido evidenciou a honestidade do rapaz, cuja falta de dúvidas fazia a ouvinte cogitar que até o maior absurdo dito poderia se tornar realidade. Olhos inocentes — que nunca haviam se permitido sonhar alto — brilhavam em constante encanto, após colidirem com uma luz calorosa e acolhedora, refletida a partir dos cabelos loiros do sujeito confiante.
Incapaz de formular frases que expressassem seus sentimentos de maneira sincera, a jovem optou por permanecer calada, mas suas emoções transbordaram para concretizar uma manifestação curta de ideias jamais ditas. A simplicidade da sensação ordinariamente vivenciada precisava enfim ser colocada para fora.
— Moleque…
— Eu estou tão ansioso para começar a nossa busca que mal consigo ficar parado! Quanto tempo vai levar para a nave ficar pronta!? Uma manutenção não deve demorar tanto para—
— Obrigada.
Braços gentis rodearam os ombros aos quais estavam apoiados, conferindo um abraço caloroso a quem os carregava. Mãos trêmulas escancararam o desafio de demonstrar a honestidade que tanto hesitara em revelar. Sem entender os motivos por trás da gratidão exposta, Roccan questionou a declaração repentina.
— Eu fiz alguma coisa?
— Obrigada por confiar em mim. E-Eu vou retribuir como eu puder!
— Certo. Então vamos procurar por relíquias.
— A minha nave está em manutenção! Peça algo menos idiota!
— Nesse caso, eu não quero nada.
— Isso é algum tipo de vício!? Você tem um gosto limitado demais!
Luzes artificiais se acenderam no teto da caverna escura, como um sinal irremediável de que mais um dia se iniciava na autêntica base da resistência. Ruas vazias foram gradualmente preenchidas por Escultores recém-acordados, prontos para sair em busca de novos tesouros.
Com o fim da longa noite, a conversa entre a dupla retomou a leveza costumeira, livre de qualquer receio que outrora limitou o diálogo privado. Caminhando lentamente sem a certeza de seu rumo, Roccan continuou no sustento da companheira em suas costas, quando uma dúvida pertinente veio à tona.
— Falando em relíquias… Por que você ainda não fez o encantamento com uma?
— Eu não costumo consegui-las.
— Nós temos uma bem aqui.
Movido por sua empolgação genuína, o rapaz retirou um pequeno artefato de seu bolso. Fruto de um roubo não tão recente, o item místico possuía o símbolo de uma seta apontada para baixo, estampado no material rochoso que o constituía. Chocada com a exibição do objeto que já esteve em sua posse, Proxie não conteve sua indignação.
— Ei, ela estava comigo! Quando você pegou!?
— Hehehe. Eu sou Roc, o ladrão de relí—
— Me dê logo isso!
A garota agarrou a relíquia segurada pelo rapaz loiro, em uma investida que deixou a vítima do furto sem reação. Depois de ver a aliada retomar o tesouro perdido, o saqueador autoproclamado não teve outra escolha, senão reconhecer as habilidades da adversária audaciosa.
— Droga, você também é boa nisso.
— Você roubou essa coisa da STONES quando nós nos conhecemos! Depois você morreu na minha frente, e então eu me certifiquei de guardá-la comigo! Como ela estava em suas mãos agora!?
— Eu roubei de novo.
— Não me responda tão vagamente!
Olhando atentamente para o objeto que havia sido guardado até então, Proxie sentiu a necessidade de responder a pergunta ainda não contemplada. Apesar de ter mantido o item como um pertence valioso, ela nunca fez uso de seu potencial mágico.
— A verdade é que… Com tudo o que aconteceu, eu sempre julguei que não merecia o poder delas.
— Isso mudou?
— Depois de conseguir a minha primeira conquista importante, acho que receber todos esses presentes, no fim, me deixou feliz. O planador, minha prótese, e até as relíquias que pegamos com os seus poderes. Não parecem mais apenas desperdícios nas mãos erradas.
— Nunca foram.
— N-Não me entenda errado! Eu só estou disposta a tentar mais uma vez! A-Afinal, pode soar estranho existir uma líder de esquadrão que não possui encantamentos.
Ao deixar a seriedade escapulir por entre sua empolgação reprimida, o rapaz ignorou o drama que chegava em seus ouvidos. Desinteressado em novos assuntos sentimentais, toda sua atenção se focou no visual misterioso do artefato com o símbolo incompreendido.
— Essa coisa deve ser incrível! Uma seta para baixo? Aposto que é a Relíquia do Inferno!
— Isso seria péssimo.
— Certo, vamos analisar as possibilidades antes de usá-la. Relíquias possuem um potencial infinito! É importante respeitarmos o alto nível das consequências que podem surgir com um encantamento.
— Chega! Você está falando como um nerd chato!
— As chances de sermos surpreendidos com algo perigoso é alta. Nesse caso, basta sermos cautelosos e—
— Relíquia de ação: ativar!
— Enlouqueceu!?!?
Roccan despencou rumo ao chão. Subitamente pressionadas por um peso imensurável, as costas do rapaz foram esmagadas por aquela que ele carregava. Ossos rangeram em uma colisão de impacto crescente, forte o suficiente para criar rachaduras no solo atingido.
— Ei, moleque! Por que você ficou tão fraco de repente!?
— Minha respiração… Eu não consigo…
— Ei! Você está me ofendendo, idiota! Está me chamando de pesada!?!?
— Eu… Vou..
— Quanta estupidez!!! Me peça desculpas, agora!!!
O corpo prensado se desintegrou, incapaz de suportar mais do peso crescente sobre ele. As roupas que o cobriam também desapareceram, sem deixar vestígios da vida perdida. Em um piscar de olhos, Proxie foi deixada sozinha, incrédula a respeito do acontecimento extremo.
— Você morreu!?!?
***
Lâminas afiadas se cruzavam em confrontos brutais, cada golpe carregando o peso da sobrevivência. Escudos se uniam às armaduras, reforçando a defesa dos guerreiros da linha de frente, enquanto cavalos galopavam pelo campo de batalha, conduzindo os soldados entre as fileiras inimigas.
Flechas rasgavam os céus como enxames letais, caindo sobre o exército adversário sem distinção. O estrondo do aço contra aço se misturava aos gritos de agonia para dominar o ar com o caos da guerra, no instante em que o sangue jorrado atingiu a face de um sujeito sem lado parente. Roccan apareceu repentinamente no meio da ação.
“Nunca curti muito histórias desse tipo, mas… Eu estou em uma guerra!?!?”, pensou ele.
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