Volume 1

Capítulo 22: A Era do Reinado

— Planeta 1? — perguntou Jiro, após ouvir um relato inesperado da colega de longa data.

Na entrada do hospital da resistência, Proxie importunava o sujeito sério para noticiar acontecimentos recentes. O paradeiro de seu companheiro de esquadrão era o assunto responsável por testar os limites de seu estresse.

Cabelos assanhados escancararam o descontentamento da jovem enfurecida, dominada por impulsos de raiva que a levavam a pisotear o chão em um protesto escandaloso. A prótese mecânica rangia junto a dentes raivosos, preparados para desabafar a respeito do último absurdo ocorrido, mesmo que aquilo consumisse o que restara de sua paciência. Com um aparelho rastreador em mãos, ela esclareceu os motivos por trás do ódio crescente.

— O meu radar nunca mente! Aquele idiota conseguiu morrer apenas para o meu peso! Sendo culpa de uma relíquia ou não, eu fiquei bastante ofendida!!!

— Terras dominadas por um reinado ganancioso. Aquele lugar não é muito diferente da situação em que vivemos.

— Então eles também tem um tipo de STONES. Se isso for verdade, o moleque só precisa encontrar uma nave e…

— As semelhanças com a STONES param no campo das ideologias. Eles não têm esse nível de tecnologia. Não são uma empresa multimilionária, apenas um rei com homens e cavalos sob seu comando.

— Que estupidez! Como alguém conquista um planeta inteiro somente com cavalos?

— Guerras de verdade são lutadas com determinação e bastante ganância pelo poder. Acha que já viu um combate até a morte?

— Claro que sim, idiota. A resistência passa por esses perrengues todos os dias!

— Jamais compare algumas baixas com a ferocidade de um campo de batalha.

***

Lanças perfuravam a carne de inimigos desatentos. Corpos tombavam sobre a terra encharcada de sangue, enquanto estandartes tremulavam sob o vento cortante, marcando a disputa feroz por cada pedaço de terreno. Além da brutalidade de ofensivas corpo-a-corpo, o confronto contornava a limitação da sua linha de ataque com a precisão de um combate à distância.

Catapultas eram acionadas com estrondos ensurdecedores, destroçando carroças atingidas a partir de projéteis pesados. Aptos para complementar o cerco estratégico, arqueiros disparavam em formação, engatilhados com enxames de flechas que obscureciam o céu antes de cravar-se em armaduras inimigas.

Cabelos loiros se destacaram em meio a incontáveis cabeças protegidas, uma vez que elmos não faziam o estilo do recém-chegado. Como um presente de boas-vindas, a aparição de Roccan foi recebida com um corte em seu joelho, fruto do manejo descontrolado de lâminas afiadas.

“Uma guerra!?!?!? Desse jeito eu vou morrer de novo!!!”, concluiu ele.

Gritos fervorosos ditavam os próximos passos de um exército em constante progresso. A pressão da investida unilateral fez o inimigo recuar pela planície ampla, em uma movimentação que tornou a verdadeira natureza do embate fácil de ser compreendida. Não se tratava de um avanço mútuo, mas sim de uma perseguição.

— Eles estão fugindo!!! Mirem nos cavalos!!!

— Cuidado com os disparos! Se acertarmos a carroça errada, a derrota será nossa!!!

— Não parem!!! A nossa prioridade é alcançar aquele veículo! Mesmo que sofram alguns golpes, evitem colisões desnecessárias!

— Eles estão partindo em retirada! É a nossa chance!!!

No horizonte do campo de batalha, dez carroças eram escoltadas pelas forças em recuo, ao mesmo tempo em que seus rastros eram seguidos pelo ímpeto irrefreável de uma cavalaria fervorosa. A intensidade do galope fazia o solo estremecer, ao reverberar como um prenúncio do deslocamento desenfreado.

Repetidamente empurrado pelos corpos em constante locomoção, Roccan se viu imerso no caos da guerra. A tontura causada pelo caos, nunca antes vivenciado, o fez ter uma certeza: ele precisava fugir daquele lugar o mais rápido possível.

“É melhor eu sair daqui, ou…”

— Alguém me ajude!!! — Um berro desconhecido ecoou pelos arredores.

Nas proximidades do rapaz desamparado, gemidos de dor evidenciaram o estado crítico de uma vítima prestes a ceder. Socos e chutes se somavam a cortes rápidos para diferenciar a agressão de uma simples matança. A vulnerabilidade parecia caracterizar o cenário como um método de tortura.

Ao lado de um cavalo caído, uma mulher se encontrava no chão, enquanto era espancada por um grupo de homens enfurecidos. Ao invés de escapar com o restante de seu exército, os guerreiros furiosos focaram seus esforços na figura derrubada. Ela precisava pagar pelo o que havia feito.

— Traidora miserável! Quando o rei souber das suas ações, um destino pior do que a morte vai estar à sua espera.

— Devolvam o meu filho!!! Toker está naquela carroça!!! — respondeu a vítima da violência.

— Você está servindo as nossas tropas agora. Não importa se sua vila ou família estão envolvidas, as ordens são as mesmas.

— Se encostarem um dedo sequer nele, eu vou cortar cada uma de suas cabeças!!!

O agressor pisou no rosto da mulher, que mal tinha forças restantes para se levantar. Com o pé pressionando a figura materna contra o solo, ele encostou sua espada no nariz desprotegido. Gotas de sangue escorreram das narinas alvejadas, na forma de um aviso ameaçador para o que estava por vir.

— Ele é nosso prisioneiro agora. Quando descobrir sobre a morte da mamãe, aposto que vai preferir apodrecer atrás das grades!

— Desgraçado!!! 

— Chega de perder tempo. Morra de uma ve—

Partículas rosa impediram o golpe derradeiro. A trajetória da lâmina foi alterada pela travessia por entre portais místicos, levando a arma branca até as mãos de um rapaz de semblante sério. Depois de agarrar a empunhadura em movimento, Roccan retirou a espada dos punhos alheios. O roubo inusitado impossibilitou quaisquer tentativas de reação.

— Isso agora é meu.

— Quem é essa criança!?

— Eu sou Roc, o ladrão de—

Surpreendido pelo peso do armamento segurado, o garoto despencou rumo ao chão. Joelhos foram flexionados na iniciativa desajeitada de recuperar o equilíbrio comprometido, enquanto músculos trêmulos se contraíram para erguer a lâmina caída. Embora seu empenho em manter a postura fosse louvável, o equipamento parecia se recusar a aceitar um dono despreparado.

— Isso é algum tipo de piada? Tá tentando pregar uma peça em mim, pirralho!?

— Droga. Isso é mais pesado do que parece.

— Não importa qual seja o seu truque, eu devo eliminá-lo para evitar complicações. Isso ajudará o rei.

— Espere! Eu morri há menos de cinco minutos!

Uma investida direta derrubou Roccan no chão. Ao desarmar o jovem com o impacto do golpe, o homem impaciente recuperou a espada roubada. Encostada sobre a garganta em perigo, a arma reconquistada colocou a vida vulnerável em cheque.

— Primeiro você, pirralho. Depois aquela imprestável.

— Você não vai matar ninguém.

— Cale-se de uma ve—

Chamas acentuaram a letalidade de uma flecha certeira. O inimigo foi atingido diretamente no olho, a partir da pequena brecha na parte frontal de seu elmo. Morto em questão de segundos, suas pernas cederam em uma queda direta. No contato direto com a grama seca da superfície plana, o fogo rapidamente se espalhou para além do alvo falecido. 

Uma labareda serpenteou pelo solo, consumindo tudo em seu caminho com faíscas destrutivas. Frente ao incêndio que os separou de suas vítimas, o grupo de agressores fugiu com a baixa de números repentina. O calor espantou aqueles que temiam quem se aproximava.

— Esse é o poder da pedra vermelha. É você, Kato! — comemorou a mulher caída.

Outro cavalo se aproximou do local, cavalgado por um sujeito com um arco em sua posse. Apesar da aparência comum do armamento segurado, seu material ocultava um segredo peculiar — chamas dançavam ao longo de sua estrutura, mas sem consumi-lo. O composto resistente à queimaduras permitia que qualquer projétil fosse incendiado antes de ser disparado.

Cabelos ruivos se misturavam com o brilho incandescente, além de proporcionar a harmonia perfeita de fios espetados com as orelhas pontudas de uma descendência élfica. Segurando um artefato rochoso, com a estampa de uma fogueira, Kato foi ao resgate da dupla atormentada.

— Está bem, senhorita? Esses caras pareciam durões.

— Obrigada, Kato. Você salvou a minha vida, mais uma vez.

— O rei está mandando todos esses soldados apenas para conseguir mais alguns prisioneiros? Aquele velho saiu do controle.

— Eles levaram o Toker! Por favor, traga ele de volta!

— É o que farei.

Após perceber a presença de Roccan, a atenção do arqueiro se voltou para o rapaz desconhecido. A identidade misteriosa plantou dúvidas significativas na mente séria, cuja experiência não era o suficiente para lidar com roupas nunca antes vistas. O casaco de pano e os tênis esportistas não condiziam com nenhum estilo em seu repertório de vestimentas. A questão inacabada foi direcionada para a mulher conhecida.

— Aquele garoto é outro filho seu?

— O que você acha que eu sou!?

O jovem loiro se levantou, curioso com a aparência do elfo recém-chegado. Entre os dedos de Kato, o ítem segurado alertou os instintos do fã número um desses tesouros. Lábios ansiosos se prepararam para pronunciar a palavra tão adorada.

— É uma relíquia!!!

— Do que está falando? — perguntou o arqueiro.

— Foi essa coisa que gerou aquele fogo agora há pouco!? Que irado!!!

— Está falando da minha pedra vermelha?

— Passa prá cá! Eu preciso ver isso de novo!

— Ei! Se acalme, garoto! Este poder me foi concedido por forças divinas!

Portais místicos conduziram Roccan para cima do cavalo do homem ruivo. Logo atrás daquele com as rédeas da montaria, ele tentou coletar o artefato na força bruta, mas foi evitado por esquivas perfeitas.

— Eu preciso ver mais de perto!

— O que pensa que está fazendo?

— Não é óbvio? Te roubando.

— Você nunca conseguiria fazer isso.

— Relaxa. Eu pretendo te devolver depois de analisá-la bem.

— Não tenho tempo para essa tolice.

Kato empurrou o jovem para fora da garupa do animal. Lançado sobre os ares, o rapaz não tinha outro destino além de um tombo direto no solo seco, ao menos, desconsiderando os poderes sobrenaturais em sua posse. Um portal impediu o contato com o chão, da mesma forma na qual outra passagem mística o reposicionou para as costas de quem o havia empurrado.

— Hehehe. Não vai ser tão fácil se livrar de mim.

— Você também tem uma dessas pedras?

— Eu tenho duas! Ao menos de encantamento.

— Tsc, que seja. Nesse caso, se segure em mim.

— Hein?

Sem tempo a perder, Kato se inclinou para frente e instigou o cavalo, que respondeu de imediato. Conduzida para alcançar máxima aceleração, a montaria partiu em disparada, o que forçou ambas as figuras sobre ela a se segurarem firmemente, na esperança de não despencarem na grama seca. O sujeito no controle virou o pescoço em uma breve pausa, quando se despediu da mulher que ficava para trás.

— Senhorita, se esconda entre os cadáveres. Nós conversaremos quando eu retornar. A urgência pede uma atitude imediata.

— Acho bom voltar vivo, Kato.

— A minha chama nunca se apagará. Foi para isso que eu ganhei essa benção ardente.

***

Patas pesadas golpeavam o solo com força, levantando poeira enquanto a velocidade aumentava a cada batida do casco. O vento cortante chicoteava o rosto dos dois passageiros, cuja visão da paisagem ao redor se tornava um borrão à medida que o animal avançava com potência incontrolável, como uma bala disparada sem a intenção de parar.

Se aproximando das tropas inimigas em fuga, o elfo ruivo avistou as dez carroças perseguidas. Olhos atentos analisaram os objetivos distantes, na busca pela melhor rota a ser seguida, ao passo que avançavam bravamente entre os exércitos em colisão. Sua voz grossa transmitiu com clareza as metas traçadas.

— Encontrei o nosso objetivo. Algumas dessas carroças estão carregando futuros prisioneiros. Precisamos freá-las antes que saiam do nosso alcance.

— Por que está tentando libertá-los? Não são criminosos?

— As coisas não são tão simples por essas terras, garoto. Aquelas pessoas foram capturadas para fazer parte do novo exército do rei. Isso é tudo.

— Levadas contra a própria vontade? Como alguém tão terrível pode liderar uma nação?

— Quem se opõe a ele morre. Essa ideia é o suficiente para controlar qualquer mente pacífica.

— Certo, já me decidi. Ele precisa apanhar.

— Não tão rápido. Antes precisamos nos livrar de um de seus fiéis. O homem por trás desse sequestro é um dos comandantes do reino.

— Entendi. Derrotamos ele e vencemos.

— Você realmente gosta de simplificar as coisas. Seria fácil, se ele não fosse o usuário da pedra azul. Além disso, primeiro precisamos encontrar em qual carroça ele está e…

— Oh! Uma relíquia!!!

Um artefato brilhante chamou a atenção do jovem. Como um farol que sinaliza a direção correta, o pequeno ítem foi visto nas mãos de um guerreiro encapuzado, a quilômetros de distância da dupla sobre o cavalo. A cor azul destacou o objeto, esculpido no formato de uma onda. 

Partículas rosa acompanharam o deslocamento de Roccan, que atravessou todo o campo de batalha por meio da travessia de um de seus portais. A passagem mística o levou diretamente para o inimigo na posse do tesouro, frente a frente com a figura misteriosa, de rosto coberto pelo manto escuro. Milhares de passos agora separavam o rapaz do arqueiro, anteriormente em sua companhia.

— Espere, garoto! Aquele é o comandante!!! — alertou Kato.

— Hehehe. Então tudo vai ser resolvido de uma só vez.

Após adentrar na carroça em constante movimento, o jovem loiro se deparou com a presença intimidadora. Cicatrizes marcavam o físico com o peso de guerras passadas, ao mesmo tempo em que ferimentos, a princípio letais, percorriam o corpo que se recusava a fraquejar. Punhos desarmados representavam um homem sem nada a perder, com apenas uma trombeta em seus pertences.

— Quem é você? — perguntou ao recém-chegado, a tonalidade grave ressoando como um trovão contido.

— E-Eu sou Roc, o ladrão de relíquias!

— Você é um inimigo?

— Soube que suas carroças estão sequestrando gente inocente. Depois de te roubar, eu vou salvá-las.

— Entendo. Nesse caso…

Pulmões se encheram de ar, e em um único sopro, o som da trombeta rasgou o silêncio, ecoando pelos arredores como um chamado inescapável. A nota prolongada reverberou pelo horizonte, carregando consigo a urgência de uma convocação.

Nas alturas, além das nuvens dispersas, algo despertou. Escamas reluziam sob a luz difusa, enquanto asas colossais se abriram, impulsionando uma sombra titânica pelo céu. O chamado do comandante fora ouvido, e um dragão o atendia.

— U-Um dragão!? Que irado!!!

— Prisioneiros só possuem serventia quando vivos. Se você conseguir sobreviver, eu te darei um propósito especial.

— Hein? Acha que eu seria pego tão facilmen—

Uma bola de fogo destroçou a carroça ocupada. Como um meteoro que desceu dos céus, chamas vivas causaram um impacto ensurdecedor, consumindo tudo ao redor com estilhaços carbonizados. A madeira foi transformada em cinzas, no instinto em que o rugido da criatura voadora declarou o fim da conversa reservada.

Caído no chão, prestes a perder a consciência, Roccan tentava compreender o ocorrido, quando se deparou com o perfeito estado do comandante encapuzado. Sem sofrer um novo arranhão sequer, o homem preservou a integridade de suas antigas cicatrizes com uma barreira de água que envolveu todo seu físico, em uma proteção ideal contra a explosão. Ao lado do rapaz vulnerável, a voz grossa precedeu uma afirmação incontestável.

— Você está preso, em nome do rei.

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