Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 1 – Arco 1

Capítulo Especial: Gripe

O barulho do motor da máquina agrícola rugia a alguns metros dela. Agachada em meio a plantação amarelada, a garota trabalhava arduamente na colheita, enchendo o terceiro saco. Seus dedos ardiam um pouco por conta dos cortes. Próximo dali, cerca de seis outros trabalhadores realizavam a mesma tarefa, cobrindo todo um terreno. 

Franziu as sobrancelhas, fechou o saco de soja, limpou o suor da testa e, carregando as sacas nos ombros, correu para a fazenda. No céu, as nuvens se agrupavam gradualmente num tom acinzentado, e as ventanias indicavam o início da chuva que viria em breve. Tudo estremeceu quando um trovão ecoou até os ouvidos de um homem baixo de barba ruiva.

— Não vai dar tempo, hã? — Ele baixou a cabeça e viu a garota despejar os sacos rapidamente, disparando de volta para o campo — Ei, guria! Volta aqui! O mundo vai cair daqui a poco!

Em resposta, ela somente abanou a mão, como se dissesse que estava tudo bem. O fazendeiro suspirou, ao passo que os outros trabalhadores se reuniram ao seu redor, cada qual com seus sacos. Não demorou muito para que raios violentos fossem vistos, unidos dos tremores e as gordas gotas que começaram a cair, molhando o rosto de Ryota.

— Meeeee! Tu se molhô todinha! — Ryota meneou a cabeça, rindo da reação exagerada dele, após voltar com o meio saco restante.

— Eu já vou indo. Acabamos por hoje, né?

— S-Sim, mas... Não quer esperá a chuva passar? — Ambos olharam para a tempestade que caia.

— Minha casa é pertinho. Vai ficar tudo bem. — Ela ergueu o dedão num "joinha", antes de se despedir de todos e correr pra longe.

O fazendeiro ruivo bufou, coçando a nuca, sorrindo.

— Ai, Deuses… Essa mina realmente num tem jeito.

***

Seus passos eram velozes enquanto pisava nas poças, esguichando água para os lados. Rapidamente, ela se viu diante da porta de casa, e sacudiu a cabeça como um cachorrinho antes de girar a maçaneta e entrar.

E tudo escureceu.

— Aaah! O quê? Ataque inimigo?!

Ryota quase caiu com o susto, e cambaleou um pouquinho antes de soltar um grito de surpresa quando uma voz conhecida se aproximou e algo tocou o topo de sua cabeça.

— Está atrasada.

— Peraí, é você... Calma, calma, calma!! Não força a mão tanto assim, carai! Quer arrancar meu cabelo, é?!

O cafuné, que começou devagar, aumentou de velocidade conforme ela falava, ao ponto dos cabelos esquentarem e se embolarem contra a toalha que lhe cobria a cabeça. Após aumentar o tom de voz em protesto, Ryota ergueu a frente do pano para ver o rosto de quem já esperava. Ele inclinou a cabeça em sua direção, ficando a poucos centímetros de distância dela, e sorriu discretamente.

— Por que é que você sempre aparece do nada?

— É assim que você me agradece? Muito bem, então. 

Zero mordeu o lábio e deu um tapinha na testa dela, fazendo-a soltar um grunhido baixo. Em seguida, deixou que enxugasse o próprio corpo sozinha, antes de adentrar mais na casa. Do lado de fora, ouvia-se um som relaxante das gotas de chuva caindo, junto dos pequenos tremores de trovão. Ryota sentiu vontade de se jogar na cama e reler algum de seus livros favoritos com uma boa xícara de café.

— Pára de ser chato. Mas, valeu. — Ela tirou o tênis encharcado, a meia e, a passos rápidos, se direcionou até o fundo da casa, jogando tudo numa enorme pia da pequenina lavanderia. Com certa dificuldade, passou os braços pela jaqueta justa e a pôs junto dos demais itens encharcados. — Ah, depois eu limpo isso. Ô Beterraba, me joga a toalha em cima da-

O estrondo da toalha batendo na cara da garota foi alto. Ryota riu da expressão emburrada do rapaz antes de alcançar o roupão pendurado na porta do banheiro e entrar. Dez minutos depois, ela saiu do banho limpa e deixando um rastro de pegadas pelo chão de madeira rangente. Ainda chovia quando se sentou no banquinho em frente ao espelho para passar creme nos cabelos e penteá-los. Até ela espirrar.

— Ué…? Será que fiquei gripada?

— Por que será? — retrucou Zero com cinismo, olhando fixamente para uma revista e sentado em sua cama.

Ryota fungou o nariz e riu, lutando contra os nós do cabelo.

— Fica tranquilo, meu caro amigo. Eu não fico gripada tão fácil assim.

— Qualquer pessoa normal ficaria depois de correr na chuva, tomar banho, lavar o cabelo e ficar descalça.

— Mas eu não sou qualquer pessoa, sabia…? — O fim da frase saiu num grunhido raivoso, enquanto forçava o pente contra o bolo de cabelo.

— Quer ajuda?

Ele ergueu os olhos da leitura, arqueando as sobrancelhas para a cena de luta.

— A culpa é sua por ficar bagunçando ele! E claro que eu quero ajuda.

O rapaz suspirou e se aproximou dela por trás, segurando o cabo do pente e analisando a situação. Ele franziu o cenho para a cena.

— Você devia ter mais carinho pelo seu próprio cabelo...

“... Ele é tão bonito”, completou Zero mentalmente.

— Fala isso depois que eu bagunçar o seu todinho antes de lavar. Fala, vai. Duvido. 

Para sua surpresa, ele alisou a parte penteada com os dedos, fazendo as pontas dançarem em seu pescoço. Então, passou lentamente as cerdas pelos fios, desfazendo os nós sem puxar a raiz. Os olhos de Ryota se arregalaram com o cuidado que Zero tinha no processo.

— E não é que você sabe pentear, mesmo?

— Fica quieta. — Ela fez beicinho, que se transformou numa boca de peixe, até quase se engasgar com um espirro na manga. Ryota limpou o nariz com o canto da mão e riu. — Viu? Eu te falei.

— Com certeza é só uma rinite bobinha.

— Quero ver se vai continuar bobinha quando ela te dar dor de ouvido à noite.

Ela grunhiu para os comentários nada otimistas dele, mas não tirava sua razão. Em épocas de chuva ela facilmente resfriava, mas não a ponto de ficar de cama. Provavelmente, agora, era a rinite atacando por conta da chuva e o levantamento de poeira.

Ryota riu com o nariz.

— Você parece uma mãe. Mas é como dizem… — Terminando de pentear o cabelo, a garota se colocou de pé num pulo e correu para a pequena cozinha, apertando no interruptor para ligar a luz. — … Idiotas não ficam doentes!

— Nem pense em cozinhar sem lavar as mãos! Vai pro banheiro! Agora!

A garota riu alto da forma escandalosa dele para mandá-la limpar as mãos direitinho, com direito a uma aula de como usar o sabão e cuidar das unhas para não guardar sujeira. Em seguida, Ryota se dirigiu até a cozinha, onde orgulhosamente preparou sua nova receita com batatas. 

Como sempre, Zero fazia caretas rabugentas e comentários sarcásticos com qualquer coisa, mas acabou repetindo o prato durante o jantar.

***

Quando acordou no dia seguinte, não estava mais chovendo. O sol refrescante da manhã deu as caras na janela da sala, iluminando um pouco os cômodos. Ryota estirou-se no colchão, limpando os olhos durante o bocejo. Relembrou de como na noite passada ela e Zero tiveram uma discussão enorme sobre quem dormiria na cama, e ele insistia que fosse ela por conta de seus constantes ataques de espirro.

Porém, acabaram decidindo a situação num “par ou ímpar”, e ela acabou vencendo, decidindo ficar no colchão daquela vez. 

Sentando-se, Ryota tocou a garganta e inspirou fundo, verificando se tinha alguma dificuldade para respirar. E sorriu ao perceber que já deveria ter sarado da gripe.

— Hmm… Acho que é uma boa hora pra fingir que vou espirrar na cara dele. — Com a mão no queixo, Ryota riu maleficamente, imaginando a cena de Zero em completo desespero.

Lentamente, ela foi até a porta do quarto. Com um sorriso largo, tocou na maçaneta e abriu a porta devagar.

— … Ué?

Até ela soltar um som de surpresa ao ver o rapaz já de pé, apoiado contra a parede e de cabeça baixa. Ryota abriu um pouco mais a fresta da porta, permitindo que ele percebesse sua presença.

— Você já acordou? Que milagre você não dormir até depois das dez. — riu ela — Ou vai dizer que virou sonâmbulo do nada com esse jeito de-

A passos arrastados e uma mão apoiada na parede, o rapaz se encaminhou em sua direção, antes de cair, segurando seus braços. Ryota prendeu o ar e o envolveu, impedindo sua queda. Zero encostou sua testa contra o peito dela, arfando. 

— O que foi? Você... Ai! Tá quente! E suando tanto assim...

Zero a acompanhou em silêncio de volta para a cama, onde deitou, ainda arfando e suando frio. Ryota prontamente correu até a cozinha e preparou um medicamento, trazendo uma muda de roupas suas, um pano para secar o suor e um termômetro. Após confirmar que era uma febre, ela habilmente secou o rosto e peitoral do rapaz, que apenas a deixou trabalhar. Ele parecia terrível, fraco.

Minutos depois, Zero já parecia visualmente melhor, mas ainda franzia o cenho.

— Zero, como você está? Sem resposta, ainda...? Acho que vou trazer um copo d'água... Hã? 

Quando se pôs de pé, algo segurou suavemente seu pulso. Ao se virar, viu a mão pálida e fraca de Zero, que a olhava com as sobrancelhas tortas. Ele abriu a boca pra dizer algo, mas saiu baixinho demais de onde estava, então ela se ajoelhou de novo para ouvir.

— ... Não vai. — O que os olhos prateados viam eram vultos. Vultos que pareciam se misturar entre as memórias de uma mulher que, quando ainda era criança, o abandonou ainda febril, e não escutou seus pedidos roucos e baixos. Mas, agora, ele tinha conseguido segurá-la. Ela estava ali, perto, dizendo alguma coisa que não conseguia entender direito.

— Eu estou aqui, tá? Sempre vou estar aqui. — ciciou Ryota, e apertou a mão dele, que pareceu fraquejar com o toque e relaxou. — Vou te trazer uma água pra refrescar, e também fazer uma sopa. Não vou demorar, então dorme, tá bom?

— ... Sim. Obrigado... — murmurou ele, talvez já em meio ao sono, e fechou os olhos quando ela saiu do quarto escuro.

***

— ... Daí quando eu vim visitar a Ryo, ela tava toda cuidadosa do seu lado, te dando de comer na boquinha a sopa-

— Não! Fica quieto! Não quero ouvir! Não, não, não! — Zero tapou os ouvidos, enrusbecido da cabeça aos pés, enquanto era seguido por um Jaisen sorrindo maliciosamente pela casa.

— Tããão fofinho. Você até pediu pra ela te fazê cafuné. — Os dois entraram num embate, empurrando as mãos um do outro, depois que o rapaz ficou preso contra uma parede e não conseguia sair. As palavras de Jaisen continuavam a sair, narrando tudo o que presenciou do dia anterior.

— Ei! Vocês dois! — Ryota parou no final do corredor, a um metro deles, com uma concha na mão. — Parem com isso e venham logo almoçar.

Zero não conseguia nem olhar pro rosto dela de tanta vergonha, e só pôde lutar enquanto continuava a ser perturbado o dia inteiro por Jaisen e os olhares calorosos de Ryota, ainda preocupada com a temperatura relativamente alta dele.



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