Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 11 – Arco 4

Capítulo 45: Barganha

O som do baque que ecoou dentro do beco pareceu atingir profundidades às quais ela sequer conhecia. Foi como um tom oco que espreitou as brechas de seu ser e criou ondas de náuseas que se espalharam, tal qual o sangue manchando aquele pequeno espaço. 

O novo silêncio a ensurdeceu, e Ryota se viu encarando o novo corpo a poucos metros de distância com uma face de pura exaustão.

Ela estava esgotada, mais do que jamais esteve em toda a sua vida. Ainda que o mundo continuasse a girar, as vidas perdidas não poderiam ser recuperadas. Apesar dos retornos que a possibilitariam de trazer uma mentirosa esperança à tona, nada mudaria. Afinal, ela mesma foi incapaz de mudar, sendo assim, seria em vão.

… Cansei.

Diferente de todas as vezes anteriores em que enfrentou as provações, aquela lhe trouxe um turbilhão de sensações fortes o bastante ao ponto de acreditar que explodiria, apenas para que, um instante depois, o espírito se exauriu ao ponto de impossibilitá-la de sentir qualquer coisa.

Esforçou-se, correu e chorou. Mas para quê? Com que propósito, além de repetir os mesmos erros, buscando resultados diferentes, mas trombando com os mesmos penhascos sem saída?

Não se tratava apenas de um teste repetido três vezes, quiçá podendo ser refeito ainda mais do que estava sendo cogitado a princípio, mas sim de uma continuidade de tempo inacreditavelmente alta de delitos. Dias aos quais se viu encarar o reflexo no espelho, encontrando uma face familiar, mas que não reconhecia — e que jamais desejou aceitar como sua.

Os pesadelos que acreditou superar apenas retornaram com tamanha força que a fez tropeçar uma, duas, três… Infinitas vezes. O som das vozes, os soluços das lágrimas, os gritos de socorro, as lamúrias de dor, o cheiro de sangue, as brasas do fogo, o calor da vida se extinguindo, a fraqueza e sombras engolindo-a de dentro para fora como um mar frio e convidativo…

Quantas vezes se vira encarando aquilo? Quantas vezes viu-se relutando contra inimigos invisíveis? Quantas vezes apontou dedos, destilou palavras e envolveu-se em situações que poderia ter evitado?

E tudo com que propósito?

Por qual razão se esforçou tanto até aqui?

Que benefícios lhe trouxe todo o suor, sangue e lágrimas derramados, que não um novo ciclo de pecados ao qual jamais seria capaz de escapar?

Suas tentativas de trazer um futuro onde todos pudessem sorrir felizes, que se orgulhassem dela, que rissem com ela, que desfrutassem do mesmo verão e das mesmas memórias, foram frutos de uma esperança morta há mais tempo do que seus dedos podiam contar.

Foi tudo em vão. 

Nunca houve um lar para retornar, sequer pessoas para chamar de família. Não era mais sobre traição, mentiras ou pernas passadas e que a derrubaram na trajetória, mas sobre a conscientização de algo tão óbvio, mas que se recusou a enxergar.

Nunca compreendeu nada. Mesmo com as tentativas de outrem de lhe repassar uma mensagem, suas conclusões estavam erradas. Sempre estavam. Suas ações e sonhos eram falsas, assim como ela mesma. 

Como poderia ser diferente?

Se alguém desconhecesse a si mesmo, jamais seria capaz de entender os outros.

Os fracassos eram apenas o resultado disso, e esfregaram aquela verdade na sua cara em constância lenta e esporádica. Por vezes, o mundo mostrou-lhe as consequências; por vezes, as pessoas disseram e gritaram. Mas Ryota fechou os olhos, tapou os ouvidos e sorriu.

Ela fingiu estar tudo bem. Buscou e cavou naquela esperança vazia cuja vida nunca poderia florescer. E, com isso, pessoas foram perdidas, pendendo em seus braços. Se os corpos ainda jaziam ao seu redor, era porque falhou e continuaria a falhar.

Insistiram na verdade, mas Ryota buscou a mentira. Cegou-se e afundou nela por livre-arbítrio quando disseram o oposto. Desperdiçou e zombou dos sentimentos daqueles que foram importantes, e certamente apenas repetiria os mesmos erros com aqueles que ainda esperavam por ela.

Eu errei… Não, eu sou um erro.

Baixando as íris escuras, seus dedos sequer tremiam com o desespero ou o pavor. Agora, apenas tocavam delicadamente o rosto pálido da garota corrompida e que encontrou um destino triste e imutável ao depender de suas mãos.

Sinto muito, Amane… Não pude dar um fim digno à ela. E nem a ninguém.

Ela não era digna ou especial, então jamais poderia providenciar isso aos outros. 

No fundo, sou apenas outra mente fraca… Não, nem mesmo isso.

Chamar-se de fraca era menos do que poderia se autodenominar. Ela era o que corrompia, o que trouxe aquele fim a todos eles. Sua presença influenciou e os fez adentrar em problemas aos quais não deveriam se envolver.

Ela falhou em cumprir os deveres sozinha, arrastando os demais até aquele ponto e este foi o resultado.

Mais mortes, mais sacrifícios em vão, mais decepções, mais um fim que poderia ter sido evitado…

Mas não por ela. Sua incapacidade e necessidade constante de se provar digna apenas fez todos perceberem que era o completo oposto.

— Eu… Não entendi nada.

— Tem razão. Você realmente não entendeu nada.

A voz da outra presença era conhecida havia um longo tempo, mas Ryota não se deu ao trabalho de olhar para ela. Ou melhor, para o garoto que estava parado diante dela.

A figura infantil, cujas roupas já estavam encharcadas de um sangue antigo, permaneceu ali. Apesar do corpo na entrada do beco, nenhuma reação de choque veio de Dio. E Ryota certamente não esperou algo diferente dele.

Dado a última vez em que haviam se encontrado, ficou claro que o menino era, talvez, a maior incógnita de todas dentro da provação. E, quem sabe, do mundo real.

Mas nada daquilo teria mais sentido. Ela não se importava de que lado Dio estava, ou quais eram seus objetivos. Sequer considerou onde estavam Scarlet ou Alex, apesar de algo dentro de si afirmar com amargor o que houve com ambos.

— Estão todos mortos. E, até a lua se erguer, nós dois também estaremos.

Ryota não respondeu. A voz de Dio ainda era a mesma que conhecia: cheia de uma serenidade e experiência assustadoras para uma criança. 

— Eu… Falhei de novo.

Dio manteve-se calado, e a voz de Ryota continuou a murmurar. Vazia, frágil e dolorida. Apenas uma fração do que originalmente era.

— E vou continuar a falhar. Não importa o quanto eu tente… Nunca vou encontrar a Origem.

Ainda que todos tentassem lhe contar o que e onde estava, a mensagem nunca foi devidamente compreendida. E, ainda que fosse…

— Não sou a pessoa correta para cumprir com a provação. 

Independentemente daquilo que Sofia esperava conseguir ao fim dos cinco testes, era impossível retirar algo valioso dela. Se havia tropeçado tanto nos dois primeiros, ela finalmente caiu ao terceiro. Chegar ao quinto era meramente outra de suas ilusões.

— Eu deveria-

— … Desistir? É isso o que está pensando em fazer?

Dio interrompeu antes que pudesse terminar a frase, bastante ciente de onde os pensamentos da garota estavam. Ryota ainda não se dera ao trabalho de erguer os olhos da face de Bellatrix.

— Isso é impossível.

Após um longo tempo, os dedos de Ryota estremeceram com o tom de voz firme do garoto ao alertá-la.

— Enquanto não puder completar a provação, jamais sairá daqui.

Ryota apertou os lábios que ameaçaram tremer e enrijeceu o corpo ao murmurar:

— Então, ficarei aqui para sempre.

Foi o mesmo que erguer uma bandeira de desistência, mas se o garoto estava correto em sua afirmação, ninguém iria se predispor a retirá-la dali. Era como uma punição eterna, relembrando suas falhas pelo resto de sua vida, enquanto ainda pudesse denominar possuir uma.

— … Essa vai ser mesmo sua decisão?

Dessa vez, a voz de Dio acompanhou o tom suave ao perguntar. Ryota foi capaz de sentir o par de olhos sobre ela, mas sua atenção não se afastou do rosto de Bellatrix por nem mesmo um momento.

— Ficar presa aqui pelo resto de sua existência?

Talvez “existência” fosse um termo mais adequado do que “vida”. Afinal, algo poderia ser considerado vivo sem consciência?

— Vai abandonar todos que estão do lado de fora?

— … Eles não precisam de mim. 

— O que quer dizer?

Ryota engoliu a própria saliva em seco, sentindo ela descer rasgando pela garganta.

— Bellatrix pode encontrar outros amigos. Alexandre ainda estará lá por ela, ele é alguém forte e que não se deixa abalar por nada. 

— E quanto aos outros em Thaleia?

— Edward pode encontrar um guardião adequado. Ele tem sua irmã e Luccas o ajudando agora… Quanto aos outros…

Ryota hesitou, mas continuou suavizando a inexpressividade, relaxando os olhos ainda mais, quase como se estivesse pronta para fechá-los.

— Eu cortei e destruí todos os laços que tinha. Afastei Fuyuki, acusei Eliza, não sou capaz de salvar Zero ou de encontrar o tio Jaisen. 

Houve um silêncio longo e frio dentro do beco.

— Tenho certeza de que conseguirão encontrar outros meios de salvar Zero mesmo que eu não volte. Ainda que… Eu desapareça… Eles não precisam de mim.

No começo, poderiam sentir sua ausência. Mas conforme o tempo passar, esqueceriam-se dela. A substituiriam por outra pessoa, e assim poderiam fingir que nunca existiu. Talvez a dor no começo os açoitasse no peito, mas eventualmente iria passar. Eles eram pessoas fortes, diferente dela.

Mais capazes, mais determinados, mais charmosas, mais gentis, mais inteligentes…

— E você também não precisa, Dio. Pode encontrar alguém melhor para se apoiar. Alguém… 

… Alguém que não corra o risco de te matar ou te machucar, também.

E era isso. Quando o último elemento desaparecer, nada restaria. Ao ascender da lua cheia naquela noite escura do beco, assim que o elemento final cedesse à corrosão e desaparecesse, nada restaria.

E quando todos desaparecerem, ela finalmente… Poderia desaparecer também.

Mais um longo silêncio se passou, e Ryota quase considerou a possibilidade de Dio ter ido embora. Mas logo quando ergueu parcialmente os olhos, avistou o rosto do garoto áureo ajoelhado, ainda perante ela.

— … Me responda uma coisa. Antes desse mundo acabar, preciso que me elucide apenas sobre isso.

Apesar do pedido, a garota apenas concordou devagar com a cabeça. Considerando o fim que os aguardava, demandaria apenas alguns minutos até que a escuridão os engolisse completamente.

E, logo quando viu-a acenar, os olhos dourados encararam os azuis, sussurrando:

— Tenho certeza de que a fizeram se perguntar diversas vezes sobre o que é a Origem, ou o que deveria fazer com ela. Mas…

A atenção de Dio baixou para o corpo frio e imóvel nos braços de Ryota, estremecendo levemente as íris para o corpo que ali repousava antes de continuar.

— … Você sabe o propósito da Origem?

— Como eu deveria saber?

Era apenas outra pergunta retórica que nunca seria capaz de responder. O conhecimento nunca seria transparecido, e a comunicação entre ela e qualquer outra pessoa perdeu o sentido quando reconheceu a própria pequenez.

Assim, com a resposta que nada era além de outra pergunta, Dio baixou os ombros e continuou a trocar murmúrios com ela.

— Se não sabe, me permita reestruturar a pergunta.

Ryota franziu a testa o bastante para suas sobrancelhas se moverem, um calafrio percorrendo sua espinha quando Dio firmou o olhar em sua direção.

— Ryota, qual a sua origem?

— … A minha?

— Não a desta realidade ou a de outras pessoas… Mas aquela que te permitiu existir. Aquela que te trouxe até aqui. 

Outro silêncio se instaurou — mas, dessa vez, na mente cujos pensamentos transbordaram como uma cachoeira. Enquanto fitava Dio, as engrenagens de seu cérebro lentamente começaram a girar, buscando funcionar pela última vez.

— Ryota, qual a sua origem?

Dio repetiu a pergunta, dessa vez em tom mais firme. Como que ciente de seu esforço, o menino prosseguiu, dessa vez desabrochando um pequeno e doce sorriso:

— A minha origem é você.

Outro arrepio percorreu Ryota. Sempre que se permitia prestar atenção no afeto que a presentearam, uma explosão de pensamentos percorria a mente. E, em especial, quando era Dio quem o fazia, os questionamentos sempre cresciam.

Mas agora, por qualquer que fosse a razão, ela apenas conseguiu ficar em silêncio para as palavras que se seguiram:

— Você pode não se lembrar, e jamais saberá o quanto isso é importante para mim. Mas quem me fez encontrar um futuro, que me motivou a continuar vivendo, a me esforçar a cada dia por aquilo que sonhei… Foi você.

Ryota sentiu um aperto grande demais no peito para conter o soluço. Através do rosto gentil do menino, enxergou outra pessoa que outrora revelou sentimentos tão profundos e de origens tão incertas que quase a assustaram.

Mas…

Ela não era digna disso. 

— E não sou apenas eu.

Quando acreditou que havia terminado, de repente Dio fortificou a própria fala, ainda com aquela feição macia de carinho.

— Há tantas outras pessoas no mundo em que você foi a origem, e tenho certeza de que são tão gratas quanto eu — o menino suspirou, parecendo refletir sobre algo, e então baixou o olhar para a face de Bellatrix — Tantas vezes nomeamos sentimentos e desejos com diversas palavras, e ainda assim somos incapazes de expressá-los como queremos.

Agora, os dois estavam observando o rosto empalidecido da garota cuja vida se esvaiu.

— Mas… Apesar de parecer difícil, não precisa ser. Sempre que você me faz sorrir, eu apenas quero te retribuir. Quando me abraça, eu te abraço. Quando me consola, eu quero te consolar também. Não deveria precisar de um motivo, é apenas… Amor por amor.

Ryota sentiu uma estranha nostalgia, e percebeu que encarava Dio da mesma forma intrigada de quando conversaram sobre aquele assunto no trem.

— E se pra retribuir e manter esse amor, eu preciso me esforçar bem mais, aprender com os machucados que sofri e causei, e tornar nossa relação mais forte… Não vejo razão para hesitar.

Com o grande foco nas palavras que ouvia, a garota demorou para perceber que a mão de Dio segurou a dela. O toque era cuidadoso e delicado — assim como Bellatrix e Alexandre costumavam fazer.

Aqueles dedos pequenos compartilharam da mancha de sangue já fria, mas não houve qualquer reação de nojo ou repulsa no menino. Se era por estar acostumado ou porque simplesmente não importava, Dio não demonstrou.

— Eu vou proteger a minha origem. E tenho certeza de que Bellatrix e Alexandre também vão, assim como todos fariam. Mas, agora, a grande questão, Ryota — ambos se encararam novamente — é encontrar a Origem desta provação. 

Os dedos do menino apertaram apenas um pouco antes de soltar, e Ryota sentiu imediatamente a falta do calor humano quando Dio se afastou.

— Essa não é uma tarefa que eu, ou qualquer um de nós pode interferir. Mas eu sei que você é uma pessoa incrível, então vai descobrir bem rápido.

Apesar das circunstâncias, a face infantil manteve-se suave e até mesmo um leve riso escapou de seus lábios. 

— Vai ficar tudo bem.

— Mas…

— Acredite em mim. 

— … Mas, se eu falhar-

— Se falhar, tenho certeza que tentará novamente. 

Dio falou com tanta convicção que Ryota quase acreditou.

— Eu sei que vai se sentir mal agora, mas quando olhar para nossos rostos, vai querer tentar mais uma vez. E mais uma, e outra mais. Essa é você. 

Apesar de pensar em desistir, sempre haveria uma pequena fagulha de esperança lembrando-a daquilo que era mais importante — o que mais priorizava, qual era seu maior desejo.

— Isso vai ajudá-la a entender a verdadeira Origem. Tenho certeza.

— Eu-

Ryota estava prestes a perguntar, quando hesitou e engasgou com a própria respiração. Dio apenas riu levemente ao sentir a estranheza, fungando o nariz quando a linha de sangue escorreu de uma de suas narinas.

— Acho que meu tempo também chegou.

— … Ah. Essa não. O que eu-

— Não se preocupe. Não vai doer.

— O que… Não, espera. Você não pode… Eu não vou deixar você morrer também!

Tão rápido quanto se permitiu pensar, a mão que antes Dio segurou agora prendeu-se no pequeno braço dele o impedindo de se mover. Ryota o segurou tão firme que quase pôde sentir os ossos do garoto.

Dio estremeceu em surpresa, mas não recuou ao toque — na verdade, seu sorriso se alargou ainda mais. A face que se manchava em sangue ainda a incomodava, e por isso Ryota manteve o corpo de Bellatrix nas pernas e tentou limpar o rastro que manchou o rosto bonito do menino.

Foi uma cena que poderia ter sido vista como adorável caso a outra narina de Dio não sangrasse também. E mesmo com o visível desespero de Ryota se acumulando ao ponto de lhe gelar as veias, ele apenas riu de leve.

— Não adianta. Este mundo vai eliminar cada uma das peças de acordo com a ordem.

— Eu não ligo! 

— Quando o tempo se esgotar, todos vão perecer. Você não tem escolha a não ser recomeçar.

— Cale a boca! Eu não… Eu não quero ver isso de novo…

As reclamações de Ryota, antes irritadas, logo se tornaram apelos que não seriam ouvidos por mais ninguém. Suas tentativas de manter o rosto de Dio limpo apenas durou por alguns segundos antes de mais sangue escorrer, pingando na ponta do queixo nas roupas.

— Moça.

— … Não.

— Moça.

— O que foi?!

— Obrigado por chorar por mim. 

Ryota não percebeu quando as lágrimas começaram a escorrer, e nem se importou. Seu esforço foi completamente dedicado a tentar estancar os sangramentos no rosto de Dio, que se manteve sorrindo do começo ao fim. 

Era uma face de felicidade que, ao lado das palavras que soaram como uma despedida, outra vez a fez engasgar com a própria respiração. O soluço perdurou por tempo o bastante para que a mão manchada de sangue fresco envolvesse o pequeno corpo ao gradualmente perder as forças, deitando contra o dela.

Ryota segurou os dois corpos nos braços e visualizou seus rostos — ambos banhados em um vermelho familiar, ambos eram preciosos.

E ambos, ela queria salvar. Queria mantê-los por perto e nunca mais soltar. Não se poderia permitir ao luxo de deixá-los para trás quando confiaram nela.

Mas, ainda assim…

O que eu faço?

Estava presa entre as duas mentalidades, que brigavam entre si — abandonar ou responder. Assim que a lua cheia ascendesse ao topo, acima do beco, iluminando os corpos que banhavam a cidade e seu colo… Era o fim.

O fim deste mundo… O fim da provação, e dessa realidade…

Ryota inspirou fundo e segurou as duas pessoas cujos corpos jaziam ao alcance de seus dedos ensanguentados. Ela os repousou o mais confortavelmente possível nos braços e baixou os olhos na direção de ambos.

Este é o início do fim… O retorno começa com a desfeita de todas as peças… De todos serem corrompidos.

A mão esquerda roçou o pescoço de Bellatrix — e o cabo da faca.

… Eu entendi.

Com tanta delicadeza quanto possível, deslizou a lâmina para fora e segurou a arma.

Entendo agora… O que é a Origem.

Apesar da lâmina reluzente manchada em sangue, ainda era afiada o bastante.

Finalizar a Origem… Acabar com este mundo, e a provação… 

Ryota apontou a ponta da faca para o próprio pescoço.

Se esse sempre foi o sacrifício necessário… Se a Origem de toda essa morte, desse desespero, das esperanças entregues for eu…

Com um último vislumbre daqueles rostos, ela sorriu.

… Não vou hesitar.

E rasgou pele, carne e sangue — até abrir a própria garganta, e jazir ao lado dos demais.



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