Torneio da Corte Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 20: Monotonia e Sobrevivência

Braços são balançados; bocas se abrem, espalhando uma algazarra pelas arquibancadas.

Jay está estirado pelo solo depois do impacto que levou no queixo. Humine se encontra de pé, ao menos por mais alguns segundos, caindo enquanto se abraça para se debater no chão como um peixe fora d'água, o que transforma parte dos enaltecimentos em risadas.

O rapaz range os dentes, cada espiral por sua carne o eletrocuta com uma dor terrível. Sua vista se contorce em um delírio.

— Hahahaha! E não é que ele usou?! — comenta Traçal, que assiste o combate por um telão com seu pai, estando no mesmo quarto VIP que usaram no primeiro dia. — Ury deve estar cortando os pulsos após ver seu irmão tomar um golpe tão miserável!

— Então já acabou? — pergunta Lorde, que está em uma poltrona próxima.

— Não… Não acabou.

No chão, Jay está consciente, mostrando parte do seu olhar tenso ao erguer a cabeça.

“Ai… Se eu não tivesse posto um braço debaixo do queixo estaria dormindo nas nuvens agora. (...) Bem… o que eu deveria pensar sobre isso? Não esperava que ele soubesse contra-atacar meu estilo, isso foi inesperado para esse oponente”.

Após respirar fundo ele se levanta sem dificuldades, roubando a atenção de todos à volta. Sangue é cuspido para o lado.

— Está de volta!! — brada Gaojung. — Essa é a expressão de alguém que acaba de levar um golpe daquele porte?!

— Foi inefetivo! — diz Malena. — Sua condição e equilíbrio seguem no máximo da capacidade!

— Isso é mal! Por outro lado Humine ainda está abalado! Seu adversário se recuperou, mas suas costas ainda estão no chão!!

— Tudo que basta para Jay é finalizá-lo!

O estrangeiro caminha no rumo do rival, com tranquilidade no ritmo. O demais para de se debater, conseguindo ao menos sentar, ficando com um joelho sobre a terra pela última falha em levantar. As gotas de suor deslizam do seu rosto para o solo.

Jay para ao sentir o oponente no alcance do seu braço esquerdo, e, com a confirmação, o dispara igual uma lança torcida, tendo como alvo o pescoço.

O golpe não tem impacto; toda a silhueta do Humine se torna falha por um instante, cópias vazias dela surgem e desaparecerem como um leque se abrindo. Os olhos do estrangeiro se abrem mais em surpresa.

Um raio cai do céu e o atravessa o estrangeiro, chegando ao chute baixo que Humine conecta sobre a canela do adversário, travando sua postura com a dor, e, em seguida, sobe de uma vez, estourando um gancho no queixo do Jay, que desta vez não pôde colocar nenhum braço para amortecer a colisão. Ele é jogado ao ar junto de um estampido; pasmo, só resta sua forma deformada pelo golpe direto aos sentidos.

Um baque seco soa quando suas costas encontram o chão.

A situação do acerto de mais cedo se repete na queda do estrangeiro, com a diferença de que nesta Humine cai de pé sem nenhum sinal da dor que o atormentava, tomando de imediato uma pose com o corpo virado, mantendo o braço esquerdo estendido à frente e o joelho próximo flexionado — uma postura sólida.

Um profundo silêncio cobre o local.

— A LUTA ACA- — Ia gritar o narrador, acompanhado pelo ânimo crescente de muitas pessoas, se interrompendo junto do outros ao verem Jay se levantando repentinamente com a força de uma única perna.

— Só caia logo! — reclama Humine. — Qual o problema de deixar um desconhecido ganhar uma vez?

— Eu ainda não fui para as nuvens, seu desgraçado! — Sangue desliza pela borda da sua boca.

Depois de segundos de respiração densa, os dois avançam para um embate, se recepcionando com uma troca de soco por suas faces. Seus braços esbarram, liberando baques nos contatos, amassando suas peles. Seus olhares trocam intenções hostis.

“E não é que sabe socar normalmente?!”, considera Humine ao esboçar um sorriso.

No recuo dos membros, seu cotovelo é movido pela mão do adversário, fazendo seu corpo dar uma volta completa pelo ar.

“Sério!?” Suas costas colidem na terra, e, ao abrir as pálpebras vê a sola de um pé se aproximando; ele reage com um giro para sair do campo da pisada. Poeira se espalha no impacto.

Um chute corta o ar até chocar-se contra o pescoço do Jay, torcendo sua postura enquanto raízes roxas se espalham pelo subsolo na dispersão da força.

O estrangeiro acerta a parte abaixo do umbigo do Humine, que faz uma expressão deprimida ao sofrer da dor, conseguindo resistir o suficiente para responder em seguida com um soco no fígado do adversário, causando a dispersão das raízes roxas.

A troca bruta de ofensivas prossegue com Humine não se importando de ter a força dos seus golpes amenizados, transparecendo claramente a maior quantidade de dano com o tempo.

 

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O tempo retrocede. O cenário agora é de uma academia de artes marciais.

A versão mais jovem do Humine bate num saco de areia, com o passar das horas faz flexões e outros exercícios, mas nunca com a devida atenção do treinador ou algum instrutor, que estão focados nos aprendizes de maior destaque.

“‘Por que eu ainda venho para cá?’, me pergunto quantas vezes disse isso para mim.”

Os anos passam, ele é massacrado em uma luta de treino, ficando caído pela lona com apenas a companhia da agonia dos machucados.

“Sou filho da sobrinha do treinador, com um pedido ela conseguiu uma vaga gratuita para eu não apodrecer sem fazer nada depois da escola. Mas cara, sou tratado como se não existisse, porque o foco de todos aqui é o campo profissional, quem não tem resultados é lixo excluído.”

Em uma noite qualquer suas pernas o levam para um passeio pelo centro da cidade.

“Tch! É melhor eu só parar de ir para aquele lugar de merda, o clima acaba comigo.”

Numa rua qualquer, se depara com um cinema, onde se foca no cartaz que retrata um ninja pulando pelos telhados enquanto rodeados pelos tiros dos inimigos.

“Hã? O que é isso? Parece ser horrível.”

Após comprar um ingresso ele vai assistir com uma expressão de tédio, o que se tornaria horas mais tarde em um rosto embasbacado.

“Que maneiro!!”

Humine, depois desse dia, se torna um fã absoluto desse gênero de filmes, assistindo mais do que poderia contar. Nas noites ele começou a estudar os movimentos e poses dos ninjas por meio de alguns livros ou na internet, mesclando o que pôde com o estilo que seguia treinando na academia, tornando enfim aquele passatempo em algo que verdadeiramente o mantinha entretido por sua vida. Um hobby absoluto.

Mais tempo se passa, o treinador reúne a todos, os comunicando algo.

“‘Vou levar para a avaliação do Holliver os que estão na idade permitida’?... Ele está falando sobre o boato daquele novo torneio? Pelo jeito é verdade. Deixa eu ver… não tenho nada para fazer nessas férias… Tudo bem, por que não? Pelo menos não vou ter minha família enchendo o saco a cada hora.”

Um por um dos alunos da academia são desclassificados.

Você tem um estilo interessante... Por quê?...”

O rapaz surge para o grupo com uma expressão desacreditada, portando marcas dos golpes que levou e, também, um papel comprovando a sua participação aceita para o torneio.

“Sério que passei?...”

 

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De volta ao presente, as linhas que moldam Humine ficam mais densas durante seu abaixar, uma visão que faz o estrangeiro imergir em uma poça de apreensão, estando preso em uma pose de pós-soco.

Um pé parte o ar na forma de um borrão de cores, explodindo-se em faíscas de chamas ao acertar a canela do Jay, danificando o osso e a postura do atingido; Humine pula com seu ataque pegando em cheio no queixo do adversário, afundando a cabeça dele num mundo de vapor criado a partir do punho, que desfigura suas formas em hachuras, futuramente, em nada.

O estrangeiro bate a cabeça ao cair pela terra, tossindo sangue pelo acúmulo de feridas em sua boca, sujando boa parte do rosto e roupa próxima. Seus sentidos estão bagunçados, não notando os arredores como algo além de branco e sons turvos, com a visão centralizada na fênix entre os holofotes. Ele enfraquece, perdendo cada vez mais o brilho dos olhos.

Humine está ofegante, levantando o braço em comemoração, recebendo os louvores do público.

 

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A mente do caído está confusa, recordando-se de uma figura formada de negro em constante movimento — do que também é feito os arredores —, estendendo-lhe a mão. Esse homem sorri, acolhendo os pequenos dedos sobre a sua grande palma, uma existência que desaparece com um estouro que expõe a realidade: não há ninguém, era só uma desilusão do garoto no beco, um que compartilha da mesma forma obscura do mundo.

As linhas de tinta viajam por rumos distintos… eternamente.

O garoto se levanta, pegando o cano de ferro no chão para carregar consigo numa caminhada. Ele vai de um lado para outro pela cidade, evitando qualquer proximidade com os seres humanoides na rua — criaturas conturbadas feitas do mesmo material que ele, ou há alguma diferença?

O sol está no alto, mas sua luz é ineficiente.

Ao passar por uma tenda, o jovem rouba algumas frutas com o deslizar do seu braço, derrubando-as sobre sua camisa desgastada. Por conseguir o que queria, ele corre, sendo perseguido pelo comerciante e alguns clientes que decidiram ajudá-lo.

Não tendo mais escapatória num beco, a comida é deixada para cair pelo solo sujo; o garoto se vira, empunhando um cano em uma altura acima dos ombros, enraivecendo sua expressão igual um cão. Ele investe contra os homens.

Dentes afundam numa maçã suja, tempo se passou.  Tal está debaixo de uma ponte, por perto passa um córrego lerdo, de tom esverdeado semelhante ao do esgoto. Ferido, ensanguentado e sujo, mas sem fome, isso que importa.

O tempo salta, o cano acerta a cabeça de um homem, apagando-o, porém ainda há mais oponentes. Não há mais escolhas ao jovem além de pular sobre todos, imergido em uma raiva abissal, que o protegia da dor, e, do mundo — sua arma.

— Não seja ingrato! — diz uma forma humanoide em tom odioso. O tempo retorna ao do começo, em que o homem lhe estendeu a mão, entretanto, desta vez está segurando com força o pulso do garoto. — Tenha êxito, você precisa compensar por tudo. Deseja que morramos? Não, né? Então não ouse perder! Ganhe a todo custo! MESMO QUE CUSTE SUA VIDA!!! — Os olhos e boca da criatura se deformam, derretendo para o alto, o que altera seu tom.

 

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De volta à luta na arena, os narradores estão energéticos como a plateia, impressionados pelo combate e a destreza do Humine na aplicação dos ganchos.

Em um dos assentos mais altos está Ury sentado, olhando para o irmão com uma tensão escancarada nos olhos.

“Idiota… não exagera. Já é o suficiente. Talvez seja melhor assim, estar nessa competição nunca foi uma obrigação que você deveria ter. Tch! No fim, sei que as coisas não irão como quero independente do que eu pense.”

Na arena, Humine está com um braço derrubado pelo cansaço, mantendo uma base larga com as pernas.

— Não vai apitar? — pergunta para o árbitro, que não responde, olhando para ele com olhos secos, como se não se importasse. — Ei! Eu o desacordei!! Isso com certeza já é o suficiente!!

“Não seja ingrato” soa. O garoto salta para confrontar o grupo de homens, despencando numa frenesi de ira sem fim, como um animal — como o do presente.

Jay se levanta de uma vez, dilacerando o ar com uma investida na direção do oponente, portando um olhar bem aberto, com pupilas puxadas para o fundo do centro, em uma prisão de ódio; seus dentes cerrados estão a mostra, grunhidos distintos são emitidos do fundo da sua garganta.

Apesar de ter se assustado com a visão do adversário, Humine reage lançando-se para trás com um salto desesperado, que o deita quase por completo no ar; a terra explode numa pisada, o adversário o persegue com um aumento súbito de velocidade.

“Como ele está acordado?! Eu acertei três malditas pancadas no queixo dele!! Não importa quanta aura ele tenha concentrado na defesa! isso ainda não deveria estar acontecendo!!”

As costas do que fogem batem no muro, sentindo um fim repentino na sua intensidade de movimentação, causando um desânimo profundo pelo choque.

Antes que fosse tarde, Humine acorda, ou melhor, entende que precisa agir, vendo a garra do rival aproximar-se como um borrão que visa perfurar seu crânio, mas que estoura apenas o concreto pelo virar do seu pescoço numa esquiva.

A luz cobre o rosto espantado do que foge, pavor o percorre, principalmente quando seus olhos encontram com os do oponente, que não é mais Jay, não o humano.

Os dedos são retirados do concreto, o braço é recuado, sendo disparado para mais um golpe, um lateral, que perfura a garganta do rival, espalhando vermelho pelo mundo de tinta negra em infinita movimentação.



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