Torneio da Corte Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 21: Descontrole

Gotículas de sangue brilham pela reflexão de luz, se espalhando pela terra. A lentidão toma o tempo. O público e os narradores estão pasmos, vendo Humine ir para o lado segurando o pescoço ferido; sua expressão está dolorida.

“Qual o problema desse cara?!”, considera o próprio, estando perto do rosto ensandecido do adversário. “Ele quase abriu minha garganta! Quanta força seus dedos têm?!”

A investida do Jay faz o oponente recuar com um salto.

“E por que o juiz não apita?! Só vai terminar a luta quando um de nós estiver morto?! Isso é loucura!!” Humine gira o tronco, liberando um chute de direita na coxa do oponente, amassando-a. Ele ruge ao perceber o êxito. “Não vou me render! Se você ainda pode avançar! eu também posso!!”

Jay continua investindo, lançando um soco de esquerda ao estar próximo o suficiente, do qual o rival esquiva se inclinando para o lado, aproveitando para encurtar a distância e abaixar seu centro de gravidade, atacando o estômago dele com os dois punhos alinhados.

Os dedos sujos de vermelho seguram a clavícula do Humine, surpreendendo-o com a dor do aperto. Apesar de sua postura se encontrar quase dobrada pela pancada que levou, Jay consegue pegar o oponente, puxando-o para mais baixo, desferindo uma cabeçada sobre a face dele.

Vermelho vai para o ar. O estrangeiro cambaleia enquanto o rival despenca para trás, deixando um rastro de sangue; seu olhar enfurecido desce ao máximo nas escleras para prosseguir focado no alvo. Jay arranca, caindo à frente para alcançar a cabeça do oponente com sua mão, estourando a ofensiva pela terra, sofrendo um contragolpe no centro do rosto, que é afundado no impacto.

Humine se levanta parcialmente quando a força do impacto joga a cabeça do adversário para o alto, expondo um novo corte na sua face, aberto durante o desvio recente; um borrão branco sobe desde baixo, batendo no queixo do estrangeiro, que sente todo seu equilíbrio estremecer.

Ele tem dificuldades em ficar de pé, andando para trás pelo desequilíbrio. Do outro lado, Humine sente suas pernas tremerem, afundadas num pântano de exaustão.

“Droga… não consegui pular para somar mais força. Se eu tivesse, teria posto um ponto final nisso.” Suas mãos se juntam lateralmente para fazet o selo de cachorro, se desfazendo no moldar da postura. Ele fica com as pernas separadas em uma reta diagonal assim como os braços, que estão em alturas diferentes, mantendo agora as mãos abertas. “Mas está tudo certo. Ainda posso responder as trocas, por causa da ira o seu estilo de reversão não funciona mais. Que estado patético, Jay!”

Ao ver o adversário se jogar contra ele, Humine reage movendo o braço sobre o pulso dele, mandando o golpe por uma rota vazia. Seus dedos da mão livre fecham-se, os músculos do corpo enrijecem, carregando toda sua força para finalizar Jay num único ataque.

Os olhos do rapaz se abrem ao limite, ele impulsiona o gancho com o virar do tronco, aproximando-o do queixo do Jay, que, pelas pancadas anteriores, está com os ossos rachados — prestes a quebrarem —, ouvindo um baque alto ao ser atingido novamente.

Parte por parte do público fica desnorteada, uma sensação que faz alguns se levantarem.

Vapor sai por próximo do fêmur do Jay.

O braço do seu oponente está logo ao lado do seu rosto, estendido ao limite, tendo virado sua cabeça na raspada pelo queixo; seu cérebro chacoalha.

Humine está quase caído, tendo dificuldade para manter a força nas pernas, ofegando constantemente mesmo que seja quem tenha saído vitorioso na troca. Seu outro braço foi perfurado pela estocada, um escudo que protegeu sua garganta.

“Q-qual o meu problema?! Errei?! Meu ataque pegou de raspão?!” Humine fecha o rosto devido a dor, vendo parte dos dedos do estrangeiro dentro da sua carne. “Do nada minha vista embaçou! Se eu não levantasse esse braço, teria morrido?... Esse golpe certamente queria minha garganta! (...) Acalme-se, afinal consegui o acertar!”

Jay é contido pelo braço do oponente, que se dobra por cima do seu ombro, pondo força para que ele não se distancie. Seus olhos estão mais vazios que um momento antes.

“Meus sentidos estão ruins, é por causa de um impacto anterior? Em todo caso, não posso deixa que se mova livre enquanto me recupero! Preciso de mais tempo!”

A mandíbula com dentes ensanguentados se abre, formando laços rubros. Dentes que são usado para morder o braço ao lado, fazendo Humine se apavorar ao sentir sua carne sendo mordida. O aperto é aliviado, a liberdade retorna à fera.

O pé do estrangeiro sai da terra, cortando um trajeto diagonal até bater na coxa do rival, penetrando-a com os dedos, espalhando sangue para fora.

“Até os dedos pé são afiados?!”, pensa Humine, sentindo o mundo ficar cada vez mais estranho, com a realidade dobrando-se em formas estranhas, misturando as cores de qualquer maneira, sem nexo ou padrão; apenas uma bagunça infernal lhe resta. “Não estou melhorando! O que está acontecendo?! Meu braço e rosto estão pegando fogo! Não é a porcaria só da dor da mordida, sinto que está se espalhando como se estivesse correndo pelas veias! Esse cara… isso é veneno?!”

Jay fortalece o braço livre, lançando-o como uma estocada, tendo o olho do rival como alvo; o caminho é tingido com rastros de roxo.

“Esse cara… realmente vai me matar?!” Seu semblante abre-se em medo, derrubando os cantos da boca enquanto sobe as sobrancelhas; vento passa por ele, chacoalhando o cabelo bagunçado. — E-eu desisto! — O som sai praticamente inaudível da sua boca.

O mundo escurece, restando as silhuetas obscuras dos lutadores se movendo: criaturas do continuum, aquela que “o” perseguiam, que precisam ser destruídas pela sobrevivência — e serão. Os dedos do Jay entram pelo olho do adversário, parando ao penetrar o cérebro com um ruído abafado.

O mundo derrete do breu para o real, retornando-o a sanidade. Jay fica surpreso com o que fez ao ponto de abrir os olhos e boca ao limite, vendo que seu braço alongando foi agarrado antes que aquele delírio se concluísse. Ele é solto para em seguida ser pego pela nuca, um movimento que o joga de cara no chão enquanto ouve o soar de um apito.

Os narradores e o público ficam congelados, demonstrando ações apenas após segundos,  finalmente absorvendo a informação mais importante: o combate acabou.

— ESTÁ ACABADO!!! — grita Gaojung. — QUE INTERVENÇÃO EXCELENTE DO JUIZ!!!

O árbitro está agachado, segurando a cabeça do Jay para o manter deitado. Os joelhos do Humine caem sobre a terra, ele expira densamente, mantendo a expressão de pavor por mais alguns segundos, colocando em seguidas seus braços sobre o chão ao buscar estabilizar sua respiração. Gotas de suor vão atingindo a areia, marcando-a.

— A vitória é do Jay, certo?... — indaga Malena.

— Isso é difícil de dizer! Mesmo que esse seja um torneio do Holliver, uma intenção tão clara de matar pode tornar possível uma desclassificação! Está nas mãos do juiz!

O apito soa, ele levanta um dos braços do rapaz, uma cena desconfortável por tal estar de costas de frente para o solo, mas que entrega a resposta da pergunta para todos. Uma barulheira se molda nas arquibancadas, a vitória é do Jay.

— Me solte!! — grita o próprio, virando o rosto pela terra para enxergar o juiz. — Eu não ia matá-lo! Havia recuperado a consciência um pouco antes! Estou totalmente são!

O homem o olha por mais algum tempo, não demonstrando nenhuma reação as palavras, mas com o tempo acaba se levantando, permitindo-o sair daquela posição.

A equipe médica adentra no local, se apressando em alcançar os dois lutadores.

[9° Luta (2°F) - Jay vs Humine

Duração - 13 m 22 s

Vencedor - Jay

“Aquilo foi perigoso, se o juiz não fosse rápido poderia ter acontecido o pior... Mas deixando de lado essa parte delicada, a que mais me marcou foi Humine conseguindo machucar Jay que até então parecia inabalável. Não seria isso... a derrota do estilo gou-son?”, comentário da Malena.

 

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— Que absurdo… — fala Unsai, que está inclinado à frente com os punhos cerrados, olhando para baixo com descontentamento. — O que foi isso? uma briga de rua? Humine só recebeu o desfecho da luta com a proximidade da sua morte, apesar dele ter apagado o adversário por tanto tempo… Que porcaria! Era para ele ter ganhado!

 Omnislai e Shinsai estão calmos, o que não é habitual para o semblante do primeiro. 

— O que Holliver está pensando? O árbitro não era tão lento na primeira fase, isso com certeza foi algo ordenado. Não estamos na droga do submundo… Tratando nossas vidas como brinquedos. Tch! A moral dele vai parar na merda daqui algumas horas quando for divulgado na mídia. Bem feito! Para que aprenda a lição!

— Garoto… — chama Shinsai. — Você assistiu aos torneios mais antigos do Holliver?

— A-ah? Ah! sim! Vi alguns.

— E você, Omni?

— O mesmo. — Seu olhar fica sério. “Desde quando ele começou a me chamar de forma tão casual?” 

— Lembrem-se. Em qualquer uma das competições houveram duas ou três lutas que tiveram ataques arriscados, que poderiam significar sequelas graves para os envolvidos, principalmente se considerar que antigamente a medicina não era tão boa.

— O que quer dizer? — indaga Unsai.

— Holliver passou muitos anos na ativa, e ninguém pôde derrubá-lo. Nenhuma vez. Apesar de toda a violência que já expôs. Aquele homem sabe como “sobreviver” independente do que aconteça, então ele não tem medo de confrontar qualquer “chance” ruim. Morte. Mídia. Ética. Vivendo há décadas no limite das três, e nada o derrotou. Entendem o que quero passar com isso?

Os dois rapazes confirmam com tom sério.

— Desde o começo da luta, tudo estava sobre controle. Ele não vai cair em um buraco, não um em que ele próprio se jogou. Isso não é possível — finaliza.

— Droga! — Unsai bate os punhos sobre os joelhos.

Omnislai ouve as pessoas conversando à volta, notando um tom alegre anormal, considerando que eles acabaram de ver uma pessoa quase ser morta, diferindo do ar nas arquibancadas, que apesar do ânimo, estão sendo afetadas pela tensão. O rapaz se vira, olhando para a tela que contém os valores de dinheiro, vendo que o lado vencedor recebeu uma marca dourada.

— Senhor Shinsai — diz, ainda olhando para a tela. — o que pensa sobre uma luta até a morte?

— Ei! isso é rude! — alerta Unsai, tentando pará-lo.

— Tudo bem, não me importo de responder. Mas por que pergunta?

— Eu gosto de brigar. Só que é a primeira vez… a primeira em que vejo duas pessoas quase se matando. Isso está me dando calafrios ao invés de empolgação. — Suas mãos sobem, segurando os cotovelos. Shinsai para de o fintar, se focando à frente. — Isso é… medonho.

— Contanto que ambos concordem dos riscos antes da luta iniciar, não tenho nada contra. Como os idiotas que aceitaram participar desse torneio.

— Ah! — Unsai fica estático com a resposta.

— O que foi? Achou que eu teria uma opinião mais “segura” sobre esse assunto? Se eu tivesse, não poderia estar aqui hoje. Igual a todos os abutres à volta… minha presença se dá pelo mesmo motivo: ver jovens quase se matando.

— Entendo… — Omnislai esboça um sorriso leve, algo que não encaixa em sua expressão desanimada.

— Desculpem-me por mostrar a verdadeira face, se vocês tinham algum respeito por mim como campeão mundial, joguem no lixo.

— Isso seria demais… não penso que o senhor seja realmente assim.

— Por quê?

— Seu tom mudou levemente para falar essas coisas. Não está habituado, e não é algo que combine com sua personalidade, o que dá mais peso à possibilidade de desejar nos avisar sobre o perigo de “um lado”, mesmo que signifique se “manchar”. E claro, tem outro fato importante… Você possui o costume de doar bastante dinheiro, me pergunto quantas vidas já ajudou… 

— Não diga mais nada, garoto. Você é assustador. Como sabia sobre as doações? São feitas em anonimato.

— Fiquei sabendo. Já morei na “cidade do desastre”, sou grato a ajuda que deu aos moradores.

— Queria evitar justamente qualquer agradecimento… — fala baixo, suspirando em seguida. — Só aconteceu de eu estar lá quando aconteceu o terremoto, e isso é tudo.

O trio fica em silêncio. Omnislai se recorda de quando era mais jovem, tendo visto e ouvido pela brecha da porta uma conversa do seu treinador e Shinsai.



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