Torneio da Corte Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 29: Sacrifício pela Passagem

— O agora será crucial. — diz Shinsai. Omnislai e Unsai ficam mais tensos.

Na arena, os lutadores estão travados pelos danos, ao ponto de não poderem sequer levantar seus olhares.

“As drogas… estão me levando ao limite…”, pensa Ury, inclinado à frente enquanto tosse sangue. Seus olhos estão vermelhos, as veias pelas escleras se encontram inchadas. “Meus irmãos as me deram no caso de eu ficar contra um oponente muito forte, com o propósito de assegurar a vitória. Acabou que cheguei mesmo a esse ponto…”

Ele levanta as costas de uma vez enquanto segura o peitoral devido à dor. Seu rosto vai para o alto, fitando diretamente os holofotes.

“Eu não queria ter que usá-las independente da situação! Não queria! Tenho meu orgulho como lutador!” Seus olhos descem, vendo a condição do Traçal. “Mas! Sei que não estou à sua altura! Sei que não haveria como vencê-lo! Estou usando esse corpo pela minha família, dominar é um dever que tenho!”

Ury dá um passo, espalhando terra pela tremedeira inconstante que o abala.

“Traçal, eu te acertei centenas de vezes com minhas mãos envenenadas! Também problematizei sua circulação sanguínea e procurei lhe causar o máximo de dor possível pelos pontos de acupuntura! Um touro já teria caído com tudo isso!” Os borrões de cores que formam as íris do robusto retornam ao branco, a condição da sua consciência é nebulosa. “Porém, sei que não vai ceder a luta por isso! Que é uma muralha que resiste a qualquer tempestade!”

Ury ergue as mãos na altura do peitoral, as mantendo abertas. Ele expira densamente com um tom perturbado; se acerta com as pontas dos dedos, afundando-os na pela força, amassando as bordas dos seus peitos enquanto espalha as agulhas de luz. Seu é banhado por uma tempestade de vento, os sentidos perdem a funcionalidade, jogando-o num breu.

“ENTÃO VOU APOSTAR TUDO!!! PELA VITÓRIA!!!”

Em um instante ele acerta vários pontos vitais por seu tronco, coxas, braços e cabeça. Inúmeras flechas estão fincadas em sua carne, derramando sangue; é assim que se ver.

O público fica pasmo; subitamente a movimentação do estrangeiro acaba. Vapor sai por todos os pontos que pressionou. Por fim, ele levanta a mão direita, formando o aspecto de uma pistola com ela, apontando-a ao lado da cabeça. As memórias da infância — da vida — passam por sua cabeça, dando-lhe forças para resistir aos efeitos das drogas e refazer sua expressão séria. Uma última vez.

Após um expirar, Ury “atira” em si, criando um amasso notável na sua carne. Ele cai, não no chão, mas em um mar de claridade — tão reconfortante —, desaparecendo por lá com uma expressão cansada. A agulha atravessa o cérebro.

— NÃAAAAOOOOOOOOO!!! — grita Jay, levantando da cama apressado. — O QUE ESTÁ FAZENDO?!! NÃO USE ESSA TÉCNICA!!! — Ele abre a porta do quarto e sai correndo ainda vestido com o pijama de paciente, atravessando o corredor com todas as suas forças. Os médicos e guardas-costas no caminho se espantam.

Neste momento, todos no prédio, independente de onde estão, não ousam tirar os olhos da arena, estarrecidos pela visão que possuem. Um ritual? Uma “liberação”? Um capricho? Independente do que tenha sido, só resta agora o “monstro”.

A visão do Traçal retorna com sua consciência. Sua visão repara nas arquibancadas que estão duplicadas até finalmente se unirem na forma de uma imagem sólida, e é neste instante que seu rosto é golpeado. Com a face amassada, ele vê que agora está próximo do solo, a poucos centímetros da terra.

“Hã?... Por que estou perto do chão?!” Suas íris tremem. No canto do seu campo de visão está um braço tão roxo quanto vinho. “Não me diga…! QUE ESTOU PERDENDO?!!”

A palma do Traçal atinge o chão, usando o impacto e a força do braço para se jogar ao alto, já subindo junto de um lançamento do punho direito, buscando a altura da cabeça do adversário, interrompido quando a mão roxa acerta sua garganta com os dedos enfileirados.

Traçal abre a boca, soltando um som gutural junto de sangue e saliva, puxando a sua visão para o alto. O punho roxo o acerta novamente na face, desta vez pelo lado contrário, enxurrando-o com o estouro de energia.

O pé do Ury arrasta de lado pelo chão, uma base que impulsiona o soco que acerta o umbigo do oponente com um estrondo, fazendo-o sentir seus órgãos serem amassados.

Fígado, plexo solar,, umbigo, centro da face e laterais: todos são espancados pela tempestade de ataques. Os braços do Ury são sujados pelo sangue que vaza por entre os dentes do robusto.

“Mas que inferno…?!” Traçal tem a visão constantemente jogada de um lado a outro, sentindo o tempo parar numa em específico, uma em que consegue ver o rosto borrado do oponente: está roxo, enfurecido, soltando sangue pela boca, nariz e olhos. “Apenas… QUEM É VOCÊ?!! SEU DESGRAÇADO, ONDE ESTÁ O URY?!!”

A maior explosão de energia acontece, um impacto na cara que o joga para trás, dobrando seu corpo gigante. O pé do robusto desliza pela terra, acumulando-a, sustentando todo o peso do corpo para impedir uma queda, com a outra perna ajudando à frente.

Depois de se impulsionar com uma pisada, Ury investe, imergindo em um mundo puxado pela velocidade.

Traçal tosse muito sangue.

“Então no fim das contas é você, não é?! URY! TE ACHEEEI!!!” Ele se ergue avançando, liberando um soco de direita.

Os dois se atingem simultaneamente, seus pescoços são virados pelos impactos estrondosos.

O público levanta os braços, estremecendo o prédio com as batidas dos pés, gritando com todas as forças.

Jay, atravessa o final do corredor, aparecendo no topo de uma arquibancada, parando de correr ao ser barrado pelas barras de metal.

— Aah…! Irmão!! 

Ambos lutadores vão para trás com o equilíbrio quebrado devido às pancadas. Sangue é jogado para o lados, formando circunferências no espalhar das gotas que refletem o brilho dos holofotes.

Quando Traçal mal recupera parte da pose quebrada, é recepcionado com um golpe no centro do rosto, sendo refletido de costas para o chão em uma queda descomunal. Pela primeira vez, suas pernas cedem em definitivo.

“Ainda não acabou…!”, considera Ury. “Só mais um golpe!! Se ele cair, o veneno fará o resto!!”

Ele se aproxima, visando um soco na barriga do adversário.

“O último ataque que te dei foi o suficiente para abalar seu cérebro, sei que já irá desabar! Mas não tem como eu confiar apenas nisso, tenho que garantir! Mesmo que tenha que por mais da minha alma no fogo!!” As bordas da sua visão estão falhas, tingidas de negro, vendo a silhueta esbranquiçada e falha do objetivo.

Entretanto, é o suficiente para alcançá-lo.

O seu coração está batendo numa aceleração anormal, ao ponto de estar ficar prestes explodir.

Não pode pará-lo.

Após tamanho ataque suicida do estrangeiro, decidido até mesmo a destruir seu corpo pelo resultado, o que resta da muralha à frente são tijolos esburacados e manchados de vermelho. A muralha se desfaz em pedaços. Uma devastação se forma por ambos os lados que divide devido aos destroços.

Nesse cenário, Ury está caído no solo — imobilizado. Ri apesar da sua condição ensanguentada, prevendo que será esmagado em breve por uma rocha que cai acima, se tornando cada vez maior na sua visão.

“Eu abri o caminho…”

Seus olhos vão para os cantos, visualizando uma pessoa ao longe embasbacada com a cena: Jay.

“...o resto dependerá de você.”

A rocha finaliza sua visão com o impacto.

De volta a realidade, Traçal leva uma pancada no estômago que o joga mais rápido contra o chão. Tendo consciência do êxito, Ury abranda o semblante enfurecido, sentindo-se relaxado pela falta de forças, coberto por cores brandas, nas quais sua mente decide repousar, fechando-lhe os olhos.

As pessoas ficam boquiabertas com a cena do robusto desabando. No andar VIP, Shinsai, ao presenciar essa cena, pensa:

“Nesse ponto, sua consciência já deve ter o deixado, Ury. Mas, se por uma ínfima chance ainda residir algo, você poderá presenciar…”

Braços pequenos e delicados entrelaçam-se por um pescoço grosso, quase transparentes, queimando levemente em dourado. Cabelos longos flutuam pelo ar, o molde de um vestido se espalha, e, o mais notável nesse ser: seu sorriso largo de fundo negro, sucedendo de ser acompanhado pelo branqueado do Traçal — absolutas meias-luas.

“...minha filha.”

Ury abre os olhos, apavorando-se com essa visão. Um rosto com abismos de escuridão no lugar dos olhos e dentes o encara, uma existência incorpórea que está abraçada no Traçal, que acaba de levantar metade do corpo apesar do pouco de apoio que seus pés têm, explodindo a terra no dobrar das pernas. Fios de luz revelam-se sobre pontos distintos do seu corpo, ligados aos dedos do espectro como uma marionete.

“EU JÁ SEI!!!” vocifera Traçal. “NÃO PRECISAVA DIZER DE NOVO!!!”

O estrangeiro vê que o oponente está subindo com a projeção de um soco, acontecendo da assombração se desfazer no ar neste tempo. Ury reage com um soco lateral, que corta o ar numa velocidade instantânea; é ultrapassado pelo punho do robusto, que acerta sua face em cheio, causando o rachamento do crânio.

Pés deixam o chão. O estrangeiro é mandado voando com um rosto liso em vermelho e escuridão, deixando um rastro de igual tom rubro pelo caminho .

Traçal investe. Os pés do Ury freiam na terra, abalando seu corpo molenga, que está de pé por um milagre. Ele solta um chute lateral, que Traçal ignora, levando zero de dano na batida em sua coxa.

Uma joia amarela brilha, liberando grandes quantidades de energia. O juiz segura a cintura do robusto, pressionando a parte detrás do joelho dele, soando o apito continuamente.

“Que absurdo”, pensa o árbitro, “não vou conseguir pará-lo nem com ajuda de uma yrai?”

O punho do Traçal sobe, atingindo Ury no queixo. Neste instante sua consciência retorna, fazendo-o pensar:

“Onde está a sua proteção de aura?!” A terra à volta se espalha pelo ar com formas pontiagudas, o vento explode a partir do impacto avassalador.

O derrotado vai para o alto, rodando lentamente pelo ar enquanto jorra sangue. Cada parte da plateia vê o vermelho se espalhando como as águas de um chafariz, mas apesar de belo, também indica um desastre. O sorriso do Traçal se desfaz em seriedade, soltando um estalo da língua.

As costas do Ury colidem no concreto acima do muro da arena, ficando esparramado por lá.

Uma chuva de sangue cai pela arena.

Holliver gargalha batendo no braço do trono, sentindo uma onda de prazer preenchê-lo, fazendo o seu suor, que é jogado para o ar, cintilar igual pérolas no sol.

O público mais sensível cobre a visão e se inclinam para trás, assustados com o baque e o que ele indica. As pernas do rapaz estão caídas pelo muro, estando a continuidade deitada em uma postura desconfortável. O sangue na parede desce, formando listras.

Paras os sentidos do Traçal, tudo está impreciso, até mesmo os ecos dos narradores desesperados. Ele se deixa cair para sentar com as pernas, mantendo os braços cruzado enquanto fecha a expressão em descontentamento.

Os portões sobem, a equipe médica adentra apressada no local. Um deles aparece na parte de cima do muro, se aproximando com cuidado do Ury, estando os embaixo com uma maca aguardando para o descerem. Outro médico conversa com Traçal, verificando sozinho o seu estado.

Jay está com o rosto inundado de lágrimas, sua boca está totalmente aberta como os olhos, se resumindo a apenas o branco das escleras. A barra de metal que apoia suas mãos é amassada como papel.

[12° Luta (2°F) - Traçal vs Ury

Duração - 8 m 4 s

Vencedor - Traçal

Seja por parte dos lutadores ou narradores, nenhuma entrevista sobre essa luta foi registrada.



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