Torneio da Corte Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 30: Confronto Predestinado

Uma viatura para em frente ao edifício do Holliver. 

— Pessoal! — chama Gaojung, direcionando a atenção das arquibancadas para ele. — Me avisaram por uma ligação que Ury está sendo tratado com os melhores equipamentos! e que seu estado não é tão grave quanto aparenta! Então fiquem tranquilos!

Holliver ri, se servindo do que o funcionário trouxe na bandeja.

— Conseguiram mandar os guardas embora? — pergunta ao mordomo.

— Sim, não houve nenhuma dificuldade com a situação. Apesar de terem sido chamados pelas denúncias, a delegacia já havia recebido instruções do prefeito antecipadamente. Contanto que não haja nada mais brutal que aquilo, não podem nos tocar.

— Parece que há alguns ingratos no público! Hehehe! (...) Já iniciaram os preparativos para as semifinais?

— Sim.

— Ótimo.

 

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No setor da equipe médica, o líder deles está conversando com Jay:

— ...As próximas horas serão cruciais. Seu estado é grave, sendo sincero, ele só está vivo por causa das máquinas. Enfim, aguente calado e venha mais tarde, só não poderá entrar no quarto.

— O… obrigado por ajudar meu irmão…

— É para isso que meu grupo é pago. Hm… Sua expressão está uma droga, quer que alguém cheque sua situação?

— Não…

— Ainda vai lutar no torneio?

— Com certeza. — Suas pálpebras sobem ao máximo, destacando os olhos em meio ao liso de negro que cobre sua face. — Preciso ganhar pela minha família. E mais importante, agora há alguém que tenho que matar.

 

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No andar VIP, Shinsai e os outros estão comendo os sanduíches da bandeja. Unsai e Omnislai mordem os lanches com desânimo. 

— Estão preocupados? — indaga Shinsai.

— De certa forma, sim — fala Unsai. — Estava pensando que até foi bom não ter me classificado para as quartas de finais. Isso é loucura, por que estão indo tão longe nessas lutas?

— “Loucura”? Não está errado, mas também está ignorando coisas importantes.

— Como assim?

— “Motivações” — Responde Omnislai.

— Sim. — Shinsai aponta sua mão direita para o pescoço, simbolizando uma lâmina prestes a o finalizar, o que chama a atenção dos rapazes. — Esse torneio tinha como propósito filtrar os lutadores para as semifinais, visando os mais determinados, que não vão se render mesmo com suas vidas sendo jogadas em brasas. De exemplo, lembrem-se da primeira fase, em que vários desistiram enquanto nessa segunda também houve alguns casos.

— O que quer dizer?! — questiona Unsai. — Nessa segunda fase ninguém desistiu!

— Holpos e Humine desistiram. Não fisicamente, mas na consciência. Ambos abriram mão das suas vitórias por medo de matar os oponentes, isso foi decisivo. Sem a determinação para ir ao limite é errado participar de um evento tão livre; é como se jogar ao fogo sem saber que ele é quente. Lutar colocando a vida em risco é totalmente diferente de uma competição normal.

— Aah… 

— Naturalmente… — Seu olhar desce para fitá-los. — ...vocês também falharam nesse princípio. Tomem consciência disso e então se tornarão mais fortes independente de qual “palco” escolham.

— Palco? — pergunta Omnislai.

Shinsai estende uma mão para cada lado, mantendo as palmas abertas viradas para o alto. 

— Sim… Há o palco da “luz” e o que pertence ao “abismo”, vocês terão que escolher em qual viverão. Glória e dinheiro, sangue e brutalidade; independente de qual escolham, irão ver essas coisas mancharem suas almas com uma cor horrenda.

 

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Em outra parte do edifício, Traçal caminha por um corredor. Seu corpo está com ataduras pela face e partes do tronco e braços, sendo mais chamativo os milhares de pontos de agulhas na sua pele exposta. Segue sem camisa por ela ter sido destruída no confronto.

Os passos ficam mais altos, as lembranças da sua luta retornam à mente; Traçal fica sério, ao menos até ver Laerte à frente. O sorriso é refeito. Alguns metros os separam; ambos param e se entreolham.

Rachaduras se espalham; os quadros caem e quebram; os lustres balançam. Parte por parte do concreto se desfaz em chamas negras, alcançando e não alcançando grandes extensões em uma inconstância — o palco de dança das faíscas. Os lutadores não são queimados, muito menos abalados.

Inimigos predestinados.

Começa com um pequeno abrir da boca que logo se tornam gargalhadas. Traçal ri; os objetos se restauram, as chamas desfazem. Já satisfeito, ele põe as mãos nos bolsos e volta a caminhar pelo corredor, ação que logo Laerte também toma. Um passa pelo outro sem dizer uma palavra.

Traçal entra em um lugar escuro, onde decide parar. Ele se vira com o sorriso brilhante, e, logo acima de sua cabeça surge o contorno de outro.

— Não precisa gritar! — Ao ouvir isso, Laerte para de andar e escuta. — “Na final”, não é? Certo! Prove-me que pode chegar lá! Hahahaha!!

 

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Quatro dublês, com tamanhos semelhantes aos dos lutadores, vestem as partes de armaduras. Eles entram na arena com medalhas presas nos peitorais e capas que chegam próximas dos seus pés. A reflexão das luzes dos holofotes os fazem ter tanta presença quanto joias.

Holliver é destacado no alto, os soldados se prostram diante de sua presença. Confete dourado cai, enaltecendo as presenças dos personagens na atuação.

Faz quantos anos que não os vejo?, começa Holliver. Cinco? Dez anos? Em todo caso, após aquele dia vocês subiram a um novo patamar de honra neste reino, e… como devem imaginar, o motivo de os trazer novamente é para que aconteça outra vez. Os degraus de ouro serão mostrados para os dignos, os fracos serão jogados nas sombras da amargura.

O idoso sorri.

Desta vez preciso de novos guardas reais, sendo exato, necessito de dois. Não há outros que eu possa escolher que não estejam entre o vosso grupo, são as melhores opções, entretanto, seria injusto ser uma seleção a dedo, afinal suas glórias se resumem em serem as mesmas.

Ele levanta a mão esquerda, apontando os dedos estendidos para baixo, gritando:

Então! Decidam com suas espadas! Provem-me quais são os melhores!!

A peça acaba, sendo ovacionada. Em algumas arquibancadas, os assentos foram abandonados, um número muito pequeno, porém que representa a saída dos que não suportaram a tamanha violência das quartas de finais.

Semifinais:

Jay Lee vs Laerte Carton

Kaon vs Traçal Mar

 

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De volta ao andar VIP, em um dos quartos especiais, Traçal e seu pai estão sentados, refletindo em um silêncio monótono.

— Tiraram todo o veneno? — pergunta Lorde.

— Acho que sim. Todos esses furos vieram de uma máquina daqueles médicos estranhos!

— Entendo. As agulhas devem ter sido usadas para injetar medicamentos que neutralizassem o veneno. Presumo que estará na disposição total durante as semifinais.

— Claro! Hahahaha! Quando Ury percebeu que não poderia me derrotar rapidamente, ele decidiu investir tudo em me destruir, mesmo que custasse suas forças para as outras rodadas, ou seja, ele também perderia.

— Uma limpeza de caminho para o irmão…

— Sim. Mas falhou miseravelmente, aquele idiota!

Lorde nota que Traçal aperta as mãos com muita força.

— Entendo… Ainda há bastante tempo até sua próxima partida, use-o para colocar sua cabeça no lugar. Acidentes acontecem, não fique se martirizando.

— Tch! Me deixe em paz, como se passasse algo tão complicado na minha mente… A única coisa que vejo, é a vitória!

 

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Em outra parte do andar, no salão escuro, estão acomodados Shinsai e Omnislai.

— Eai, voltei — diz Unsai, sentando-se. — Com exceção do Holpos, eles vieram. — Humine e Kimai se aproximam, com o primeiro, ao ver Shinsai, ficando tenso ao ponto de andar duro igual uma tábua enquanto o demais fica enjoado com a situação.

— É uma honra conhecê-lo! — grita Humine.

— Sim… obrigado por nos deixar ficar aqui — ressalta Kimai.

— Sem problemas. Se sentem e não levantem muito a voz, senão vão perturbar os outros.

— S-sim — respondem em uníssono, se posicionando no ponto mais distante ao do homem, o que faz os outros diminuírem o espaço vazio entre eles. As lacunas do sofá são quase preenchidas.

— Se quiserem, peçam comida chamando algum empregado — informa Omnislai. — Eu, por exemplo, já comi quinze sanduíches e tomei quase dois litros de refrigerante.

— Caramba! — Kimai entorta sua expressão em estranheza. — Ei! Você não parece ter o corpo de quem come muito, está tudo bem?

— Relaxa, mais cedo “descarreguei” um montão no banheiro! Hahaha!

— Que podre! Hahaha! Não me conte sobre isso, seu bastardo.

— Hehe… Vocês dois estão mais recuperados da derrota do que eu esperava — fala Unsai, referindo-se aos convidados recentes.

— Que cara indelicado. — Humine põe as mãos atrás da cabeça, alongando as pernas em relaxamento. — Sendo sincero, meu psicológico ainda tá na merda. 

— Também — confirma Kimai —, isso não é algo que poderá ser curado do coração em pouco tempo. Eu chuto que vou precisar de uns meses de treino só para recuperar a forma.

— Não é? — Humine pega um dos sanduíches.

— Seria isso o efeito da nova era? — considera Shinsai. — Na minha época, eu e Lorde jamais diríamos nada do gênero, parecíamos uns moleques mimados que não tinham saído direito do berço, nunca expondo fraqueza.

 

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O tempo passa, a tensão da espera do público aumenta, chegando enfim ao horário da luta. A arena foi limpa e organizada, não há nenhum indício dos combates que porto — nova em folha.

— Passo por passo estamos ficando mais perto! — brada Gaojung. — Mais perto da gloriosa final! Meu sangue ferve!! e minha ansiedade está tão alta que passou da estratosfera!!

— Será que teremos o confronto ideal na final?! — indaga Malena. — os favoritos realmente não poderão ser desbancados?! Ou será que as mãos dos “desafiantes” poderão tocá-los?! poderão, derrubá-los?! Descobriremos a partir de agora!!

— Não diga assim, senhorita Malena.

— Eh? Por quê? Fiz algo de errado sem perceber?

— Não não, é que com você falando essas palavras… ME FAZ FICAR MAIS EXALTADO AINDA!!!

— Hahaha! — Ela bate palmas.

A plateia começa a gritar pelos lutadores. Gaojung acerta a mesa, gritando:

— Começando pelo campeão imparável do circuito amador!! O único que chegou nas semifinais sem ter levado nenhum dano considerável!! É alguém no topo de uma montanha, alguém inalcançável!! A LANÇA, LAAAAEEEERRTE!!!

As faíscas jorram na entrada da arena, atravessadas junto da fumaça pelo avanço do lutador, que o faz desferindo socos, em um transe de foco que não é abalado nem pelo excesso de brilho à volta.

Com um direto de direita que para subitamente, sua forma estremece igual um arrepio de hachura. Laerte impõe sua presença, recebendo o apoio animado das arquibancadas.

—  Agora o prodígio de outro país!! Com certeza ardendo em fúria pela derrota massacrante do irmão!! Terá ele força o suficiente para carregar sozinho o legado da família?! Seria mais apropriado chamá-lo de fera ou de rocha?! ESTE É JAAAAAYY!!!

O rapaz surge de uma vez por através do turbilhão de faíscas e poeira, pousando do salto com as pernas à frente, esmagando a terra. No mesmo ritmo apressado da entrada ele levanta o rosto, subindo-o como um borrão de linhas puxadas, que mantém sólido apenas o brilho dos olhos, estando esses sem reflexo, estáticos.

A plateia, os narradores e até mesmo o grupo dos lutadores derrotados ficam tensos ao verem a cor da sua pele, que está avermelhada com veias engrossadas, liberando vapor, torcendo o ar à volta pela alta temperatura. Jay suspira pesado, tendo sérias dificuldades em manter a consistência da expressão, que varia do modo raivoso — o usado contra o Humine — e o seu habitual contido — o cauteloso.

O juiz começa a dar os avisos de sempre, notando com seu olhar vazio que ambos os lutadores estão estranhos, ansiosos… loucos? De fato, essa batalha está direcionada a um destino mais caótico que a anterior.



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