Trovão Infinito Brasileira

Autor(a): Halk


Volume 1

Capítulo 24: De Algumas Pessoas Primeiro Vem O Surto, Depois A Conversa

Estou ao lado de Vida, boquiaberto, observando Ash atravessar a multidão com um enorme sorriso no rosto. Ninguém está sorrindo de volta, mas isso não tira a sua alegria.

Clio já não parece tão confiante assim. Continua com a mesma expressão tímida, olhando para o chão enquanto tenta evitar qualquer contato com os outros. Ele se dirige até o lado de Solares como se nada tivesse acontecido.

Ash se aproxima. Eu me ajeito para falar com ele. Porém Vida é mais rápida que eu. Ela se levanta e o encara aborrecida, o rosto ainda inchado por conta do choro recente.

— E aí, vocês viram? Eu ganhei! — fala ele.

Vida abre a boca para falar alguma coisa, mas desiste. Ela joga o lenço cheio de lagrimas e catarro em cima de Ash e sai furiosa para qualquer outro canto. 

— Ei! O que foi que eu fiz? — Ele pergunta para Bia.

A garota de cabelos verdes apenas dá de ombro e revira os olhos. Depois vai atrás de sua amiga, que está muito aborrecida. Me pergunto se ela vai chorar em outro canto.

— Que menina estranha. E você, Kaike! Viu só o que eu fiz? Eu ganhei do Clio! Passei a primeira fase!

Levanto uma sobrancelha para ele.

— É, eu vi. Como será que você ganhou dele, não é? Será se foi sorte? — Me aproximo dele.

— Claro que não, eu treinei muito. Você não viu os golpes que eu dei nele…?

— Para de tentar me enganar, Ash — digo, colocando o indicador no peito dele. — Foi claramente uma armação. O que foi que você fez para ele deixar a vitória ser tão fácil assim?

Ash pareceu ficar nervoso, dando alguns passos para trás.

— D-do que você tá falando? E-eu ganhei por mim mesmo! Não fiz nenhum contrato ou coisa do tipo…

— Então você fez um contrato com ele? — pergunto e parece que acertei porque Ash imediatamente bate a mão na testa. — O que foi que você negociou com ele?

— Xiiiu! — Ele me empurra para um canto mais isolado, se aproveitando de outra luta que já iria começar. — Tá bom, tá bom, eu conto. Mas por favor, só não conta para ninguém, tá bem?

— Sou todo ouvidos.

— O Clio é do Distrito 6, ele entende muito de programação. Só que eu também, é a área que eu quero me especializar aqui dentro. Por isso a gente acabou ficando amigo bem rápido. Ele até já sabia sobre meu interesse e tudo mais.

— Suspeito, mas tudo bem. Continua.

— Tá, certo… Aí eu conversei com ele sobre uma sala que tem aqui dentro, uma sala repleta de computadores. Eu tinha achado essa sala por acaso andando por aí. Mas o acesso não é permitido. Mesmo assim ele quis saber onde ficava.

— E aí você fez um negócio com ele, não foi?

— Ahm… Não, essa é uma parte estranha. O Clio que quis me dar alguma coisa em troca. Eu só falei para ele a localização e ele… Quis pagar o favor, eu acho. Eu disse que não precisava, mas ele insistiu e falou que me faria passar a primeira fase. Achei estranho, mas aceitei o favor.

— Quer dizer que ele quis por vontade própria perder? — Olho para Clio. Agora ele está em uma conversa com Solares. Ela não parece muito feliz. O que será que esse cara está planejando?

— Maluquice, não é? Mas é isso. A gente ficou esses dias conversando como a gente ia fazer isso. É porque o Vega não tinha falado as regras ainda, então… Meio que é isso. Achei que todo mundo ia ficar feliz por eu ter ganhado, mas pelo visto vocês sacaram o que eu fiz antes.

— Quem sacou fui eu, a Vida só está chateada com você mesmo.

— Comigo? Por quê?

— Porque você não falou com ela durante esses dias inteiros. Ela estava muito preocupada com a primeira fase e você não foi falar com ela, sendo que eu disse para você ir falar com ela.

Agora quem fica vermelho como um tomate é Ash.

— E-ela ficou daquele jeito p-p-porque eu não fui falar com ela? — repete para si mesmo. Era como se não estivesse acreditando no que estava ouvindo.

— Sim, seu cabeça oca. — Dou um peteleco em sua orelha. — A Vida é sensível, ela precisa de apoio nesses momentos. E aí você, justamente um dos amigos dela, não estava lá para dar apoio. 

— Ahm… — A cabeça dele começou a funcionar. Dava quase para ver as engrenagens trabalhando. — E você não falou com ela o motivo esse tempo?

Essa é uma pergunta muito boa. Estou cobrando presença dele, mas nem estava disposto a fazer o mesmo. É claro, era por conta do treinamento. 

Tive de melhorar minhas habilidades para o dia de hoje, onde supostamente o Thomas, aquele soldado da Geo City vai me mostrar algo relacionado ao torneio. Espero que isso me ajude e espero que ele ainda esteja por aqui.

Seja como for, falar para o Ash sobre isso talvez seja má ideia. Talvez ele queira ajudar e se for algum tipo de armadilha ao menos ele não estará envolvido. 

— Não falei com ela porque estava treinando. Eu falei para você.

— Ah, sim. Eu, a Vida e a Bia vimos um pouco do seu treinamento.

Eu me engasgo. É como se meu coração tivesse pulado uma batida.

Guh! Como é que é a história?

— O próximo é Vida e Clara — fala Vega, em cima da arena. — Subam logo!

Droga! Fiquei conversando com Ash e mal vi o tempo passar. Eu esqueci que as lutas são aleatórias, então é óbvio que a Vida poderia ser escolhida a qualquer momento, mas… Qual foi, logo a terceira luta do dia?

Eu e Ash vamos atravessando a multidão até chegar o mais próximo da arena possível. Existe uma certa margem em que você não pode ultrapassar. Respeito essa margem, mas fico bem no limite.

Ao meu lado está Solares e seus auxiliares, de braços cruzados, olhando para as lutas que estão acontecendo. Clio não está mais ao lado deles, o que é bem suspeito.

Então vejo Vida subindo na Arena e se dirigindo até o centro. Ela está nervosa. Esqueceu de prender os cabelos rosas. Isso é ruim, a oponente pode usar isso a seu favor. Mas sinceramente, Vida está tão mal que estou cogitando a possibilidade dela desmaiar de tão nervosa.

A oponente dela, Clara, é uma garota de óculos e que está com um rabo de cavalo. Parece tão nervosa quanto a vida. Bom, ao menos a sua oponente não vai lhe dar tanto trabalho assim.

— Vamos, podem começar — fala Vega, enquanto vai se dirigindo até a sua cadeira bem no canto da sala. 

E as duas ficam lá, paradas, olhando para a outra com cara de quem está vendo uma assombração. 

O tempo que elas ficam assim é tão grande que os comentários começam a ficar cada vez mais altos.

— Ei! A luta não vai acontecer?

— Vamos! Eu quero lutar.

— Se batam logo! Quero ver uma briga de mulher! Aí…!

— Cala a boca! Deixa de ser porco!

— O que foi? Vai dizer que não gosta? Tu é, é?

Aperto os punhos. Logo, logo essas pessoas vão começar a fazer comentários ainda mais maldosos. Vamos lá, Vida, você consegue. Só falta alguma das duas realmente dar o primeiro passo.

Depois de mais algum tempo e de vaias de todo mundo, as duas parecem se mexer. Elas andam devagar em direção ao centro, chegando a uma distância razoável uma da outra, mas ainda bem distante.

Vida toma coragem e avança um pouco mais para frente que a sua oponente. Clara recua. Vida toma fôlego e avança mais um pouquinho. Clara, por sua vez, vai para trás mais um pouquinho.

Essa dança fica acontecendo por pelo menos uns dois minutos. Sério, toda a vez que Vida se aproxima de Clara, ela recua. As duas já chegaram nas bordas da arena e deram uma volta. Estão andando em círculos pela arena.

— Fala sério! Comecem a se bater logo!

— Saiam daí suas incompetentes!

— Qualquer uma que vencer aí vai levar um pau na segunda fase.

— Nenhuma das duas merece passar pela primeira fase, para começo de conversa.

Vejo que Vida começa a fazer cara de choro. As pessoas não perdoam nem mesmo isso.

Os comentários ácidos ficam tão irritantes que eu me viro para dar bronca em todos. Só que antes que as palavras saiam dos meus pulmões, Solares dá um grito poderoso:

— CALEM A BOCA!

Eu tomo um susto. Todo mundo toma um susto. E até Vida e Clara tomam um susto. As duas soltam um gritinho fino de medo e… A coisa mais triste acontece.

Clara, que estava na borda da arena, caiu após levar o susto da voz de Solares. Ela está sentada no chão, massageando a coluna por causa do impacto.

Vida imediatamente desce, ainda chorosa, e tenta ajudar Clara perguntando se ela está bem, onde dói e como ela deveria ir até a curandeira para verificar se não quebrou nada.

A cena é motivo de risada de todos os recrutas atrás de mim. Eles não ousam falar mais nada, por conta de Solares, mas estão rindo baixinho, comentando o quão deprimente é uma pessoa que perde por conta de um susto.

Solares fica sem jeito com a situação dela. O rosto dela empalideceu, como se estivesse realizando que acabou de fazer uma cagada. 

Bom, no fim das contas o motivo de Clara ter caído foi dela. Como chefe isso é um problema e tanto.

Vega sobe no topo da Arena e diz:

Ergh! A vencedora é a Vida. 50 pontos. Próxima luta…

Eu chamo Ash e nós dois vamos em direção a Vida e a Clara. Ajudamos as duas a irem até a curandeira. Clara está bem, foi só um machucado leve de queda. Mas quem precisa de um calmante é Vida. Ela está chorando como se fosse uma criança.

Depois de cuidar das duas, principalmente de Vida, dando um remédio para que ela durma, deixo Bia e Ash acompanhando ela enquanto volta para ver o resto das lutas.

Nada de impressionante. Todas as lutas são ou muito desbalanceadas, ou motivos de risadas por algum motivo. Todos os auxiliares conseguem passar pela primeira fase, com exceção de Clio, claro, que vendeu a vitória dele.

Ermo e os seus amigos também passam na primeira fase. Isso me deixa feliz, achei que eles fossem perder de proposito só para tentar me matar.

Após algumas horas o torneio acaba e todos vão comer no refeitório. Eu tento enrolar o máximo possível, esperando por Thomas, mas pelo visto ele não vem.

Agora estou voltando para meu almoxarifado, treinar um pouco mais. Talvez isso me ajude a matar o tempo. Assim que viro a esquina, vejo Thomas andando pelo corredor, indo em direção ao dormitório.

— Ei! 

Ele se vira para mim com um susto, mas depois o rosto dele fica aliviado por me ver. Enfim, ele não foi despedido.

— Kaike, estava indo atrás de você — diz ele.



Comentários