Trovão Infinito Brasileira

Autor(a): Halk


Volume 1

Capítulo 5: Acusar Um Inocente É Má Ideia

O lugar onde estou é como uma grande caixa de metal, com algumas frestas por onde a luz passa. Parece bem chique e limpo, mas não é como se gostasse de confinamentos. Sei que tem uma porta por aqui, embora não veja. E sei que mesmo se visse não conseguiria passar por ela.

Estou preso em uma cadeira, os braços para trás. Na minha frente há uma pessoa que até agora não descobri o nome. Está sentado em uma cadeira a alguns metros de distância de mim, como se me evitasse.

— Já disse que não tenho nada a ver com o que aconteceu! Eu nem sei direito o que aconteceu!

— Senhor Kaike — ele fala, cruzando as pernas. — Passamos algumas horas aqui e até então o senhor não provou nada do que disse.  — Analisa a ficha que está em suas mãos enquanto brinca com uma caneta. — Por que não facilita e nos conta como conseguiu a Esfera de Raios?

— Eu já falei! Foi uma entrega que eu fiz. O cliente não apareceu e eu resolvi abrir porque achava que era comida e estava com fome. Daí aconteceu tudo aquilo! O que mais vocês querem saber?

— Apenas mais alguns detalhes que o senhor está deixando passar, senhor Kaike. 

— Detalhes? Que detalhes?

— Toda Esfera de Raios só é ativada por um código. — Ele se levanta e começa a dar voltas em mim, sempre olha para a ficha e depois para frente. — Pelo que você nos disse, a Esfera o reconheceu através de um furo no seu dedo e depois lhe chamou de Senhor White Man. 

— Foi! Eu já falei isso! — digo esticando o pescoço. — Olha, eu tô tão confuso quanto você. Mas eu tô falando a verdade! Não sei nem o que é uma Esfera de Raios e nem o que é esse troço aí, essa Canalização. Então será se dá para vocês pararem de me tratar como criminoso? Eu só quero voltar para casa. 

Ele anda de volta até a cadeira dele. Dessa vez não se senta, fica em pé me olhando de cima para baixo com olhar altivo por de trás dos óculos. Ele tem um cabelo preto lambido. O rosto triangular e uma pequena cicatriz na sobrancelha. 

— Senhor Kaike — diz sério. — Não há como o senhor voltar para casa. Ao menos não depois do que fez. 

— E o que foi que eu fiz? 

— O senhor explodiu um terço do setor comercial da sua cidade..

— Um terço? — pergunto espantado. — Alguém morreu nisso? As pessoas se feriram? 

Vejo ele levantar uma sobrancelha e me analisar de baixo para cima. Não gosto desse olhar.

— Me responde! — Dou um salto na cadeira, mas ela está presa no chão. — Eu nasci ali! Cresci com as pessoas daquele lugar! Tenho o direito de…

— Senhor Kaike. — Ele levanta a voz, mas não está gritando. — A Esfera de Raios lhe deu poderes. Mas para isso uma quantidade muito intensa de energia precisava ser acumulada, uma Canalização, resultando em uma explosão. — Ele dá um passo para frente. — O senhor ativou aquela Esfera de Raios. O senhor é o responsável pela destruição daquelas casas. Se alguém se feriu ou morreu, sendo o senhor inocente ou não, isso ainda é culpa sua.

— Então deixa eu voltar para casa! — falo com energia. — Preciso ajudar eles.

O homem na minha frente me olha torto. Não parece ofendido, parece surpreso. Genuinamente surpreso. 

— Não ouviu o que falei? O senhor é o culpado daquilo. Como ajudará as pessoas que você fez mal?

— Não sei! — Perco a paciência. — Mas pelo menos eu vou estar lá para fazer alguma coisa, qualquer coisa. Diferente de vocês! — Meus pulsos estão doendo pelo tanto que forço as algemas, mas não me importo. — Você ficou meia hora falando que eu sou culpado disso e daquilo, mas duvido que vai tentar fazer alguma coisa por aquelas pessoas!

— O governo vai ajudar aquelas pessoas — responde, ainda com certa incredulidade na voz. 

— Vai nada! — grito. — Quer saber de uma coisa, seu quatro-olhos de merda, eu conheço muito bem como é passar por uma situação desesperadora. 

— Meu nome é Zero, senhor Kaike.

— E eu com isso? Eu sei mais ainda que esses engravatados de classe S que se chamam de governo não fazem porra nenhuma pelas pessoas que precisam. 

— A medida principal é prender o culpado.

— O culpado? Parabéns, pegaram a pessoa certa. Mas e aí? E depois? Vocês vão lá construir as casas que foram derrubadas, erguer os comércios, dar incentivo fiscal para os trabalhadores? Vão prestar apoio para as famílias que perderam alguém? Vão é porra! 

— E o senhor faria tudo isso, senhor Kaike?

Sinto uma enorme vontade de cuspir na cara dele. O encaro com o maior desgosto que consigo. 

— Se eu faria tudo isso? — falo fazendo careta de azeda. — Eu já faço isso desde criança! Trabalho todo dia para tentar fazer a vida deles pelo menos um pouquinho melhor. Isso não tá nessa tua ficha aí, não? 

Antes de conseguir responder, uma porta se abre bem atrás dele. Agora consigo perceber que a porta estava escondida por parecer muito com as paredes. Não entra ninguém por ela, apenas fica aberta mostrando um grande corredor de paredes de metal, cheio de luzes.

O homem à minha frente permanece me encarando, mas não parece estar prestando realmente atenção em mim. É como se estivesse recebendo instruções. Um fone escondido de repente?

— A conversa foi excelente, senhor Kaike — fala, finalmente me encarando de verdade. Então se vira e vai em direção a porta. 

— Ei! Vai me deixar sozinho aqui? Ei! Ei, Zero. Zero! Argh…! Droga.

Por fim a porta se fecha atrás dele. Agora consigo ver a marca da porta. Sei que está ali. Agora só falta descobrir como me desprender dessa cadeira. Olho para um lado e depois para o outro. Tento forçar meus braços e pernas, mas não tenho muito resultado. 

— Isso vai ser complicado — comento para mim.

 

ϟ DISTRITO 1 - SETOR S - Sala de Reuniões ϟ
ϟ 5 MINUTOS ANTES DA FUGA ϟ

 

A única iluminação na Sala de Reuniões eram as que vinham das telas dos diversos aparelhos holográficos. No centro havia uma mesa oval e cada figura importante no poder se sentava em um canto. 

A comandante Negra estava na ponta, enquanto o capitão Vega estava do seu lado, da mesma maneira que um cão esperando as ordens para atacar qualquer um ali.

Estava tudo um silêncio e isso era assustador, pois criava um clima tenso entre todos os que estavam ali. Até o capitão estava começando a bufar de tédio. 

Apenas Negra não transmitia nenhum tipo de incômodo ao esperar, em silêncio, pela chegada de sua informação tão relevante. Continuava na mesma posição, como uma estátua.

Um robô humanoide, chamado Remi, com claras limitações de mobilidade, chegou até a mesa com uma bandeja. Alguns agradeceram, outros nem fizeram questão, como Vega, que não se dava bem com a peça.

Visto estar muito silencioso, Remi comentou:

— Que escuridão. Gostam de conversar as cegas?

Embora fosse uma máquina feita pelos do Distrito 6, os que cuidam da tecnologia, e apenas seguia sua programação, sabia fazer comentários pontualmente infelizes.

Sem receber nenhuma resposta, apenas mais bufos cada vez mais intensos de Vega, Remi se retirou. No instante seguinte a porta da sala se abriu e Zero entrou.

Negra foi direto ao ponto.

— E então? O que conseguiu extrair dele?

— Nada muito relevante — respondeu.

— Há! — riu Vega. — É claro que ele não iria conseguir arrancar nada daquele garoto. Se tivesse me deixado…

O homem se calou no mesmo instante que a mulher levantou sua mão, mas não antes de soltar um gemido de desagrado e olhar profundamente aborrecido. Por experiência já sabia onde aquilo levaria.

— O que está querendo dizer, Zero?

O homem deu um sorriso, puxou um cabo da mesa oval e conectou na parte de baixo de sua prancheta. Ao pousar o objeto em cima da mesa, um holograma grande o suficiente para que todos ali pudessem ver com detalhes foi projetado no ar.

Era o mapa do Distrito 2, especificamente a cidade Hydro City e o morador denominado Kaike, filho de Wattson. Sem pressa, o homem começou a folhear a vida inteira do rapaz, mostrando cada arquivo que achava relevante parar para discutir.

— Como podem ver, existem algumas testemunhas que confirmam a suposta boa índole que o suspeito tinha. 

— É um criminoso — resmungou Vega enquanto olhava para a ficha criminal de Kaike.

— Correto, mas até mesmo os seus crimes são, até certo ponto, justificáveis. — Zero arrastou a mão para o lado, fazendo o holograma ir para diversos lugares diferentes. —  Já foi pego por caça ilegal, porém há provas de que ele comercializava para ajudar algumas famílias carentes que precisavam da comida, não para lucrar com a caça.

— E a falta de documentação ao atravessar os setores da cidade?

— Também existem registros de que ele fazia isso, porém não existe nenhuma evidência de que ele fizesse comercio ilegal.

— E como pode ter tanta certeza?

— A primeira prova é que, o tanto que a ficha desse rapaz está suja é praticamente igual, ou superior, aos maiores traficantes do Distrito 4. Entretanto, não tem dinheiro nenhum e não parece viver uma vida luxuosa. Pelo contrario.

— Sugere que ele possui um esquema de lavagem de dinheiro, Zero? — perguntou Negra.

— Se fosse esse o caso conseguiríamos algum dado, afinal somos a classe S. Entretanto, todos os dados que coletamos só reforçam que, na verdade, embora infringisse muito a lei, usava os recursos que ganhava para doação.

— Um santo? Que papinho — zombou Vega, balançando a cabeça e cruzando os braços.

— Um ladrão que rouba para os pobres. Excitante! — falou Remi, chegando com a bandeja de alimentos. Todos o encararam, mas a inteligência artificial não se deu o trabalho de notar.

— Sugere que esse criminoso seja inocente? — perguntou a comandante.

— Digo que não faz sentido um canalizador ter essa ficha. — Ele ajeitou os óculos e encarou sua comandante com firmeza.

 

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      !

        !

          !

 

— O que aconteceu? — Vega se levantou. — Por que o alarme está tocando? É uma invasão? Remi! Sua lata velha!

— Senhor — falou o robô, se aproximando enquanto tapava o que seria os lugares onde ficariam seus ouvidos, caso tivesse. — O sistema da cela do prisioneiro foi acionado.

— O quê?

— Pelo visto o prisioneiro conseguiu sair de sua cela, de algum jeito, senhor.

O barbudo capitão foi até um canto da sala, puxou sua espingarda e foi em direção a saída enquanto encarava Zero com desprezo e dizia:

— Claro que saiu. — E carregou sua arma.

 

ϟ DISTRITO 1 - SETOR S - Sala Do Prisioneiro ϟ
ϟ A FUGA ϟ

 

As algemas estão muito apertadas. Mesmo esforçando parece que elas apertam ainda mais. Vai ser problemático sair daqui. Observo os arredores em busca de alguma maneira de sair. 

Me balanço para um lado e percebo que a cadeira parece ceder um pouco para o lado. Ela não está grudada no chão. Jogo o peso do corpo de um lado para o outro, até conseguir cair no chão. Imediatamente a sala fica vermelha. Isso não é bom.

Deitado no chão, começo a pensar em como a ideia foi ruim. Agora além de amarrado estou deitado. Tento pensar em algo, porém nada me vem a mente no momento.

A porta secreta se abre e um soldado vestido de perto com um cassetete vem em minha direção. Ele não parece nada satisfeito.

O soldado está bem na minha frente, se preparando para me dar um chute. Eu fecho os olhos e me concentro. Sinto um formigamento nos pulsos e ouço o barulho da algemas abrindo. Devo ter feito elas entrarem em um curto-circuito. 

Abro os olhos rapidamente e aproveito a oportunidade. Seguro seu pontapé com minhas duas mãos e torço seu calcanhar. O soldado cai no chão gemendo de dor. Aproveito a oportunidade para me concentrar nos meus pés. Sinto mesmo formigamento e por fim ouço o som das algemas sendo liberadas.

Fico de pé enquanto o soldado tenta se recompor. Não dou chance para ele. Com um soco direto na garganta, faço ele recuar com dificuldades para respirar. Pego seu cassetete e dou vários golpes em sua cabeça, até que ele cai inconsciente no chão com o capacete quebrado.

Dirijo-me até a porta, ela está aberta, mas volto para vasculhar o corpo do soldado. Justamente o que eu procurava, ele tinha um cartão de acesso. Isso provavelmente será útil. Guardo e vou em direção a saída.

Sigo o corredor a direita, depois dobro a esquerda e vou virando várias esquinas aleatoriamente. Estou completamente perdido aqui dentro. Ouço passos, muitos passos. 

Eu me escondo entre um corredor e outro, nas partes mal-iluminadas e vejo aquele cara com a escopeta gigante sendo seguido por vários outros soldados. Ele não parece estar feliz. Não o julgo, também não estaria no lugar dele.

Quando todos passam, tento continuar caminho sem chamar muita atenção. Assim que viro a esquina… Dou de cara com outro sodado. Tomo um susto tão grande que esqueço de fazer ele desmaiar antes que ele grite:

— Ele está…!

Consigo dar uma pancada tão forte em sua cabeça que ele cai no chão desacordado. Tomara que os outros não tenham ouvido.

— O Condutor está ali, vamos! — É a voz daquele cara de tapa-olho falando.

Aff! Corro em qualquer direção. Ouço vários projéteis sendo disparados. Nenhum me acerta, mesmo com os corredores sendo estreitos. A vantagem é que são curtos e com diversas entradas e passagens, então dá para desviar de todos.

Enquanto viro aqui e ali, procuro alguma sala onde posso me esconder. Consigo achar uma porta. Ela abre assim que chego perto. Ao abrir, entro o mais rápido possível. A porta se fecha logo após.

As luzes estão acesas. É um quarto, tem uma cama, uma mesa cheia de livros e anotações e uma menina de cabelos brancos me encarando com olhar de espanto. Seus olhos têm iris vermelhas. Ela tem um cubo magico na mão. Não tem cara de um soldado, parece muito nova para isso, minha idade eu diria.

— Ahm… — começo. —Olha, eu sinto muito, eu só estou tentando fugir daqueles doidos. Eles acham que eu sou um assassino ou trabalho para alguém… Sei lá! Eu sou inocente…

Ela encara a arma que estou carregando. Parece estar em choque.

— Ah… Isso daqui não é nada. Eu não vou machucar você. — Jogo o cassetete para longe. — Viu? Eu não quero te fazer mal. Só quero sair daqui o mais rápido possível e voltar para o meu distrito…

— Inocente, você diz — fala ela, enquanto coloca o seu cubo magico em cima da escrivaninha sem tirar os olhos assustados de mim. — Mas é um condutor, não é?

— Eu não sei direito o que é isso. Eles me falaram que eu ganhei uns poderes aí, mas…

— Então é um condutor. — Ela se aproxima. Já não sei se é medo ou admiração que vejo nos olhos dela.

— Talvez, mas eu não fiz nada de errado. Só estava no lugar errado na hora errada.

— Então é inocente?

— Sim! — Balanço a cabeça freneticamente.

O olhar da moça muda. Está neutro, como se tivesse jogado todos os sentimentos para fora. Eu abaixo a guarda. Um erro. No instante seguinte a garota faz uma expressão mais estranha ainda. Dessa vez eu entendo, não é medo ou admiração, é raiva.

Ela se aproxima de mim com velocidade e me desfere um soco direto no estômago. Consigo resistir e prendo o seu braço nos meus. Ela gira o corpo e me faz perder o equilíbrio, paro de joelhos no chão.

Posso fritar ela com meus poderes, porém acho má ideia machucar uma garota. E é justamente enquanto sinto pena dela que a moça utiliza a oportunidade para acabar comigo.

Com o cassetete a centímetros de distância dela, a garota o pega com uma de suas mãos livres e de um golpe muito, muito, muito forte na minha cabeça. A partir dai eu só vejo estrelas.

Que droga, isso que dá ser bonzinho com as mulheres.


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