Ultima Iter Brasileira

Autor(a): Boomer BR


Volume 1

Capítulo 20: Reencontro Dramático

 

No momento em que a porta dupla foi empurrada pela empregada de terno, eu sabia que não havia mais volta, precisava encarar de frente meus próprios conflitos.

Ao finalmente passar pela porta que lentamente se selou, aqui estava eu, em uma grande sala com janelas e uma mesa de jantar cumprida, uma leve semelhança com um tipo de catedral.

O brilho do crepúsculo banhava todo o local entre as janelas transparentes e consolava o quão vazio estava.

— Ninguém. — pensei em voz alta ao revirar meus olhos pela sala de jantar com quadros e um tapete vermelho.

A tensão foi cortada de uma hora pra outra. Onde diabos estaria Incis? Como ela estaria depois de tanto tempo sem entrar em contato? Tudo isso só me deixava mais apreensivo ainda.

Ok, talvez ela só tenha ido pegar uma água ou sei lá.”, concluí internamente.

Minha atenção logo foi roubada, havia outra porta no canto da sala. Ela tinha um grande brasão entalhado e reluzia a luz dourada do pôr do sol nele. Sem muitas escolhas eu caminhei pelo lado direito da mesa cumprida e de cor opaca. Os talheres dourados sobre pratos, como se estivessem esperando seus hóspedes para o jantar.

Almejando me aproximar mais da porta com um brasão eu fui surpreendido por um som abrupto que veio dela.

Os rolamentos de metal giraram fazendo um pequeno rangido, revelou-se finalmente a figura que estava prestes a se encontrar comigo.

— I-Incis. — Dei dois passos inseguros para trás.

Meu coração acelerou enquanto a inquietação diante desse rosto aflorou em mim.

Olhos dourados, cabelos negros e longos, um lindo vestido com vários cintos adornados em relevos dourados que envolviam não só sua cintura como também seu tronco, todos perfeitamente definidos.

Era ela, eu tinha que me explicar!

Oh! Jack! — A face efêmera que Incis apresentou rapidamente moldou-se em uma expressão de alívio.

— Tá tudo bem com você? Ainda tá machucado? — Ela se aproximou serpenteando seus olhos sobre meu corpo desesperadamente.

— E-ei, eu tô bem.

Mesmo dando uma resposta dessas não pude evitar de sentir algo inexplicável.

Alguém havia acabado de demonstrar tremenda preocupação por mim, só isso já me deixaria satisfeito, porém ainda havia muita coisa a ser explicada, principalmente da minha parte, portanto ficar enrolando nesse tipo de sentimento era inútil nesse momento.

Incis ergueu seu rosto para mim com um suave suspiro. Um pequeno sorriso foi o que se moldou nos lábios corados dela.

— Graças a Azyth... eu pensei que você não resistiria.

— R-Realmente é inacreditável.

Minhas palavras saíram atrofiadas e sem jeito e ao mesmo tempo minha mente tentava se organizar.

“Que tipo de situação é essa?!”, foi o que pensei com o rosto um pouco vermelho.

— Bom, eu acho que tenho muita coisa pra explicar certo? — eu tentei controlar minha postura e respirei fundo antes de continuar, — E-eu sinto muito Incis, me desculpe por tudo.

— Desculpar... pelo quê? — Ela franziu as sobrancelhas em uma face confusa.

Abaixando meu rosto eu apertei meus punhos no desgosto de minhas próprias palavras.

Como eu poderia aparecer diante dela depois de fazer tanta merda? A mente de Incis nesse momento provavelmente estava um caos e eu era só mais um dos motivos pra isso.

Decidi então, apenas desviar meu olhar para o lado soltando tudo o que eu tinha pra falar.

— É que... você disse que tinha me salvado e por isso f-foi tola, só que na verdade isso não tava certo. O-o senhor Kaylleon tinha sumido, quando eu vi... eu havia despertado uma Dungeon. Mesmo vendo seu estado naquela hora e-eu te deixei escorada em um canto e corri pra tentar ajudar o senhor Kaylleon... — Meus dentes rangeram cortando minhas palavras.

Incis se aproximou com uma face de pena e então tocou minha bochecha com sua mão.

— Garoto... olha pra mim. — sussurrou ela num tom calmo.

Erguendo minha face eu pude ver algo, não, eu fui capaz de captar com minhas emoções, com meu olhar, meus sentidos... algo que nenhuma pessoa nunca passou pra mim. Empatia.

— Jack, você esteve todo esse tempo se culpando assim? Eu não sabia disso. Não sabia que era tão gentil desse jeito.

As palavras de Incis não fizeram sentido, assim como seus olhos cor de âmbar profundos e seu sorriso solitário também não tinham motivos para estarem ali, transmitiam bondade e ao mesmo tempo solidão, como a brisa fria de uma noite de inverno, contra a janela de um quarto quente.

“Por que? Por que ser tão gentil com alguém como eu?”, minha mente desabou.

— Quando eu disse aquilo, não queria dizer que você era o causador de tudo, nunca quis dizer isso, não se preocupe, é sério.

— T-tem mesmo certeza disso? — Retorci minha face lançando essa pergunta dolorida.

Mesmo sendo tratado assim a minha mente insistiu em dizer que a “falha” era eu, assim como Abyssus eu não passava da pura negatividade, a faceta da impureza. Era assim que eu me via.

“Ranking F, uma raça que literalmente nasce sem saber de nada e de quebra há uma tal corrupção mental, está claro que eu não mereço a gentileza dela. Nunca mereci ser salvo pra início de conversa.”, Eu ponderei em insatisfação sobre meu próprio valor.

Incis torceu seus lábios com minha pergunta e então respirou fundo antes de prosseguir.

A luz do sol sumindo entre as janelas, sombras das cadeiras e os talheres refletindo os resquícios de iluminação.

As pequenas partículas de poeira sendo tingidas pela luz amarelada balançavam pelo ar, em sincronia com o vibrar dos meus batimentos cardíacos.

— Jack, não é sua culpa. — Incis abriu um sorriso ainda mais acolhedor e delicado entre seus pequenos lábios.

Sua linda face de misericórdia perante um coração esmagado por culpa e perturbação, culpa essa que poderia irritar qualquer um, mas ela... apenas relevou minha sensibilidade.

Eu me mantive em silêncio. Meus punhos apertavam-se e tremiam em ansiedade.

A mulher bondosa de olhos dourados e cabelos negros diante de mim, apenas deu alguns passos para trás e continuou: — Todos carregam fardos, mas você Jack... ninguém sabia que uma tragédia daquelas aconteceria e mesmo assim você se esforçou, tentou ajudar com tudo o que tinha, acho que não deveria ser tão cruel consigo mesmo, sem sequer entender a situação você se importou a ponto fazer tudo isso e ainda no fim se culpar, está tudo bem, não é errado... ser gentil.

— I-Incis... — Minhas pupilas tremeram enquanto eu tentei reunir palavras.

“Que dramático eu sou...”, foi o que se passou em minha mente, mas o que eu realmente queria dizer era um grande “obrigado.”.

Acho que finalmente passei a entender um pouco daquele velho ditado “gentileza gera gentileza”.

— Enfim, acho que conversar aqui dentro só te deixa mais tenso certo? Passou três dias aqui, vamos sair um pouco, pegar um sol e sentir os ventos é bom, principalmente no seu caso Jack. — comentou ela ao dar alguns passos na direção de uma das janelas.



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