Ultima Iter Brasileira

Autor(a): Boomer BR


Volume 1

Capítulo 21: Incapaz

 

Enquanto os farfalhos da grama somados da brisa leve e refrescante se espalhavam pelo jardim da mansão, eu não pude deixar mais uma vez de me impressionar com a grandiosidade do local.

Arbustos esverdeados como esmeraldas, perfeitamente cortados em formatos de escudos e espadas, uma fonte prateada esguichando uma água azul celeste e duas fileiras de arvores ambas indo para direita e esquerda, como muros divisórios do jardim.

Passos. Passos.

Eu e Incis caminhamos calmamente até uma pequenina estrada ladeada de pedras brancas, que se guiava por cima da grama como um tapete, chegando em uma única arvore maior que todas as outras.

O céu sendo tingido pela escuridão do anoitecer e uma bizarra lua dourada no topo de tudo.

“Nem parece que ainda estamos no jardim, nem consigo mais ver o teto da mansão entre as arvores.”, pensei eu com um olhar curioso sobre Incis que passou na minha frente com passos calmos.

Ela poderia estar querendo me dizer algo que ninguém mais pudesse ouvir, mas o que seria?

A ansiedade começou a aflorar dentro de mim enquanto o silêncio pairava sobre o gramado verde repleto de moitas. Tudo banhado pelo cobertor negro de estrelas que foi nascendo aos poucos acima de tudo.

Chegando embaixo da arvore repleta de cortes e rachaduras em seu tronco, Incis parou e virou-se para mim.

— Tudo bem... já faz um bom tempo que nos vimos, tenho muita coisa a explicar. — disse ela em um tom sério e uma face meio relutante.

— E-entendo, não precisa se forçar a nada se não quiser.

Ela respirou fundo e manteu um estranho silêncio com minha educada resposta. Eu escutei o farfalhar das milhares de folhas acima de nós, um som pacífico como as ondas do mar.

Inspirando seu ar pesadamente, Incis levantou sua voz novamente. — Não é isso Jack, é que são muitas informações ao mesmo tempo, eu fico um pouco apreensiva de ter que te contar tudo.

Uma face de preocupação era o que ela expressava agora, só de ver isso já concluí que tinha dado merda.

Hm. — Eu olhei para baixo um pouco preocupado. — Tudo bem, sem pressa, s-se quiser pode começar contando tudo da parte mais simples e assim seguindo até a mais complicada.

Ah, sim, parece mais fácil desse jeito. Me desculpe se estou te deixando tenso. — Um sorriso sem vida se formou nos lábios de Incis.

Como sempre eu tentei acalmá-la, mas na verdade a pessoa mais preocupada era eu.

“Foi algo muito grave? O senhor Kaylleon morreu? E o Zakio? o que aconteceu depois que eu fiquei inconsciente?”, uma enxurrada de dúvidas em uma correnteza de ansiedade percorreu pela minha mente.

Os olhos dourados de Incis se guiaram suavemente até a lua dourada reluzindo entre as folhas, eu inquieto apenas fiz o mesmo.

— Foi muito rápido, porém, aquele ataque terrorista em Leycrid já estava planejado.

Sua voz suave e gélida como os ventos que balançavam meus fios negros de cabelo, logo começou a preencher a sensação vazia da noite.

Ela fechou os olhos e continuou: — Aparentemente era uma organização secreta, nós andamos rastreando os membros ou qualquer resquício deles, mas não achamos nada, o que nos levou a concluir que era planejado. Alguns dias antes alguns cidadãos avistaram pessoas encapuzadas, estavam sempre em grupo e cochichando uns com os outros.

Tum!

Meu coração bateu firme.

“Planejado? Aquele caos inteiro... foi parte de um plano?”, meus pensamentos se entrelaçaram em um pequeno receio.

— Incis, e-então... — Uma conclusão se formou em minha mente.

— Então o que?

— Então eles planejavam capturar o senhor Kaylleon?

O que obtive com essa pergunta foi... o silêncio.

Incis apenas desceu suas pupilas âmbar para mim e respirou fundo novamente. O som dos ventos frívolos pairou sobre a grama esverdeada, deixando tudo mais tenso do que já estava.

A mulher de cabelos negros na minha frente abriu seus lábios que tremiam levemente.

— Não. Nós suspeitamos que... e-ele... está morto.

Um arrepio subiu pela minha espinha e não fui capaz de conter minha resposta repulsiva.

— N-não brinca comigo Incis, a-aquele velho era forte pra caralho, ele... morto? Sem chance. — Dei dois passos para trás incrédulo.

Com uma face contida, ela apenas se apoiou em um sorriso sem vida e então ergueu sua mão.

Bio Profiles. — Com um comando de voz um painel azulado surgiu na frente da palma de Incis.

— I-isso é...

— É uma lista de perfis que eu tenho adicionados no Bio Menu, se formos no do meu pai, — pausou ela deslizando seu dedo sobre o painel transparente até chegar na foto de um velhote com olhos dourados, — temos uma descrição completa sobre o perfil.

Incis se aproximou de mim, dando-me uma visão ampla da tela flutuante.

[Bio Profile]

[Nome: Kaylleon Katulis]

[Ranking: A]

[Título: Punhos de dragão]

[Raça: Humano Ahthaeron]

[Perícia em Vitalis: LV75]

Fiquei confuso com as informações complicadas que poluíram minha visão, mas descendo meu olhar sobre as letras brilhantes eu finalmente compreendi tudo.

[Estado Atual: Desconhecido]

[Esse perfil pode estar desatualizado devido a problemas de conexão com a alma do usuário.]

Hã? E-estado atual desconhecido. I-isso quer dizer que...

— Significa que a alma dele não está mais em sincronia com o S.I.S, por isso pode estar morto. — Incis desfez o painel reluzente que explodiu em partículas brilhantes.

— Mas não é 100% de chances que ele esteja morto, certo?

Ela balançou a cabeça em afirmação, porém de uma maneira incerta.

— Ele pode sim estar vivo, só que em um estado inconsciente capaz de ter dessincronizado sua alma do S.I.S, é quase estar entre a vida e... a morte. — Completou Incis torcendo seus lábios em desconforto.

“Merda... então eu não pude ajudar em nada no final das contas!”, apertei meus punhos em pensamentos de frustração.

Mesmo depois de ter me machucado, lutado com todas as forças contra meus medos para tentar pelo menos fazer um pouco de diferença, nada havia mudado, eu ainda era o mesmo de sempre.

Ainda era fraco e incapaz de fazer a diferença.

— E-eu sinto muito... sinto muito mesmo. — Tentei conter minha frustração, meus punhos tremiam apertando-se firmemente.

Os fios negros de cabelo dela balançavam, dançando como as folhas da arvore que nos cobria como uma cúpula.

— Não, eu já disse Jack, não se culpe, ninguém pode prever nada.

“Incis, mesmo que diga isso, você ainda se sente mal, sente aflição com a vida do seu ente querido, minha culpa não importa mais tanto aqui.”, aos poucos, minha mente virou uma nuvem negra.

Eu sabia que precisava saber mais, precisava ignorar meu drama de merda pra entender tudo de uma vez, mas... minha alma só parecia cada vez mais acorrentada no abismo de negatividade.

Foi então que rangendo meus dentes eu apenas engoli a sensação ruim e o aperto no peito para dizer: — Ok. O que mais você pode me contar?

Os olhos dourados de Incis se desviaram de mim em desconfiança, eu nunca havia visto ela tão mal assim.

— A-aquela... — ela abaixou sua face com uma voz atrofiada, — Aquela explosão que surgiu no céu, ela matou mais de 400 pessoas e destruiu grande parte da cidade. Sem contar que a Dungeon que você despertou corrompeu o terreno que ficou muito fraco por causa da explosão.

Meu corpo arrepiando, os batimentos cardíacos acelerando e o sangue ficando frio.

“400 pessoas?!”, meus olhos se arregalaram em choque.

Um pequeno Flash de memórias piscou em minha mente, lembrando-me de quando aceitei a ajuda de Abyssus, a possibilidade de que ele pudesse ser o causador disso não era nula e logo, minha mente foi desmoronando em culpa.

“E se ele... não, impossível, 400 pessoas, eu não faria isso. Eu nunca mataria ninguém, aquele tal de Abyssus apenas.... eu não sei o que caralhos ele fez!”, pensamentos caóticos e desesperados caíram sobre mim.

— I-Incis... eu... — Um nó se fez em minha garganta.

— A guilda agora só tem 12 membros, — ela se apoiou sobre o tronco ríspido ao seu lado, tentando não desabar entre suas palavras angustiadas. — Ha-haviam 76.

As unhas de Incis se enterraram na madeira velha da arvore, tentando provavelmente suportar o peso de toda essa tragédia.

Eu já havia entendido que esse novo mundo não era brincadeira, não era um conto de fadas, mas agora estava muito mais claro.

A existência da tristeza, crueldade, injustiça... tudo isso existia e estava sendo mostrado para mim de maneira escancarada desde quando abri meus olhos nesse mundo bizarro.

“No fim eu não posso fazer nada de novo. Incis, sendo gentil como é, está tendo que arcar com tudo sozinha e mesmo assim disse que não preciso me preocupar, mas...”, pensei em desgosto e negação.



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