Ultima Iter Brasileira

Autor(a): Boomer BR


Volume 1

Capítulo 6: Infortúnio

 

“Os olhos dele... são dourados como os da Incis.”, foi o que pensei quando me deparei com a coloração dos olhos da figura de terno.

— Isso mesmo. Jack estava perdido nas ruínas de Thera. — Incis me voltou um olhar amigável ao andar na direção do homem de terno.

 — Sim... e-eu estava. — respondi desviando meu olhar dos dois.

 — Por que a timidez meu jovem? não se acanhe, eu não vou fazer nada de ruim com você. Só estou aqui para te ajudar, sente-se por favor. — Ele puxou uma cadeira próxima dali.

A primeira impressão que tive desse cara foi de alguém rígido e muito sério, mas sua feição agora estava com um sorriso vívido e gentil.

Me senti de certa forma acolhido por tal gentileza, assim como aconteceu quando conheci Incis. Digamos que era bem mais fácil pra mim confiar em alguém que me tratasse assim logo de início, talvez esse seria um hábito meio perigoso? Acho que sim.

Eu calmamente me sentei na cadeira que o senhor de preto me ofereceu.

“Aqui é bem espaçoso. Tem um balcão, cadeiras... será que é tipo aqueles lugares onde são atribuídas as missões para os aventureiros? pelo menos era assim que funcionava.”

Eu caçava peças constantemente em meus pensamentos enquanto olhava os arredores desconfiado. A mesa onde estávamos era meio isolada de todo o resto, ela estava encostada ao lado de uma pequena janela de vidro.

A iluminação dentro do local era fraca dando uma atmosfera meio calma e pesada simultaneamente. Os ventiladores de teto giravam fazendo leves rangidos.

Eu claramente estava num ambiente desconfortável e não compreendia o motivo dessa sensação... eu era tímido?

Minha memória estava totalmente fragmentada então compreender até parte do que eu mesmo sentia era difícil, acho que foi tipo nascer de novo.

 — É um prazer, meu nome é Kaylleon Katulis, o mestre da guilda R.O.U.N.D.S.— disse a figura de terno e cabelos brancos que olhou para Incis. — Inclusive, essa garota é minha filha, fico feliz que tenham se dado bem. — completou ele levantando sua mão para mim.

“Então é por isso que eles se parecem tanto, que coisa, tal pai, tal filho.”, ponderei antes de cumprimentar ele gentilmente.  

— É um prazer Senhor Kaylleon. — Eu apertei sua mão meio inquieto.

Durante esse aperto de mãos eu pude analisar melhor o seu semblante.

Seu rosto era um pouco enrugado e o seu cabelo branco não se tratava apenas de estética, era velhice mesmo. Eu chutaria que Kaylleon tinha uns cinquenta anos ou mais, mas mesmo assim seu físico parecia bem saudável ou pelo menos era o que o seu elegante terno passava para mim.

Eu realmente achava ternos bem bonitos, ainda mais quando eram pretos, sempre fui um estranho apreciador dessa cor, mas a questão principal aqui não era essa!

— Enfim, vamos direito ao ponto aqui, eu tenho a ajuda que você precisa.

Kaylleon botou seus cotovelos sobre a mesa de forma tensa.

— E que tipo de ajuda seria essa? — perguntei com um olhar hesitante.

Kaylleon olhou para os lados como se estivesse garantindo que ninguém fosse nos escutar. — Você deseja respostas e voltar para casa, não é Jack? — sussurrou ele.

— É-É claro!

O meu jeito de falar soou meio rude, algo semelhante a uma visita que queria ir embora cedo, mas não era isso, o que eu realmente desejava era que pudesse voltar para o mundo normal logo.

No início foi até que divertido, mas depois de algumas horas nesse lugar, totalmente perdido e sem nenhuma forma de se defender dos perigos, não pude evitar o desejo de voltar pra casa. Não era nada parecido com as Novels ou Mangás que eu via por aí... era bem mais... realista.

Por isso tomei essa decisão avulsamente.

 

[Zakio Sperr]

 

A cidade estava bem mais movimentada do que o normal, isso porque esse seria o fatídico dia em que realizaríamos uma expedição na Dungeon reencarnada.

“Mas parece que as coisas vão mudar drasticamente agora, tudo por causa daquele moleque.”, murmurei em minha mente dando um suspiro de puro incomodo. Quantos infortúnios mais poderiam surgir?

O som da multidão de pessoas se movimentando pelas calçadas era caótico e irritante. Leycrid sempre abrigou muitos moradores e refugiados, mas era um lugar pacato quase sempre.

— Quando é que eles vão sair? — reclamei em voz alta.

Eu me virei na direção da porta de vidro, já impaciente. Foi então que quatro figuras passaram pela porta.

Passos. Passos. Passos. Passos.

Todas encapuzadas com mantos negros. Quando meus olhos se fixaram neles meu corpo reagiu de forma estranha, foi como se um peso acabasse de cair sobre mim, uma pressão... talvez um Vitalis?

Minhas pupilas se estreitaram enquanto acompanhavam as figuras que desceram os degraus e pararam para falar sobre algo.

— Então é realmente aqui... que surpresa, eu não imaginei que ele ainda estaria tão saudável. — disse uma das pessoas encapuzadas, ela tinha um tom frívolo e difícil de se ouvir.

“Isso não está me cheirando bem, esses idiotas estão planejando fazer alguma besteira. Se esse realmente for o caso acho que vou dar um jeito eu mesmo.”, concluí internamente enquanto escutava a conversa dos encapuzados.

— Tanto faz, o selo da Signari já está completamente conjurado, essa é a nossa chance.

— Faltam apenas mais alguns minutos, prepare-se para ativar a barreira, ele não irá escapar de Leycrid nem que eu morra por isso.

Essa pequena conversa foi o suficiente, o perigo estava próximo e essas pessoas eram esse perigo. Com essa certeza em mãos eu apenas respirei fundo antes de levantar minha voz severamente.

— O que querem aqui? Eu ouvi sobre uma tal barreira, estão planejando causar algum problema, isso é fato, falem tudo agora mesmo.

recostado na parede com um olhar sério e braços cruzados, eu apenas observei cada um deles na espera de respostas.

Os quatro viraram-se em minha direção.

O silencio foi a única coisa que assolou o momento. Por dentro de cada um dos capuzes, no meio das trevas que ocultavam suas faces haviam olhos brilhantes, todos eles me observaram com seus olhos evaporando um brilho assassino.

Um calafrio subiu pela minha pele.

Não compreendi o motivo de me sentir assim diante de meros estranhos, isso era patético pra mim.

[Perigo! Inimigos de Ranking desconhecido estão próximos!]

A mensagem que surgiu no painel reluzente diante de mim entregou tudo.

— Entendo... então são de Ranking desconhecido? — eu levantei minha mão conjurando minha espada que surgiu quase que instantaneamente, — identifiquem-se antes que seja tarde demais.

Mesmo que meu corpo estivesse pesado e o desconforto ainda permeasse ao meu redor, eu mantive um olhar sério e penetrante perante os forasteiros.

Olhares assustados e curiosos vieram de todos os lados, os cidadãos foram se afastando enquanto cochichavam uns com os outros.

— Vamos, identifiquem-se! — gritei apontando a lâmina gigante na direção dos quatro.

Foi então que um deles se manifestou dando alguns passos à frente e retirando seu capuz.

Lindos fios prateados de cabelo caíram pelos seus ombros e uma face pálida foi revelada, além disso seu rosto era acompanhado de duas pupilas purpuras e profundas como duas pedras preciosas. Uma mulher.

— Que coisa, então tinha alguém ouvindo nossa conversa? Eu pensei que vocês tinham usado uma Skill de ocultamento sonoro. — Foi o que disse ela com um olhar frio e sem vida.

— Isignificante, apontando uma arma para nós. — Continuou ela ao erguer uma de suas mãos na minha direção.

Vuuush!

Os seus dedos se torceram suavemente e sua mão parecia pronta para arranhar qualquer coisa quando um brilho violeta exalou do braço da mulher.

Eu vi linhas reluzentes ascenderem por baixo das longas mangas do tecido negro, eram as veias do seu pulso que interligaram como circuitos.

— Pe-pessoal, afastem-se!

— Eu quero minha mãe!

As vozes de espanto e pânico ecoavam para todos os lados. A multidão que se assemelhava com um formigueiro se espalhou.

“É um grupo de usuários de Vitalis? Eu nunca senti uma pressão como essas. Parece até que eu vou desmaiar a qualquer segundo. Merda, recomponha-se cara!”, minha mente virou um turbilhão enquanto meu corpo tentava não cair.

— Eu avisei, agora é hora de arcar com as consequências. — Eu chutei o chão iniciando uma corrida tão rápida quanto uma bala na direção da mulher.

— Nattalia! — Um dos encapuzados gritou alarmado.

— Não se preocupe. — respondeu ela virando sua mão ao apontar o polegar indicador para baixo.

Zuuush!

Raios roxos estalaram ao redor do corpo dela.  

A energia crepitante de cor violeta quebrou os arredores como vidro.

 

Minhas pernas se moveram fazendo meu corpo rasgar a distância entre nós encurtando-a mais e mais.

Minhas botas começaram a derrapar levemente a cada passo. Era peso.

Ghn! — rangi meus dentes de dor. Uma sombra purpura caiu sobre meu corpo deixando minhas pernas pesadas.

Gravitharion!  — Os lábios dela se mexeram citando um nome desconhecido e nesse mesmo instante todos os músculos do meu corpo se retorceram.

Minhas botas afundando sobre o concreto da calçada, meus ossos rangendo como se estivessem prestes a se romper, foi como se uma tonelada tivesse sido jogada sobre minha espinha.

Impacto! Quebra!

Poeira foi levantada pelo ar junto de alguns pedaços das pedras que ladeavam a calçada.

Aargh! — gritei em agonia tropeçando e sendo afundado por completo no solo.

— Esse é o nome da minha principal habilidade, o Vitalis gravitacional de Tier 3. — A voz dela ecoou pelo meio da nuvem de poeira.

“Onde raios ela conseguiu um poder como esses? Puta merda, levanta corpo inútil!”, meu cérebro recebia descargas de pura dor apenas por pensar.

Quando mais eu afundava na calçada de pedra mais danos eram causados. Minha ombreira entortou e minhas braçadeiras estavam sendo esmagadas junto com meus pulsos.

A-AAAAAARGH! — sangue respingou da minha boca enquanto minhas cordas vocais tentavam não se romper gritando em agonia.

Broooom!

Uma vibração percorreu pelo solo juntamente de várias linhas carmesins que se interligavam em padrões reluzindo um brilho ofuscante, circuitos Vitalis.

Meus olhos se arregalaram.

Se um circuito Vitalis estava sendo expandido pelo solo da cidade então isso só significava uma coisa...

“É aquela barreira! Está sendo criada ao redor de Leycrid!”, gritei em pensamentos tentando debater meu corpo que apenas afundou mais ainda.

A poeira abaixou e eu pude ver a mulher responsável pela minha desgraça. Ela me observava de cima com uma face de desprezo e pura superioridade.

“Vadia do caralho!”, eu praguejei em pensamentos.

— Estamos indo Nattalia, faça o favor de matar todas as testemunhas incluindo esse idiota. — disse uma das pessoas de capuz negro sumindo em uma névoa escura.

— Com prazer. — respondeu ela com um brilho frio em seus olhos.

Em poucos segundos o grupo misterioso sumiu deixando sombras chiadas pelo ar, com exceção é claro, da figura de olhos violetas, Nattalia.

Quebra! Vupt!

Algo rasgou os ares.

A porta de vidro giratória do prédio da guilda se quebrou em milhões de pedaços quando um vulto vermelho pulou por ela.

Uma garota de cabelos negros trajando uma armadura de mesma cor que cobria seu busto lançou-se na direção da mulher.

Seu corpo voou como um míssil e seus olhos dourados deixaram um rastro amarelado que entregou de cara quem era.

“Incis!!!”

Ela já estava prestes a acertar um chute super sônico na cabeça de Nattalia.

Vuuush!

Seu chute se curvou no ar como um dragão flamejante.

A tal Nattalia deu um leve passo pra trás esquivando-se por um fio do ataque, seus cabelos prateados balançaram histericamente.  

Incis aterrissou sobre a rua com um mortal e derrapou um pouco antes de tocar seus sapatos sobre o chão novamente.

Quem é você?! — perguntou ela num tom ríspido, totalmente diferente do seu jeito comum de falar.

Essa garota poderia ser tão gentil quanto seu pai, mas a partir do momento em que você a irritava era morte na certa.

Uma Incis Raivosa era como um monstro desembestado e eu sabia bem disso já que no passado lutei contra ela nesse estado.

— Presumo que o seu colega já saiba, mas acho que não tenho escolha, eu sou Nattalia. Isso é tudo o que precisa saber antes de morrer. — Nattalia respondeu ao sumir deixando uma neblina violeta.

As costas de Incis se arquearam abruptamente e um impacto estrondoso ecoou.

Gaaaargh!

Ela foi golpeada pelas costas tendo seu corpo jogado para longe.

A atiradora de cabelos escuros voou de forma brusca e antes de cair rolando pela rua conseguiu se instabilizar tocando suas botas no chão e derrapando pra trás.

Agora que estava no centro da pista e mais distante de Incis, Nattalia a observava friamente.

“Ela ressurgiu atrás de Incis quase que sem nenhum atraso... isso não pode ser apenas manipulação gravitacional.”, meu cérebro parecia estar derretendo tentando entender aquele golpe.

— Seja quem você for... ou seu objetivo... eu não vou deixar que machuque ninguém que faz parte da minha vida! — Incis cuspiu sangue dizendo isso e conjurou suas duas pistolas carmesins.

Os circuitos vermelhos reluziam cada vez mais pelo chão, se expandindo por cada centímetro de Leycrid como raízes.

Os olhos descontrolados de raiva de Incis se tornaram espantados, — Uma barreira? — indagou ela ao entender a situação rapidamente.

A mesma luz carmesim dos circuitos começou a emergir pelos arredores de toda a cidade e logo tingiu os céus com uma grande cúpula cor de sangue com veias pulsantes de energia Vitalis.

Meu coração acelerou pela primeira vez em muito tempo. A única coisa que consegui fazer foi gritar com todas as minhas forças.

— O poder dela é gravidade!

Minha voz ecoou rasgando minhas cordas vocais e fazendo sangue ser expelido pela minha garganta.

A força que usei pra gritar não veio do corpo ou de algo do tipo... era ódio, a pura fúria de nem ter conseguido encostar nessa maldita mulher chamada Nattalia, que agora estava até mesmo machucando Incis também.

Bam!

Uma bala flamejante rasgou o vazio.

Incis efetuou um único disparo e nesse mesmo segundo ela avançou pela direita.

A rua estava totalmente vazia e preenchida pelo carmesim da barreira Vitalis em formato de cúpula, um cobertor colossal de energia.

A oponente de Incis simplesmente ergueu seu punho o fechando e o projétil de fogo vindo em sua direção foi esmagado no ar.

Bam! Bam!

O som dos disparos engoliu os gritos de pânico.

A atiradora de cabelos negros pulou por trás de um poste logo após dar mais dois disparos. Ela se agachou trocando os pentes.

— Por que não desiste de uma vez? — Nattalia disse sem emoção alguma balançando suas duas mãos pelo ar suavemente.

O vapor violeta quebrou o vazio.

Os dois tiros criaram rastros de fogo no meio da rua.

Nattalia balançou suas duas mãos fazendo um “x” e os dois disparos de Incis explodiram. Fumaça e fogo surgiram se misturando.

“É inútil, a dominância que ela tem da pressão gravitacional consegue esmagar qualquer coisa!”, eu só podia pensar enquanto rangia os dentes.

“Onde está o mestre Kaylleon afinal?”, indaguei mentalmente.

Foi então que um brilho frívolo e impiedoso se ascendeu nos olhos de Incis, — Ainda não acabei! — a voz dela se distorceu.

Nesse mesmo instante um círculo formado por armas de fogo foi conjurado ao redor de Nattalia.

Rifles, pistolas, fuzis de precisão e até mesmo escopetas estavam flutuando, todos envoltos de um poderoso vapor escarlate.

Os cartuchos foram recarregados e os gatilhos soltaram seus sons em sincronia ao serem puxados.

Bam! Bam! Bam! Bam! Bam! Bam!

Meus ouvidos se ensurdeceram.

Os estrondos estridentes das balas sendo disparadas, as janelas dos prédios e casas se quebrando com os impactos, a nuvem de fumaça se formando.

Eu definitivamente consegui sentir o cheiro da pólvora flamejante se expandido pelo ar.

“Acabou.”, foi a única coisa que pensei após ver Incis usar uma das suas Skills mais poderosas em um único alvo.

Algo avulsamente cortou meus pensamentos junto da fumaça, como uma navalha.

O poste onde Incis estava pegando cobertura foi rapidamente destroçado no meio jogando um som ressoante.

Os fios de energia se deceparam e metade do pilar de ferro caiu sobre Incis como se fosse um martelo.

Ghorgh! Co-como?! — Ela vomitou sangue com suas costas sendo pressionadas pela barra de metal.

 



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