Ultima Iter Brasileira

Autor(a): Boomer BR


Volume 1

Capítulo 5: Realismo

 

— Tra-traumas?

— Sim. Esse é o Vitalis, mas existe uma diferença entre o Vitalis despertado logo no nascimento e o despertar por meio de um trauma.

Incis cessou suas palavras voltando seu olhar para a grande estrada de terra. — Se quiser saber mais eu posso te falar. — disse ela estreitando seus olhos de um jeito interessado.

Ela aparentou ficar mais tensa sobre esse assunto, mas não hesitou em saber se eu realmente queria mais informações. Isso era mais complicado do que se podia imaginar, foi um pouco repentino e de certa forma meio chocante.

Despertar um poder por meio de um trauma? Isso era totalmente bizarro.

Meus olhos observavam de um lado pro outro lentamente, analisando as gigantescas planícies de areia. Uma paisagem linda e solitária.

Hm... saber mais sobre o Vitalis, acho que seria bom, n-não que eu esteja planejando algo com essas informações, longe de mim!

Eu fiz uma expressão meio desentendida tentando obviamente não levantar nenhuma suspeita, afinal Incis tinha um Vitalis capaz de conjurar armas de fogo totalmente letais.

“Eu duvido que ela realmente faria algo ruim comigo a essa altura, mas é sempre bom prevenir.”, pensei desconfiado.

Ha! Ha! Entendo, não é nenhum problema estar curioso, sempre é bom aprender algo novo. — Me respondeu Incis enquanto continuava a caminhar do meu lado.

A estrada em que estávamos estava quase coberta pela areia e parecia minúscula na imensidão das montanhas douradas de areia.

— É algo bem simples, apenas preste atenção no que vou dizer e entenderá. — afirmou ela dando um leve suspiro antes de começar.

— Como eu já expliquei o Vitalis do tipo normal desperta logo no nascimento do usuário, esse Vitalis tem chances de lhe dar poderes básicos como manipulação de elementos e raramente a habilidade de manipular a gravidade também.

— Então tem pessoas que conseguem manipular fogo, terra, água e ar juntos? — Fiz uma face de dúvida.

— N-não! Presta atenção, — Incis fez um rosto um pouco desajeitado perante meu erro, — n-nesses casos você só pode manipular 1 dos 4 elementos, sacou?

Hm, entendi, mas e o outro Vitalis? Aquele que é despertado através de um trauma? Qual a diferença entre os dois?

— Ei! O que diabos vocês estão murmurando aí?! Se continuarem andando nessa velocidade vamos demorar metade do dia!

Um grito impaciente quebrou o momento. Zakio estava a muitos passos a frente na extensa estrada de terra banhada pelo sol. Eu e Incis olhamos assustados para ele, percebendo o quão lento estávamos.

“Por que esse cara sempre se intromete nos melhores momentos?”, reclamei em minha mente.

— Si-sim! Nós já te alcançamos! — gritou a mulher ao meu lado com um suor de nervosismo descendo pela testa.

Ela continuou: — B-bom, em relação a sua dúvida da diferença entre os dois tipos de Vitalis, é que o normal usa a energia do corpo que chamamos de Aether, já o Vitalis despertado por um trauma usa sua vitalidade, ou seja, ele vai consumir HP quando usado.

Incis apressou seus passos numa marcha engraçada, eu fiz o mesmo enquanto estava imerso nas explicações.

— Pra ficar mais fácil de diferenciar os dois tipos nós demos nomes diferentes pra cada um, o Aether é a habilidade despertada quando se nasce e o Vitalis é a habilidade despertada pelo trauma. Ufa... entendeu tudo?

O fôlego de Incis foi expelido pelo seu suspiro após dizer tantas coisas.

— Sem problemas, acho que consegui absorver tudo certinho. — Voltei minha atenção para Zakio que ainda estava muito na nossa frente.

— Va-vamos nos apressar antes que algo pior aconteça agora, você já deve estar aflito. — disse ela com uma face constrangida no que eu apenas balancei minha cabeça.

“Que bizarro, uma habilidade capaz de consumir seus pontos de vida, isso é praticamente suicídio, não é?”, ponderei enquanto acompanhei a mulher de sobretudo e cabelo negro.

Passos. Passos. Passos.

Pelo menos as coisas passaram a fazer mais sentido. Aquelas acrobacias e armas que vi Incis e Zakio usarem eram basicamente magia só que com nomes diferentes e certas peculiaridades, nada muito diferente de um Isekai básico.

“Mesmo assim eu ainda não pareço ter nenhum Vitalis. Seria impossível pra mim despertar um Aether também, já que ele só é despertado em alguém que acabou de nascer certo?”, mais dúvidas permearam pela minha mente.

“Então... talvez eu possa despertar um Vitalis, mas... isso não seria ruim pra mim? Usar uma habilidade que consome a minha saúde, os meus pontos de vida... significa que pode causar alguma dor, sem contar que um Vitalis só pode ser despertado por meio de um trauma. Merda, estou dando voltas de novo, mais e mais perguntas surgindo.”, parei de pensar com um leve suspiro.

Mesmo em um lugar tão fantasioso, tão imenso, eu ainda era o mesmo que sempre costumava ser. Não era corajoso, bonito, forte ou qualquer qualidade que um protagonista pudesse ter.

Fiquei preso em meio a esses pensamentos enquanto os passos da nossa caminhada consolavam os ventos suaves.

“No fim eu ainda não sou nada, a história ainda é realista...”, essa frase angustiante ecoou em minha mente.

Raiva foi o único sentimento que me assolou, raiva por ser tão comum, acho que essa é a melhor descrição que eu poderia dar.

Ventania.

Uma leve brisa caía sobre a estrada coberta de areia.

Passos. Passos. Passos.

As botas negras de Incis tocavam sobre a superfície árida fazendo um som seco.

— Estamos quase chegando, consegue ver? — Ela apontou para uma estrutura distante.

Hm, a-acho que sim.

O local era no topo de uma grande subida, pelo pouco que meus olhos cansados conseguiam ver parecia ter muros cinzentos ao redor, bem altos diga-se de passagem.

— É uma subida íngreme, então tome cuidado moleque. — Zakio acenou sua mão para nós de longe.

— F-foi mal. Ele é uma pessoa boa, não se sinta mal pelo jeito dele. — Se desculpou Incis com seus olhos dourados transmitindo piedade.

— Sem problemas. — Eu apressei meus passos.

As planícies passaram a ficar mais vívidas. Haviam tocas e diversas criaturas estranhas passando pela estrada.

Todas emitiam algum brilho ou alguma característica curiosa em seus corpos. Isso me deixou meio inquieto. Um belo exemplo disso foi um tipo de cobra que tinha suas escamas bordadas por pequeninas pedras brilhantes e um chocalho flamejante.

— E-ei! Aquela coisa está vindo pra cima de nós! — gritei em espanto ao avistar a cobra reluzente rastejar na minha direção.

Ssssss!

Ela abriu a boca erguendo seu corpo invertebrado.

— Sai fora! — Incis levantou sua mão e uma pistola surgiu.

Bang!

Um disparo que em segundos explodiu a pequena cabeça da criatura.

[Gemhyrka Serpent foi derrotada!]

[Você não foi capaz de receber Ranking Points!]

Isso era simplesmente diferente demais pros meus olhos, foi como estar descobrindo espécies totalmente desconhecidas das profundezas do oceano.

[Uma nova área foi descoberta!]

[Recebeu 5 Ranking Points!]

Um painel brilhou diante dos meus olhos quando finalmente terminamos de subir a montanha de areia.

— Ca-caramba... — Minha atenção foi rapidamente desviada do texto reluzente.

Eu vi um gigantesco portão de ferro que continha uma engrenagem colossal no centro, além disso haviam dois muros que se estendiam para a direita e esquerda.

Pouco me importei com esses Ranking Points, minha ansiedade estava quase explodindo pra saber como era o lugar por trás dos colossais muros.

Passos! Passos!

Um homem com um uniforme preto e branco bordado com zíperes dourados correu do portão até nós.

— Alto! Quem é esse? — Ele gritou ao se aproximar.

Na sua mão direita um brilho reluzente surgiu e logo em seguida uma grande lança foi conjurada. A ponta de metal verde envolta de musgo foi a última coisa a aparecer.

— F-fique calmo Renard, ele não é nenhum inimigo. — Incis passou na minha frente respondendo o homem com a lança na mão.

Ele apenas me olhou de relance com seus olhos estreitos e suas pupilas cinzentas ao abaixar sua arma.

— Hm... Tudo bem então, se a senhorita Incis diz, quem sou eu pra desobedecer né?

— Isso foi bem desnecessário da sua parte, mas bom trabalho. — elogiou Zakio com um olhar sério.

“Aquela lança é bem foda também, por que todas essas armas tem aparências tão bonitas?”, me perguntei internamente quando vi a lança do tal Renard sumir em partículas verdes.

— Obrigado pelo elogio senhor Zakio. Temos que estar atentos aos que pisam aqui em Leycrid. Não quero que esse lugar se torne alvo de nenhuma encrenca. — Renard fez um gesto com a mão e um painel brilhante surgiu na sua frente.

Ele digitou algo no painel que reluziu em verde quando seus dedos pararam de se mover.

[Acesso permitido!]

[Bem-vindo a cidade de Leycrid!]

A grande engrenagem no centro do portão girou sendo envolta por um vapor brilhante.

— Obrigado pelo ótimo trabalho senhor Renard. — Incis piscou para Renard que fez um rosto meio bobo.

Breeeem! Breeem! Breeem!

O som de metal se arrastando ressoou me dando leves arrepios.

O portão se dividiu no meio abrindo uma divisão no centro. A engrenagem gigante no centro foi cortada no meio também. Uma ventania saiu de dentro da abertura no centro dos portões. Um novo cenário que penetrou minha visão com sua imensidão.

“Uau...”, minha mente congelou.

Era uma linda cidade com várias pessoas caminhando pelas calçadas.

Prédios, lojas, bancas vendendo diversos itens. As ruas eram ladeadas com pequeninas pedras lisas de cor opaca que faziam o sol se refletir.

Os telhados das residências eram todos feitos de placas de metal.

— Seja bem-vindo, Jack. Esse é o nosso lar ou melhor dizendo... A base da nossa Guida Hehe! — Incis deu uma leve risada passando pelo portão.

Zakio apenas nos olhou com uma face de tédio e seguiu em frente.

— O-Obrigado. — respondi ela meio sem jeito.

Eu dei alguns passos afrente ao observar os arredores com atenção. Ao passar pelos portões uma sensação inexplicável nasceu em mim.

Um tipo de euforia misturada com dúvidas, uma curiosidade empolgante, como um garotinho descobrindo sobre o mundo ao seu redor. As estruturas pareciam modernas, mas ao mesmo tempo com uma energia medieval.

Bancas de madeira com espadas, pedestres vestindo roupas diversificadas como de camponeses ou ternos chiques de algum empresário, tudo tinha um ar contraditório em algum ponto específico.

“Talvez não seja tão ruim não conter uma habilidade ou ser de Ranking F...”, foi o que pensei iludido pela beleza do lugar.

Ser fraco e aparentemente não ter nenhuma habilidade, era difícil não se preocupar com tal situação.

Ainda não conter uma habilidade só significava que eu iria despertá-la, esse era o problema. Como Incis disse, pra conseguir um poder eu teria que supostamente passar por um trauma... isso definitivamente não seria bom.

“Se eu tivesse reencarnado poderia conseguir um Aether ao invés de um Vitalis... é sério, esse papo de trauma é medonho. Seria bem mais suave se eu só nascesse de novo e ganhasse uma habilidade... usuários de Aether são realmente privilegiados.”

Esse pensamento permeou em minha mente por um instante.

Despertar uma habilidade já estava ficando fora de cogitação pra mim, até pensei na possibilidade de voltar pra casa se pudesse.

— Esses seus olhinhos sem vida parecem brilhar um pouco mais agora. Eu gostei disso, vamos indo. — Incis virou as costas pra mim e adentrou as ruas da cidade intitulada de Leycrid.

Nós passamos pelo meio da rua e rapidamente viramos o centro das atenções.

Os olhares duvidosos e cochichos rapidamente forma tomando conta do local.

— Quem é aquele?

— Vejam as roupas, é um Lost?

— Ele é bem magrelo, é óbvio que não.

O desconforto me assolou pouco a pouco.

Foi como se algo assim já tivesse acontecido e realmente aconteceu. Nesse pequeno instante, no fundo das minhas memórias borradas uma imagem surgiu. Um garoto de cabelos pretos num pequeno jardim.

Seus olhos eram vazios e profundamente escuros como dois buracos negros, seu cabelo bagunçado transmitia desconforto a qualquer um que pudesse ver, lágrimas escorriam pelo rosto dele. Ele era alvo de risadas, olhares maldosos e cochichos.

As lágrimas escorrendo dos seus olhos, o seu coração batendo forte e seu corpo tremendo em insegurança.Todas as crianças desprezavam o garoto, tinham algo contra ele. Era eu.

 

— Não escute eles Ok? — Incis tentou me consolar enquanto andava com o olhar afiado, apenas focada no caminho.

A voz calma dela me puxou de dentro dessa bizarra imagem.

Meu coração pesou e minha mente entrou em um vão por um segundo. — Tu-tudo bem. — Eu fiz uma face inquieta.

“Estou alucinando agora... puta merda. Mesmo que esse lugar seja bonito acho que quero ir pra casa.”, foi o que cogitei. 

Passos. Passos.

Nós paramos em frente a um pequeno prédio branco de dois andares, nele haviam alguns degraus até a entrada que era uma porta giratória de vidro

Eu vi um grande letreiro numa placa de metal acima da entrada,tentei ler, porém o texto nele era algo incomum, eu poderia dizer que eram apenas vários rabiscos confusos.  

“Já tá melhor que minha caligrafia.”, debochei em minha mente.

— Eu vou ficar na porta por enquanto. Não quero nenhum engraçadinho fazendo escândalo. — disse Zakio encostando-se na parede ao lado da entrada.

— Beleza, eu levo o nosso convidado pro senhor Kaylleon. — Incis subiu os degraus com um sorriso empolgado.

Passando pela porta meus olhos visualizaram mais novidades. Muitas mesas e cadeiras e um pouco afrente tinha um balcão com uma mulher bem vestida.

As cadeiras eram ocupadas por várias pessoas e suas aparências eram diversificadas. Armaduras de metal rústicas, sobretudos com relevos dourados bordados em joias, uniformes negros com gravatas e emblemas dourados e por aí vai.

— Então esse é o Lost que vocês encontraram?

Minha atenção foi redirecionada para uma voz madura que se jogou na nossa direção.

Um homem de cabelos brancos vestindo um elegante terno preto, ele caminhou até nós com as mãos relaxadas nos bolsos. Assim como Zakio, ele também carregava uma cicatriz em seu rosto, porém em seu caso se localizava por cima de seu olho esquerdo.

 



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