Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 1

Capítulo 4: Caldeirão Encantado

Xu Gan e Xu Xia, que estavam prestes a sair, voltaram-se para Xiao Ning, ao ouvi-lo chamar. Xu Gan ficou desapontado. Por um momento, pensou que aquele garoto tolo iria os deixar ir embora sem criar grandes problemas ou fazer pedidos exagerados. Mas parecia não ser o caso.

― O que você quer? ― questionou Xu Xia, com rispidez.

― Veja bem... ― Xiao Ning falou em um tom despreocupado e com um sorriso relaxado. ― Eu realmente não me importo em não receber o dote de volta ou coisa do tipo. Mas... como posso dizer... Duvido que a honrosa Família Xu se sentiria confortável em cancelar um casamento sem dar nada em troca, não é mesmo? ― provocou.

― Fale de uma vez! ― rufou Xu Gan, parecendo descontente. Ouvir Xiao Ning usar um tom tão debochado ao falar da honra da Família Xu, o irritou.

Por outro lado, quando ouviu Xiao Ning provocar não só alguém como Xu Gan, como também a Família Xu em si, Xiao Chang soltou um leve suspiro enquanto balançava a cabeça. Na verdade, isso não era assim tão surpreendente. Essa atitude despreocupada e desrespeitosa, sempre foi e sempre será o jeito de Ning.

Sabendo que neste momento poderia pedir qualquer coisa, Xiao Ning soltou um leve sorriso, projetou o corpo para frente e disse:

― Eu não quero nada demais, apenas um Caldeirão Encantado, nem precisa ser muito caro, um de prata ou de bronze para mim está bom.

― Caldeirão Encantado? ― Todos o olharam com espanto e surpresa, como se duvidassem dos próprios ouvidos.

Mas Xiao Ning apenas sorriu confiante e assentiu com a cabeça:

― Isso mesmo, um Caldeirão Encantado! ― confirmou.

Xu Gan fez uma pausa momentânea, enquanto estudou Xiao Ning uma segunda vez. Ele o olhou de cima a baixo, antes de enfim responder:

― Mandarei trazer o caldeirão!  ― Dizendo isso, ele se virou e saiu, acompanhado por Xu Xia.

― Obrigado! ― agradeceu Xiao Ning, sorridente, parecendo extremamente satisfeito, enquanto acenava, despedindo-se.

Após, a agora, ex-noiva e o Ancião da Família Xu sair, Xiao Chang olhou para o garoto relaxado, sentado de qualquer maneira, sem se importar com os bons modos e fez uma expressão estranha. Ele quis perguntar, mas hesitou. Esse pensamento era simplesmente ridículo. Porém...

― Pequeno Ning, porque você quer um Caldeirão Encantado? Está pensando em praticar Alquimia? ― indagou, com curiosidade.

Terminando de fazer tal pergunta, Xiao Chang logo reparou no quanto suas palavras eram ridículas e se arrependeu de tê-las dito. Alguém feito Xiao Ning jamais poderia praticar Alquimia. O motivo era bastante simples, na verdade, para aprender essa arte é preciso ter um cultivo elevado e um talento natural, sem falar na dedicação necessária. E Xiao Ning não tinha nenhum dos três. Era um vagabundo conhecido e famoso pela falta de devoção. Ele era apenas um vadio, que não levava a sério suas obrigações e se importava somente com o quanto poderia dormir em um dia. Seu cultivo era baixo e o talento, pobre. E mesmo que se esforçasse, não haveria garantia de que teria sucesso.

E isso não era tudo. No Continente Central, Alquimia é considerada uma das artes mais difíceis de praticar, assim como uma das mais prestigiadas. São necessários anos de estudos para fazer a mais simples das pílulas e poções.

As pílulas feitas através da Alquimia possuem diversas funções, podendo aumentar o cultivo de um cultivador ou até mesmo curar uma ferida mortal. Por isso que Alquimistas são tão prestigiados em todo o continente, independente a qual reino ou império pertencer.

Mas, tornar-se um Alquimista era difícil. Tanto é que, em todo o Império Dourado, contendo milhões de pessoas e dezenas de milhares de cultivadores, existiam apenas algumas dezenas de Alquimistas.

Por esse motivo, Xiao Chang se arrependeu de ter perguntado. Era impossível para Xiao Ning se interessar em uma coisa tão trabalhosa.

Mas para a sua surpresa, o preguiçoso respondeu demonstrando uma confiança resoluta:

― Eu li um livro e me pareceu interessante, então pensei em tentar. Quem sabe eu não dê sorte. ― proferiu ele, com tamanha confiança, seguido de um sorriso descontraído.

Ouvindo isso, Xiao Chang não pôde esconder a surpresa em seu rosto. Aquele garoto preguiçoso ler um livro era algo raro. Mas a respeito do outro assunto, sabia que esta curiosidade não duraria muito.

Contudo, apesar da resposta despreocupada de Xiao Ning, a verdade era que, ele já havia lido muito mais do que um livro. Pelo menos em sua vida passada.

Xiao Ning sempre foi um vagabundo. E isso era fato mesmo em sua outra vida. Apesar dos cinco mil anos de idade, o seu cultivo continuava baixo em relação aos cultivadores daquela época e continente, no qual se encontrava. Ele possuía diversas Técnicas de Cultivação, técnicas essas que causavam inveja até mesmo nos cultivadores mais poderosos. Porém, preguiçoso como era, nunca as cultivava; com exceção, é claro, do Dorminhoco Eterno. Mas essa não conta. Afinal, não demandava de nenhum esforço tremendo para praticá-la, só compreensão.

Mas apesar de nunca ter levado a sério o treino de cultivo, em seu caminho enquanto fugia das forças demoníacas, ainda no Continente Central, quando tinha por volta dos vinte e dois anos de idade, Xiao Ning, certo dia, encontrou em um lugar abandonado alguns livros que falavam de Alquimia. Naquele tempo, ele não esperava que acabasse se apaixonando por essa prática tão difícil e trabalhosa.

Nos anos seguintes, estudou Alquimia em seu tempo livre e mesmo não tendo muito talento, suas viagens através dos diversos continentes e milhares de reinos compensaram essa falta de aptidão com experiência e sabedoria, de forma que, no último continente em que esteve, o lugar no qual perdera a vida, conhecido como o Reino de Atlântida, ele recebeu o título de Alquimista Divino, bem como se tornou um dos três maiores Alquimista do reino em questão.

Durante toda a sua vida, Alquimia foi a única coisa a qual despertou seu interesse e que se dedicou por inteiro. E nessa vida, não pretendia perder o hábito. Além do mais, era assim que planejava ajudar a Família Xiao a sobreviver ao grande desastre.

Parecendo não se importar com o fato de Xiao Ning querer aprender Alquimia, Xiao Chang, o encarou e disse:

― Vai fazer o que, agora?

― Acho que vou voltar para minha cabana. ― respondeu Xiao Ning, se levantando, mas ainda com as costas meio curvadas, devido à péssima postura.

― ... Entendo! ― murmurou Xiao Chang. Essa não era a pergunta que ele tinha feito, mas era melhor deixar de lado. ― Eu tenho alguns assuntos a tratar agora, então, se quiser ficar um pouco mais e comer alguma coisa, sinta-se à vontade. ― Em seguida, ele se virou e saiu.

Enquanto assistia o tio Chang se afastar, Xiao Ning pensou em sua oferta de refeição grátis. Mas logo tirou isso da cabeça. Se ele fosse de fato ajudar a Família Xiao a sobreviver ao primeiro ataque dos demônios, precisaria começar a montar um plano o quanto antes, sem falar que, preferia preparar a própria comida.

Assim sendo, ele se levantou e deixou o salão. Enquanto passava pelo pátio externo da mansão, viu alguém se aproximando. Com um olhar atento percebeu que se tratava de uma bela garota, de cabelo longo e azul-claro, quase branco, dotada de olhos da cor do céu, em um dia sem nuvens. Ela vestia uma espécie de armadura de couro, que cobria seus ombros, busto, costas, pernas e parte dos braços. E em sua cintura, pendia uma espada não muito longa, mas também não muito curta.

Com um andar firme e uma expressão pouco amigável, a garota, cuja idade não parecia distante da do atual Ning, talvez um pouco mais nova, se aproximou. Xiao Ning a encarou fixamente, sem desgrudar os olhos. Mas não era devido a sua beleza. Ele podia jurar conhecer aquela menina de algum lugar.

Pensou e pensou, porém não conseguia se lembrar o porquê daquele rosto lhe ser tão familiar. Sabe, depois de cinco mil anos, você tende a esquecer as coisas.

Sem se importar com a discrição, Xiao Ning continuou encarando-a, até que ela chegou bem perto.

― O que você está olhando, seu vadio inútil! ― vociferou a garota, retribuindo a Xiao Ning um olhar severo e cheio de desprezo.

Ela, que nem se deu ao trabalho de parar, bufou friamente quando passou por ele. E essa atitude, regada de desprezo, despertou lembranças nele, que sorriu ao se lembrar. Aquela era Xiao Shui, a filha do tio Chang.

Em sua vida passada, ele nunca teve muito contato com ela, por isso não sabia muito a seu respeito, a não ser que ela o odiava. Mas, sendo sincero, pouco se importava com isso.

Assim sendo, não se sentindo ofendido pelo desprezo de Xiao Shui, Xiao Ning se virou e deixou o pátio.

Descontraído, cruzou o território da Família Xiao. Ao invés de seguir direto para sua cabana isolada, decidiu dar uma volta e passear por aquele lugar que há muito ficara esquecido em sua memória e quem sabe recordar algumas lembranças nostálgicas.

Ele estava agora passando por um largo caminho sinuoso, cercado por uma grama verdejante. Em certo lugar, avistou um salão coberto, apoiado por pilares imponentes, com a figura de Long e tigres incrustados em seu entorno, mostrando suas presas afiadas e dançando sobre as nuvens. Dentro, encontravam-se dezenas de jovens garotos, que pareciam ter a idade por volta dos doze anos. E no fundo, próximo a um quadro todo rabiscado, via-se um homem de cabelos brancos, falando sem parar.

Aquele era um dos doze Salões Espirituais, usado para ensinar aos futuros cultivadores da Família coisas do tipo: o que são Técnicas de Combates, como cultivar de maneira adequada, o que não se deve fazer durante um cultivo isolado e etc.

Xiao Ning espiou dentro do Salão Espiritual, mas não se lembrou de muita coisa. Apenas que vivia matando aquela aula.

Depois, continuando o passeio, passou por um lago. Avistou um seguimento de pavilhões. E por fim, chegou à área que tinha o maior número de pessoas concentradas, em sua maioria jovens, com idades entre dez e dezessete anos.

O local em que Xiao Ning estava agora era um lugar contendo quatro grandes arenas, duas de cada lado, com centenas de metros cada. As arenas de formas quadradas, cujo piso era feito de blocos de pedras devidamente encaixados, estavam preenchidas por pessoas. Na primeira da direita, era possível ver jovens da mesma idade se enfrentando em uma batalha de punhos e chutes. Na do lado, havia menos pessoas, mas vez ou outra um clarão vindo de uma Técnica de Combate irradiava os arredores.

No centro de uma das arenas da esquerda, existia alguns bonecos de madeira, uns inteiros e outros destruídos, perfurados por flechas ou queimados por alguma técnica. Na outra, via-se um círculo formado por jovens e no centro dele uma mulher dava uma palestra solene.

Xiao Ning calmamente passeou entre as arenas, observando o que acontecia por lá, quando um zumbido tocou os seus ouvidos:

Ei! Quem é aquele? ― perguntou uma garota, que estava na borda de uma das arenas da direita, logo ao lado da trilha que separava os ringues, à um menino de peito estufado, parado ao seu lado. ― Eu nunca o vi por aqui. Será que é de outra Família?

― Aquele é o fracassado da Família Xiao. ― debochou o menino, um pouco mais velho, sem se importar com a voz alta.

― Não fale tão alto, ele vai escutar. ― pediu a menina.

AHAHAHA! E o que ele vai fazer? Ele é só um fracassado, que não consegue sair da 2° Camada do Reino Mundano. ― gargalhou o amigo, enquanto seu tom de voz ficava ainda mais alto.

Xiao Ning olhou de lado para os dois, mas não deu muita importância para os comentários. Não era estranho um garoto querer se exibir na frente de uma garota, não é mesmo?

De qualquer forma, tentando ser discreto, ele se concentrou e tentou sentir os níveis em que ambos estavam. Afinal, era para isso que havia procurado um lugar com bastante pessoas; precisava aprimorar seu Sentido Espiritual.

― A menina... está na 4° Camada do Reino Mundano... E o outro... Não consigo dizer ao certo. Talvez na 5°, ou 6° Camada. ― Por fim, murmurou Xiao Ning após um momento de silêncio.

Depois, continuou andando, enquanto examinava todos com o seu Sentido Espiritual. A maioria das pessoas estavam na 5° Camada do Reino Mundano e outras, poucas, na 6°. Mas não havia ninguém igual a ele, na 3° Camada. Mesmo os mais jovens, que aparentavam ter por volta dos dez anos de idade, tinham mais Energia Espiritual.

Isso não era assim tão estranho. Afinal, na Família Xiao, chegar a 5° Camada era algo normal. Até mesmo aqueles sem qualquer aptidão conseguia tal feito. A única exceção era Xiao Ning, que vivia negligenciando os estudos e nunca cultivava. Por isso, ele era tão mal visto, pois não se tratava de falta de talento. Era algo muito mais simples. Ele era um completo vagabundo e com muito orgulho, obrigado!

Enquanto passava pelas arenas, comentários caluniosos de todos os tipos eram ouvidos. Algumas pessoas apenas o ignorava, contudo, outras, as poucas que de fato o reconhecia, faziam questão de serem ouvidas:

Ei, fracassado, você ainda não foi expulso não?

― Olha lá, o fracassado resolveu aparecer.

Provocações infantis como essas eram ouvidas em todos os cantos. Ninguém se importava se era ofensiva ou não, eles simplesmente não podiam perder a oportunidade, já que era raro às vezes em que aquele fracassado dava as caras.

Porém, Xiao Ning não se importava com isso. Na verdade, a maioria ele sequer ouvia. Tudo o que precisava fazer nesse momento era se concentrar em aprimorar seu Sentido Espiritual, já que isso não só influenciaria no seu cultivo e o ajudaria durante batalhas, como também era uma habilidade fundamental para Alquimistas.

Era uma exigência primordial Alquimistas possuírem sentidos aguçados, pois tudo nesse mundo, até mesmo as pedras, possuem algum tipo de Energia Espiritual. E como eles, praticantes dessa arte tão especial e delicada, poderiam distinguir entre um ingrediente de qualidade inferior, de um superior, senão pela Energia contida neles?

Por isso, ele precisava continuar aprimorando os sentidos, até se dar por satisfeito. Dessa forma, continuou examinando as pessoas ao redor, sem se importar com os comentários maldosos.

 


Niveis do Cultivo: Mundano; Despertar; Virtuoso; Espirituoso; Soberano do Despertar; Monarca Místico; Santo Místico; Sábio Místico; Erudito Místico.

 


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