Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 2

Capítulo 188: Jantar de boas-vindas

Como era de se esperar de um banquete sediado no castelo do homem mais importante do Reino da Lua Verde, foi preparado uma variedade impressionante de pratos, todos extremamente sofisticados, feitos por um cozinheiro profissional, um dos melhores.

Uma grande diversidade de vegetais compunha a coloração da mesa, com folhas de um verde intenso, hortaliças roxas, beges, laranjas, além de muitas outras. No entanto, o que mais se destacava era a enorme diversidade de peixes e frutos do mar, alguns assados, outros cozidos e até mesmo fritos. Esses desprendiam um aroma agradável, que perfumava todo o recinto. Mas também existiam alguns, enrolados em arroz e alga, que na hora do preparo havia dispensado o contato com o fogo.

Além de toda a comida servida e pronta para o consumo, o ambiente também chamava a atenção, com uma mesa grande, iluminação amena ― composta por velhas e lanternas estrategicamente posicionadas ― e quatro empregadas, muito bem uniformizadas, prontas para servir os convidados.

O primeiro a chegar na sala de jantar foi o 5º Ancião que, sendo um sujeito acostumado a interagir com outras culturas e a frequentar ambientes de negócios, havia se produzido de maneira adequada, escolhendo um conjunto de vestimentas que demonstrava certo capricho pela aparência, mas nem por isso se destacava demais.

Ele foi guiado até uma cadeira em um dos lados da mesa e por ali permaneceu sentado, aguardando os demais.

Em seguida foi a vez de Shui e Corina, que apareceram juntas. Ambas estavam usando vestidos longos. Mas no caso da praticante de cabelo dourado que já estava habituada a vestir esse tipo indumentária, ela tinha optado por calçar um par de sapatos de salto alto, enquanto a outra, que gastava a maior parte de seu tempo em frente a bonecos de madeira, balançando uma espada, preferiu usar um conjunto de botas de couro.

Poucos minutos depois, o Xogum fez sua entrada. Debilitado demais para ficar transitando pelo castelo por conta própria, ele contou com a ajuda de seu assistente pessoal para se sentar em uma das pontas da mesa. Porém, apesar do rosto pálido, sem vida, o grande líder ostentava um kimono vistoso, composto por um tecido azul-claro, decorado por flores laranjas e uma faixa de abdômen dourada. Mesmo cansado e ofegante, sua postura era firme, um tanto intimidadora.

Não foi muito depois disso que Ning chegou, acompanhado por Raijin.

― Sinto muito pelo meu atraso ― disse o Alquimista. ― Demorei mais do que gostaria para vestir essas roupas. ― Enquanto falava, ele atravessou a sala de jantar e se sentou entre as colegas. Com sua habitual indelicadeza, pegou um pedaço de peixe frito, usando as mãos para isso, e comeu, apesar de ninguém ter se servido ainda, pois estavam aguardando a sua chegada.

Quando Xiao Ning entrou na sala de jantar, sua presença logo se destacou. Taishi ficou evidentemente empolgado por ter a companhia de seu convidado especial. Embora sua expressão permanecesse firme feito uma pedra, ele tentou se ajeitar em sua cadeira e ficar numa postura que demonstrasse grandeza. Por outro lado, Xiao Qiao e Corina exibiram certo espanto ao reparar em sua aparência. Contudo, a que ficou mais surpresa foi Shui.

A praticante Despertada de cabelo azul-claro, abriu a boca e arregalou os olhos. Parecia petrificada. Virada de lado, para que pudesse ter uma visão mais clara do rapaz sentado próximo, ela o olhou de cima a baixo e depois, como se ainda duvidasse do que estava vendo, repetiu o processo. E quando enfim percebeu não ter se enganado, falou:

― Nossa! Por um instante pensei ser outra pessoa. ― Seu tom era de admiração, acompanhado por leves traços de deboche.

― O que você quer dizer com isso, pirralha? ― Ning franziu as sobrancelhas e a encarou.

― Não. É só que... você não está nada mal. ― Sua voz ainda mostrava surpresa. Não conseguia parar de olhar para o colega, analisando seu aspecto renovado. ― Eu não sabia que você era tão... quero dizer... essas roupas ficaram muito bem em você. ― Por um instante, suas bochechas coraram e, percebendo que estava olhando demais, abaixou a cabeça.

Diferente de suas roupas velhas e folgadas, cabelo desgrenhado e olhar de peixe morto, Xiao Ning dispunha de uma aparência completamente diferente. Ele estava vestindo um tipo de calça preta de pano leve e larga, decorada por nuvens nas pernas, desenhadas em linhas douradas. Por cima de uma blusa preta de mangas compridas, encontrava-se uma camisa laranja aberta de gola alta, embelezada por folhas brancas de bambu. Seu cabelo castanho, comprido ― da altura do ombro ―, havia sido penteado de uma maneira que fez seu rosto ficar em evidência. E para completar, em sua orelha esquerda havia um brinco, cujo adorno era uma simples pena, pequena e discreta, dotada de um tom castanho intenso, quase vermelho.

De fato, aquela não era nem um pouco sua aparência habitual.

Percebendo o constrangimento por parte da amiga, Ning exibiu um meio sorriso e falou:

― Você também não está nada mal, pirralha. Esse vestido que seu irmão te deu até a fez parecer uma mulher.

― Eu sou mulher, seu idiota! ― bufou ela, que se arrependeu de seus elogios.

― Mas ― Corina comentou do outro lado ―, é impressionante o que algumas roupas podem fazer. Você até está parecendo gente de verdade. ― A observação desdenhosa arrancou um breve sorriso de Shui, que se sentiu vingada.

Xiao Ning não ficou zangado pelo que ouviu e decidiu retribuir a provocação.

― Fiquei lindão, não é? Aposto que se arrependeu de ter me chutado.

― Mesmo que você fosse o homem mais bonito do mundo, eu ainda teria te chutado ― resmungou Corina com uma voz severa.

A reação das garotas fez o Grã-alquimista sorrir mais um pouco.

Ao mesmo tempo, do outro lado da mesa, o 5º Ancião, curioso com o brinco que o rapaz estava usando, decidiu comentar:

― Não sabia que você tinha a orelha furada. ― Não era tão incomum assim ver jovens como ele usando esse tipo de acessório. Mesmo homens mais velhos gostavam de usar peças como aquela. Entretanto, essa era sua primeira vez reparando que o garoto possuía alguns costumes vaidosos.

Ah, isso? ― Ning tocou a ponta da pena com o dedo. ― Quando eu era pequeno meu pai me disse que homens que usam brinco são “maneiros” e por isso furou minha orelha. Já que eu tinha de usar esse tipo de roupa, achei que isso combinaria. Sorte que Raijin conseguiu encontrar um bem legal.

― Seu pai era meio imprudente, hein? ― disse Corina, que graças ao capricho de dois pais descuidados, quase foi forçada a se casar. ― Como ele fez isso? Usou uma agulha?

― Com um espinho ― respondeu Ning, mostrando um semblante que misturava nostalgia e divertimento. ― O pouco que me lembro dele, é fazendo esse tipo de coisa.

A despeito do ambiente formal, repleto de comidas sofisticadas, os mais jovens aparentavam estar bastante descontraídos. Eles conversavam alto e não usavam muitas palavras polidas. E o Xogum reparou isso.

― Fico feliz que você tenha se soltado ― comentou Taishi. E Ning, percebendo que o doente estava se referindo a ele, decidiu mudar sua atenção por um instante. ― Quando nos encontramos ― continuou: ― e durante os exames depois disso, percebi que você parecia um pouco nervoso. Mas agora, vejo que essa ansiedade passou.

― É sempre estressante chegar em um novo reino ― respondeu Ning, um tanto evasivo. ― Contudo, depois de conhecer o Xogum e perceber se tratar de um homem de confiança, eu me sinto mais aliviado sabendo que eu e meus amigos estaremos em boas mãos.

Neste momento, Raijin, que se encontrava sentado na outra ponta da mesa, de frente para o irmão, lançou um olhar curioso para o Grã-alquimista, mas não disse nada.

― O comandante Masao pode tê-lo trazido até aqui, mas agora é meu convidado ― afirmou o Xogum, deixando claro que isso era algo para ser levado em consideração. ― Fique tranquilo e aproveite a estadia. Garanto que nada irá lhe acontecer. Dito isso, acho que seremos apenas nós. Então, fiquem à vontade para comer.

Sendo uma pessoa nada cerimoniosa, Xiao Ning foi logo enchendo o seu prato com tudo que suas mãos podiam alcançar. Nem mesmo esperou para as empregadas posicionadas virem servi-lo. Seu ânimo despretensioso inspirou os demais, que também escolheram o que iriam experimentar primeiro. No caso do Xogum, obviamente ele precisou de ajuda, já que não conseguia nem ao menos se esticar.

O jantar começou e o clima de início foi bastante descontraído, com o grupo vindo do Império Dourado conversando entre si, perguntando como foi o dia do outro. Shui e Corina ainda não se comunicavam muito bem. Então, coube ao chefe de ambas intermediar partes do diálogo. Apesar de que a antiga membra da Família Xu não era uma pessoa muito sociável. Afinal ainda se sentia um tanto quanto isolada dos outros.

No entanto, antes que o Xogum ou outra pessoa tivesse a oportunidade de se juntar ao debate e fazer as próprias perguntas, alguém surgiu de repente apenas para interromper a refeição momentaneamente.

Ah, sinto muito! Sinto muito! ― Ignorando as caras feias que algumas das empregadas fizeram, a espontânea Kali, com sua aparência chamativa e corpo coberto por joias, entrou no recinto a passos largos, ofegando ligeiramente, demonstrando que havia corrido para chegar até ali. ― Eu fiquei sabendo do jantar de última hora e tive que me arrumar num pulo ― disse ela, esbanjando seu sorriso cativante.

Quando a viu entrar, Ning esboçou uma leve nota de reconhecimento, mas não deu muita atenção para isso ― o peixe frito estava mesmo delicioso. Por outro lado, Corina mostrou uma nova expressão, mais alegre e aberta, satisfeita por ver a nova amiga.

Entretanto, quem não ficou nada contente foi Raijin, o irmão mais novo. A despeito de sua expressão sempre branda, o sujeito franziu o cenho e espremeu os lábios. Seu olhar foi de condenação e desaprovação.

― Kali, eu não me lembro de ter enviado um convite para você ― disse ele em tom de repreensão. ― Esse jantar é para dar as boas-vindas aos nossos convidados.

― Se esse é o caso, eu vim para o lugar certo ― rebateu a jovem de pele acobreada. ― Eu também quero dar boas-vindas a eles.

― Então, faça isso em outro momento. Essa reunião é particular. ― Raijin se manteve firme.

― Não seja tão severo, irmão. ― No entanto, apesar da opinião forte do mais novo, o Xogum não parecia incomodado com a presença da mulher. ― Esse é só um encontro informal. Além do mais, soube que Kali já fez amizade com a senhorita Corina. Venha! Sente-se do meu lado ― convidou.

Atrevida como era, a jovem destemida não esperou alguém para preparar o seu lugar. Ela foi logo pegando uma cadeira e a arrastando para o lado de Taishi, de modo que os dois pudessem ficar bem próximos um do outro. A ação, sem nenhuma surpresa, deixou Raijin descontente, que fez uma cara feia para mostrar sua oposição. E isso não escapou aos olhos da bela mulher.

― Vamos! Não seja tão chato ― disse ela ao sujeito carrancudo. ― Prometo que vou me comportar.

E assim, com uma nova convidada, o jantar recomeçou. Todos se serviram e se banquetearam sem nenhum sinal de reserva. No entanto, algo curioso feito pelo Xogum chamou a atenção de Shui e os demais. Cada pedaço de peixe e vegetal colocado no prato do líder era provado, primeiro, pelo seu assistente, que mordiscava uma parte e aguardava alguns segundos antes de acenar com a cabeça, indicando que aprovava o consumo da comida.

Shui ficou imaginando se aquilo era para ver se o gosto estava bom. Mas Ning e Xiao Qiao conheciam bem o trabalho arriscado dos provadores, que testavam a comida e bebida de reis e imperadores para garantir que a refeição não havia sido contaminada por veneno.

Ainda assim, a despeito da aprovação de seu assistente pessoal, Taishi ainda exibia grande dificuldade para se satisfazer. Ele precisava demonstrar para os seus convidados que apesar da condição debilitante, continuava tendo forças para realizar atividades básicas. Mas toda vez que tentava usar o Hashi, suas mãos tremiam e a maior parte da comida caía.

Não demorou muito para ficar evidente que ele estava ficando frustrado por tamanha incompetência. E foi nesse momento que Kali agiu.

― Nossa, você ainda é muito desajeitado ― falou enquanto se inclinava para mais perto do Xogum. ― Aqui! Deixa que eu te ajudo. ― Usando o próprio Hashi, ela pegou uma porção de arroz enrolado em alga e com peixe dentro, e esticou a mão. ― Diga: ahhh! ― abriu a boca.

― Kali, isso é inapropriado! ― Raijin logo tratou de repreender a mulher. ― Principalmente na frente dos nossos convidados.

― Você é muito chato ― disse ela, sem qualquer medo de receber uma punição por suas palavras impertinentes. ― Qual o problema de mimá-lo um pouco? Já faz tanto tempo que não jantamos juntos.

Ela exibiu uma genuína expressão sentimental enquanto encarava o alvo de seu afeto. Estava pedindo por atenção especial.

Contudo, o Xogum ainda tinha uma imagem a zelar. E por isso concordou com o irmão.

― Posso estar fraco, mas consigo me alimentar. ― Seu tom foi um tanto quanto severo.

― Vamos! Só um pouquinho ― insistiu Kali, deixando a voz mais suave e gentil. ― Só um pedacinho.

Seu jeito de pedir e insistir era meigo, e se provou quase irresistível para o Xogum, que ficou visivelmente hesitante. De fato, existia alguns dias, aqueles bem ruins, que ele precisava de ajuda até para beber água. Mas esse não era um desses. Tanto que, sua respiração estava boa e a dor no corpo era suportável. Mesmo assim, ele hesitava.

― Não preciso de sua ajuda ― repreendeu Taishi, mostrando um pouco mais de severidade. Mas ao ver o olhar de decepção no rosto da bela acompanhante, mudou o tom: ― Além do mais, os convidados estão constrangidos.

Ah, se for por nossa causa, não precisam se preocupar. ― E foi nesse momento que Xiao Ning se intrometeu. ― Como seu médico, devo dizer que já é preocupante estar aqui tão tarde, levando em conta sua condição instável. Quanto menos esforço fizer, melhor.

― Está vendo? O médico concorda. ― Kali se aproximou ainda mais do Xogum. ― Aqui! Eu vou te alimentar hoje ― disse ela, alegre.

E Taishi, um sujeito imponente, com ossos largos, estatura elevada e um tipo de feição severa, duro feito pedra, não foi capaz de continuar resistindo.

Daquele momento em diante, o jantar de boas-vindas seguiu sem grandes acontecimentos.

 


Niveis do Cultivo: Mundano; Despertar; Virtuoso; Espirituoso; Soberano do Despertar; Monarca Místico; Santo Místico; Sábio Místico; Erudito Místico.

 


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