Violet Evergarden Japonesa

Tradução: Sirius


Volume 1

Capítulo 2: A Garota e a Boneca de Memória Automática

Eu... me lembro.

Que uma jovem mulher tinha vindo.

Sentada ali, silenciosamente, escrevendo cartas. Eu... me lembro.

As figuras daquela pessoa... e da minha mãe gentilmente sorrindo. Aquela visão... certamente...

Eu não a esquecería, mesmo se eu morresse.

Amanuenses é uma profissão que existe desde os tempos antigos. Tinha chegado a um ponto de deterioração devido à popularização das Bonecas de Memória Automática, mas as profissões que têm uma longa história são amadas e protegidas por uma pequena quantidade de pessoas. O aumento do número de bonecas amanuenses foi precisamente o que fez os aficionados nostálgicos afirmarem que as profissões antiquadas eram melhores para manter o seu charme.

A mãe de Ann Magnolia era uma daquelas pessoas com gosto fascinantemente antiquado. Com seus cabelos escuros ondulados, sardas e corpo esbelto, a mãe de Ann era como a Ann em seus semblantes e tinha vindo de uma casa rica. Ela foi criada como uma mulher de elite, casou-se e, mesmo depois de envelhecer, algo sobre ela ainda se assemelhava a uma “jovem senhora”. O sorriso gentil que ela dava sempre que soltava um riso agudo era indescritível para quem o visse. Olhando para trás como sua mãe era, mesmo agora, Ann pensou que ela era como uma menina. Ela era vigorosa, apesar de ser uma pessoa desajeitada, e sempre que afirmava com entusiasmo: “Eu quero tentar isso!”, Ann replicaria com: “Meu, meu, de novo?”.

Ela gostava de passeios de barco e corridas de cães, bem como arranjos de flores orientais que poderiam ser encontrados em colcha de bordados. Ela era uma pessoa que gostava de aprender e tinha um lado amador, e se ia para os teatros, era definitivamente para assistir a peças de romance. Ela gostava de laços e fitas, seus vestidos e peças principalmente semelhantes aos das princesas de contos de fadas. Ela os impôs à filha também, pois gostava de filhos com roupas combinando.

Ann às vezes se perguntava o que estava acontecendo com sua mãe por usar fitas na idade dela, mas nunca uma vez disse isso em voz alta.

Ann apreciava a mãe mais do que qualquer um no mundo - mais do que sua própria existência. Apesar de ser uma criança pequena, ela acreditava ser a única que poderia proteger sua mãe, que não era uma pessoa forte por qualquer meio. Ela amava sua mãe com cegueira.

Na época em que sua mãe adoeceu e a data de sua morte estava se aproximando, Ann teve seu primeiro encontro com a Boneca de Memória Automática. Mesmo que ela tivesse inúmeras lembranças com sua mãe, as que Ann lembrava eram sempre sobre os dias em que tinham recebido uma visitante misteriosa.

“Ela” tinha aparecido em um dia muito azul. A estrada foi banhada com raios solares abundantes de uma bela primavera. Ao lado dela, as flores que começaram a florescer de dentro do degelo foram balançadas pelo vento fraco, suas pontas tremendo. Do jardim de sua casa, Ann observava a maneira como “ela” andava.

A mãe de Ann tinha herdado o lado esquerdo superior de um edifício de arquitetura ocidental velho mas elegante de sua família. Com suas paredes brancas e azulejos azuis, cercado por enormes abetos, o lugar era como uma ilustração de um livro infantil. A residência era periférica, tendo sido construída isolada e bastante longe de sua cidade próspera. Mesmo que alguém estivesse procurando em todas as direções, não havia casas vizinhas ali. Era por isso que, se houvesse algum convidado chegando, eles seriam facilmente avistados pelas janelas.

“O que... é isso?”

Vestida com uma blusa de uma peça que tinha um grande colar de fita ciano-despojado, Ann parecia um pouco comum, mas adorável. Quase parecia que seus olhos castanhos escuros saltariam para fora de sua cabeça, dado como eles estavam bem abertos. Então, as pupilas de Ann dilataram para “ela”, que caminhava em sua direção sob a luz do sol, e, com seus sapatos de esmalte floridos, correu para fora do jardim e de volta para sua casa. Passou pela enorme entrada da frente, subiu a escada em espiral cheia de retratos de família e abriu uma porta decorada com um contrato de rosas.

“Mãe!”

Enquanto sua filha estava com respirações irregulares, a mãe a repreendeu, levantando um pouco o seu corpo em sua cama, “Ann, eu não te digo sempre que você deve bater antes de entrar no quarto de alguém? Além disso, você deve pedir permissão.”

Ao ser ministrada, Ann soltou um “muh” irritado em sua cabeça, mas curvou-se profundamente em desculpas independentemente disso, suas mãos juntas em frente à bainha de sua saia. Pode-se perguntar se essa ação foi o que poderia ser chamado de seu “lado jovem”. Na verdade, Ann era apenas uma criança pequena. Não tinha mais de sete anos desde que nasceu. Seus membros e rosto ainda pareciam macios.

“Mãe, desculpe-me.”

“Muito bem. Então, o que é? Você encontrou algum inseto estranho lá fora novamente? Não mostre isso a mamãe, ok?”

“Não é um inseto! É uma boneca ambulante! Bem, na verdade era muito grande para uma boneca, e parecia uma dessas bonecas daquela coleção de fotos que você gosta, mãe.” Com seu vocabulário limitado, Ann falou como se estivesse com tosse. Sua mãe estalou a língua com um “tsk, tsk”.

“Você quer dizer uma “jovem boneca”, certo?” “Vamos, mãe!”

“Você é uma filha da família Magnolia, então sua apresentação deve ser

mais graciosa. Certo, mais uma vez.”

Sorrindo, Ann relutantemente fixou seu modo de falar, “Uma jovem boneca estava caminhando!”

“Oh, é isso mesmo?”

“Apenas carros passam por nossa casa o tempo todo, certo? Se ela está a pé, significa que ela saiu no terminal de operação ferroviária nas proximidades. As pessoas que vêm desse terminal são obrigadas a ser nossas visitas, certo? “

“Está certo.”

“Quero dizer, nunca há nada acontecendo por aqui! Deve significar que a mulher está vindo a este lugar!” Ann adicionou, “eu... tenho um sentimento que esta não é uma coisa boa.”

“Então estamos brincando de detetive hoje, hein?” Em contraste com a frenética Ann, a mãe concluiu tranquilamente.

“Eu não estou brincando! Ei, vamos fechar todas as portas e janelas... vamos fazer isso para que esta boneca... esta jovem boneca... não venha para dentro! Está tudo bem. Vou te proteger, mamãe.”

A mãe deu a Ann, que fungou, um sorriso tenso. Ela provavelmente pensou que era apenas bobagem de criança. Mas mesmo assim, ela decidiu ir junto com a brincadeira, levantando-se. Ela estava ao lado da janela. Sob a luz natural, a silhueta de seu corpo magro podia ser vista sob o tecido.

“Não é uma Boneca de Memória Automática? Pensando nisso, ela deveria chegar hoje!”

“O que é uma 'Boneca de Memória Automática’...?”

“Vou explicar depois, Ann. Ajude-me a me arrumar!”

Poucos minutos depois, a mãe foi até sua filha para prepará-la com a

elegância que era exigida da família Magnolia. Ann não mudou de roupa, mas tinha uma fita que combinava com a cor de sua blusa de uma peça colocada em sua cabeça. Sua mãe, por outro lado, usava um vestido de cor de marfim com babados de renda dupla camada, bem como um xale amarelo claro sobre seus ombros e brincos em forma de rosa. Ela pulverizou um perfume de trinta diferentes tipos de flores no ar e girou ao redor, envolvendo a fragrância em torno dela.

“Mãe, você está animada?”

“Ainda mais do que se eu fosse encontrar um príncipe estrangeiro.”

Isso não era uma piada. O arranjo que sua mãe tinha escolhido era o tipo que ela só usaria para grandes ocasiões. Observá-la desse jeito fez com que Ann se inquietasse. Tal inquietação não era de prazer.

Não gosto disso... seria melhor caso não tivesse alguém vindo...

As crianças normalmente esperavam os visitantes enquanto se sentiam um pouco nervosas, mas Ann era diferente. Isso era porque, a partir do momento em que ela se tornou consciente das coisas ao seu redor, Ann deduziu que todos os visitantes que estavam vindo para ver sua mãe inocente, iria enganá-la para chegar ao seu dinheiro. Sua mãe era uma pessoa despreocupada e as visitas sempre a faziam feliz, então ela era rápida em confiarem qualquer um. Ann amava sua mãe, mas suas pobres habilidades de gestão monetária e escassa sensação de perigo eram problemáticas.

Nem mesmo uma pessoa que tivesse a aparência de uma boneca poderia estar garantida de não ser após a posse de sua residência. Porém o que Ann ponderou mais do que isso foi como ela podia dizer, com apenas um vislumbre, que o semblante da mulher ressoava com o gosto de sua mãe.

Desde que sua mãe disse: “Eu quero me apressar e encontrá-lal”, e não escutou Ann, as duas vieram para saudar a hóspede - algo que não faziam há um tempo. Ela ajudou sua mãe, que estava sem fôlego apenas de descer as escadas, enquanto caminhavam para um mundo transbordante de luz solar.

A brancura da pele pálida de sua mãe, que normalmente só se movia dentro da mansão, se destacava demais.

A Mamãe está... um pouco mais baixa do que ela costumava ser.

Ann não podia ver claramente o rosto de sua mãe devido ao excesso de claridade, mas sentia que suas rugas aumentaram. Ela apertou o peito com força. Ninguém poderia parar a morte de alcançar para uma mão doentia.

Ann era uma jovem criança, mas era a única sucessora da família Magnolia depois da morte de sua mãe. Os doutores já haviam lhe dito que a vida de sua mãe seria curta. Também lhe disseram para se preparar. Deus não pegou leve nem com uma criança de sete anos.

Se é este o caso, eu quero a Mamãe para mim até o final.

Se o tempo dela estava acabando, Ann queria que ela usasse tudo para si mesma. Num mundo em que a garota tinha tal mentalidade, um estranhou se intrometeu.

“Com licença.” Algo ainda mais radiante emergiu da estrada verde banhada pelo sol.

Assim que Ann viu “aquilo”, seu mau pressentimento foi confirmado.

Aah, aí está aquela que roubará a Mamãe de mim.

Por que ela teve esse pensamento? Ao olhar para “aquilo”, ela pôde dizer que tinha sido sua intuição.

“Aquilo” era uma boneca encantadoramente linda. Cabelo dourado brilhando como se ela tivesse nascido fora do luar. Olhos azuis que brilhavam como joias. Brilhantes lábios vermelhos tão gordos que pareciam ter sido pressionados com força. Um casaco azul prussiano sob um vestido branco de neve com laço de fita que trazia um broche de esmeralda incompatível. Botas de malha marrom cacau que pisavam firmemente no chão. Colocando um guarda-chuva babado, branco e ciano-listrado, e a bolsa que carregava na grama, “aquilo” exibiu uma etiqueta muito mais elegante na frente das duas.

“Prazer em conhecê-las. Eu corro para qualquer lugar para providenciar qualquer serviço que um cliente possa precisar. Eu sou a Boneca de Memória Automática Violet Evergarden.”

Sua voz, assim como sua belíssima aparência, ressoou em seus ouvidos. Após se recuperar do choque de ser dominada por sua beleza, Ann olhou para a mãe, que estava à vontade ao seu lado. A expressão pintada como uma garota que acabou de se apaixonar, estrelas brilhando nos olhos dela estrelas cintilavam em seus olhos de admiração.

E como esperado, isso não é bom.

Ann pensou na bela convidada como alguém destinada a roubar sua mãe de si.

Violet Evergarden era uma Boneca de Memória Automática que trabalhou no negócio de escrita automatizada. Ann questionou sua mãe sobre o porquê dela ter contratado alguém assim.

“Eu queria escrever cartas para alguém, mas levaria tempo demais, então queria que ela escrevesse no meu lugar.” Sua mãe riu. Na verdade, ela ultimamente estava dependendo de suas empregadas mesmo para tomar banho. Escrever por um longo período certamente seria muito difícil para ela.

“Mas por que essa pessoa?”

“Ela é encantadora, não é?”

“Ela é, mas...”

“Ela é uma celebridade na indústria. O fato dela ser tão linda e parecer uma boneca são um dos motivos de sua fama, mas também é dito que ela faz um ótimo trabalho! Além do mais, ter uma mulher para escrever cartas para mim enquanto somos apenas nós duas, e ter de recitar isso a ela em voz alta... você não precisa ser um homem para isso te fazer tremer!”

Sua mãe valorizava a beleza, sendo assim Ann estava convencida de que era o principal motivo pelo qual a jovem moça fora escolhida.

“Se eram somente cartas... Eu poderia ter sido aquela a escrevê-las.”

Após a afirmação de Ann, sua mãe riu nervosamente. “Ann ainda não pode escrever palavras difíceis. Além disso... estas são cartas que não posso deixar que você escrever.” Com a última sentença, estava claro quem estaria cuidando da escrita.

Sem dúvida, ela pretende escrever para o Papai, hein...

O pai de Ann era, simplesmente, um abandonador de família. Ele nunca ficou em casa, embora não trabalhasse tanto, prosperando em assumir o principal negócio da família. Aparentemente, sua mãe tinha se casado com ele por amor, mas ela não acreditava nisso por inteiro. Nem uma vez ele visitou sua mãe após ela adoecer e quando elas acharam que ele voltaria por um tempo, na realidade apenas parou para pegar vasos e pinturas da casa para vendê-los, visto que era um homem deplorável que buscou refúgio em jogos e álcool.

Parece que ele tinha sido um herdeiro de família com futuro promissor no passado. Porém alguns anos após o casamento, seu lado da família tinha enfrentado pequenas questões comerciais e desmoronou, então as finanças ficaram pendentes para os Magnolia. E, pelo que ela ouviu, a razão por trás de tais questões foram seu próprio pai.

Ann engoliu todas as circunstâncias e desprezou o pai. Mesmo que ele tivesse caído uma vez devido a falha de negócios, não deveria ter continuado a fazer seu melhor? Ele não só o não fez, como também ignorou a doença e as necessidades de sua mãe, continuando a fugir.

“Fazendo este tipo de cara de novo... é um desperdício de suas características fofas.”

O vinco entre as sobrancelhas de Ann estava esticado por um polegar massageador. Sua mãe parecia lamentar o fato da filha odiar o pai.

Parecia que sua afeição por ele se manteve mesmo após ser traída tão terrivelmente.

“Não pense mal de seu pai. Coisas ruins não duram. Isto é somente o que ele deseja fazer no momento. Ele viveu toda sua vida seriamente. É verdade. Embora nossos caminhos sejam ligeiramente diferentes, se esperarmos, ele retornará devidamente a nós algum dia.”

Ann sabia que esses dias não chegariam. Mesmo se chegassem, ela não tinha intenção de recebê-lo calorosamente. Se as coisas saíssem do jeito que sua hesitante mãe inconscientemente disse que iriam, o fato de ele não ter vindo ver sua esposa, mesmo que esta esteja em estado terminal e constantemente hospitalizada, não era um escapismo da realidade, porém um ato de amor.

Ele provavelmente sabia que ela não tinha muito tempo restante.

Está tudo bem sem o Papai por perto.

Isso foi como se ele não estivesse lá desde o começo. Para Ann, sua mãe era a única que se classificava na palavra “família”. E aqueles que entristeceram sua mãe eram seus inimigos, mesmo se um desses fosse seu próprio pai. Qualquer um que roubasse seu tempo com a sua mãe também. E se isso se aplicasse à Boneca de Memória Automática que veio a pedido de sua mãe, ela também seria uma inimiga.

A Mamãe é minha.

Qualquer coisa que pudesse destruir seu mundo e o de sua mãe era marcada por Ann como ameaça.

A mãe e Violet começaram o processo de escrever as cartas enquanto sentavam numa mesa em um banco branco antigo sob um guarda- chuva, que fora posto no jardim. Seu período de contrato era uma semana. Parece que a mãe realmente pretendia fazer Violet escrever cartas incrivelmente longas.

Talvez elas fossem endereçadas mais de uma pessoa. Quando era ela saudável, a mãe costumava dar festas de salão e convidar muitos amigos para a mansão. Entretanto, atualmente, ela não possuía contato ou envolvimento com aquelas pessoas.

“Então não tem sentido em escrevê-las...”

Ann não se aproximou das duas, espionando suas ações enquanto se escondia atrás das cortinas. Ela foi avisada para não perturbar enquanto as cartas de sua mãe estavam sendo escritas.

“É preciso privacidade mesmo entre pais e filhos, certo?”

Este era um pedido cruel para Ann, que estava sempre grudada em sua mãe.

“Pergunto-me sobre o que estão falando. Para quem ela está escrevendo isso? Estou curiosa...”. Ela apertou sua bochecha contra a moldura da janela.

Levar chá e lanches para elas não era função de Ann, mas das empregadas. Portanto, ela não podia passar uma fachada de boa garota para escutar seus assuntos internos. Tudo que podia fazer era assistir, assim como não podia fazer nada quanto à doença de sua mãe.

“Eu me pergunto por que a vida tem que ser assim...”. Embora ela tentasse vomitar uma linha de adultos, como ela tinha sete anos de idade, não teve efeito.

Enquanto ela os observava com uma expressão de má vontade, foi capaz de notar muitas coisas. As duas trabalhavam muito quietamente, no entanto, ocasionalmente pareciam se tornarem solenes ou se divertirem muito. Nos momentos divertidos, sua mãe ria alto enquanto batia sua mão com força. Nos tristes, ela enxugava as lágrimas num lenço emprestado por Violet.

Sua mãe era uma pessoa de intensas vicissitudes emocionais. Mas mesmo assim, Ann pensou, ela não estava abrindo demais seu coração para alguém que acabou de conhecer?

A Mamãe será enganada novamente...

Ann aprendeu a crueldade, indiferença, traição e ganância das pessoas através de sua mãe. Ela estava preocupada com o último, que era muito rápido para confiar em alguém. Desejava que sua mãe simplesmente descobrisse como suspeitar dos outros. No entanto, talvez sua mãe tivesse a intenção de confiar naquela Boneca de Memória Automática, Violet Evergarden, com qualquer mistério que estivesse escondido em seu coração.

Durante sua estadia, Violet foi introduzida na casa como uma convidada. Na hora da refeição, a mãe convidou a jovem mulher para juntar-se a elas, mas foi recusada. Quando Ann perguntou por que, ela respondeu friamente, “Porque eu desejo comer sozinha, Senhorita.”

Ann achou que era ela era estranha. Onde quer que sua mãe estivesse hospitalizada, não importa o quão calorosa fosse as refeições feitas pelas empregadas, elas não tinham gosto. Comida que ela tinha que comer sozinha era simplesmente penoso demais. Era isso que as refeições eram.

No momento em que pegou uma empregada indo entregar o jantar de Violet em seu quarto, pediu que deixasse levá-la. Para conhecer o inimigo, primeiro ela precisava interagir com ele.

O menu foi pão macio, sopa de vegetais com frango e feijão colorido, batatas fritas e cebolas guarnecidas com sal, alho e pimenta, carne assada com molho e sorvete de pera como sobremesa. Isso era incomum na casa dos Magnolia. Embora possa ser considerado bastante luxuoso, já que Ann crescera nessa ambiente, parecia óbvio para ela.

“Não tem jeito visto que a Mamãe supervisionou isso. Precisamos aumentar a quantidade de carne para amanhã. E sem sorvetes; tem que ser um bolo. De certa forma... ela é uma hóspede.”

Não esquecer a hospitalidade não importa o que era um dom de boas famílias.

Assim que ela alcançou uma velha porta de carvalho - a de convidados - ela chamou, já que suas mãos estavam ocupadas com uma bandeja, “Ei, é hora do jantar.”

Ruídos vieram de dentro, e após um tempo, Violet abriu a porta e pôs a cabeça para fora.

Assim que ela o fez, Ann resmungou, “Está pesado. Apresse-se e pegue!”

“Eu peço perdão, Senhorita”. Ela imediatamente aceitou a bandeja com um pedido de desculpas, mas como sua expressão era muito apática, aos olhos de uma criança, ela parecia estranha.

Ann olhou pela porta aberta atrás de Violet, que colocou a bandeja em uma mesa. O quarto foi lindamente decorado que nenhuma das empregadas haviam feito isso. Ela notou a bagagem na cama. Era uma mala de couro de trole cheia de adesivos de vários países. Estava aberto, com uma pequena pistola que sobressaía de dentro.

Ah...

No instante em que ela estava perdida em pensamentos, Violet voltou. Assim como em um show de pantomima, as duas se mantiveram em perfeita sintonia.

Finalmente, Violet a perdeu. “Senhorita, uma arma é algo incomum para você?”

“O que há com essa coisa? Ei, é real?”

Como Ann perguntou com entusiasmo, Violet respondeu: “A autodefesa é uma necessidade para as mulheres que viajam sozinhas.”

“O que é ‘autodefesa’?”

“É para se proteger, senhorita.” Enquanto estreitava os olhos ligeiramente, o corpo de Ann tremia com o movimento de seus lábios. Se ela fosse um pouco mais velha, a garota provavelmente teria reconhecido aquela reação como um sinal de fascínio.

Uma mulher capaz de entorpecer as pessoas com palavras e gestos era nada menos que mágica. Ann sentiu-se muito mais ameaçada pelos encantos de Violet do que pelo fato dela estar segurando uma arma.

“Então você... atira com essa coisa?” Enquanto imitava a forma de uma pistola com as mãos, seu braço foi imediatamente alisado por Violet.

“Por favor, coloque mais pro lado. Se a sua mão está solta, você não seria capaz de suportar o retrocesso.”

“Esse não é o verdadeiro negócio... é um dedo.”

“Mesmo assim, ele deve ser capaz de servir como prática por um tempo, pra quando você possivelmente precisar disso.”

O que aquela boneca estava dizendo para a garota?

“Você não sabe? As mulheres não devem usar esse tipo de coisas.”

“Não há mulheres separadas dos homens quando se trata de transportar armas.” Como Violet respondeu sem hesitação, Ann pensou que ela era a mais legal.

“Por que você tem isso?”

“O próximo lugar para onde fui chamada é uma área de conflito, então... fique à vontade. Não vou usá-lo aqui.”

“Obviamente!”

Na atitude afiada de Ann, Violet forçou levemente uma pergunta por curiosidade. “Não há tal armamento nesta mansão?”

“As casas normais não têm isso.”

Violet lançou um olhar intrigado. “Então, o que você vai fazer se um ladrão aparecer...?” Parecendo realmente duvidoso, ela inclinou a cabeça. Ao fazê-lo, seus traços de boneca se destacaram ainda mais.

“Se alguém assim aparecer, todos saberão imediatamente. Este é o campo, depois de tudo. Foi o mesmo quando você veio.”

“Entendo. A baixa taxa de criminalidade em áreas despovoadas poderia ser explicada por isso.” Enquanto assentiu com a cabeça, como se isso tivesse sido uma lição, ela parecia uma criança, apesar de ser um adulto.

“Você é... meio... estranha.” Ann declarou tensamente, apontando o dedo indicador para Violet. Embora ela tivesse apenas dito isso por despeito, naquele instante, os cantos da boca de Violet levantaram-se apenas um pouco pela primeira vez.

“Senhorita, não deveria ir dormir? Ficar até tarde é prejudicial para as mulheres.”

Por causa do sorriso inesperado, Ann foi surpreendida até certo ponto e não pôde dizer mais nada. Pintada de vermelho, suas bochechas denunciavam a verdade por trás de suas palpitações.

“Eu... vou dormir. Você deveria dormir também, ou então, a mamãe vai te repreender.”

Sim.

“Se ficar acordada até mais tarde, monstros virão lhe dizer que você deve dormir.”

“Boa noite, Senhorita.”

Ann não aguentava ficar ali nem de pé, então deixou o lugar apressadamente. No entanto, quando ela se afastou, se viu curiosa, e não se importando, olhou para trás no segundo próximo. Ela podia ver Violet segurando a arma atrás da porta que ainda estava meio aberta. As expressões de Violet eram na maior parte inexpressivas, assim era duro dizer suas mudanças. No entanto, até mesmo a Ann, que era muito jovem, podia entender o que ela parecia sentir naquele momento com apenas um olhar.

Ah... um pouco...

Ela era como um lobo solitário. Incompatível com sua aparência atual, ela segurou uma arma brutal e feroz. Ann mal conseguia imaginar se apegar a Violet, mas ela estava se familiarizando com as luvas pretas enroladas nas mãos dela. Como ela agarrou a arma com as mesmas mãos e pressionou sua borda contra sua testa, ela parecia um peregrino fazendo uma oração. Antes de virar a esquina do salão, as orelhas de Ann foram capazes de pegar a oração.

“Por favor me dê uma ordem.” Ela disse a alguém O coração de Ann começou a bater mais rápido.

Meu rosto está quente. Isso pica.

 Ela não entendia muito bem por que seu coração batia tão rapidamente, mas era porque tinha visto um lado adulto da mulher de Violet.

Estranho. Mesmo que eu não goste dessa pessoa, eu estou interessada neía..

O interesse era apenas um passo atrás do amor. Ann ainda não sabia que, às vezes, sentimentos como “gostar” e “não gostar” poderiam facilmente se reverter.

A observação de Ann sobre Violet continuou mesmo depois disso. Parecia que o progresso de escrever cartas estava indo bem, à medida que o pacote de envelopes aumentava. Violet olhava discretamente para a direção dela de vez em quando, fazendo-a se perguntar se a mulher estava ciente de que ela espreitava através da janela. Nesses momentos, o coração de Ann latejava. Ela acabou adquirindo o hábito de agarrar seu peito, até o ponto em que suas roupas ficaram enrugadas.

As mudanças em seu comportamento continuaram. “Ei. Ei. Eu disse ei. Ponha uma fita no meu cabelo.”

“Entendido.”

Embora estivesse triste por sua mãe estava sendo monopolizada, ela não conseguia se sentir irritada.

“O que há com este pão, tão duro que eu não posso nem mesmo mordê- lo?”

“Eu acredito que vai suavizar se você mergulhar na sopa, não é esse o caso?”

Durante os intervalos entre a escrita das cartas, Ann inadvertidamente perseguia e saía com ela.

“Violet. Violet.”

“Sim, Senhorita?”

Antes de perceber, em vez de ser referida com um “você” humilhante, ela estava sendo chamada por seu nome.

“Violet, leia livros para mim, dance comigo e pegue insetos comigo lá fora!”

“Por favor, indique a ordem de prioridade, Senhorita.”

Para Violet era difícil se manter, mas não a negligenciava de forma alguma.

Que pessoa estranha. Eu meio que também me torno estranha quando estou com ela.

Infelizmente, Ann ficou obcecada por Violet.

Os tempos pacíficos encontraram um fim repentino mais tarde. A mãe de Ann tinha ficado um pouco mais saudável por uns dias após a chegada de Violet, mas sua condição física já piorava gradualmente. Talvez tivesse sido um erro se expor ao vento lá fora. Ela estava com febre, e por causa disso chegou ao ponto de um médico ser chamado para a mansão.

Mesmo em tal estado, ela e Violet não pararam seu trabalho. A mãe estava deitada em sua cama enquanto Violet escrevia as cartas, sentando-se ao lado dela. Não tendo consideração pela condição de sua mãe, Ann entrou no quarto com uma postura apreensiva.

“Por que você se esforça tanto para escrever essas cartas? Os médicos dizem que é inútil...”

“Se eu não escrever isso agora, eu jamais poderei. Está bem. Veja, é... porque minha cabeça não está tão boa, quando eu estava recitando, eu acabei tendo essa febre psicológica. Que desagradável...”

Como sua mãe sorriu fracamente, ela não poderia devolver o sorriso. Foi um sorriso que perfurou o peito de Ann. Os momentos de diversão haviam desaparecido como se fossem uma mentira, e a amarga realidade tinha voltado brutalmente.

“Mãe, pare com isso.”

Embora sua mãe estivesse bem dez segundos atrás, ela poderia parar de respirar em questão de três minutos. A tristeza de viver com alguém assim acabou ressurgindo.

“Por favor, não escreva mais estas cartas.”

Se isso lhe desse febre... encurtaria a vida dela... “Por favor, por favor...”

...mesmo sendo algo que sua mãe desejava, Ann não queria que ela fizesse isso.

“Apenas pare!” Sua ansiedade e depressão acumulada estourou naquele instante. Até Ann se surpreendeu com sua voz, que tinha saído muito mais alto do que ela tinha imaginado que seria. Dessa vez, ela lançou o egoísmo que ela normalmente não jogava em qualquer um. “Mãe, por que você nunca me escuta? Você prefere estar com Violet do que comigo? Por que você não olha para mim?!”

Poderia ter sido melhor ela ter dito de uma forma atraente. Ela tinha acidentalmente deixado seu sofrimento ser mostrado.

Com um tom trêmulo, ela acabou perguntando de maneira acusadora. “Eu... não preciso?”

Tudo o que ela queria de atenção.

Sua mãe balançou a cabeça com os olhos arregalados para suas palavras, “Não é isso. Não há nenhuma maneira desse ser o caso. O que está acontecendo com você, Ann?” ela entrou em pânico na tentativa de levantar o humor.

Ann evitou a mão que se estendia para acariciar sua cabeça. Ela não queria ser tocada. “Você não escuta nada do que eu digo.”

“É porque eu quero escrever essas cartas.”

“As cartas são mais importantes do que eu?” “Não há nada mais importante do que você, Ann.” “Mentirosa!”

“Não é mentira.” a voz de sua mãe era interna e cheia de pesar.

No entanto, Ann não impediu seus argumentos de virem. Seu ressentimento de como as coisas não estavam indo do jeito que ela esperava saíram dela. “Mentirosa! Você sempre foi uma mentirosa! Todo esse tempo... todo esse tempo era apenas uma mentira! Mãe, você não se recuperou nem um pouco! Mesmo que tenha dito que ficaria melhor novamente!”

Depois de ter dito a única coisa que ela sabia que não deveria ter feito, Ann imediatamente se arrependeu. Esse tipo de coisa seria normalmente dito em uma luta desprovida de amor entre pai e filho. Mas esse dia era diferente. Sua mãe, de rosto vermelho pela febre, continuou a sorrir em silêncio.

“Mãe... ei...” Ann gritou para ela em tal estado. O calor do impulso desapareceu de repente. Mas enquanto tentava falar, sua boca estava coberta por um toque.

“Ann, por favor, vá para fora um pouco.” As lágrimas caíram dos olhos de sua mãe. As grandes gotas agitaram-se soltas e eventualmente caíram em suas bochechas. Ann ficou chocada com o fato de que sua mãe, que sempre sorria apesar da dor que sofria por sua doença, estava realmente deixando suas lágrimas serem vistas.

Minha mãe está chorando.

Sua mãe não era do tipo de pessoa que chora, então Ann acreditava que os adultos eram criaturas que nunca choravam. Depois de perceber que esse não era o caso, o fato de que ela tinha feito algo terrível tocou sua mente.

Eu machuquei a mamãe.

Mesmo sabendo que ela, mais do que ninguém, não deveria se colocar diante de sua mãe. Embora estivesse convencida de que a tarefa de proteger sua mãe era o máximo para ela, Ann a fez chorar.

“M-Mã...” Ela tentou se desculpar, mas foi afastada por Violet, que continuou a arrastá-la para fora da sala como se lidasse com um filhote de cachorro. “Pare! Solte-me! Deixe-me ir!” Ann disse, incapaz de colocar resistência, deixada sozinha no corredor. Os soluços de sua mãe podiam ser ouvidos do outro lado da porta fechada. “M... Mãe...” ela se agarrou a porta, perturbada. “Mãe, ei...”

Desculpe-me. Desculpe-me por te fazer chorar. Essa não era a minha intenção»..

“Mãe! Mãe!”

Só queria que cuidasse do seu próprio corpo. Para que... para que... eu possa estar com você, mesmo que por mais um segundo, se possível.

“Mãe!”

Era só isso.

“Ei, Mãe!”

Isso é... minha culpa?

Devido à frustração de não receber qualquer resposta, sua solidão reverberou. Ela tentou bater os punhos contra a porta violentamente. No entanto, mesmo sem se ferir, suas mãos ficaram fracas e entorpecidas.

Eu estava sendo egoísta?

Uma mãe que estava à beira da morte. Uma filha que ficaria sozinha.

Estar com ela... é algo tão ruim assim para se desejar?

Uma mãe que continuava escrevendo cartas porque talvez não pudesse fazê-las no futuro. Uma filha que as odiava.

As lágrimas que tinham secado estavam a ponto de transbordar novamente. Ann inalou profundamente e gritou de uma só vez: “Existe alguém mais importante para mamãe do que eu?!” Quando seus gritos saíram, ela começou a berrar. Sua voz estava abafada, seu timbre rachando. “Mãe, pare de escrevendo cartas e passe o tempo comigo!” Pediu a criança.

Chorar quando seus pedidos não podem ser cumpridos é simplesmente o que as crianças fazem.

“Sem a mamãe, eu estarei sozinha! Tudo por conta própria! Quanto tempo vai durar? Eu quero estar com a mamãe por todo o tempo possível. Se eu vou ficar sozinha depois disso, pare de escrever essas carta... por enquanto, fique comigo! Comigo!”

Era isso; Ann era apenas uma criança. “Fique comigo...”

Ainda era muito jovem para poder fazer qualquer coisa, uma mera

criança que mal tinha vivido por sete anos e adorava sua mãe. “Eu só quero... ficar com você...”

Alguém que, de fato, sempre, sempre chorou sobre o destino que Deus lhe concedeu.

“Senhorita.”

Violet saiu da sala. Ela olhou para Ann, cujo rosto estava molhado de lágrimas. Assim que a garota tinha pensado que seria um tratamento claramente frio, uma mão abriu caminho até seu ombro. O calor de tal ato diminuiu sua hostilidade.

“Há uma razão para eu estar tomando seu tempo com sua mãe. Por favor, não fique zangada com ela.”

“Mas... mas... mas...!”

Violet se agachou para encontrar a linha de visão da pequena Ann. “É evidente que a Senhorita é forte. Mesmo com um corpo tão pequeno, você cuida de sua mãe doente. As crianças geralmente não se queixam nem se preocupam muito com alguém. Você é uma pessoa altamente respeitável, Senhorita Ann.”

“Não é isso. Isso não é tudo... eu só... queria estar com a mamãe um pouco mais... “

“A senhora sente o mesmo.”

As palavras de Violet pareciam nada além de piedade. “Mentiras, mentiras, mentiras, mentiras... porque... ela está preocupada com aquelas cartas para alguém que eu não conheço e não é para mim. Mesmo que não haja mais ninguém nesta casa que realmente se preocupe com a mamãe!”

Todos, todos só ligam para o dinheiro.

“Eu sou a única... eu sou a única que se importa com a mamãe!”

A maneira como seus olhos castanhos escuros os viram, adultos e tudo relacionado a eles, estavam envolvidos em inverdades. Seus ombros tremeram enquanto suas lágrimas caiam no chão. Distorcida por aquelas lágrimas, sua visão estava tão borrada quanto o mundo para ela.

Quantas coisas nesse mundo poderiam realmente ser consideradas reais?

“Mesmo assim...”

A jovem acreditava que, independentemente de quanto tempo ela viveria depois, se o mundo estivesse cheio de hipocrisia e traição desde o início de sua vida, o futuro não precisava chegar.

“Mesmo assim...”

As coisas que Ann considerava verdadeiras podem ser contadas com os dedos. Elas brilhavam implacavelmente dentro de um mundo tão falso.

Com elas, ela podia tolerar qualquer tipo de pavor.

“É assim que é... mas mesmo assim...”

Mesmo que eu não preicasse de mais nada, se a mamãe estivesse comigo...

“Mesmo assim, a mamãe não me ama mais!”

Quando Ann gritou, Violet colocou o indicador contra seus lábios a uma velocidade que não podia ser percebida pelos olhos humanos. O corpo de Ann tremeu por um momento. Sua voz cessou perfeitamente. No corredor tranquilo, os soluços de sua mãe ainda podiam ser ouvidos por de trás da porta.

“Se é sobre mim, você pode ficar com raiva, o quanto quiser para te satisfazer. Bata-me, chute-me; eu não vou me importar com o que você quiser fazer. No entanto... por favor, pare de usar palavras que entristecerão a sua amada e honrosa mãe, por sua própria causa também.”

Ann, com um rosto severo, suas lágrimas começaram a se formar rapidamente em seus olhos novamente. Os gritos que ela tinha suprimido e engolido estavam frescos e dolorosos. “Eu sou a culpada?”

“Não, você não é a culpada.”

“Porque eu sou uma criança má, mamãe ficou doente, e... em breve, ela...”

Morrerá ?

Para a pergunta de Ann, Violet respondeu com um sussurro em um tom que ainda era um pouco desapaixonado, “Não”.

As lágrimas percorreram os olhos tristes de Ann.

“Não, a Senhorita é uma pessoa muito gentil. As enfermidades não têm nada a ver com isso. Isto é... algo que ninguém pode prever ou fazer nada sobre. Assim como eu não posso mais ter uma pele tão macia como a sua no lugar de meus braços robóticos, é algo que não pode ser ajudado.”

“Então, isso é culpa de Deus?”

“Mesmo se for, mesmo se não for... só podemos nos concentrar em como devemos viver as vidas que nos foram concedidas.”

“O que... devo fazer?”

“Por agora, Senhorita... você está livre para chorar.” Violet abriu os braços, as partes mecânicas fizeram um rápido ruído. “Se você não me bater, está tudo bem eu emprestar meu corpo em vez disso?”

Isso pode ser interpretado como “você pode saltar e me abraçar”, mesmo que Violet não pareça ser o tipo de pessoa que diz essas coisas. Ann podia gritar com segurança, por assim dizer. Sem hesitar, abraçou Violet. Ela estava usando perfume? Ela cheirava a muitas flores diferentes.

“Violet, não tire a mamãe de mim.” Ela disse enquanto apertava seu rosto contra o peito de Violet, encharcando-o com lágrimas. “Não roube meu tempo com a mamãe, Violet.”

“Por favor, me perdoe por mais alguns dias.”

“Então, pelo menos diga a mamãe que está tudo bem se eu ficar ao lado dela enquanto você está escrevendo. Tudo bem se vocês duas me ignorarem; eu só quero estar perto dela. Quero estar ao seu lado e apertar a mão dela com força.”

“Desculpa, mas minha cliente é a Senhora, não a Senhorita Ann. Não há nada que eu possa fazer para mudar isso.”

Afinal, não posso suportar os adultos, pensou Ann.

“Eu te odeio... Violet.”

“Desculpe-me, Senhorita.”

“Por que escreve as cartas?”

“Porque as pessoas têm sentimentos que desejam entregar aos outros.”

Ann sabia que ela não era o centro do mundo. No entanto, as coisas não saíram como ela queria, e lágrimas de fustração caíram. “Coisas como essa não precisam ser entregues...”

Violet continuou a abraçar a Ann, que franziu a testa e mordeu o lábio por descontentamento. “Não existe tal coisa como uma carta que não precise ser entregue, Senhorita.”

Parecia que suas palavras eram dirigidas a si mesma, e não à menina. Ann ponderou sobre o porquê. Por causa disso, a frase foi gravada de alguma forma impressionante em sua mente.

 

♦ ♦ ♦

 

O tempo que Ann Magnolia passou junto com Violet Evergarden foi apenas uma semana. Sua mãe conseguiu terminar de escrever as cartas de uma forma ou de outra, e Violet deixou a mansão, assim que o período do contrato acabou.

“Você vai a algum lugar perigoso, certo?”

“Sim, desde que tenha alguém me esperando lá.”

“Você não está com medo?”

“Eu corro para qualquer lugar para providenciar qualquer serviço que um cliente possa precisar. Isso é o que a Boneca de Memória Automática, Violet Evergarden, faz.”

“Posso te ligar, caso eu encontre alguém para quem eu gostaria de escrever cartas algum dia?” Foi o que Ann não conseguiu perguntar.

E se a mulher morresse no lugar em que seu próximo cliente estava? Mesmo se não acontecesse, o que aconteceria se Ann acabasse nunca encontrando alguém para ela escrever cartas? Levando isso em consideração, ela não poderia fazer essa pergunta.

Ao sair, Violet apertou sua mão brevemente. Foram vários meses depois que ela saiu que a doença de sua mãe chegou ao seu pior estado.

Ela logo morreu. Os que cuidaram dela nos seus últimos momentos foram Ann e uma empregada.

Até depois que ela fechou os olhos, Ann continuou sussurrando: “Eu te amo, Mamãe.”

A mãe simplesmente balançou a cabeça lentamente, “Sim, sim.”

Em um silencioso e calmo dia de primavera, sua querida mãe morreu. Daquele ponto em diante, Ann estava sempre muito ocupada. No que diz respeito a sua herança, depois de uma discussão com os advogados, decidiu-se congelar as várias contas bancárias da família até ela atingir uma certa idade. Ela também contratou um tutor particular para viver na mansão e estudou muito. Como desejava marcar profundamente a terra com a memória de sua mãe, Ann trabalhou para se tornar uma solteira qualificada com o mesmo nível de educação que ela.

Ela nunca mais viu seu pai. Ele tinha comparecido ao funeral, mas simplesmente trocaram duas ou três palavras. Depois que sua mãe morreu, ele parou completamente de voltar para casa. Sua falta de consciência em relação ao dinheiro logo acabou também. Ann perguntou diretamente a razão por trás de sua mudança de mentalidade, mas acreditou que tinha sido uma boa.

Ann abriu um escritório de aconselhamento jurídico em casa após a graduação. Ela não ganhava muito, mas já não tinha criadas, então era o suficiente para ela se sustentar. Ela também estava no meio de um pequeno caso de amor com um jovem empresário que muitas vezes ia para o aconselhamento.

Como ela não sucumbiu à tristeza, mesmo depois de ter perdido sua mãe aos sete anos de idade, as pessoas perguntaram: “Como é que você não foi destruída por isso?”

E Ann respondia: “Porque minha mãe está sempre cuidando de mim.”

Sua mãe estava, naturalmente, morta. Seus ossos residiam em uma sepultura familiar onde seus parentes haviam sido enterrados por gerações.

No entanto, Ann dizia: “Minha mãe tem me retificado e me guiando todo esse tempo. Mesmo agora.”

Havia uma razão para ela afirmar isso enquanto sorria. Tudo estava conectado com o tempo que ela passou com Violet Evergarden.

O oitavo aniversário de Ann foi o primeiro sem a sua mãe. Um pacote chegou para ela no dia mencionado.

Ele continha um grande urso de pelúcia com uma fita vermelha. O nome do remetente era de sua falecida mãe, e o presente foi acompanhado por uma carta.

Feliz 8º aniversário, Ann. Muitas coisas tristes podem ter acontecido. Pode haver vários outros a trabalhar duro. Mas não desista. Embora você possa estar solitária e chorando desoladamente, não esqueça: Mamãe sempre vai amar a Ann.

Era indubitavelmente uma carta escrita por sua mãe. Nesse instante, a imagem de Violet Evergarden ressurgiu no fundo de sua mente. Esse tipo de serviço também estava incluído em seu trabalho de escrever cartas?

Nos velhos tempos, embora sua mãe tivesse dito que ia escrever cartas, tudo tinha sido escrito por Violet Evergarden. Poderia ser que aquela Boneca de Memória Automática tinha escrito tudo isso imitando a letra de sua mãe?

Quando Ann questionou a agência postal sobre a entrega surpreendente, ela foi informada de que eles haviam assinado um contrato de longo prazo com sua mãe e tinham que supostamente entregar seus presentes em seu aniversário todos os anos. E que tinha sido realmente Violet Evergarden que escreveu a carta. Todos os outros foram cuidadosamente guardados.

Ann não tinha sido informada por quanto tempo essas cartas continuariam chegando como parte do segredo contratual, mas elas haviam chegado todos os anos seguintes. Mesmo quando ela completou 14 anos.

Você já deve ter se tomado uma dama maravilhosa agora. Eu me pergunto se encontrou um garoto como você. Sua maneira de falar é um pouco infantil, então tenha cuidado. Não posso te dar conselhos sobre romance, mas eu te protegerei então que você não se envolva com um garoto mau. Isto é sobre Ann, que é mais firme do que eu, afinal. Mesmo que eu não faça isso, você certamente será a escolhida, será uma boa pessoa, de verdade. Não tenha medo do amor.

Mesmo quando ela completou 16 anos.

Será que você já dirigiu um carro ? Você ficaria surpresa se a Mamãe dissesse que, na verdade, também sabe conduzi-los? Eu costumava dirigir muito no passado.

Entretanto, eu era parada pelas pessoas dirigindo comigo. Eles ficavam pálidos. Meu presente para o seu aniversário é um carro com uma cor que combina com você. Apenas use a chave anexa. Porém me pergunto se agora é considerado um modelo clássico. Não diga que é uma pena, ok? A Mamãe está ansiosa para que você se torne capaz de ver vários mundos diferentes.

Quando ela completou 18 anos.

Eu me pergunto se você está casada agora. O que eu faço? Se tornar uma esposa muito cedo é problemático em muitos aspectos. Mas seu filho vai ser lindo, não importa se for um menino ou uma menina. A Mamãe garante isso.

Eu não quero dizer precipitadamente que a paternidade é algo áspero, mas... as coisas que você fez que me deixaram feliz, as coisas que você fez que me deixaram triste... eu quero que você levante o seu filho com aquilo em mente. Está tudo bem. Não importa quão insegura você se torne, eu estou aqui. Estarei ao seu lado. Mesmo que você se torne uma mãe, você ainda é minha filha, por isso é bom deixar sair um grito às vezes. Eu te amo.

Quando ela completou 20 anos.

Você já viveu 20 anos. Surpreendente! Pensar que o pequeno bebê que nasceu de mim se tornaria tão grande! A vida é verdadeiramente caprichosa. Estou triste por não ter conseguido ver você crescer e se tornar uma bela mulher. Não, mas eu estarei vigiando você do céu.

Hoje, amanhã, no dia seguinte; você sempre permanecerá bela, minha Ann. Mesmo se pessoas desagradáveis desencorajarem você, eu posso dizer isso com o peito inchado: você é linda e a dama mais incrível. Ter confiança e avançar com plena responsabilidade para com a sociedade.

Você conseguiu viver tanto tempo porque foi cuidada por inúmeras pessoas. Isto é graças à estrutura da comunidade em que você está. Você foi muito ajudada sem saber. De agora em diante, a fim de pagar por isso, por favor, trabalhe mesmo para a minha parte.

Estou brincando, me desculpe. Você é uma trabalhadora esforçada, entào dizer algo como isso é exagero. Tenha força e desfrute da vida, minha querida. Eu te amo.

As cartas continuavam a alcançá-la para sempre. As palavras escritas por sua mãe eram recitadas na mente de Ann por uma voz que ela ocasionalmente esqueceria.

Naqueles tempos, todos os sentimentos de sua mãe doente tinham sido dirigidos a ela. Cada um deles eram cartões de aniversário futuros para sua amada filha. O que significava que Ann tinha sentido ciúmes de si mesma.

“Não existe tal coisa como uma carta que não precise ser entregue, Senhorita.” As palavras de Violet ecoaram nos ouvidos de Ann além das fronteiras do tempo. As cartas ainda achavam seu caminho até ela, mesmo quando ela era casada e com sua própria filha.

Ela - uma mulher de longos e ondulados cabelos escuros, que vivia em uma enorme mansão periférica de propriedade própria, que estava localizada longe da cidade - iria certificar-se de ir para fora na parte da manhã em um determinado dia de um determinado mês. Ela esperava enquanto contemplava o cenário espalhado diante dela. Quando o ruído da moto onde estava montado o carteiro, vestido com seu casaco de rebanho verde, podia ser ouvido, ela se levantaria com seus olhos brilhando. Sua figura que esperava ansiosamente enquanto pensava: “É isso, é isso?” era certamente semelhante à de sua falecida mãe.

O carteiro chegou à residência, entregando-lhe um pacote grande com um sorriso. Aquele que conhecia os presentes que lhe eram enviados todos os anos, ofereceu-lhe também palavras calorosas: “Parabéns pelo seu aniversário, Senhora.”

Ela respondeu com os olhos castanhos escuros brilhantes, “Obrigado.” e, finalmente, ela perguntou o que ela estava querendo perguntar por um longo tempo, “Diga-me, você conhece Violet Evergarden?”

A agência dos correios e o negócio amanuense tinham uma relação estreita. Assim que Ann perguntou com seu coração batendo rapidamente, o carteiro respondeu enquanto sorria. “Sim, desde que ela se tornou famosa. Ela ainda está ativa. Bem, então...”

Assim que o carteiro se despediu, Ann o observou enquanto acariciava o presente com um sorriso. Suas lágrimas desceram lentamente.

Ainda sorrindo, ela choramingou um pouco.

Ah... Mãe, você ouviu isso agora?

Aquela mulher ainda estava trabalhando como uma Boneca de Memória Automática. A pessoa com quem ela tinha compartilhado uma parte de seu tempo ainda estava indo bem, e continuou a fazer esse trabalho.

Eu estou feliz. Estou muito feliz, Violet Evergarden.

De dentro da mansão, ela podia ouvir alguém lhe chamando, “Mãe!”

Ela se virou para a direção da voz. Alguém acenou da janela em que costumava estar quando observava sua mãe e Violet. Era uma menina de cabelos levemente ondulados que se parecia muito com Ann.

“Outro presente da vovó~?”

Ann acenou com a cabeça para a filha inocentemente sorridente. “Sim, chegou!” respondendo com entusiasmo, Ann retornou a onda.

Dentro da casa, sua filha e seu marido estavam prestes a começar sua festa de aniversário. Tinha que voltar depressa. Chorando suavemente, caminhou em direção à mansão. Enquanto fazia isso, estava profundamente pensativa.

Ei, Mãe. Você disse antes que queria dar a sua filha toda a felicidade que você já experimentou, certo? Essas palavras... me deixaram muito feliz. Realmente ressoaram em mim, é o que eu pensava. É por isso que vou fazer o mesmo. Esta não é uma desculpa para ver essa pessoa. Isso é parte da razão, mas não é tudo. Eu, também... tenho sentimentos que quero entregar. Mesmo muitos anos após o nosso primeiro encontro, tenho a sensação de que ela definitivamente não terá mudado. Com seus belos olhos e sua voz clara, ela escreverá sobre meu amor pela minha própria filha. Violet Evergarden, é esse tipo de mulher - aquela que não decepciona. Pelo contrário; ela era o tipo de Boneca de Memória Automática que alguém gostaria de ver fazendo seu trabalho mais uma vez. Quando eu a vir novamente, vou agradecer a ela e pedir desculpas sem timidez. Afinal, eu não sou mais aquela garota que não podia fazer nada além de chorar.

Ann Magnolia nunca esqueceria aquela mulher que lhe abraçara quando era mais nova.

Eu... me lembro.

Que uma jovem mulher tinha vindo.

Sentada ali, silenciosamente, escrevendo cartas. Eu... me lembro.

As figuras daquela pessoa... e da minha mãe gentilmente sorrindo. Aquela visão... certamente...

Eu não a esqueceria, mesmo se eu morresse.



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