Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 14: Plano B

A túnica caiu bem em mim, porque passei por duas pessoas a caminho do lar do plano B e recebi diversos elogios por ser um diabrete elegante.

— Acho que está funcionando. Ninguém me chamou de xenoprago até agora — falei para Bila, que andava.

— É lógico! Essa roupa foi um plano meu e meus planos sempre funcionam.

Tomará que o plano B funcione também, pois paramos de andar no meio da rua e ela apontou para um buraco na parede.

Uma fila imensa esperava para entrar nele. Se o motivo de tantas visitas fossem luzes piscando, um som fazendo eco na caverna e pessoas brigando umas com as outras na entrada, teríamos problemas.

— Seu plano B mora em um bar? — perguntei na fila.

— Nunca vi ele em outro lugar.

— O que me preocupa na verdade é você já ter entrado lá dentro. — Olhei sério para ela por debaixo da máscara da túnica de ushi-oni.

— Às vezes entro aqui pra beber água. Você se surpreenderia como é fácil ficar hidratado nesse lugar. — Um biodemônio arrotando álcool passou por nós. — Ficar desidratado também.

Na entrada, dois seguranças vistoriavam as pessoas.

Penetras eram jogados no outro lado da caverna por eles, enquanto outras pessoas passavam livremente por um sensor de modificações letais.

Rezei para não ser considerado um penetra após chegar perto deles.

— Ingressos. — Um segurança estendeu a mão.

— Não temos um, mas tenho isso — avisou Bila.

A garota carregava uma bolsa pequena, mas grande o suficiente para guardar uma esfera, ou o olho que ela mostrou aos seguranças.

Na primeira vez que vi a esfera brilhante como cogumelos azuis, cai para trás e fiquei com medo do que a Encapetuzada roubava de verdade. Pelo menos o olho era um presente dado pelo plano B.

Ao ver a esfera, os seguranças saíram da nossa frente e nem sequer ativaram o detector de modificações letais. Foi um alivio não ter que comer um peixe que desativaria todas as alterações perigosas de alguém momentaneamente.

— Vamos. — Bila agarrou meu pulso.

Logo de cara, passei por cima de um velho com uma garrafa na mão e olhei alguns biodemônios jogando sinuca em meio a um som agitado.

No bilhar, algumas bolas de carne me distraíram um pouco e escorreguei no rastro de vômito de um bêbado caído. Bati a boca em uma mesa de madeira, desmoronando no chão.

Antes de eu xingar o piso de quadrados de neons azuis, Bila me levantou.

Acalmei os ânimos ao ouvir algumas risadas finas de diabretes dançando e fui em direção a uma bancada. Não havia bancos nelas — pelo menos até então.

Fui procurar algo para me sentar nos arredores. No ato de colocar o pé para o lado, pisei em algo grudento.

Abaixei o rosto. Uma espécie de boca tinha beijado meu pé e, como um buquê de flores se abrindo, um assento parecendo uma couve-flor de batom me jogou para cima.

Bati a cabeça no teto, descobrindo que pisca-piscas em formato de espinho eram desconfortáveis. A gravidade me puxou de volta e a minha boca ficou mais roxa ainda ao cair de cara no balcão. Para aliviar um pouco a dor, ele era feito de um couro sintético.

Desnorteado, sentei no banco. Acabei dando um soco bem forte nele. Queria descontar mais a minha raiva, mas um pigarro forçado de Bila me parou.

— Tem como não morrer? — questionou irritada.

— Estou tentando.

As minhas atrapalhadas atraíram olhares de outras pessoas. Os piores foram de um quarteto sentado em uma mesa.

— Sem olhar pra eles. — Ela estralou os dedos. — Depois do plano B, são eles que controlam esse bar.

— Ajudaria então falarmos com o seu plano B o mais rápido possível.

Bila começou a virar o rosto pelo bar.

Alguns barmans estavam distribuindo bebidas e outras coisas que nunca vi antes de vir para Inferno. A fauna estava focada neles.

— Ei, você. — Bila apontou para um xenoprago servindo um chá roxo.

— Pois não?

— Cadê o Botis? — perguntou se esgueirando.

— Não ficou sabendo? Ele vendeu o Coro de Víboras semana passada pra chefia daquele quarteto dali. — Apontou para os indivíduos.

— Impossível — gritou.

Meu ouvido até zumbiu com volume da voz de Bila.

As outras pessoas também foram atingidas por ela, mas não pediram para a fauna se acalmar como eu fiz.

Alguns clientes foram embora sem falar nada e Bila piorou a situação ao dar um soco na bancada.

— Calma aí. — Segurei o braço dela.

— Aquele mercenário de merda faz tudo por dinheiro, mas vender o bar dele pra aquela idiota, desvairada e fedida foi longe demais. — Lágrimas escorreram por sua máscara.

Todos os rostos se viraram para nós.

Comentários borbulharam por nossas costas e os donos do estabelecimento não viram o show da fauna com bons olhos.

O quarteto da mesa se levantou.

Suando feito peixe fora d’água, puxei a Bila pela túnica para irmos embora.

Ficar ali era bobeira e, principalmente, perigoso por causa de uma coisa: de todos que poderiam nos reconhecer debaixo da máscara, eles talvez fossem os principais. Eu não queria apostar se o quarteto tinha ligação com a confusão da fumaça.

— Hora de meter o pé — cochichei.

— Tem razão — falou Bila se recompondo.

Colocamos os pés no chão e o resultado foi desagradável. O quarteto foi em nossa direção após verem mais clientes irem embora.

A gota d’água para eles foi ter perdido o dinheiro do bilhar quando os jogadores vazaram.

Bila nos colocou em uma sinuca de bico.

— O que dois diabretes fazem nesse bar além de espantarem nossos clientes? — questionou um biodemônio do quarteto.

— Tomar uma bebida que faz os bêbados ficarem bêbados. — Arrotei e comecei andar torto. — O álcool do bar do lado foi tão fraco… então viemos no melhor bar de Linfrutes pra passar a noite.

— Ótimo. O que acha de tomar um ope pra começar?

— Estou curioso pra dar um gole. — Tombei ao lado. — Mas infelizmente vou passar. Na verdade, as bebidas do outro bar nem são tão fracas assim.

— Que pena. O Coro de Víboras está tão empolgado em atender você. Tem certeza?

— Absoluta. Se eu beber mais uma gota de álcool eu sinto que vou… des... mai…

Coloquei a mão na testa e cai nos braços de Bila.

— Ele exagerou um pouco. Vou levar ele no médico antes que algo de ruim aconteça — falou a fauna me carregando.

— Fique tranquila. Temos médicos aqui. Eles podem curar seu amigo e, ainda por cima, tirar o rim que vocês devem para nós quatro.

A proposta me fez ficar de pé. De imediato, recusei ela, chamando minha companheira diabrete para irmos embora.

Ao ameaçar colocar o nariz para fora do bar, o quarteto entrou na minha frente. Cobriram todas as minhas direções de braços cruzados.

— Hora de realizar o pagamento — falaram em uníssono.

Os dois biodemônios do quarteto ergueram a mão ao alto e seus braços se transformaram em lâminas de puro músculo. Os xenopragos do grupo os acompanharam ao estender facas em formato de chifres.

Ao ver as ameaças, andei para trás, porém parei quando bati o calcanhar no balcão.

Não tinha para onde fugir e o quarteto continuava a vir em nossa direção. Andavam lentamente; sérios.

A minha respiração aumentou e não tive nem tempo para enxugar o suor da testa, pois um xenoprago avançou em mim.

A faca dele se aproximou perto o bastante para sentir um cheiro de sangue da lâmina. Pelo menos eu não sentiria o cheiro do meu sangue.

Levei meu pé à frente e pisei no banco que eu estava.

O assento jogou o xenoprago para o alto e ele ficou por lá tentando se soltar dos espinhos agarrados a sua roupa.

O restante do grupo reagiu. Em zigue-zague, os biodemônios correram para mim e o xenoprago tacou sua faca, que arrancou um pedaço da minha túnica.

Tentei usar outros assentos ao meu favor, porém os três apenas desviaram a fim de chegarem perto.

Por um momento, fechei os olhos e estava prestes a aceitar o destino, mas um cheiro de vinagre misturado a água de esgoto do bar me fez ficar acordado.

— Tomem ope! — berrou Bila.

Ela estava com uma garrafa verde borbulhante em mãos. O bico estava destampado.

Por sorte não sou um inimigo dela, eu acho, pois a fauna tacou o líquido nos rostos dos dois biodemônios e conseguiu pará-los.

Eles começaram a tossir, arrotar e cair lentamente no chão.

Vendo-os se retorcendo no chão, tive minhas dúvidas se ope era uma bebida alcoólica ou um ácido disfarçado de álcool.

Infelizmente, o último membro estava de pé. Conforme via seus colegas machucados, mais rangia seus dentes pontiagudos para mim.

Não tinha motivos para eu ir para cima dele, então corri junto de Bila para a saída.

Peguei outras garrafas que pareciam os arco-íris de Paraíso e as taquei no xenoprago.

Meu objetivo era atrasá-lo.

Eu não conseguia acertá-lo na cara, mas seus pés já estavam encharcados e os quadrados de neon viram uma oportunidade ótima de fazer outra vítima.

Ao dar uma investida perto de mim, o xenoprago escorregou e bateu a cara no chão. Ao contrário de mim, o pescoço dele não parecia de titânio.

— Conseguimos parar esses quatro — falei olhando para trás.

Minha corrida não durou muito, pois bati em uma parede de músculos.

Olhei para Bila e ela se encontrava na mesma situação que eu: parada de frente aos seguranças do bar.

— Vamos conversar um pouco — falaram.



Comentários