Volume 3

Começo

A primeira vez que vi seus cabelos prateados, pensei “aah, nós nunca seremos amigos”. Tenho certeza que, a maioria dos meus outros colegas teve a mesma impressão.

Daiya Oomine… sua própria existência rejeita as pessoas. Sempre acreditei que sua atitude opressiva e seu estilo de roqueiro eram apenas para distanciá-lo dos outros. Mas até que nos demos bem. Boa parte graças ao Haruaki agindo como intermediário, mas não é como se apenas isso fosse o bastante.

«Uhmm, você é… Kazuki Hoshino, certo? Não sei por que, mas você é meio estranho!»

Essa foi a primeira coisa que ele me disse. Mas acreditava que éramos amigos, afinal de contas, ele sempre parecia animado quando conversávamos.

E mesmo assim, ele diz:

 

— Você se envolveu com ‘O’, não é mesmo?

 

Isso ocorre durante o almoço, um dia antes do começo do bimestre. Ao dizer isso, Daiya se senta despreocupadamente ao lado de Maria.

— …Oomine, você obteve uma ‘caixa’? — Maria pergunta no meu lugar, já que sou incapaz de dizer algo.

— Que tipo de pergunta retórica é essa? É claro que obtive. E em primeiro lugar, estou falando com o Kazu. Não se intrometa, sua babá irritante.

Maria exala um suspiro forçado e olha para mim, como se estivesse sugerindo que deixaria o caso em minhas mãos. Mas o que devo dizer…?

Ignorando meu silencio, Daiya começa a falar.

— Sempre achei tudo muito estranho. A aparição da Otonashi, sua confissão para a Kokone, e várias outras coisas também.

Ele ergue a mão para tocar o piercing em sua orelha direita.

— Todas essas dúvidas se esclareceram quando encontrei ‘O’. Quando o encontrei… exatamente naquele instante, percebi que ele, que não pode ser descrito de qualquer outra forma a não ser bizarro, era a razão para todos esses incidentes estranhos que aconteceram recentemente. E então ele me disse que tinha interesse em Kazuki Hoshino.

Sem poder entender completamente, apenas ouço sua história em silêncio.

— O que significa que não fui o único que sentiu algo estranho em você. …Quer saber Kazu? Após te observar por mais de um ano, cheguei a uma conclusão.

Com um olhar penetrante em seu rosto ele declara.

— Você está flutuando.

— … Flutuando?

Sem um contexto essa palavra não faz nenhum sentido para mim.

— É como se você estivesse nos vendo de um plano superior. Você está aqui, mas evita se envolver profundamente, e sempre mantém uma certa distância. Você não está nem dentro, nem fora. Está apenas… flutuando.

Uma expressão de dúvida se forma em meu rosto, não consigo encontrar sentido em nada do que ele diz.

— E mesmo assim você diz que quer proteger a sua rotina, seus dias normais. Sempre foi um mistério para mim, o porquê você querer isso. Mas enquanto falava com ‘O’… ele me contou que você rejeitou a ‘caixa’ que garante qualquer ‘desejo’, o que finalmente me fez entender.

Daiya declara.

Seu objetivo é atropelar os ‘desejos’ dos outros.

— Isso não é verdade!

Me assusto com o volume da minha própria voz. Mas preciso deixar isso claro.

— O motivo de eu ser tão apegado a esse dia-a-dia normal é… porque acredito que se apegar é uma prova de que você está vivo… então…

— Que hilário.

Ao contrário de suas palavras, ele não está rindo. Ele apenas continua cruelmente:

— Então você tem algo ao que se apegar? Diga uma delas!

— É claro que tenho. É…

Paro. Tenho algo assim. Devo ter. mas não consigo expressar…É porque não consigo dar uma forma para isso.

— Você quer continuar procurando por algo ao que se apegar. Hmpf, mesmo se aceitasse essa resposta, ainda sobraria uma pergunta. Por que você se tornou assim?

— … Eh?

Por que comecei a valorizar tanto esses dias normais? Agora que penso nisso, sempre fui assim? …Não, não acho que sempre tenha sido assim. Então, desde quando…

— …!

De repente me ocorre. …Alguém que não reconheço, coberto por uma névoa. Não consigo reconhecer esse contorno vago. Não reconheço? …Não, na verdade sei quem é, não importa por quanta névoa esteja coberta. É…

— Percebeu?

A silhueta desaparece na névoa quando ele me chama a atenção.

— …O que…?

— O fato de que no final das contas, você só quer preservar o seu cotidiano por reflexo, como um dos cães de Pavlov¹.

Apenas quero proteger meu cotidiano? Então…

— Isso é o mesmo que ignorar os ‘desejos’ dos outros. …Ei, Kazu.

Ele me chama com seu desinteresse de sempre.

— Tenho uma ‘caixa’. Me tornei uma existência que vai contra a sua rotina normal. …O que você vai fazer?

Não sei qual é o ‘desejo’ do Daiya. Mas se é algo que ameace minha rotina, vou…

— Você já tem a resposta, não é mesmo?

Daiya continua com uma voz inexpressiva, enquanto toca levemente seu piercing direito mais uma vez:

 

— Portanto, sou… seu inimigo.

Nossas provas bimestrais são devolvidas, e assim passamos um julho preguiçoso, quase como se estivéssemos lentamente digerindo os resultados.

— Escutem, vocês não podem dizer absolutamente nada sobre as compras que vamos fazer mais tarde!

Diz Kokone, em nosso caminho para visitar a Mogi-san no hospital. Devo mencionar o novo penteado em coque que ela está usando?

— Principalmente você, Haruaki!

— Eu sei, eu sei!

— Não tenho certeza… Afinal de contas, ouvi que hoje em dia «Haruaki» virou sinônimo de «Incapaz de sentir o clima».

— Nunca ouvi falar disso! Mas sei que a gíria atual para «Irritante» é «K.K.»!

— Ei! Porque minhas iniciais significam «irritante»!?

— Kirino, se a Mogi ouvir você gritando, sua consideração terá sido em vão.

— Tehe!

Ela coloca a língua para fora e fecha um dos olhos após ser advertida por Maria, mas logo em seguida faz uma careta para Haruaki quando ele menciona:

— Você acha que isso é bonitinho ou o que?

Com um suspiro, por causa dessa cena relativamente normal, entro no quarto.

— …

A primeira coisa que vejo, é uma figura masculina seminua na capa de uma revista.

— Kasumi…?

— Eh…? …Ah!

Ela esconde a revista no colchão com movimentos rápidos.

— O-oi pessoal… O-o que houve? Vocês chegaram cedo hoje, né…?

Ela força um sorriso, mas a tensão no rosto dela é clara de mais.

— …

Será que vi algo que não deveria…? Em uma troca de olhares com Kokone, nós concordamos em silencio — “Não vamos tocar no assunto”.

— Whoa, o que você está escondendo ai, Kasumi!

Falha total. Existe alguém entre nós, cujo nome significa «Incapaz de sentir o clima».

— E… eu não estou escondendo nada…!

— Não minta! …Mh? Ah, é uma revista pornô não é! Me deixe ver, me deixe ver! Quero saber que tipos de coisas deixam as garotas exc… Ghgh!

Kokone o atinge com o cotovelo. Acredito que ela tenha feito a decisão correta.

— Não se preocupe Kasumi, nós não vimos nada… tudo bem, sério! Afinal de contas, se você fica tanto tempo em um hospital, bem… não tem nada para fazer e você acaba se sentindo dessa forma!

— E-E-E-Eu não estou me sentindo de forma nenhuma!

Ela diz isso, mas está chacoalhando os braços violentamente em frente ao rosto completamente vermelho.

— Não… não é isso! Bem… isso…

Ela morde os lábios e, hesitante, tira a revista de baixo do colchão. Realmente, havia um homem seminu na capa, mas as chamadas continham coisas como “Yoga” e “Método Correto de Treinamento”.

— É uma revista sobre exercícios! Então, uhmm… não é nada erótico.

— Eh? Ah, certo. Haha… desculpe. …Mas então porque você estava escondendo ela?

Por alguma razão, ela não olha para Kokone, e sim para mim, antes de responder em um sussurro:

— …Não acho que esse tipo de revista combina comigo…

Agora que ela comenta sobre isso… reflexivamente olho para os braços dela. Seus braços brancos que pareciam frágeis antes, agora parecem um pouco mais robustos. …Embora ainda sejam bem finos.

Percebendo meu olhar, ela escondeu os braços atrás do corpo com vergonha. E então diz:

— …Acho que pode ser útil como referência para a minha reabilitação.

Já se passaram quatro meses desde aquelas repetições. Os ossos dela já cicatrizaram e ela começou a sua reabilitação. Antes, voltar para a escola parecia um sonho distante, mas aos poucos está tomando forma. Talvez, em breve, ela em uma cadeira de rodas na sala, comece a fazer parte do meu cotidiano.

 

Kasumi Mogi vai voltar para o meu dia-a-dia... como era antes da Maria aparecer.

— Maria, diga, você não se sente bem perto da Kasumi?

Haruaki pergunta assim que entramos no shopping, Kokone e eu estávamos evitando o assunto intencionalmente…

— Haru… sabe de uma coisa, às vezes você consegue ser bem desagradável…

— Por quê?

Ele nem entende o que a Kokone quer dizer. Desagradável!

— … Por que você acha isso?

Maria pergunta com uma voz fria.

— É porque nunca vi vocês duas conversarem direito! Bom, talvez seja porque raramente vejo vocês duas juntas.

— …Haru, ouça — Kokone puxa Haruaki para perto dela e sussurra no ouvido dele

— …elas são rivais no amor… é por isso que o clima entre elas é complicado. Você entende ao menos isso, não entende…?

Uhmm, Kokone…? Sei que você está tentando ser atenciosa, mas posso te ouvir claramente.

— Ooh, entendi, entendi!

Haruaki lança um sorriso malicioso para cima de mim. …Isso é extremamente irritante. Maria deixa escapar um suspiro, diante da atitude deles.

— Bom, interprete como quiser, mas é verdade que não consigo falar com ela facilmente.

— Hoho! Porque vocês são rivais, certo?

— Usui. Você conseguiria falar normalmente com alguém que te enganou e enfiou uma faca no seu estômago?

— Hah?

— É uma piada.

Haruaki e Kokone são pegos desprevenidos pelo que a Maria diz e se entreolham em confusão.…Fui o único que quase teve um ataque cardíaco por causa dessa “piada”.

—… Err, então vamos mudar de assunto… Agora para o nosso verdadeiro objetivo!! “Vamos procurar por roupas que combinam com a Mari-mari!”. Bom, quase qualquer coisa combinaria com ela… tch, esse seu maldito corpo de modelo!

Você deveria mesmo estar reclamando, após ter uma foto sua publicada em uma revista recentemente?

— Agora que penso nisso, como tudo começou mesmo?

— Bom, apenas ouçam! Normalmente encontro a Mari-mari usando roupas normais nos feriados ultimamente, mas você sabe, ela está obviamente negligenciando a moda! As roupas dela não são exatamente ruins, mas falta individualidade… e quando pergunto para ela sobre uma marca, ela disse UNIQLO².

— Deixando de lado como eles eram no passado, atualmente a UNIQLO têm muitas coisas de qualidade. Não só isso, mas os produtos dele também têm preços baixos, o que só é possível graças ao empenho da companhia. UNIQLO é a melhor escolha.

— Também visto UNIQLO, sabe! Mas não é isso que quero dizer! Estava apenas pensando, como… você deveria querer se tornar o seu ideal, ou… Aah, droga! Só porque você pode vencer, só com o seu corpo…!

— Kiri, fique tranquila! Você pode pelo menos vencer ela em busto!

— Só em busto?! Não faça piadas, Haru! …Também posso vencer ela em…

Ela para de falar e analisa a Maria da cabeça aos pés, e então se desespera.

— …Não pode ser… não tenho chances?! Gwaah, não pode ser! É melhor você virar algo como a maior ídolo do mundo, só assim vou poder admitir que você é «bonita» sem me sentir ofendida!

— …Ko…Kokone, veja bem, aparência é algo subjetivo de qualquer forma, você sabe…

— Então quem você acha mais bonita, Kazu?

— …

— Por que você está em silêncio! Diga que sou eu, mesmo que seja uma mentira!

— Bom, isso não é um pedido impossível? — Haruaki pergunta com um sorriso malicioso no rosto.

— Calado, seu cego!

— O que!? Humildemente, digo que minha visão para beleza é pelo menos um pouco acima da média!

Por causa do barulho deles, os olhares das pessoas ao redor começam a se voltar para nosso grupo. …É sempre assim quando se está com a Kokone.

— E… Ei, Kokone, será que nós podemos…

Quando tento falar, ela me olha com uma expressão séria. Uwa, sinto perigo…

— Em primeiro lugar, Kazu-kun, você sabe o que mais me incomoda sobre a forma de se vestir da Mari-mari? É só porque vocês são da mesma altura, ficam emprestando roupas um para o outro!

— …Eh? Nós não deveríamos?

Os olhos dela se arregalam.

— …Hah? E você ainda está surpreso? «…Eh? Nós não deveriamos?» o caramba! Onde está o seu senso comum? Fico pelo menos chocada, quando vejo você vestindo a mesma camisa que a Mari-mari usou no dia anterior!

Ainda não consigo entender, e volto meu olhar para Haruaki em busca de ajuda.

— Ela está certa, sabia?

…Sou totalmente rejeitado.

— Você é esse tipo de pessoa não é mesmo? O tipo que termina uma garrafa de refrigerante, pela metade, que foi usada pela garota que você gosta, sem problema algum.

— Qual o problema com isso…?

— Minha nossa — Haruaki chacoalha as mãos exageradamente como se quisesse me mostrar e suspira. …Por que ele está tendo essa reação?

— Haru, você entende porque quero fazê-la comprar roupas novas?

— Mais do que o suficiente!

Com os dois entrando em acordo, nossa busca por novas roupas para a Maria começa como planejado pela Kokone. Contudo, Maria não se interessa em fazer compras e apenas dá uma opinião qualquer das roupas que são mostradas. E, de tempos em tempos, Kokone a força a provar algo.

No começo, acho que a Kokone fica incomodada pela Maria não comprar nenhuma das roupas que ela recomenda, mas na verdade ela está completamente empolgada. Segundo ela, «Já é divertido o bastante poder usar um corpo de modelo como o dela como manequim!». …Como homem, sou incapaz de entender os sentimentos dela.

Falando do outro homem aqui, Haruaki, ele parece feliz apenas observando as outras mulheres, sejam clientes ou vendedoras. Sinto um pouco de inveja da forma de pensar dele… bem, na verdade não. Nem um pouco.

Peço a Kokone para fazermos uma pausa, ela está tão energética que tenho que me perguntar de onde vem toda essa empolgação. Já tinham se passado três horas, quando finalmente consigo meu descanso. Hah… finalmente estou livre… temporariamente.

— …Haruaki, você parece animado.

— É claro! Pude gastar todo esse tempo com o único propósito de avaliar garotas bonitas. Ah, isso foi ótimo! Minha preferida foi a vendedora da última loja.

A empolgação da Kokone vai por água a baixo.

— Ela lembrava um pouco a presidente do nosso conselho estudantil. Você também não acha, Hoshii?

— Eeeh~~… você acha~? — Kokone nega. — A presidente do nosso conselho é muito mais fria… ah, agora que você menciona, vocês já ouviram falar dos «Três Super-humanos»?

— Já ouvi falar.

—…Bem, não tem como isso não ter chegado aos meus ouvidos.

Pelo que parece sou o único que nunca ouviu sobre isso.

— …O que são esses «Três Super-humanos»?

— Veja bem, não tem um aluno em cada ano com notas completamente acima da média? Já que os três têm alguma característica especial, além das notas, alguém decidiu chamá-los de «super-humanos». E o termo caiu tão bem que acabou se espalhando.

— …Então, Maria é um deles?

— Sim. Não me importo como eles me chamam, mas não gosto de me destacar muito.

Não… o que você está dizendo depois daquela cena durante a cerimônia de abertura?

— Bom, Mari-mari é a do primeiro ano, a presidente do conselho é a do terceiro ano. E o do segundo ano é…

Kokone para no meio da frase. O humor dela claramente fica abalado. …Então o último é o Daiya. Daiya desapareceu após se proclamar como um ‘portador’ na cafeteria, aquele dia. Ele não foi mais para a escola e não estava em casa também. Sem dizer nada, nem para Kokone ou Haruaki.

Kokone ficou extremamente irritada por causa disso. Ela não consegue entender porquê ele desapareceu tão subitamente, sem falar nada para ela. É claro que, na verdade, ela apenas está preocupada.

Acho que está tratando o desaparecimento dele como um problema temporário. É por isso que ela consegue ficar irritada. Mas eu… eu não acho que isso seja temporário. Afinal de contas, Daiya… obteve uma ‘caixa’. Ele não faz mais parte do nosso dia-a-dia.

Terminando seu café em um gole, com uma expressão assustadora no rosto, Kokone suspira e volta a falar.

— De qualquer forma, deixando aquele idiota de lado, a questão é que esses «Três Super-humanos» não são normais.

— Posso entender se você estiver falando da Maria e do Daiya… mas a presidente do conselho também é tão incrível assim?

— Ela é incrível! Com as notas dela, com certeza vai conseguir entrar na Universidade de Tokyo, como membro do clube de atletismo ela já viajou o país todo para disputar por distâncias curtas e salto a longa distância. Além disso, no conselho ela está pondo um fim nas regras ultrapassadas da escola. Mas parece que nem preciso citar tudo isso para explicar o quão incrível ela é.

— …Do que você está falando?

— De acordo com certa história que alcançou meus ouvidos, a presidente não parece ser tão rápida durante os treinos de rotina. Ela inclusive perde para outros membros, de vez em quando. Mas quando é para valer ela quase com certeza vai marcar o melhor tempo e vencer.

— Então ela se poupa durante o treino?

— Aparentemente não. «O propósito do treino é desenvolver sua capacidade. O propósito da corrida é vencer. É apenas natural que seja a mais rápida quando me concentro totalmente em usar minha capacidade». É o que ela diz. …O que você acha? Ela parece um pouco estranha, mas de alguma forma ela não é incrível?

— …Sim. Ela parece alguém de outra dimensão.

— Exato~ — dizendo isso, ela verifica se nossas bebidas já estão vazias e sorri ao confirmar.

 

—Muito bem então! Vamos voltar para o nosso Vestindo-a-Mari-mari-3!

Sério, você pretende me matar de tédio…

— Ko…Kokone, vai ser hora do jantar logo, então deveria…

— Eeh~…

Ela faz um beiço.

— Então só mais um! Tem algo que absolutamente quero que a Mari-mari experimente.

Ela nos guia para uma loja, que claramente transmite uma atmosfera diferente das outras. A maior parte das roupas são pretas e cheias de babados.

— Isso vai definitivamente ficar bem em você! Gothict loli-Mari-mari-tan, haah haah!

A roupa que a desnecessariamente excitada Kokone trouxe era um vestido preto e cheio de babados. Compreensivelmente Maria torce o nariz ao aceitar a peça.

— …Você quer que eu vista isso?

— É claro! …falando nisso, o que você acha sobre Gothict lolis?

— Elas não parecem muito sensatas para mim.

— Então combina perfeitamente!

Eeeeh! De… de onde veio esse comentário ultrajante? Relutante, olho para a Maria. Felizmente ela está focada no vestido e não presta atenção nesse último comentário. Kokone começa a murmurar algo como: — Então nós precisamos de alguns acessórios… um minichapéu pode ser bom! — e começa a revirar os acessórios. Maria suspira.

— …Se você realmente não quiser, é melhor você dizer.

Maria olhou repetidamente entre mim e o vestido Gothict loli, e diz, quase em sussurro:

— Você também quer ver?

— Eh?

— Estou perguntando se você também quer me ver, usando esse vestido Gothict loli.

Não entendo o motivo da pergunta, mas resolvo responder honestamente.

— …Uhmm, se tiver que escolher, então acho que sim.

— Entendo. Se você quer tanto assim, vou vestir.

— …Não, eu não disse…

— Só para você saber, só vou vestir isso porque você me pediu. Caramba, realmente, você não tem jeito.

…Uhmm. Pode ser que talvez, ela realmente queira vestir?

 

E então, Maria vira Gothict loli.

— Ooh! Meu Deus, meu Deus, meu Deus! Mari-mari, pi… pise em mim! Com seus pés, por favor, pise em mim!!

Uwa, o que faço? A Kokone quebra…

— Minha escolha foi perfeita. Você não acha, Kazu-kun?

— E… é…

Com certeza combina com ela. Haruaki também está concordando entusiasmado, e algumas das atendentes estão espiando o provador. Realmente, ficou muito bom. Quanto a Maria, ela parece não saber que tipo de expressão usar e apenas cruza os braços olhando para o nada.

— Oi, Kazu-kun, só isso?

— …Do que você está falando?

— Você deveria mostrar mais animação… excitação. Quero ver algo como um drama meloso, que começa com você boquiaberto de surpresa e murmurando «Tão linda… », e daí a Mari-mari tenta esconder a vergonha dizendo algo como «Hmpf, então você gosta de mim do nada só porque estou vestida assim?» e o Kazu-kun nega «Não, você é sempre bonita! Você é realmente linda, Maria!» e então os dois acabam com os rostos vermelhos! Porque daí vou bater em vocês!

— …Não posso.

— Que cara patético. No karaokê você é o cara que canta apenas músicas que ninguém conhece não é mesmo? Tenho certeza que você é o cara que não canta nem muito bem, nem muito mal só para ninguém poder incluir um tsukkomi³...Aah, esqueça o Kazu-kun. Ei, Ei, Mari-mari, posso tirar uma foto?

— Fora de questão…

Maria diz sem mudar sua expressão e ainda de braços cruzados.

… Oh? Talvez ela esteja envergonhada, agora que vestiu isso?

— Tire esse sorriso do seu rosto, Kazuki.

— Eh?

— Você acabou de fazer uma expressão pervertida. Então você queria me humilhar, me fazendo vestir isso não é mesmo?

— Não… não é isso.

— Venha aqui um momento.

Me preparo para ser repreendido na frente dela com a cabeça baixa. Gothict loli Maria tem um ar autoritário com os braços cruzados.

— Fica bem em mim?

Por que ela está perguntando isso? Sem entender, concordo.

— Entendo.

Maria tira o acessório, cheio de babados, que tem no topo da cabeça. Olhando para o acessório, os cantos de seus lábios se erguem e…

— …Hein?

Por algum motivo, ela o coloca na minha cabeça.

— Sim. Isso combina com você também!

— …Hah?

Ela parece estar se divertindo.

— Só vesti isso porque você queria desesperadamente me ver assim. Não é verdade?

— …Uhmm.

— Não é verdade?

— …Sim.

— O que significa que, já que ouvi a um de seus desejos egoístas, acho que é justo que ouça um dos meus dessa vez. Concorda?

— … Eu… acho que sim.

— Esse vestido coube em mim perfeitamente. Nós temos o mesmo tamanho. Em outras palavras, você também pode usar.

— …

Ela continua em um tom forte, que não permite qualquer argumento.

— Vista.

 

E é assim que viro Gothict loli.

 

— Uuh… — gemo, ao me ver no espelho.

Então, Maria vestiu isso planejando me deixar com essa aparência. E para conseguir isso, ela cria uma situação em que não posso negar. Pensando nisso, naquele momento, ela realmente começa a olhar entre mim e o vestido antes de dizer qualquer coisa.

— Oi, não terminou ainda Kazuki? Abra a porta logo.

— … Maria. Por que, tenho que usar isso…?

— Logicamente, porque quero tanto te ver vestido de Gothict loli, que mal posso me aguentar. Naturalmente isso inclui você estar envergonhado.

Depois de tanto tempo, estou sofrendo bullying dela novamente…! Não posso ficar aqui para sempre. Me preparo e abro a porta.

— Gyahahahahahahaha…

Kokone instantaneamente começa a rir. Deveria apenas estar Maria, Kokone e Haruaki em frente ao vestiário, mas por alguma razão, também havia atendentes e vários clientes. Que tipo de exibição pública é essa…

— Kyahahaha, Kazuko-chan você é tão adorável!

Dizendo isso, Kokone pega o celular e aponta para mim. …Por favor, não faça isso…

— Pa… pare! Não tire foto!

— Impossível. Preciso fazer isso.

Não apenas Kokone, mas também Haruaki e Maria começaram a tirar fotos minhas. E ela não deixa ninguém tirar foto dela!

— Não se preocupe Kazuki. Está lindo.

Isso é para me encorajar Maria?

— Pronto, e enviar!

— E… espere um segundo Kokone! Para onde você mandou isso?!

— Hã? Para a Kasumi, é claro!

— O… o que você está fazendo?! Em primeiro lugar, não foi você que disse, para não a deixar saber que nós íamos fazer compras?

— Você é um idiota Kazu-kun? Existe algo chamado “prioridade”!

Você é a idiota entre nós Kokone! Isso é cruel de mais! … Meu celular vibra no mesmo instante. Hesitante, eu abro. Uma mensagem nova.

Remetente: «Kasumi Mogi». O texto só tem uma palavra. «Lindo ♡» Ah, não me importo mais! ☆

✵✵✵✵✵

Acordo com um fedor tão forte que está quase me dando dor de cabeça.

— Eh…?

Confuso com esse desenvolvimento tão súbito, não consigo conter minha voz. A última coisa que me lembro, é ter ido para a cama para tentar esquecer aquele evento, que quase me fez ficar traumatizado para o resto da vida. Depois daquilo, provavelmente caí no sono…

… Então onde estou?

Está tudo tão escuro aqui, e o ar parece que alguém acabou de abrir uma panela quente. Esse ar pesado se prende firmemente a minha pele. No meu corpo inteiro. Relutante, me levanto.

O mundo que se abre em minha frente. Escuro, escuro, pura escuridão o suficiente para quase invadir meus olhos. De alguma maneira, evito cair no chão. Dentro da escuridão, percebo uma luz fraca. Uma luz azulada piscando. Parecida com a luz emitida por um tipo de armadilha de insetos, que é colocado normalmente em frente a lojas. De alguma forma, sinto que não devo me aproximar dessa luz, mas meus pés se movem por conta própria como se estivesse sendo atraído pela luz.

A distância entre mim e a luz é de aproximadamente cinco metros. E mesmo assim, pareço me afastar mais dela a cada passo. Minha percepção está ignorando a realidade e aumentando a distância.

— Ugh!

Meu pé atinge algo. Abaixo meu olhar.

— …Ehh!

É o corpo de uma garota.

— Uh, ah! Ha, ha, haa…

Acalmando minha respiração acelerada, olho para ela. Uma garota jovem e desconhecida, com cabelos longos vestida em pijamas… Não, acho que a vi em algum lugar. Pode ser que já tenha a conhecido antes…?

Ela não está respirando. Mas não está morta. Provavelmente ela simplesmente ‘parou’. Olho para minhas próprias roupas. As mesmas roupas que usava quando fui dormir… uma camisa, ao invés de pijama, e bermuda. Entendo. Nós dois fomos pegos enquanto dormíamos. Dessa forma… nós fomos colocados nessa ‘caixa’.

Finalmente chego a frente da luz. Olhando melhor, parece com uma velha máquina de vídeo game que se vê em fliperamas. [Kingdom Royale] está escrito na tela, o que parece ser o título.

Próximo a essa máquina, vejo ele.

— …Daiya.

Ele está ali, sem qualquer mudança de antes do desaparecimento, com piercings nas duas orelhas.

— Já faz um tempo, Kazu. Quase dois meses?

Ele diz como se estivesse puxando um assunto qualquer. Existem várias coisas que quero perguntar, mas começo pela pergunta óbvia.

— …Essa é a sua ‘caixa’?

— Preciso mesmo responder?

Exatamente. Ele finalmente usou a própria ‘caixa’.

— Tédio… algumas pessoas atirariam seus próprios cérebros para longe apenas para fugir dessa besta.

Me vendo franzir a testa, diante dessas palavras sem sentido, ele sorri.

— É um trecho de um livro, “Etude of the 20th Year”.

— …Do que você está falando, Daiya?

— Esse é o ‘desejo’ que foi colocado nesse ‘Game of Idleness’.

Não consigo entender a intenção dele.

— É claro que você não consegue me entender, não é mesmo? Não tem como você entender o tédio quando você é capaz de aproveitar a simplicidade do seu cotidiano. Não pode imaginar o quão terrivelmente agonizante isso é!

Está dizendo que criou a ‘Game of Idleness’ apenas porque estava «entediado»? Isso seria tolo e egoísta de mais.

— Julgando pelo seu rosto, você não quer nem tentar entender, huh. Pessoas sem imaginação sempre são tão autocentradas.

— … Você não pode me enganar. Usar uma ‘caixa’ apenas para acabar com o seu tédio seria absurdo demais!

— Não me importo, mesmo que você não entenda. Mas pelo menos, se lembre de que esse sentimento também é possível.

— …Você precisa apenas curar isso, não?

— Impossível. É um problema de identidade. Você não pode mudar a natureza de uma pessoa.

— Isso é apenas… uma desculpa esfarrapada!

— Então, cure esse seu apego anormal pelo seu cotidiano!

Fico sem palavras contra isso.

— Não importa o que você faça, não importa aonde você vá, você não pode fugir da sua natureza. Alguém de aparência acabada não pode mudar isso, não importa o quão cara é a roupa que ele use, não importa se ela gastar uma hora na frente do espelho se maquiando. Não pode mudar o que não pode ser mudado.

— …Mesmo que o tédio do qual você fala seja tão agonizante, como ele surge? Não existem várias coisas interessantes?

— Naturezas são assim. Todos os eventos mudam de forma, de acordo com sua natureza. Coisas que você acha interessante são tédio puro para pessoas que tem “tédio” como natureza.

— …Todos invejam suas habilidades, mesmo assim…

— Sou normal. Sei disso, porque consigo ver o limite das minhas habilidades. Percebo que não posso alcançar, ou obter nada.

Essa atitude humilde me surpreende. Nunca imaginei que o Daiya pensasse de si mesmo dessa forma, apesar de ter tanta confiança em si mesmo.

— A ‘caixa’ pode não ser nada, além de uma forma de matar o tempo para alguém que está afogado em tédio. Portanto, isso é apenas um jogo. Um jogo sem sentido.

Ele explica com um sorriso.

— Mesmo assim, é bastante valioso para mim.

Ainda não consigo compreender a lógica dele. Mas percebo que é impossível persuadi-lo com palavras.

— …Me diga, Daiya. O que essa ‘caixa’ faz especificamente?

Ele ri de leve, segura meus ombros e me fez sentar em frente à máquina de vídeo game.

— É apenas um jogo para matar o tempo. Não tem qualquer outro objetivo, se não acabar com o tédio. Então…

 

— … Vamos lutar, futilmente, até a morte.

 

— …Eh?

Daiya está me segurando pelos ombros, então não posso escapar. A tela começa a tremer. Me sinto quase intoxicado. Alguma coisa segura minha cabeça nessa situação. Alguma coisa vem da tela da máquina. Uma mão transparente. Essa mão está me segurando.

— Ugh…

Um som alto ressoa em minha cabeça. O número de mãos transparentes está aumentando aos poucos. Aumentando. Mais e mais dessas mãos agarraram minha cabeça, braços, pernas, abdômen e finalmente, cobrem meu corpo todo.

— Da… Daiya!!

Daiya ignorou minha expressão e friamente diz:

.

E então eu vou… puxado por aquelas mãos.

 


Notas:

1 – Ivan Palov foi um fisiólogo russo que realizou experimentos de laboratório em cães. E, com base nessas observações, teorizou e enunciou o mecanismo do condicionamento clássico. A ideia básica do condicionamento clássico consiste em que algumas respostas comportamentais são reflexos incondicionados, enquanto que outras são reflexos condicionados. É possível criar ou remover respostas fisiológicas e psicológicas em seres humanos e animais.

2 – UNIQLO: marca de roupa simples e casual.

3 – Tsukkomi: o ‘sério’ da dupla na comédia japosena (owarai), seu papel é criticar e abusar verbalmente e fisicamente o ‘engraçado’ (boke) pelos seus erros e exageros.

4 – Jogo da Futilidade



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