Volume 1

Capítulo 26: Leilão (1)

Era noite. Sienna estava parada na broa do navio, encarando o céu que não possuía nenhuma nuvem e estava estrelado. Uma brisa fria bateu contra o rosto dela, que fez com que seu curto cabelo voasse para trás.

Morpheus se aproximou silenciosamente e se encostou na madeira.

— Chegaremos ao amanhecer. É melhor você descansar até lá.

— Senhor Furlan, e se não conseguirmos encontrar ela?

O homem de preto olhou-a bem. Um sentimento de tristeza abatia a menina, mas os olhos dela escapavam do que poderia se chamar de choroso. Eles queimavam com uma determinação sem fim.

— Vamos encontrar ela. Se ela não estiver lá, buscarei até no outro mundo se for necessário.

— E depois? — Sienna não aguentava mais permanecer sem respostas. — Continuaremos nessa viagem sem sentido? Até agora não sei de nada e, quando acho que finalmente descobri alguma coisa, as dúvidas apenas aumentam.

— Deixe isto de lado por ora. O melhor agora é apenas achar Ângela.

Sienna e Morpheus se entreolharam. Ele sabia que aquilo não durariam mais, pois a garota uma hora ou outra descobriria tudo que tentavam esconder. Contudo ele não estava autorizado a contar nada a ela, nem desejava.

Temia ter se apegado demais a menina, porém continuava resoluto e fiel aos seus princípios. Nenhuma palavra viria dele.

Ela observou o mar calmo e sentiu a brisa atingir a pele. A sua respiração estava amena, as dores de cabeça passaram e a sua mente estava calma como nunca. No dia seguinte, teria que estar preparada para tudo o que pudesse acontecer.

— Vamos apenas achar minha mãe... — Antes de virar-se e entrar na cabine do navio, Sienna fez um pedido: — Quando tudo isso acabar, eu quero que o senhor me ensine magia.

Confusão abateu o homem que lhe encarou com dúvida.

— Magia? Por que quer aprender magia? 

Ele perguntou isto pois achava que a menina seguiria o mesmo caminho que a mãe, tornando-se uma Guerreira. Porém Sienna lhe entendeu errado.

Pensou por um momento na melhor resposta; algo que representava verdadeiramente o seu desejo, o motivo para tudo o que estava ocorrendo e chegou a uma simples conclusão.

— Para nunca mais precisar chorar.

Morpheus a encarou por um instante e concordou com a cabeça. O rosto da garota havia lhe convencido.

Ela havia entendido que, tornando-se forte, aquilo nunca aconteceria outra vez. Sendo forte, poderia proteger sua mãe; o seu único apego, e nunca mais sentiria a necessidade de chorar.

— Durma, garota. Amanhã o dia vai ser longo.

— Boa noite, senhor Furlan.

A noite estrelada não combinava com o clima tenso que se alastrava por todo o navio. Um céu de tempestades seria mais encantador, contudo este era o Mar do Limbo; aquele céu limpo era o suficiente.

Neste dia, Sienna finalmente tomou para si um objetivo real. Nada aventureiro como o desejo de visitar Gardenheim, mas o simples desejo de se tornar mais forte.

A noite estrelada caia muito bem.

 

 

Ao amanhecer, o navio se aproximava aos poucos do porto. Morpheus e Sienna vestiam longos capuzes para se esconderem e também para que o vampiro não queimasse ao sol.

— Dessa vez vai ser diferente, menina — disse ele com um tom sério. — Estaremos verdadeiramente adentrando nos Reinos Médios. Aqui, as coisas não serão as mesmas.

Sienna assentiu com a cabeça e entendeu.

Jaisen era uma ilha de pequeno porte, dominada por piratas e, além de servir de resort para alguns ricos, não tinha real valor à nação.

Os piratas dominaram o lugar apenas pelo comércio local, pelo acordo com o Cassino e, é claro, por ser um lugar em que era possível fugir com facilidade.

Após a queda do antigo Rei dos Piratas, os Reinos Médios foram divididos. Piratas comandados por Seth dominavam a maior parte da nação, em seguida vinham os Sultões, chefes de grandes cidades estado, e por último a população que desejava o retorno da família real.

Era de senso comum o desejo de Seth em tornar-se o novo Rei, mas havia obstáculos para isso. As pessoas não concordariam com a sua coroação caso ele não fosse de sangue real.

A nação era banhada pelo Mar do Limpo, era isolada do mundo por uma cordilheira montanhosa e a maior parte do território era um deserto que escondia mais de mil segredos.

Além dos perigosos piratas, os Sultões disputavam poder, dinheiro e território, então a nação tinha a falta de um governo propriamente dito.

Bandidos corriam soltos pelo deserto, o povo sofria com a pobreza e fome, além do perigo dos piratas que rondavam pelo mar.

Sienna sabia que aquela cena que vivenciou no beco à noite poderia se repetir um número incontável de vezes em vários outros becos pela nação.

Apesar de sentir pena, não podia fazer nada para mudar aquilo, e suas preocupações reais eram recuperar a sua mãe e alcançar o seu objetivo final para afinal descobrir algo sobre a sua própria existência.

Quando estavam ainda mais próximos do porto, Morpheus disse:

— A cidade em que vamos descer é controlada por um Sultão. Diferente dos piratas, eles tem guardas treinados e alguns com capacidade sobre-humanas.

— Eles vão ser tão fortes quanto aquelas marionetes? — perguntou a garota.

— Acredito que não... mas todo cuidado é pouco, então muita atenção. Qualquer sinal de perigo, você deve fugir.

— Sim, senhor Furlan. — Sienna acenou com a cabeça com o rosto lotado de determinação e então se lembrou de algo. — O que faremos com eles?

Apontou para trás onde o capitão e os marujos estavam presos por cordas a um dos pilares do navio, como também estavam amordaçados.

— Deixe-os aí. Alguma hora alguém vem e solta eles.

Willy que estava preso há mais tempos que os outros quase chorava sob aquela situação humilhante.

Os marujos escutaram tudo e os olhares e gemidos de súplica surgiram, mas a dupla ignorou-os e partiu para o seu objetivo final; resgatar Ângela.

 

 

Hajar alram era um homem de meia idade, antigo Sultão da cidade portuária Alraml e um comandante naval bem conhecido, além de um ótimo comerciante.

Há poucos dias uma notícia chegou para ele: a sua neta estava fazendo aniversário. Apesar de ser um homem endurecido pela idade, ainda tinha uma grande paixão por sua neta.

E, para demonstrar isso, queria lhe recompensar com algo glorioso. Porém a menina era muito exigente, não se contentando com nada.

— Jamile, por favor, escolha logo um presente, menina!

A pequena Jamile bateu com o pé no chão, fazendo areia subir. Ficou toda suja, mas ainda continuou de birra.

— Não tem nada que eu queria nessa cidade chata! Eu quero algo diferente, vovô!

Eles estavam no meio de uma praça no centro da cidade. Um pequeno grupo de guardas os escoltavam. Pararam para beber um pouco de água na praça e fazer compras para a aniversariante.

— Querida, quer algo das viagens do seu pai?

Não! Não! Não! Eu não quero algo daquela cidade nojenta que ele foi. — A menina continuava a sua birra. — É meu aniversário! Eu quero algo de fora!

— Você diz de outro reino? — O homem desejou não receber à resposta.

—Sim! Eu quero algo de outro reino. — A garota tinha um rosto pidão, fazendo com que seu avô fosse incapaz de recusar. — Por favor, vovô.

Havia encarado muitos problemas em vida, mas ainda era superado por sua netinha. Sem opções, ele cedeu.

—Você deu sorte, querida, vamos ao Leilão. Comprarei o que quiser!

A menina pulou de alegria no colo do seu avô. Após beber água, a pequena comitiva partiu na direção do leilão.

O homem mais rico e influente da cidade estaria participando.

 

 

Em outro lugar, Sienna e Morpheus se moviam na multidão, ocultos pelos seus traje

Alraml era uma das maiores cidades da nação. Eles possuíam uma forte força naval, tinham acordos com seus vizinhos e um comércio fervente na capital.

O Sultão era um aventureiro nado e gostava de viajar pelas outras cidades aprendendo tudo o que conseguia para ajudar no crescimento da sua cidade.

A força naval também agia como a polícia, então era um dos lugares mais seguros em todo o reino.

Sienna seguiu o mais rápido possível para o endereço do leilão. Chegando fundo na cidade de areia e barro, uma visão estranhamente familiar lhe assombrou.

Após passarem por um beco, viu-se um enorme Coliseu, mas desta vez de perto. A garota parou o seu ímpeto por um momento e observou a majestosa construção.

— Acostume-se, você vai ver isso muitas vezes — disse Morpheus.

— O que quer dizer? — perguntou com dúvida.

— Esse Coliseu, todas as grandes cidades pelo mundo possuem um desses.

— Isso tem haver com as coisas que não pode me contar?

Morpheus pensou um pouco em sua resposta, pois havia poucas coisas em todo o continente que não envolvessem o pai da menina.

— Não diretamente, por assim dizer. É apenas uma consequência inusitada.

Hm. Entendo.

A dupla continuou o seu caminho até o endereço mencionado. Sienna olhou para um prédio chamativo que não tentava de forma alguma esconder o que de fato era.

Por fora era similar a um enorme teatro e se distinguia das casas de barro dos arredores. Era um lugar bem movimentado e luxuoso, assim como o Cassino.

— Prepare-se. Vamos entrar.

— Sim, senhor Furlan!

Sienna firmou os punhos, assentiu com a cabeça e respirou fundo. Estava pronta para o que visse e faria qualquer coisa para recuperar sua mãe.



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