Volume 1

Capítulo 23: O Guardião Entediado

— Ahhh!!! — Garta continuava ao chão do telhado se contorcendo em dor com as mãos sobre o rosto. Ela havia esquecido completamente do oponente.

— Que chato... Tão fácil — disse Bernard, sem sorrir, despreocupado debaixo de chuva no todo do prédio sede do ministério das comunicações, ele se aproximava da mulher encolhida sobre o próprio corpo.

A guardiã mantinha as mãos sobre o rosto tentando estancar a dor em vão. A poça de água sob seu corpo pouco a pouco era tingida pelo vermelho.

— Você é o bichinho de estimação do Edgar, não é? — O rapaz continuou com seus passos lentos na direção dela. — Não faz ideia de quanto tempo estamos procurando por ele. Não faz ideia do quanto eu estava ansioso para te encontrar.

Assim que chegou perto, Bernard levantou o seu pé sobre o corpo da mulher e suspirou aborrecido. Não teve um pingo de piedade, pisoteou e chutou o a indefesa Garta sem qualquer hesitação. Vários dos chutes encontravam as costelas dela que não resistia e se entregava aos gemidos e gritos de desesperos.

— Argh! — Cuspiu seu próprio sangue.

— Você é ridiculamente fraca! — gritou destacando sua raiva. — Por que não reage? — manteve os golpes violentos sem descanso. — Eu esperava alguém à altura, alguém que me fizesse pelo menos suar.

A guardiã não parecia possuir mais forças, não mostrava qualquer reação e, nem se quer, tentava se levantar ou rastejar. Prestes a estar desacordada, seu corpo parou de se mover.

— Eu pensei que teríamos uma luta! — Os gritos de Bernard, assim como seus golpes, ficaram ainda mais enfurecidos. — Mas você é fraca! Fraca como todos os outros!!!

Mais e mais chutes, um seguido do outro, o rapaz era insano. Garta já estava coberta pelo seu próprio sangue. Com cortes e hematomas gravíssimos por todo o seu corpo, não possuía forças nem para manter o olho direito, aquele que restou intacto, aberto.

— Fraca! — Ele continuou. — Verme! Inútil! — Se preparou para um último chute forte. Sabia que seria mortal.

Uma voz suave ecoou na cabeça do rapaz: “Pare Bernard, você não pode matá-la, esqueceu o que nos foi dito? Espere por mim.” Uma voz que só ele podia ouvir.

— Cala a boca!!! — Bernard respondeu de imediato com a raiva absoluta cessando o movimento de seu chute. Desorientado, colocou as duas mãos sobre a cabeça. — Sai da minha cabeça!

Titubeando enquanto tentava manter a sanidade, Bernard teve os seus ouvidos golpeados por um estrondo vindo do trovão próximo.

Ajoelhou respirando ofegante entre as gotas de chuva e balançou a cabeça tentando tirar, o que quer que fosse, da sua cabeça.

“Você ouviu bem ela, dependendo da guardiã, servirá muito bem aos planos futuros. Por isso devemos captura-la para obtermos mais informações.” Mais uma vez a voz voltava a se destacar nos pensamentos do rapaz.

— Eu já disse para sair da minha cabeça!!! Ela nem lutou, eu vou matá-la com minhas próprias mãos. — proferiu Bernard se levantando. Tomou distancia para um último chute mirando o rosto da guardiã completamente imóvel ao chão.

“Não Bernard, não faça...” A voz na cabeça do rapaz cessou quando mais um estrondo ecoou pelo telhado e chamou sua atenção, dessa vez não era o barulho de um trovão.

Bernard parou o seu movimento e cessou os seus pensamentos. Curioso e surpreso, olhou para o seu próprio peito. Demorou para entender e, na ânsia de buscar respostas, levou a mão direita até a região de sua barriga a tocando com apenas dois dedos. Suas digitais foram encharcadas pelo seu próprio sangue e finalmente obtivera as respostas. O estrondo foi originado por um disparo de arma de fogo.

— Hehehe. — Bernard soltou uma risada rouca e se virou para ver quem lhe acertara.

Aldren, de pé no meio do telhado. Destemido, segurava o revólver quente apontado para Bernard.

— Você tentou me matar? — perguntou o arrogante do cabelo bagunçado. Sorriu com o canto da boca. — Tentou me matar com um simples projétil de chumbo? Eu, o guardião de Calis? Aquele que possui a magia destrutiva no sangue? Você é idiota?!

Aldren se surpreendeu, não entendeu metade das palavras do guardião, mas ficou impressionado com o ignorar do homem ao seu disparo. Bernard deu passos em direção a ele que, hesitante, voltou a apontar a arma.

— Para! Para, por favor...

— Ou o quê? Vai atirar em mim? — O guardião parou frente à Aldren e esticou os braços para os lados abrindo o peito. — Vai em frente.

— Por favor... — Aldren implorou mais uma vez, mas o inimigo o ignorou. Assim que seu oponente se movimentou com mais um passo, puxou o gatilho.

Disparou. A explosão da pólvora ecoou mais uma vez pelo telhado e o projétil acertou o peito do guardião. O homem não reagiu à altura, apenas se desequilibrou momentaneamente como se tivesse recebido um suave empurrão.

— Ahh! — esbravejou. — Eu esperei por nada!!! — respondeu Bernard em presunção transbordada. Em um movimento rápido, se aproximou de Aldren desacreditado e socou a sua mão para derrubar a arma ao chão sem dificuldades. Se voltou ao rapaz à sua frente com ainda mais orgulho arranhando sua garganta: — Assim que o chumbo do projétil entra em contato com minha pele ele se despedaça. Como vocês são inúteis.

A chuva parecia ainda mais forte e o ar ainda mais frio. O homem não estava satisfeito, encarava Aldren que por sua vez implorava com olhares.

— Cadê aquela sua determinação de antes? — O guardião sorriu mais uma vez com os olhos maliciosos.

Aldren pensou em respondeu, mas assim que teve a iniciativa, levou um belo soco na barriga. Ajoelhou devido a dor. Ficou impressionado com a agilidade do oponente, geralmente era ele quem era o mais rápido, mas dessa vez não. Não teve nem chance de desviar ou contra atacar, quase não viu as mãos do oponente se movendo.

Bernard se agachou ao lado do rapaz.

Aldren sentiu um verdadeiro sentimento de medo ao ver os olhos e o sorriso convencido do inimigo de tão perto. Não era como os olhos do Buregar, vazios ou desconexos da realidade. Era realmente um olhar com o mais puro sentimento de apatia, um desprezo que era evidenciado a cada suspiro.

— Como é o seu nome? — perguntou o homem seriamente ao ver o pavor nos olhos do rapaz.

Aldren desviou a cara sem responder, mas assim que o fez, recebeu um tapa no rosto de forma que foi obrigado a olhar de volta para o interrogador.

— Eu estou falando com você! Me responda! — cuspiu as palavras no ouvido do já aterrorizado.

— A-Aldren.

— Aldren? Hum. Tanto faz. — O guardião arqueou as sobrancelhas no mesmo sentido de suas palavras. — O meu nome é Bernard. Aldren, você sabia que tudo ao nosso redor está vibrando? Tudo. Tudo mesmo.

O rapaz subjugado tremia não só pelo frio, mas principalmente pelo medo. Não entendia onde Bernard queria chegar com aquelas palavras, mas não tinha outra alternativa a não ser prestar atenção nelas.

— Mesmo que, em um ritmo ou em uma frequência bem lenta, as coisas vibram o tempo todo. Na maioria das vezes não notamos. Mas se aumentarmos a frequência, a matéria sólida não vai resistir e se quebrará, deixando claro aos nossos olhos. Por exemplo, esse pedaço de metal. — Bernard alcançou um dos fragmentos de metal da porta ao chão e segurou firme diante de si, entre ele e Aldren. — Com a frequência certa...

O metal começou a emitir um som único e estranho até que... Swooish! Aldren afastou o rosto esperando o pior, mas o pedaço de metal da porta apenas se partiu em dois sem grandes consequências.

— Viu só? — O homem subiu as sobrancelhas mais uma vez enquanto Aldren mantinha-se assustado.

Um dos pedaços do metal caiu sobre o chão, o outro permaneceu na mão de Bernard. Aldren arregalou os olhos ao notar a forma e as características daquele objeto. Era parecido com uma estaca, uma lâmina pontiaguda tão afiada quanto uma faca. Não parecia ser por acaso, não era coincidência.

— A propósito, o que você fez com o riquinho metido? — perguntou Bernard ao observar o burguês estirado ao chão distante no telhado.

— Eu não o matei, eu juro. — tremeu a boca para expressar seu medo.

— Não matou? Ah, que pena, ele me enche — disse aborrecido. — Você é bem justo né, Aldren? Não mataria alguém se não fosse para se proteger — aproximou os lábios da orelha do rapaz e continuou em um sussurro amedrontador: — Eu odeio isso.

Assim que terminou com suas palavras, Bernard levou a lâmina rapidamente até a barriga de Aldren em um só movimento sútil e rápido. A ponta da faca improvisada perfurou o uniforme de policial, a pele e, então, o estômago do pobre rapaz.

Aldren não entendeu a dor de imediato, apenas sentiu a sua barriga ferver. O homem o impulsionou para frente de modo que seu corpo caísse de costas sobre uma das várias poças d’água no telhado.

— Argh. — Não gritou, apenas engoliu.

A dor finalmente veio, Aldren arregalou os olhos e puxou o ar com toda a força para dentro dos pulmões com a dificuldades de se mover já evidente. Quando expirou o ar abalado, sua boca se encheu de sangue e transbordou em seguida de modo inevitável. Engasgou tossindo sua vida.

Sua força se esvaia e seu corpo enfraquecia rapidamente enquanto observava o rosto sério de seu assassino lhe julgando.

Do outro lado do telhado, uma luz azul começou a brilhar como uma estrela distante. Bernard deixou de lado sua vítima e se surpreendeu minimamente ao se virar em direção a claridade com os olhos semicerrados.

— Mas o que... — sussurrou. Interrompeu sua fala ao ver Garta de joelhos sobre a poça vermelha de seu próprio sangue. Arregalou os olhos. Não esperava que ela ainda estivesse apta a usar a sua habilidade depois de tantas porradas e pontapés.

A mulher esticou o braço em direção aos dois no meio do telhado com alguma dificuldade, prendeu a respiração para não ter que mover qualquer músculo e sentir uma dor penetrante que a distraísse. Com o olho esquerdo fechado em sangria, e o outro semiaberto visando o seu alvo, a guardiã se concentrou mais uma vez e...

Blast!

A luz cessou aos poucos. Bernard continuava a observar a mulher valente que simplesmente continuou ajoelhada ao baixar seu braço exausto.

O guardião engoliu seco, mas logo voltou ao controle da situação ao prevalecer a situação. — Hahaha. — Gargalhou ele forçadamente, mostrou o olhar convencido mais uma vez antes de continuar: — Você não conseguiu, idiota. Você errou!

Garta esboçou um sorriso mesmo com a dor extrema por todo o seu corpo, em seguida, não resistiu e voltou a cair ao chão. Lutou para manter o olho direito aberto, mas só isso já lhe demandava um esforço descomunal para o seu estado.

— O que você fez? — Bernard hesitou ao ver o sorriso irritante dela. Olhou pelo telhado procurando por algo, mas não achou. Aldren já não estava mais lá. — Você... você é a guardiã de Finn. E só mandou aquele perdedor para outro lugar? — perguntou zangado.

O guardião caminhou até à mulher que resistia ao desmaio eminente. Não escondia a sua indignação no olhar furioso ao se estacar dominante frente a ela. Continuou:

— Você deveria ter fugido. Aquele fracote já está morto, seu destino foi sentenciado por mim. Hum! — Bernard fechou suas mãos controlando a raiva que assumia seu corpo enquanto a guardiã fechava os olhos deixando que a exaustão assumisse o seu. — Você é muito mais idiota do que eu pensei. Poderia ter usado a sua força para sair daqui, mas decidiu salvar um homem morto. Um homem morto! Ouviu bem?!

Garta deixou de ouvir, desmaiou sem poder responder ao homem arrogante à sua frente. Ele, por sua vez, ofegava raivoso.

— Você não salvou ninguém! Perdeu completamente para mim! — Bernard continuava aos gritos com a mulher já em sono profundo. Apertou seus próprios punhos descontando sua raiva. — Patética!

— Finalmente — disse aliviado um homem esguio de cabelos raspado ao adentrar ao telhado. Se apressou para atravessar o telhado e alcançar o guardião. Levou suas mãos para socorrer o amigo quanto aos ferimentos de bala no peito. — Você se machucou, Bernard? Deixe-me ver...

— Tira as suas mãos de mim, Hui! — esbravejou. Manteve seus olhos ferventes encarando a mulher ao chão.

— Você levou um tiro enquanto estava distraído, poderia ter morrido...

— Já falei para me deixar em paz! — Ele encarou o rapaz magro deixando a raiva lhe corroer. — E para de ficar entrando na minha cabeça, Hui! Já disse que odeio isso. — Bernard se virou feroz e caminhou para fora do telhado deixando a chuva e o aliado para trás.

O homem solitário baixou a cabeça ao receber a arrogância. Observou Garta em estado crítico ao chão ainda respirando e sussurrou aliviado:

— Que bom que você não a matou...

                                                               ***

— Ele chegou, Hikki! — Bertha chamou a atenção do cômodo ao ver o flash de luz do deslocamento preencher a biblioteca da fortaleza Última. — Por que vocês demoraram tanto, em?

A garota estranhou que não houve qualquer resposta. Se levantou da cadeira onde repousava e caminhou se aproximando da origem do flash de luz. Se deparou com Aldren desacordado, estirado sobre o luxuoso piso entre as prateleiras de livros da biblioteca com seu sangue escorrendo pelo grave ferimento na região do abdômen.

— Aldren? Aldren! — Rapidamente foi ao socorro do rapaz, se ajoelhou do lado dele apressadamente e se desesperou. — Hikki!!! Ajuda, Hikki!!! — implorou aos gritos em todas as direções.

O seu pedido por socorro ecoou por toda a fortaleza. Bertha não hesitou em tentar estancar o sangramento do rapaz com as próprias mãos, não era o bastante.

— Por favor, Aldren, não... — sussurrou ela com lagrimas nos olhos esperando ajuda.



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