Volume 1

Capítulo 25: Lâmina de Sathsai

— Droga! — Colth largou as pedras e correu para tentar, de alguma forma, chamar a atenção da fera que estava prestes a atacar o Gerente encurralado no canto da praça.

Já era tarde demais, nunca que ele conseguiria alcançar a criatura antes dela atacar Edgar. A monstruosidade ergueu uma de suas garras para o alto e se preparou para acertar sem piedade.

No momento em que o capelobus estava prestes a ceifar a vida do homem, sentiu algo lhe atacar pelas costas. Era Celina, a garota apareceu de trás da montanha de destroços e correu sem hesitar para cravar uma pequena lâmina em uma das pernas musculosas do inimigo.

A fera rugiu para o céu devido a dor imediatamente. Celina deu dois passos para trás deixando a arma cravada na pele rígida da criatura.

— Vem, Celina! — Colth a puxou com as palavras.

O rapaz não pôde deixar de fuzilar a garota com seus olhos surpresos assim que se encontraram metros a diante do inimigo.

— É a adaga da loja de antiguidades do velho. A lâmina de Sathsai perfurou a pele do capelobus — disse ela. — Deu certo.

— Como você sabia que funcionaria?

— A divisão anti-criaturas utiliza armas banhadas por Sathsai. Achei que seria válido tentar isso.

— Achou que seria válido? — perguntou ele espantado. — Apostou nossas vidas nisso?

—...

Ela desviou o olhar calada sendo alvo da reprovação enquanto Colth não podia deixar de pensar que, talvez, aquela garota fosse maluca.

— De qualquer forma, mandou bem. — respondeu o silêncio com um sorriso nos olhos.

O plano de Celina realmente havia funcionado. Ela experimentou uma sensação estranha ao observar o rapaz lhe exaltando e paralisou seu olhar por um instante. Teve a sensação pulverizada em conjunto com o sorriso de Colth ao ouvir o rugido feroz da criatura.

O capelobus parou de reclamar e se virou devagar para encontrar os dois.

— Até funcionou, mas vão foi o suficiente — pensou alto Colth. — O que fazemos agora?

— Temos que acertar um ponto vital.

— Merda... A adaga está fincada nele.

Após exprimir os seus pensamentos, Colth correu com a garota para longe da criatura que voltou a persegui-los.

Correram até próximos ao centro da praça, frente a tenda rasgada do que no dia passado era uma proteção da chuva e do sol para os artistas de rua. Se viraram para se concentrar na fera que continuava a se aproximar incessante.

— Eu tenho uma ideia — disse Celina colocando o polegar sobre os lábios. Ela começou imediatamente a falar o que pensava e Colth reagiu com o arregalar de olhos.

A criatura avançou lentamente, mais exausta do que nunca, mas ainda com olhos odiosos e as garras mortais.

— Essa é a sua ideia!? — espantou-se Colth tendo certeza de que a garota realmente era maluca.

Celina assentiu com a cabeça mostrando os olhos confiante. Depois de pensar o quanto o seu planejamento anterior mostrou-se eficiente, ela se afirmou. Em resposta, o rapaz engoliu seco e aceitou a sugestão hesitante.

A garota se apressou correndo para a tenda destruída em meio a praça. Longe da criatura, ela coletou o extenso tecido rasgado da tenda e em seguida se posicionou como planejou.

Colth viu a colega pronta e certeira de si. Ele não conseguiu afastar o pensamento desconexo quanto a mudança dela, estava diferente de quando a conheceu, nunca imaginou vê-la tão determinada. Sentiu inveja de seu poder de transformação, ele adoraria poder mudar assim, poder se tornar mais corajoso e independente.

“O que eu estou pensando?” Refletiu Colth balançando a cabeça para arrancar o pensamento inútil da cabeça.

Acenou para a garota enquanto deu uma última olhada para a criatura que se aproximava, se posicionou.

Ficou de costas para a fera de modo totalmente indefeso e desprotegido. Afastou as pernas uma da outra, dobrou levemente joelho e, juntando as mãos em forma de concha a sua frente, se preparou para receber a garota.

— Pode vir. — Sussurrou com os olhos determinados em direção a ela.

Celina esperou. Foi um tempo que nem merecia ser mensurado, mas pareceu eterno para o rapaz indefeso de que a criatura se aproximava.

Se aproximou o suficiente.

A garota saiu em disparada com o enorme tecido da tenda dobrado em suas mãos em direção ao colega. Correu como nunca antes, suas curtas pernas ganhavam velocidade à medida em que se aproximavam do rapaz e consequentemente da fera.

A criatura levantou uma das garras se preparando para atacar o alvo. De costas e totalmente indefeso, o rapaz manteve-se convicto mesmo não conseguindo fazer as suas pernas pararem de tremer.

O capelobus estava prestes a atacar, mas antes que completasse o seu movimento mortal com a garra, Colth recebeu em suas mãos juntas o pé direito de Celina em alta velocidade. O rapaz se esforçou ao máximo para transformar a velocidade da garota em altura. Se impressionou com o quão leve o corpo dela era. Impulsionou a sola do sapato dela para cima com toda a sua força de modo a lança-la ao ar.

A garota passou como o vento sobre a cabeça de Colth e ficou face a face com a criatura por uma fração de segundo. Nesse momento, Celina se contorceu e esticou os braços para abrir o tecido que carregava consigo. Ainda com o impulso recebido, passou sobrevoando a fera em rasante e forçou que o tecido se enroscasse na cabeça da criatura.

O destino de Celina, ao começar a perder altura, era o inevitável chão de pedras da praça, mas assim que estava prestes a se encontrar com o solo, segurou firme o pano preso à fera e interrompeu a sua queda em um solavanco. O peso da garota, nas costas da monstruosidade, tratou de prender o tecido de modo eficiente e irreversível.

Colth não perdeu tempo, assim que viu a oportunidade, correu até a adaga fincada à perna da fera, e a puxou de uma só vez.

Sem enxergar, desequilibrada, e com dificuldade para respirar, a criatura estava totalmente exposta. O tecido mantinha-se preso em seu rosto graças ao peso mínimo de Celina que se concentrava com todas as suas forças para não se soltar.

O capelobus se debateu com as garras e a fúria, estava prestes a se desvencilhar do inimigo às suas costas, mas foi surpreendido por outro à sua frente.

Colth ergueu a adaga com as duas mãos sobre sua cabeça e, frente à fera, não teve piedade. Pulou para alcançar e dar um golpe fatal no peito rígido exposto da criatura sombria.

O rugido da fera veio imediatamente em reflexo a dor desferida pela lâmina de Sathsai da velha adaga fincada na pele grossa. Colth se certificou de não soltar a arma, ficou pendurado fazendo com que o seu próprio peso rasgasse parte do couro duro do inimigo.

A monstruosidade ainda tentou desferir alguns golpes no rapaz, mas suas garras passavam em branco a centímetros do corpo do agressor, não podia alcança-lo por conta do peso que a puxava para trás incessantemente.

O capelobus perdeu seus sentidos aos poucos ao mesmo tempo que era desequilibrado pela garota que ainda se mantinha pendurada. Como um prédio sendo demolido, o imenso corpo desmoronou devagar e suas costas acertando o chão levantando uma nuvem de poeira ao ar.

A criatura sombria havia sido derrubada.

Celina rolou pelo chão para longe da demolição. Colth permaneceu deitado sobre o corpo da fera por mais alguns segundos, ele próprio não acreditava no que acabara de fazer.

— Colth! Colth! Você está bem? — perguntou Celina se levantando apressada e parando ao lado do corpo da monstruosidade.

— Celina, essa sua ideia foi muito louca.

O rapaz se levantou recuperando o fôlego ao passo que a sua adrenalina baixava. Olhou para a garota e sorriu com a sensação de objetivo alcançado.

— Essa foi a ideia menos arriscada que eu consegui pensar.

— A menos arriscada?! — surpreendeu-se mais uma vez ele. — Eu não quero nem imaginar as outras. — complementou em bom-humor enquanto retirava a adaga fincada ao corpo do inimigo.

Assim que sentiu o alívio, Colth viu Edgar se aproximando em caminhada pela praça e retirou o sorriso do rosto. Se apressou para se juntar à Celina e se pôs a frente com objetivo de protege-la do Gerente

Agora que não havia mais a criatura sombria para se preocupar, era fácil de imaginar que Edgar se focaria novamente na garota sem qualquer remorso ou consideração.

O Gerente parou frente a eles, estava prestes a dizer algo aos dois sobreviventes dos ataques do capelobus, mas antes que viesse a expor seus pensamentos, foi interrompido por alguém mais distante.

— Incrível! Realmente, incrível! — A voz pomposa vinha de um homem que se aproximava a passos lentos, ele caminhava em meio as duas árvores em brasas e escondia parte do rosto de baixo de um capuz escuro.

O desconhecido calçava botas pretas de cano alto com detalhes dourados, calças escuras com listras cinzas, e uma espécie de camisa com capuz sem mangas. Desse modo, seus braços ficavam totalmente à mostra, deixando visível suas tatuagens em tom azul que se iniciavam em suas mãos e percorriam, em traços grossos e ondulados, os seus braços até ser interrompido pelo tecido da vestimenta.

— Quem é você? — Perguntou Edgar com mal pressentimento.

— Que falta de educação da minha parte. Perdoe a minha falta de modos, é que eu estou tão familiarizado com essa região, que as vezes parece que moro aqui. O meu nome é... O meu nome não importa, me chamem de Índigo.

— Por que disse que conhece essa região? Eu sou o dono daqui, controlo e sei de tudo o que acontece por essas partes e nunca nem te vi. — Edgar elevou sua rispidez estufando o peito.

O homem tatuado parou diante deles e abriu os braços lentamente até o formato de cruz enquanto os corvos ao redor da praça se agitaram.

— Não. Você não controla, Edgar. Eu só deixo você pensar isso.

—Tsc. — O Gerente mostrou o seu desgosto franzindo a testa.

— Está se perguntando como eu sei o seu verdadeiro nome. Edgar, meus olhos estão por toda parte — disse Índigo se vangloriando enquanto corvos sombrios pousavam sobre os seus braços levantados. — Sei mais do que imagina. Eu sabia da loja de antiguidades, eu sabia daquele esconderijo na parede do beco dos turvos, eu sabia da alfaiataria, e eu sabia do restaurante.

O homem olhou para o prédio que terminava de ser consumido pelas chamas. Os corvos voltaram a levantar voo para que a figura excêntrica pudesse baixar os braços. Ele então sorriu levantando o rosto e mostrando a sua face. Com duas curtas listras tatuadas em azul abaixo dos olhos, a face de Índigo mostrava sua classe presunçosa.

— Os corvos... — Celina sussurrou o seu pensamento. — Os corvos daqui, eram todas criaturas sombrias... Estavam sendo controlados.

— Controlados? — Colth escutou sem entender.

— Definitivamente — retrucou ela finalmente em conclusão. — Os corvos nos observaram por todo esse tempo.

— Ah. — Índigo chamou a atenção para si com um sorriso satisfeito no canto de sua boca. — Como esperado da garota Celina. Eu sabia que você era inteligente, mas fiquei bem impressionado com esse seu pulo sobre o meu capelobus.

— Seu? — estranhou Colth.

— Sim, acha que aquela criatura apareceu aqui, do nada? Aliás, deu muito trabalho em invocar ele para vocês o matarem desse modo. — O homem balançou a cabeça como se estivesse decepcionado por de baixo de seu capuz. — Mas tudo bem, eu vou relevar isso, caso a Celina venha comigo, claro.

— Não mesmo. — Edgar deu um passo para frente do grupo.

— Saia da frente, emissário imundo. Você não tem nada a ver com isso. — Índigo disse gesticulando as suas palavras com uma das mãos. — A senhorita Celina pode muito bem fazer a escolha dela por si só. Você mantenha-se no seu lugar, faça o que sabe fazer de melhor e se esconda em meio aos insetos.

O Gerente cerrou os dentes em raiva.

Colth se calou pensativo após ouvir a palavra “emissário” vinda de Índigo. Se desfez do pensamento sabendo que havia coisas mais importantes ali. Procurou os olhos de Celina que os encarou de volta.

Hesitante, a garota pensava sobre a proposta do misterioso homem. Alguns segundos passaram sem qualquer resposta.

— Vamos, senhorita Celina, eu te darei qualquer coisa. Que tal um reino só para você? Ou então, que tal a segurança de uma pessoa — disse com um sorriso sínico no rosto.

— Aldren. — A garota reagiu imediatamente se colocando um passo à frente. — Você sabe onde ele está?

— Sim, é claro. Ele foi capturado, assim como a senhorita Garta — retornou o homem de forma natural.

— Eles estão bem?

— Sim. Perfeitamente bem. Aldren até me falou que gostaria de falar com você.

— E a Bertha? — Colth achou estranha a exclusão da pequena garota na fala de Índigo. Afinal, os três estavam juntos.

— Ah. A Bertha... — desviou os olhos por um instante. — Ela também. Ela está bem. Todos estão bem.

— Ele está mentindo, Celina. Esse cara não faz a mínima ideia de onde está o Aldren. — Colth tentou convencer a garota que parecia em dúvidas com as palavras.

— O que há com o pessoal de Tera? Vocês sempre se intrometem nos assuntos dos outros? Ah! — Índigo exprimiu sua irritação com classe. Em seguida, retirou um objeto de seu bolço e jogou ao chão próximo aos pés de Celina. — Isso parece mentira para você?

O objeto era o par de óculos de Garta. Possuía uma de suas lentes completamente destruída com a armação de metal amassada. Colth se calou em conjunto à garota pensativa em consideração, aquilo significava alguma coisa.

— E então? Venha comigo, senhorita Celina, eu vou leva-la até o Aldren e manterei vocês seguros. — O homem mostrou um sorriso ambíguo.

Celina deu mais um passo para frente e, imediatamente, foi surpreendida por Colth às suas costas, ele segurou a sua mão com firmeza em esperança.

— Por favor, não faz isso — suplicou o rapaz.

— Colth, a Garta estava certa...

— Hã?

— Você é bem ingênuo — conclui ela assertivamente.

Colth recebeu aquelas palavras como um soco de direita, inclusive, ficou tão confuso como se realmente tivesse sido acertado por um forte golpe. Soltou a mão dela em desistência.

Índigo sorriu novamente dominante.

— Você é muito idiota! — Celina gritou furiosa em direção ao homem de capuz. Ele, por sua vez, fechou a cara imediatamente. — Acha mesmo que eu vou acreditar nisso? Você não falou da Bertha, falou do Aldren, mas trouxe um objeto da Garta, isso não faz sentido. Se quisesse me convencer você teria trazido um objeto do Aldren e não os óculos da Garta. E o mais importante... — Celina pensou por um segundo diminuindo o tom — Aldren detesta falar comigo.

— Detesta? — sussurrou Colth. Ele já estava boquiaberto com a atitude energética de Celina, mas aquelas últimas palavras lhe acertaram de uma forma inusitada.

— Boa garota — comentou Edgar.

— Você também! — Continuou a garota apontando os olhos furiosos para o Gerente dessa vez. — Vocês se acham inteligente, mas não passam de pessoas tentando manipular as outras.

Edgar levantou uma das sobrancelhas e Índigo cerrou os dentes em raiva, sua expressão era a mais ameaçadora e irritada possível.

— Celina... Você... — Colth sussurrou surpreendido, mas logo foi interrompido.

— Eu vou acabar com todos vocês! — Gritou índigo.

— Colth e Celina, corram daqui. Vão para o mais longe que conseguirem! — Edgar ordenou em resposta as palavras ofensivas do homem mal encarado.

— O quê? — contestou surpreso Colth.

— Eu vou cuidar desse aí — disse Edgar e em seguida encarou o rapaz ao seu lado e sussurrou para ele em tom áspero: — Nem pense em deixar a Celina se juntar a eles. Agora, só vão!

— Eu não entendo. Ontem mesmo você tentou me matar e agora...

— Garoto, você tem muito o que aprender. — disse Edgar em ofensiva. — Não pense que eu sou seu amigo por causa disso, você só tem a causa certa no momento certo.

— ... — Colth calou-se antes de confirmar positivamente com a cabeça, não iria questionar mais nada naquela situação, se preparou para partir.

— Mais uma coisa. — Edgar dizia em tom de despedida. — Se encontrar a Garta... — driblou os olhos pensativos. — Esquece. Vão logo!

Edgar ordenou e respirou fundo se focando motivado frente ao Índigo.

— Vamos, Colth! Vamos logo. — Celina o chamou se retirando da praça.

— Certo...

O rapaz correu ainda pouco hesitante em encontro de Celina. Edgar ergueu os punhos em posição de luta mirando o oponente tatuado.

— Eu aprecio a sua nobreza, é exatamente assim que cavaleiros deveriam se comportar. Mesmo assim, eu vou acabar com você em um minuto, e então, vou atrás deles, sabe disso né? — Índigo cantava vitória enquanto caminhava a passos lentos frente a Edgar.

— Eu não vou deixar, Celina pertence a Tera. — respondeu o mais velho.

— Inseto irritante. Você é só um emissário. Já está derrotado. — Se preparou para atacar com as palmas das mãos abertas.

— Tsc. — Edgar fez o mesmo.



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