Volume 2

Capítulo 129: Reencarnação

O som dos sinos ressoou, elevando-se sobre a multidão empolgada, tocando aos gritos para o mundo que aquele era o começo.

E ela estava atrasada.

— Por que escolheram branco?! — resmungou Garta, puxando o pano do vestido delicado cheio de rendas sobre o corpo.

Iara, sentada na poltrona ao canto do quarto aconchegante, rebateu rápida:

— Essa saia é bem curta. Aposto que deve ser coisa do Goro.

Lúcia a corrigiu enquanto arrumava a amarração dos longos cabelos negros de Garta.

— É para mostrar que hoje tudo se inicia novamente. Como uma folha em branco esperando pelo o que está por vir.

Garta levantou uma sobrancelha.

— Do que você está falando?

— É pelo simbolismo e pela esperança que você traz ao povo que te espera lá fora — respondeu Lúcia, terminando o penteado dela.

— Eu disse que não queria nada muito formal — respondeu ela, bufando impaciente.

Do lado de fora, na primeira fila frente ao palácio governamental recém construído, Mon, Jorge e Caio se juntavam a Beca, Goro e Hikki, que esperavam ansiosos com a multidão.

— Meus honrados amigos! — cumprimentou Mon, com o seu grandioso sorriso.

— A grande dupla de armários e o barbudo — caçoou Goro —, fazia algum tempo que eu não os via. Tanto tempo que parece que os braços de Jorge já estão recuperados.

O rapaz mais novo, de cabeça raspada e sorriso brilhante, mostrou ambos os braços em avaliação.

— Sim, sim. Posso dizer que estou completamente recuperado. Meus braços estão muito melhores desde o início da expedição.

— Expedição? — perguntou Goro com um toque malicioso. — Foram três semanas. Vocês estavam de férias, é?

Beca atiçou os olhos sobre o rapaz piadista e disse em reprimenda:

— Diferente de alguns, tem gente que está trabalhando duro em melhorar as condições do nosso mundo restante. Quem você acha que traz os cristais de Sathsai cheios de magia para alimentar o seu aquecedor, hein?

— Que isso, Bequinha? — Goro sentiu a indireta, mas continuou em tom sarcástico.

— Eu já falei para me chamar de Bertha. Não tenho mais motivos para esconder o meu nome. — A pequena engenheira se voltou ao gigantesco homem. — A propósito, Mon, como foi a expedição às montanhas do norte?

— Encontramos mais uma concentração de cristais de Sathsai provenientes do rasgo do céu. — Mon quase precisou se curvar para mirar os olhos âmbar da mulher. — E de fato, minha pequena aliada de grande importância, você estava certa. Parece que os cristais são instáveis ao ponto de explodirem quando expostos ao calor mágico.

— Claro que eu estava certa. — Bertha orgulhosa. — Mas não foi tão difícil chegar a essa conclusão. Afinal, o grande objetivo de Lux seria explodir os cristais que caíram do céu naquele dia com o próprio calor de sua luz, após coletar a magia de Tera, é claro. Mas isso nunca aconteceu. E agora, esses cristais e fragmentos vão nos servir bem como fonte de magia.

Antes que Mon pudesse responder, Hikki deu voz a outra pergunta que os deixavam curiosos.

— Caio, porque está de barba? Achei que odiasse.

O homem mostrou irritação nos olhos e em seguida no tom:

— Eu passei toda a expedição naquela ilha voadora, só catalogando plantas e criaturas que esses dois brutamontes e o esquadrão de Nox conseguiam encontrar. Aquela maldita ilha, balançando no céu, não é um lugar seguro para se ter uma navalha na região do seu pescoço, sabia?

— Que frescura — sussurrou Goro.

— Que desrespeito com a fortaleza de Nox — sussurrou Mon.

— De qualquer forma — Caio finalizava —, eu só não tirei essa coisa horrenda do meu rosto ainda, porque vim direto para cá após pousarmos a ilha.

— Entendi... eu acho — concluiu Hikki.

— E como estão os campos? A punição que sua irmã te deu continua, não é? — indagou Jorge, rompendo o assunto.

— Ah, sim — Hikki começou, até empolgou-se com a pergunta. — Estamos expandindo mais dois campos de plantações para leste. O achado das sementes de arroz que vocês nos enviaram foi providencial e trará um avanço necessário aos estoques de comida após a colheita. O time de expedições está fazendo um ótimo trabalho.

Jorge aceitou o elogio juntamente de Mon e Caio. Porém o barbudo, não deixou de lamentar:

— Seria mais fácil se tivéssemos os mapas da biblioteca Última. Eu ainda não consigo acreditar que todo aquele conhecimento foi perdido...

— Não baixe a cabeça, quase honrado amigo! — Mon tomou a frente. — Ainda temos a nossa amizade e companheirismo! Que a de prevalecer sobre a luz e as sombras, e todo o mal que...

— Para de falar, Mon. Presta atenção! — alertou Goro. Apontou para o alto da principal sacada do palácio governamental, para onde todos os olhos da multidão miravam. — Olha lá! É a minha guardiã!

E então ela surgiu. Vinda da porta dupla e avançando pela bela sacada até o parapeito. Garta era acompanhada por Dante, o velho guerreiro estava em belas vestes cerimonial com destaque para sua capa verde que tremulava em direção à brisa fraca daquele dia confortável. E ela...

— Espera... — Goro sussurrou, um tanto decepcionado enquanto os olhos fixos na mulher centro das atenções. — Que roupa é essa?

Garta observava todas na praça. Varrendo a multidão com seus olhos impressionados, mas ainda convictos. Ela não estava com um visual muito diferente do habitual, simples e formal. Não havia vestido, seda, ou capa, mesmo assim, a elegância era notável.

Vestia uma blusa branca de mangas bufantes com babados refinados contornando os botões e vários adornos em dourado que refletiam sob o brilho intenso do dia. A calça preta iniciava-se alta sobre a cintura e afunilava-se pelas pernas até terminar sob as botas de couro com amarrações. E seu cabelo, negro como as sombras, preso e solto ao mesmo tempo, apenas pelo capricho.

— Achou mesmo que ela usaria aquele vestidinho? — perguntou Iara, com um ar vitorioso ao se juntar aos amigos na primeira fileira da praça. Ela mirava Goro com um olhar superior. — Até parece que a Garta se renderia aos seus fetiches...

O rapaz pareceu irado. Talvez pela ofensa, ou então pelo estragar de seus planos.

— Ah! Sua...

Interrompeu-se ao ouvir o primeiro som emitido pelas caixas amplificadoras de som nos arredores.

A praça diante do palácio resplandecia sob a luz dourada da manhã. Era o centro da nova cidade, pulsando com vozes, risos e expectativas. As pessoas se apertavam, crianças empoleiravam-se nos ombros dos pais, e outros se penduravam em janelas, sacadas e até nos telhados inclinados das casas reconstruídas para poderem acompanhar aquele momento. Todos os olhos estavam voltados a um único ponto, o parapeito elevado onde a nova liderança seria anunciada.

A arquitetura da cidade era uma mistura única entre o que sobrara do antigo mundo e o que havia sido reinventado.

Dante foi o primeiro, ele se aproximou da bugiganga amplificadora de voz, algo como um microfone alocado à um pedestal, criada por Bertha e posicionado na ponta do parapeito, onde todos podiam enxergar e ouvir.

— Saudações, amigos de Tera — iniciou Dante, duro como uma pedra. — Como todos sabem, hoje se completa um ano desde que o céu foi partido. Desde que perdemos familiares e amigos. Um ano desde que enfrentamos o fim.

A multidão pareceu um pouco mais emocionada, cabeças se curvaram e lágrimas silenciosas caíram.

— Mas também marca um ano em que a benevolente deusa Celina, com coragem e compaixão, nos deu mais do que esperança. Ela nos deu uma nova oportunidade de viver.

A emoção vibrava, contida sob a rigidez de suas palavras.

— A deusa, com ajuda de muitos, protegeu Finn. Acolheu a todos os que restaram dos outros mundos. E as pessoas transformadas em lunáticos, naquele dia, foram recuperadas, curadas. — Dante mantinha-se alinhado. Neutro e convicto de suas palavras. — Graças a ela, a fenda no céu foi contida, impedindo que mais corrupção e criaturas sombrias adentrassem ao nosso novo mundo. Até mesmo a lua, teve o seu retorno a partir da generosidade e esforços da graciosa deusa Celina. Mas infelizmente, ela já não está mais entre nós.

Dante pausou a fala, refletindo por um segundo enquanto tomava fôlego.

— Contudo, temos de aproveitar e zelar por esse mundo que ela nos deixou. Por tal circunstância, hoje, estou aqui para anunciar àquela que traçará o caminho para dias mais radiantes e pacíficos. — A multidão pareceu mais animada, com a esperança e as expectativas em seus rostos banhados pelo sol. — Como todos também já sabem, a escolha dessa pessoa foi de concordância unânime entre os representantes apontados por todos vocês. E como de fato deveria de ser, uma figura de Finn, escolhida. Com todas as atribuições e qualidades que nenhuma outra possui.

Um burburinho correu entre os presentes.

—Desse modo eu, Dante de Tera, como representante de Celina e autorizado pelos oito representantes do mundo Finn, tenho a honra de nomear a Primeira Voz, Garta Vellsan.

Os aplausos começaram como uma onda suave, crescendo com força. Gritos, assobios, risos, lágrimas. O nome da Primeira Voz, título escolhido para a líder de um recomeço, ecoou pelas ruas e praças.

Garta caminhou até o parapeito, uma solenidade temerária, assumindo o lugar de Dante. O silêncio da expectativa, vindo do mar de rostos atentos, a acertou avassaladoramente. Ela encheu o peito para corresponder às esperanças de todos.

— Bom dia... pessoas... dos oito mundos. M-meu nome é Garta Vellsan. Sou conhecida como a guardiã última de Finn. Quer dizer... última guardiã de Finn.

O tropeço nas palavras fez alguns espectadores se entreolharem, talvez preocupados. O nervosismo era evidente, e a pressão de tantos olhares silenciosos e esperançosos fez com que Garta mordesse os lábios. Em frustração imediata, quase baixou a cabeça completamente.

Mas então, ela encontrou os olhares daqueles que tanto estiveram ao seu lado nos momentos mais difíceis. Que fizeram o dia de agora possível e não desistiram dela em qualquer circunstância. Na primeira fileira da multidão, Iara, Bertha, Hikki. Lembrou-se também de tantos outros que não puderam desfrutar daquele dia de paz. Mas além disso, ali também estava Goro.

O rapaz de expressão boba, olhos brilhantes e sorriso que sempre a desconcertava. Ele não gritou ou acenou, apenas sussurrou como se ela pudesse ouvir de tão distante: “Para sempre com você.”

Garta leu nos lábios dele as palavras que já haviam lhe dado confiança uma vez. Não foi diferente agora. E ela sabia que se dependesse dele, não seria diferente nunca. Só precisou ser lembrada disso, por ele próprio.

Após um suspiro pensativo cauteloso, Garta balançou a cabeça positivamente, concordando com Goro. Ela respirou fundo novamente, se recompondo e endireitando a postura, voltando-se ao discurso para toda multidão.

— Fui a guardiã de Finn. E, a partir de hoje, sou a Primeira Voz deste mundo, do nosso mundo. Aceitei esse posto com máxima gratidão, mas também com a responsabilidade que ele exige.

Sua voz agora estava mais firme. Os ombros erguidos, o olhar voltado para o futuro.

— Vou honrar o sacrifício de Celina. E, mais do que isso, vou garantir que nenhum outro sacrifício seja necessário para nossa paz. Aquilo que estiver ao meu alcance, farei. Aquilo que não estiver, contarei com todos vocês para alcançarmos juntos.

Os primeiros aplausos surgiram. Alguns discretos, outros emocionados. Garta inspirou fundo e prosseguiu:

— Nós escolhemos estar juntos. Buscamos a união. A cooperação. A reconstrução.

Sua voz ganhava firmeza a cada palavra. O nervosismo dava lugar à convicção.

— Há um ano, vivíamos sob as ordens ilusórias de um falso imperador e seu poder de uma Deusa abominável. Vimos nossos mundos serem destruídos, nossos lares caírem. Assistimos morte, escravidão e separação. A Deusa distanciou os mundos com fronteiras. O imperador separou os povos com muros.

Ela fez uma pausa. Respirou. A emoção não obstruía mais sua voz, mas a aquecia.

— Mas hoje estamos todos aqui. Juntos. Misturados. Diferentes e unidos. Reconstruídos! Esta cidade, que antes era só fragmentos e destroços, hoje tem vida. Tem alma e sonho. Tem nome.

A multidão já vibrava, sentindo o clímax chegar.

— A cidade de Primícia. O início de tudo. O marco do nosso recomeço. O princípio de uma nova era — Ela tomou fôlego uma última vez, para finalizar com toda energia e dedicação. Declarou: — Vamos continuar nos esforçando e faremos de cada amanhã um dia melhor do que o hoje. Que o festival da lua comece!

Gritos de alegria tomaram a praça. Flores foram jogadas do alto das sacadas enquanto crianças corriam entre os adultos e a música dos bardos finalmente começava com tambores, violões e flautas. A cidade inteira explodiu em celebração.

Garta permaneceu ali por um instante, olhando tudo. O vento acariciava seus cabelos. O sol tocava seu rosto com delicadeza e seus lábios sorriam tímidos com um orgulho de fazer parte de tudo aquilo. Ela murmurou, sussurrando os seus sentimentos:

— Obrigada, por tudo.

E assim começava a era da Primeira Voz. Sob o céu limpo ensolarado.

Mais tarde, com a noite aconchegante chegando, o primeiro festival da lua na cidade de Primícia, continuava a ser celebrado.

Garta se reunia com Mon e Bertha em seu escritório. Uma conversa séria que contrastava com o som da música e das festividades ao fundo vindo do lado de fora do palácio.

— O que isso pode, de fato, significar? — perguntou Garta, ao receber a notícia, sentada à sua escrivaninha.

Mon prontamente tentou responder as dúvidas do outro lado da mesa.

— Quanto mais nos afastamos de Primícia, criaturas sombrias mais perigosas e em maiores números são encontradas. Provavelmente um reflexo da magia de Lux quando rompeu o céu aquela vez.

— Não, não é isso — Bertha discordou ao lado dele. Ela deixou suas costas se aconchegarem na poltrona. — O rasgo no céu daquela vez, foi sobre as ruínas do que hoje é Primícia. Ou seja, as criaturas sombrias estariam concentradas próximas daqui, e não mais distantes.

— O que está supondo? — indagou Garta.

— Essas criaturas são da primeira invasão de Lux à Finn. São criaturas que estão há muito tempo por esse mundo. E como Mon havia falado, estão reunidas em ruínas antigas e cidades esquecidas, distantes do que era a fortaleza Última.

Garta pensou por um segundo e tentou diminuir a preocupação.

— Tá. Criaturas sombrias perigosas, mas estão distantes. Só precisamos tomar cuidado ao avançarmos muito além dos limites da cidade. Além disso, os primeiros relatórios da sua equipe, Mon, já indicavam isso. Não é todo uma surpresa.

— Sim, mas... — Mon manteve o tom cauteloso. — Uma espécie dessas criaturas nos chamou a atenção. Eles eram como nós, porém mais altos e bem magros, mas ainda assim, como nós.

— Espera. O quê? — Bertha se estarreceu.

— Foi o que você ouviu. Eram como humanos. E o pior, pareciam viver em comunidade.

— Farates e Sirveres também vivem em comunidade e...

— Não — Mon interrompeu. — Não como animais. Como pessoas.

— Isso é ridículo — Bertha desacreditou.

Garta mantinha-se impactada, sem palavras, sem ainda processar. Foi então que Mon sacou algo dos bolsos e colocou sobre a escrivaninha.

A Primeira Voz e a engenheira se levantaram e aproximaram seus rostos do objeto na superfície da mesa. Observando atentamente com os olhos espantados.

Sobre a mesa, uma afiada e pontiaguda ponta de flecha. Forjada em um metal de qualidade e primorosamente trabalhada na afiação.

— Isso é aço — sussurrou Bertha, mais preocupada.

— Estava cravada na estrutura da ilha de Nox — resumiu Mon. — Nós não os confrontamos, pois era noite, em um lugar desconhecido, sem sabermos nada a respeito deles. Eu apenas ordenei a retirada, e saímos de lá o mais rápido possível.

— Foi uma boa decisão — disse Garta, pensativa.

Mon completou a informação como um bom comandante do grupo de exploração:

— Tenho que dizer que o local que o encontramos é muito distante daqui. Pelo menos cinco dias de voo.

— Entendo.

— Esse material não é reciclado — comentou Bertha, ao coletar a ponta de flecha e sentir o metal em seus dedos. — Ele foi forjado em uma tecnologia que estamos longe de redescobrir ainda. Isso é... perigoso.

Alguém bateu à porta do escritório e logo se anunciou.

— Minha guardiã, vai demorar muito aí?!

Garta sacou a ponta da flecha da mão de Bertha e rapidamente a colocou para dentro da gaveta de sua mesa.

— É o Goro — sussurrou ela. Em seguida, ordenou aos outros dois: — Não falem nada a respeito disso, para ninguém, entenderam?

Mon e Bertha assentiram.

A porta foi aberta e o sorriso idiota surgiu dela.

— O que vocês ainda estão fazendo aí? Hoje é dia de festejar.

— Ah, oi, Goro.

— “Oi” nada. — Goro avançou para dentro da sala com empolgação e alegria, principalmente após uma bebida, para que todos se retirassem da sala. — Venham. Vamos logo. Hoje eu vou mostrar o motivo de ter ganhando o prêmio de melhor dançarino de Toesane.

Ele praticamente empurrava todos para fora da sala, em direção à praça e as festividades.

— Isso é sério? — perguntou Mon. — Você é dançarino?

— Quanto você gostaria de apostar? — rebateu.

— Isso é ridículo — reclamou Bertha.

Do lado de fora, a luz da lua cheia pairava sobre a praça como um holofote, juntamente com as lanternas coloridas, que o povo de Rubrum e Mutha confeccionaram, penduradas pelas construções e brilhantes com beleza.

Ao fundo, os músicos formavam uma orquestra improvável, reunindo tambores, cordas metálicas e flautas de cristais, cada instrumento proveniente de um mundo diferente e tocados com requinte.

Finalmente Goro, Mon, Bertha e Garta se reuniam as festividades na praça frente ao palácio. Muitas pessoas dançavam sem se importar com passos certos ou com vestes elegantes. A festa era mais do que uma comemoração, era um recomeço para todos.

A alegria era contagiante, mas mesmo assim, Goro percebeu que Garta preocupava-se com algo.

Ele então, sem permissão, segurou a mão dela com firmeza e a puxou para o centro da praça, em meio aos casais dançantes.

Goro sacudia os braços com um entusiasmo desastroso, seus pés se desencontrando ritmicamente com o som da música. Sem se importar, disse a ela:

— Vamos lá, Garta. Hoje não é dia de ficar triste. Quer dizer... talvez eu devesse te chamar de Ilustre Primeira Voz... Espera! — Ele parou de repente, olhando ao redor com olhos arregalados e baixando o tom para um sussurro dramático: — Eu estou dançando com a mulher mais bonita, mais corajosa e agora, mais influente do mundo. Ah, não... Isso é um problema. Todos aqui devem estar me odiando agora.

Garta soltou uma risada involuntária. Seus ombros, antes tensos, se desfizeram do peso, desapegando-se da preocupação. Percebeu que Goro tinha razão, ela deveria aproveitar aquele momento que era tão especial quanto os dias que há por vir.

— Para de ser bobo — disse em bom humor, já envolvendo os braços por sobre os ombros dele, encaixando-se à dança lenta desajeitada com uma leveza encantadora. — Já pensou que eles podem estar me odiando por estar com o campeão de dança de Toesane?

Goro arqueou uma sobrancelha, estreitando os olhos em desafio.

— Sério mesmo?

— Claro. Quem não gostaria de dançar com o famoso Goro Hamra, o destruidor das pistas de dança?

Ele gargalhou alto, o som se misturando ao das risadas próximas, das crianças correndo, dos velhos brindando em cantos com bebidas em mãos.

— Eu não poderia estar mais feliz — murmurou Goro, os olhos perdidos nela, e as mãos deslizando com cuidado até sua cintura.

— Nem se eu estivesse com aquele vestido escolhido por você? — indagou ela, esperando a reação dele.

— Eu? Eu não sei do que você está falando. — Goro desviou os olhos.

— Então, do nada, a senhora Lúcia quis me vestir com um vestido curto branco?

— Não era tão curto...

— Ah! Admitiu. — acusou Garta, ao apontar o dedo indicador para ele enquanto apertava os olhos.

— Droga... — Goro bufou, vencido. Murmurou: — Não deu certo, e ainda tô devendo duas garrafas de cerveja para a velha bêbada.

— Bom, quase deu certo.

— Hum... Aposto que foi a Iara quem te convenceu a não vestir.

— Na verdade, não. Fui eu mesma.

— Claro, claro...

— Não, sério. Além de eu ficar com vergonha na frente de todos com ele, eu pensei: “Se eu vestir agora, vai estragar a surpresa.”

Goro piscou duas vezes.

— Surpresa?

Garta se aproximou devagar. Seus braços o envolveram num gesto lento. Ela encostou os lábios perto da orelha esquerda dele e sussurrou com a suavidade de um segredo:

— É... Assim é mais especial. Mais tarde, quando eu vestir ele pela primeira vez, só para você.

O homem parou, congelou, petrificou, travou.

— Goro? — chamou ela, afastando-se um pouco, tentando trazer o homem de volta à realidade.

— Eu sou grato a todos os deuses... todos os guardiões e emissários — murmurou ele, com os olhos perdidos, como se agradecesse pessoalmente a cada divindade conhecida e desconhecida.

— O quê? — Garta se viu confusa, sem entender as palavras desconexas. Mas Goro já estava pálido.

Sem aviso, suas pernas falharam. O corpo do pobre homem tombou devagar até bater nas pedras da calçada. O silêncio tomou a praça quando a música parou abruptamente e as pessoas se aproximarem em alerta. Os primeiros foram Hikki, Iara e Mon:

— Goro?!

— Idiota?

— Honrado amigo?

Iara então disse alto, para acalmar a todos:

— Ele está respirando. Apenas... desmaiado. E com o sorriso convencido de sempre no rosto, então deve ficar bem.

Garta cobriu o rosto, envergonhada e rindo ao mesmo tempo.

Goro sussurrou inaudível, ainda com o sorriso nos lábios e o corpo não respondendo:

— Eu venci, Colth. Eu venci.

A música recomeçou, mais alegre do que nunca.

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