Volume 2

Capítulo 82: Interlúdio Chuvoso

— Aí, Koza. Acorda, seu sapo preguiçoso — disse Colth, ao encontrar a pequena criatura desmaiada ao chão do quarto cativeiro que prendeu o selvagem Mon.

Koza esfregou os olhos sonolentos antes de responder com uma pitada de irritação:

— Eu já falei, não sou um sapo! — Se levantou e balançou a cabeça para clarear as ideias. — O que aconteceu?

— Conseguimos. Nós recuperamos o Mon — respondeu Colth empolgado, mostrando o rapaz alto e musculoso no centro do quarto se desfazendo das correntes.

Koza olhou para Mon, que ainda parecia um tanto confuso, mas longe de se portar como um animal, e então voltou-se para Colth com estranheza. — “Nós”? Você fez isso sozinho. Tá ficando maluco, garoto?

— É... eu quis dizer EU consegui. — disfarçou Colth coçando as costas da orelha e disfarçando.

— Onde está a Celina? — perguntou Koza, percebendo que no quarto só restavam Mon, Colth e ele próprio.

— Ela estava com você — retrucou o rapaz.

— Não me diga — provocou a pequena criatura. Saltou ao ombro de Colth antes de continuar: — Eu não lembro de muita coisa. Só de a ilha chacoalhar repentinamente e depois... Eu fiquei com muito sono. Isso não é bom.

— Parece que não. É melhor procurarmos ela — resumiu Colth. — Temos que achar a Dilin também. Ela vai cumprir a parte dela do acordo, agora que o Mon está de vota.

O homem grande se aproximou curioso pela conversa e se pronunciou:

— Essa salamandra draconiana está falando? — perguntou ele, pouco impressionado.

— Até que enfim! — comemorou Koza. — Alguém que não me confunde com um sapo.

— Como eu poderia? Seria o mesmo que confundi-lo com um lobo.

— Viu, Colth. É assim que deveria ser — disse Koza em tom de bronca sobre o rapaz.

Mon concordou e continuou a comentar sério:

— A carne de uma salamandra é bem mais dura e amarga. É impossível mastigar se estiver em pedaços grandes. Já a carne dos sapos, praticamente desmancha na boca. Você não deveria confundi-las, Colth.

Um silêncio desconfortável tomou conta do quarto. Koza então sussurrou no ouvido de Colth ao seu alcance:

— Tem certeza de que tirou toda a parte selvagem dele?

— Sim. Ele é assim mesmo... Eu acho — respondeu Colth no mesmo tom aflito à criatura. Em seguida se voltou à Mon: — Vamos procurar pela Celina e pela Dilin. Era para estarem aqui, mas algo está estranho.

— Tem razão — concordou Koza. — Não estou gostando desse silêncio. Esse castelo parecia bem mais barulhento antes.

Os três saíram do cômodo aprisionador e encontraram o belo corredor do castelo flutuante estático. À medida que avançavam, Colth notou algo estranho à frente, o corpo de uma mulher caído, apoiado na parede. Ela estava desacordada, mas à primeira vista, não parecia ferida. Mon avançou rapidamente para ajudá-la sem pensar duas vezes:

— Você está bem? — Mon em assistência.

Ao chegarem mais perto, perceberam que a senhora mais velha era uma das servas de Dilin. Sentada ao chão, parecia apenas dormir profundamente, e acordou rapidamente ao sentir seu ombro ser tocado gentilmente por Mon que se agachou ao seu lado.

— Hã? Mestre Montague? O quê? O que aconteceu?

— Senhora Lúcia, você está bem? — perguntou o grandalhão preocupado.

— Sim, eu não me lembro do que aconteceu... Mas isso não importa. Mestre Montague — ela ganhou felicidade no seu rosto e na sua voz envelhecida —, você está de volta. Isso é mesmo possível?

Mon se encheu de gratidão:

— Eu tive alguma ajuda. — respondeu ele olhando para Colth, reconhecendo o papel crucial que o rapaz desempenhara.

— Que bom ver a verdadeira cor dos seus olhos novamente, meu senhor — comentou Lúcia. — Que bom ver que o senhor retornou do seu pesadelo.

Mon sorriu acompanhando a sutileza dela, mas logo ficou sério:

— Sim. Escuta, senhora Lúcia. Onde está a minha... — se segurou para então se corrigir — Onde está Dilin?

— Ah, a mestre Dilin? Eu lembro de tê-la visto ir em direção ao pátio. — A mulher mais velha franziu a testa, tentando recordar. — Lembro de sentir a ilha tremer antes disso, mas não sei o motivo. Desculpe, mestre.

— Não se preocupe — concluiu Mon com gentileza. — Procure abrigo e espere as próximas ordens, tá bom?

— Sim, meu senhor. Obrigada. É bom ter o senhor de volta.

Mon se levantou e olhou para Colth e Koza com um olhar decidido:

— Vocês tinham razão, tem alguma coisa errada.

— É melhor nos apressarmos — sugeriu Koza, e foi prontamente atendido.

Os três seguiram o corredor em direção ao pátio, passaram por mais civis e guardas que estavam adormecidos no chão, aparentemente sem ferimentos.

— O que aconteceu aqui? — perguntou Colth sem parar seus passos apressados ao lado de Mon.

— Algum tipo de magia — resumiu Koza ao ombro do rapaz. — É melhor continuarmos. Não sabemos o que pode ter acontecido com Dilin. Se pararmos para ajudar todos, podemos perder um tempo precioso

— Tsc — desgostou Mon. — Tem razão.

Se apressaram diante da situação desconhecida e dobraram mais um corredor para se depararem com o grande pátio no centro do castelo da ilha flutuante.

— O que aconteceu aqui? — murmurou Colth, sua voz carregada de espanto ao diminuir o passo e deparar-se com a cena chocante à sua frente.

O pátio estava repleto de corpos de guardas, todos caídos ao chão. Estavam alinhados diante da imponente porta principal do pátio, como se tivessem caído com chão enquanto em seus postos, e também não pareciam feridos. Mesmo assim, o cenário era perturbador e deixava claro que algo de extrema gravidade estava ocorrendo no castelo da ilha flutuante.

Mon observou atentamente a cena. A preocupação estava gravada em seu rosto. Ele respirou fundo antes de falar:

— Esses guardas... Eles estavam protegendo a sala central do selo. É por isso que estão todos aqui. O que foi que aconteceu?

— Ah, então é assim que a ilha se mantém no céu? Um selo, é claro. Levando em conta o tamanho desse lugar, mantê-lo no céu, demanda uma magia poderosa — disse Koza, entendendo o funcionamento mágico do lugar. Ele complementou, mantendo os olhos fixos nas guardas inconscientes: — Mas o fato de os guardas estarem todos inconscientes sugere que foram alvos de algum tipo de ataque.

— Mas a ilha continua no céu. O que significa que o selo não foi quebrado. Que tipo de ataque foi esse? — perguntou Mon.

Koza manteve-se pensativo:

— Eu não sei...

Antes que pudessem se aprofundar na discussão, um barulho de vento forte chamou a atenção de Colth. Um som como o rugir de uma ventania. Ao notar de onde vinha o ruído, o rapaz comentou impressionado:

— Acho que eu sei de onde veio o ataque.

Koza e Mon se viraram na direção que os olhos de Colth apontavam e, para sua surpresa, viram um grande buraco na parede do corredor do outro lado pátio.

— Quem pode ter feito isso? — se perguntou Mon.

Eles avançaram em direção ao corredor e se impressionavam cada vez mais com o tamanho do buraco na parede exterior do castelo. Se isso não bastasse, quando colocaram seus olhos para além da abertura feita a força na parede, notaram o céu aberto e, com ele, uma máquina voadora planando ao lado da ilha.

— Caramba... — Colth impressionado.

A embarcação estava distante, e o rapaz teve de forçar os olhos para notar que haviam algumas pessoas a bordo no convés, pareciam três homens, mas não reconhecia as silhuetas.

— Quem são essas pessoas? — indagou Mon buscando respostas.

— Essa tecnologia... — Koza pensava alto ao observar o funcionamento da máquina voadora distante.

Colth notou mais uma pessoa entre os homens no convés, uma mulher. Dessa vez, uma silhueta familiar que, mesmo àquela distancia, ele reconheceu de imediato e ficou preocupado no mesmo instante:

— Aquela é a Celina? — perguntou-se, e logo em seguida se agitou gritando em direção à embarcação e acenando com os braços: — Celina! Ei! Celina!

— Eles não vão te ouvir, estão muito longe — comentou Mon estando certo.

Nesse momento, Koza notou mais um componente no convés da embarcação distante. Uma luz surgiu lá, em uma forma de passagem de diversas cores que se destacava na embarcação.

— Aquilo é... — sussurrou a pequena criatura no ombro de Colth. Reconheceu o tipo de magia, as cores e as formas. Ele sussurrou ainda incrédulo: — Como que conseguiram...

Antes que pudesse pensar a respeito, Celina adentrou por aquela passagem no centro do convés e simplesmente desapareceu da embarcação.

— Onde ela foi? — perguntou Colth ainda mais preocupado.

— Ah. Isso não é bom — resumiu Koza.

— O quê? O que foi? — indagou Colth ao percebeu que a criatura em seu ombro parecia tensa.

— Não sinto mais a magia da Celina.

— O que isso significa?

— A Celina deixou Tera. Deixou esse mundo — disse Koza sério. — Agora eu tenho certeza, aquela coisa, naquela máquina voadora, é um portal entre mundos.

— Um portal? — Colth engoliu em seco.

No exato momento em que ele resumiu sua tensão, a ilha estremeceu e o estrondo de uma explosão ecoou pelo castelo.

Os três tiveram de se segurar nas paredes para não caírem ao chão. Assim que se estabilizaram novamente, olharam um para o outro com a preocupação ganhando um outro nível mais crítico.

Colth deu voz aos seus pensamentos apreensivos:

— Uma explosão? Parece ter vindo do pátio.

— Ah, não — disse Mon aflito. Seus olhos, observando o exterior, perceberam o que trouxe em palavras amedrontadas: — Estamos perdendo altitude. Estamos caindo!

— O quê?! — Colth se espantou ao perceber o mesmo. A máquina voadora no céu a distância parecia estar subindo aos céus, mas na verdade, a ilha era que estava descendo.

— A sala do selo — disse Koza resumindo o que havia acontecido. — A explosão veio da sala do selo. Por isso estamos caindo.

— Sem o selo, não há mais o que mantém essa ilha no céu — concordou Mon. — O que vamos fazer?

—Ali! — Colth apontou para o céu em direção a máquina voadora chamando a atenção. — O que é aquilo?

A embarcação ganhava tons de luz em seu contorno enquanto alguém parecia ter saltado do convés para a queda livre no céu.

— Eles vão deslocar a máquina inteira — disse Koza preocupado.

— O quê? — Colth chocou-se. — E aquela pessoa que caiu, precisamos...

— Não temos tempo, preciso ir atrás da Celina — respondeu Koza apressado. Se voltou a Mon com uma ordem: — Você! Me arremesse lá!

— Arremessar?

— Me arremesse na máquina voadora — ordenou novamente Koza, com urgência em sua voz. — Mostre para que serve esse seu braço gigante.

— Tá... tá bom. — Mon concordou, com um olhar determinado em seu rosto.

O homem grande colocou a criatura em suas mãos e se preparou mirando a embarcação que parecia ascender aos céus. Utilizou de toda a sua força física para arremessar a criatura pelo buraco da parede do castelo em direção a máquina voadora que emanava luz em seus contornos.

Koza voou pelos céus em alta velocidade. Com seus olhos se acostumando rapidamente com o vento cortante, viu a embarcação se aproximando e, com a agilidade de um experiente draconiano em voo, pousou com precisão no convés. No instante seguinte, a máquina desapareceu no céu.

Enquanto Colth perdia o fôlego, ansioso para que o ousado plano de Koza tivesse dado certo, a realidade voltou como um soco. O repentino desaparecimento da máquina voadora revelou uma cena caótica nos céus. Uma quantidade incontável de criaturas aladas hostis enchia o horizonte, movendo-se em direção à ilha com uma determinação assustadora.

No meio daquele caos, a figura da pessoa que saltara da máquina voadora instantes antes de seu desaparecimento, estava em queda livre para uma morte certa. Como se isso não fosse suficiente, a própria ilha flutuante, que parecia um reduto perfeito de segurança, continuava a balançar e desabar, afundando pelo céu.

Colth e Mon compartilharam um olhar de preocupação e desespero. As forças sombrias que agora invadiam os céus, e a iminente queda da ilha, representavam um cenário como o de um verdadeiro pesadelo. A urgência da situação era inegável.



Comentários