A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 6: Cruzeiro

Capítulo 53: Uma Promessa Milenar

Após o que pareceram horas de descida, Guto milagrosamente alcançou o leito do oceano. “Milagre”, pois, em mares como aquele onde estava (Botomegamo), as profundidades mais altas ainda entravam na categoria de Zona Hadal, podendo alcançar os 10 quilômetros de profundidade, enquanto as verdadeiras profundezas passavam de 30.

Para a sua sorte, devia estar agora cerca de 7-8 Km do nível do mar, e só estava vivo até o presente momento graças, claro, ao Amuleto das Formas, pendente em seu pescoço. Mas isso não duraria para sempre nem que quisesse.

Agora que seu corpo não era mais puxado para o fundo por um outro, a atitude a ser tomada em seguida não poderia ser outra.

Ao invés de nadar inocentemente, usou o Amuleto para transformar o alfinete uma última vez. O item alterou sua composição até ganhar uma aparência inflada e textura borrachuda. Sim, aquela pequena boia de mão seria o suficiente.

Seria, caso uma força maior não estivesse contra ela.

Antes mesmo que começasse a ir na direção da superfície, sentira uma força sobrepujando a da boia. A água ao seu redor tornou-se numa correnteza cuja violência aumentava gradativamente. A razão para isso estava logo abaixo de seus pés.

Onde antes havia um leito sólido, agora se colocava uma fossa, um túnel esférico cujo fim era inexistente. Se alguém procurasse pelo o que chamam de “ralo do oceano”, então era ali que o encontraria.

Inevitavelmente, a força da descarga que surgira de surpresa fora demais. Guto foi imediatamente engolido, e sequer as bolhas que escaparam de sua boca foram capazes de sobrepujar aquele buraco negro na terra.

 

***

 

Demorou vários momentos, mas quando seu corpo percebeu que era capaz de respirar, o cérebro fez o resto do trabalho.

Seus olhos e abriram e todos os membros pularam juntos, quase se desvencilhando num quebra-cabeça humano. Após cuspir o equivalente a alguns copos de água, se pôs a analisar o ambiente em que se encontrava.

Poderia se resumir numa larga caverna. Entrada e saída não eram visíveis, tanto pela escuridão ali propagada quanto pela imensidão do lugar em si. Se ali havia teto, ele não era visível, tal como as paredes. O chão no qual Guto pisava só era observável graças à luz do próprio Amuleto em seu pescoço.

E, sem mais motivos para ser usado, tal brilho inevitavelmente se desvaneceu, permitindo às sombras consumirem aquele pequeno pedaço onde o homem estava.

— Merda…! — Olhou inutilmente ao seu redor. — Ei! Tem alguém…!

Sentiu-se um daqueles atores em filme de terror. Claro, não esperava que alguém lhe respondesse caso perguntasse. Mas e se o fizessem? Que tipo de pessoa (ou coisa!) iria estar ali e ter inteligência o suficiente para lhe responder com palavras coesas?

Ele não queria ter de descobrir agora, num momento em que sequer enxergaria essa existência, e por isso trancou a boca com vários cadeados.

“Onde eu vim parar? Que tipo de fossa era aquela?”

O mar era cheio de segredos, não atoa apenas 3% dele havia sido totalmente explorado, e esse pouco correspondia aos 50 primeiros quilômetros além da costa, isso em relação ao continente inteiro. A quantidade insignificante se dava tanto pela vastidão do horizonte azul quanto pelo foco atual das tecnologias humanas.

Poderia muito bem ser uma criatura desconhecida, quem sabe um fenômeno natural daquela área, mas não havia como confirmar qualquer uma dessas suposições.

“Eu devo conseguir usar o Amuleto pra criar uma fonte de iluminação. Se eu usar o chão abaixo de mim…”

Era a opção que existia, mas isso seria perigoso demais. Sem noção de sua localização, o simples ato de agarrar ou chutar uma pedrinha qualquer poderia gerar consequências catastróficas, ainda mais ali, num ambiente subaquático.

E enquanto esse medo lhe corroía, o som de água podia ser ouvido ao seu redor. Ela pingava de locais altos, provavelmente de estalactites, mas era impossível ter noção da distância que a fonte do som estava.

Então, Guto tomou uma breve decisão.

O Amuleto das Formas brilhou mais uma vez, rapidamente iluminando menos de um metro ao seu redor. O chão era feito de rochas lisas, e algumas poças de água existiam dentro de bifurcações espalhadas aleatoriamente.

Essa visão logo se desfez, ao passo em que quatro paredes se ergueram ao redor do homem, isolando-o daquele mundo desconhecido. Claro, também houvera a criação de um teto. E, visto a falta de necessidade, não havia porta naquele “cubo-casa”.

Agora, ele com certeza não iria desfazer aquele ambiente seguro. O motivo poderia ser apenas por “ser mais seguro”, mas, no entanto, Guto tinha quase certeza de que, no momento em que as paredes se ergueram, vira dois pontos brilhantes além da escuridão.

Estavam bem ao longe, então poderiam muito bem ser apenas uma alucinação. Mas… arriscar? Ele estava tão longe de fazer isso que a palavra havia perdido seu significado.

Ele queria colocar a mão sobre a boca para abafar sua respiração, mas não teve momentos o bastante para que o cérebro pudesse dar essa ordem ao braço. Portanto, se pôs a pensar, recolhido em posição fetal enquanto o brilho se esvaia novamente.

“Eu devia esperar? Talvez. Tenho certeza de que eles são capazes de me encontrar.”

“Mas, e se não forem? E se alguém tentar impedir de me acharem?”

“Não! O Alex não deixaria isso acontecer! Ele mandaria um grupo especializado atrás de mim! Afinal, eu tenho parte da água da fonte!!”

“É… parte. Eu tenho só uma fração. Mas, se o resto que foi transportado por terra chegar no laboratório, será que mesmo assim eles ainda vão me procurar?”

“Eu devia tentar mandar um sinal! Mas preciso conservar energia… Não consigo fazer brotar comida do solo, muito menos água potável.”

“Sim, o mais certo parece ser esperar. Por enquanto, eu acho que é melhor ficar aqui, descansando. Esse cubo é seguro…”

“Sim… É seguro.”

 

***

 

03/05/2002

Dado o ambiente em que se encontrava, só era possível contar os dias. Dois se passaram no total.

Seria normal catalogar o que ocorrera dentro desses dois dias, mas tal fato apenas acontecia quando algo relevante, nem que fosse um mero suspiro, ocorresse nesse tempo.

Porém, sequer isso aconteceu. Num período total de 48 horas, Guto permaneceu parado, tal como uma rocha, limitando-se ao ato de esticar os membros vez ou outra, e mesmo isso era feito de modo que o mínimo de ruídos possível fossem feitos.

Mas ainda que tivesse todo esse esforço, seu estômago não facilitava. O ronco provavelmente já ultrapassava aquelas paredes que criara, e a ausência de reações do exterior ao som deveria servir de confirmação para a inexistência de qualquer coisa com o mínimo de inteligência do lado de fora.

“Aqui é mais seguro.” Mas essa era a única frase que ele soube repetir por todo o tempo.

 

***

 

05/05/2002

Mais dois dias, mais 48 horas.

Quanto tempo o Homem era capaz de viver sem água ou comida mesmo? Talvez essa questão não coubesse à Romanov, visto que sua existência não era considerada Humana nem pelo próprio Homem.

Decadência era pouco para descrever seu estado, e cadáver também era um pouco demais.

Os efeitos da água salgada no ambiente já mostravam um bom resultado. “Bom”, se me entendem.

Não fosse por alguns fatores especiais, teria partido dessa para melhor há um bom tempo. Mas os assuntos pendentes eram a maior causa de sua permanência nesse mundo.

Tamanha era sua vontade que, vendo, ou melhor, sentindo que aquela maleta de metal ainda permanecia lá, algemada ao seu pulso esquelético, não encontrou motivos para não destravá-la e, ao difícil abrir do lacre da garrafa que lá havia, enviar alguns goles garganta abaixo.

 

***

 

17/05/2002

“Sim, os efeitos são realmente incríveis. Me pergunto o que o Alex vai conseguir fazer quando entender esse fenômeno completamente.”

Sua mente brilhava só de imaginar as possibilidades. Água da Juventude, o efeito fazia juz ao nome.

Haviam dois efeitos possíveis. A Regressão, onde o afetado retornava à um estado anterior do momento em que bebera da água, sendo essa regressão para um momento totalmente aleatório da vida, o que tornava o fenômeno um tanto quanto perigoso.

Porém, o segundo efeito, a Longevidade, falava por si só. Em suma, o afetado era presenteado com uma quantidade desconhecida de tempo extra de vida. Poderia variar de segundos e minutos para dezenas, centenas ou até milhares de anos.

De fato, um artefato único digno da crença humana de ser aquele que guardava o segredo para a imortalidade.

“Agora eu tenho mais tempo! Não sinto fome ou sede! Posso esperar Alex me encontrar com tranquilidade! Tenho certeza que ele vai aparecer em breve!”

 

***

 

24/06/2002

O “cubo-casa” se desfez, e uma nova criatura emergia da escuridão para abraçar o desconhecido da caverna.

“Quantas horas será que se passaram?”

Já havia parado, ou melhor, perdido a noção de tempo.

Para hoje, apenas algumas goteiras fizeram presença na vastidão da caverna.

“Alex… você deve estar bem preocupado, não é?”

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30/09/2002: O silêncio perdura. No alto de uma rocha de topo planificado, uma figura encolhida encara a direção onde um teto deveria existir.

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25/12/2002: Mesmo sem saber, algo em seu interior dizia ser uma data especial. Um pequeno objeto losangular brilha na escuridão, destacando a figura que, isoladamente, batia palmas fracas e inaudíveis.

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13/08/2004: Faz frio, mesmo assim ele encara o “teto” fixamente.

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09/10/2009: Um grande tremor abalou a caverna, mas a figura não se esconde.

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27/10/2009: O estranho abalo sísmico finalmente cessou. Ele ainda sentiu seu corpo tremer por alguns dias.

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20/07/2018: Desde o abalo sísmico, silêncio foi o que perdurou na caverna, mas isso deu-lhe tempo para pensar em coisas legais para se fazer.

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??/08/2037: Uuu~! Esse som perdurou por alguns longos segundos certo dia. Será que era uma baleia? Nunca tinha visto uma de perto, mas resolveu isso ao fazer a escultura de uma brotar do chão. Aquele colar estranho no pescoço se mostrava bem útil pra isso.

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??/??/2099: — Eu-sou-um-pato… Quak!

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??/??/??…

Um anjo? Talvez isso fosse a descrição perfeita para o que havia diante de seus olhos.

Mas apenas aquela figura logo ao seu lado que poderia ter esse título, pois os outros dois que se colocavam ao longe, de forma a espreitar das sombras (um com um sorriso de segundas intenções e outro inexpressivo, notável apenas pelos olhos grandes e vermelhos), aqueles passavam uma má impressão, totalmente oposta à do Anjo.

Aqueles longos cabelos prateados eram severamente nostálgicos para si, tanto que só tinha olhos para eles e mais nada. E o mais impressionante nem fora isso, mas a capacidade daquela beldade, com seus lábios macios e confortáveis, presentear uma existência abissal e desconhecida como ele com um singelo beijo em uma das maçãs do rosto.

— É realmente como ele disse. Você me esperou por todo esse tempo.

A voz denunciava que era realmente uma moça. Essa o abraçou com força, mas não machucava, na verdade, era mais do que aconchegante. Tanto que aquela escuridão eterna começou a se desfazer aos poucos, lentamente iluminando todo o ambiente que uma vez lhe fora desconhecido.

Aquele sentimento não tinha uma exata explicação, era tão desconhecido quanto o mundo que existia fora daquela cúpula de pedra na qual vivia.

O tempo que se passou finalmente valera a pena. Não era o pós-vida, muito menos algum tipo de reencarnação. Era algo melhor. Aquele era… o mundo real.

— Eu estou aqui agora.

Obrigado.



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