Volume 9
Capítulo 3: E Tudo Se Tornou Nada
Meu irmão mais velho era uma pessoa excepcionalmente talentosa, do tipo cujo talento o mundo reconhecia como prodigioso. Ele se destacava em tudo. E, mesmo com todas as suas conquistas, nunca se gabava. Era alegre, destemido e fácil de lidar, não importava quem você fosse.
— Yumi! Coloquei um monte de gelo seco na banheira e ficou incrível! Olha só!
— Onii-sama, o que você está fazendo…?
— Yumi! Fiz um bolinho de lama super bonito, aqui!
— Eh, eu não quero isso… Espera, isso é mesmo um bolinho de lama?
Ele era um irmão mais velho super carinhoso, e apesar de ter três anos a mais que eu, sempre fazia questão de me incluir em suas travessuras. Eu vivia à mercê das suas ideias malucas, mas o amava profundamente. Porém, à medida que fui crescendo, percebi que não conseguia mais admirá-lo da mesma forma. Porque ele e eu… Éramos diferentes demais.
Aquilo que meu irmão conseguia em três dias, levava mais de um mês para eu aprender. Meu irmão transbordava talento. Eu era uma pessoa comum, sem nenhum brilho especial.
— Parece que você já está mais ou menos pronto para conversas básicas, Naotaka.
— Sim, pai.
— Ótimo. Semana que vem, você vai comigo para os Estados Unidos. Vai aprender inglês na prática.
Aparentemente, meu pai percebeu isso desde cedo. Ele só tinha olhos para o talento — e, naturalmente, estavam sempre voltados para o meu irmão. Nunca olhava para mim.
— O Naotaka-kun é realmente brilhante, não é? Difícil acreditar que ainda está no fundamental.
— De fato, é notável. Ouvi dizer que ele vai entrar na Academia Seirei nesta primavera, depois de ficar em primeiro lugar nas provas de admissão. O chefe da família deve estar muito orgulhoso.
— Com certeza. O futuro da família Suou está garantido! A propósito, e a Yumi-san…?
Reuniões de família sempre eram um sofrimento. Todos os adultos enchiam meu irmão de elogios enquanto me olhavam com desprezo. E, na frente deles, meu pai sempre respondia da mesma forma às críticas, com sua habitual frieza.
— Yumi é uma garota. Garotas têm seus papéis.
— Haha, é verdade. A Yumi-san é mesmo linda. Não terá dificuldade em se casar bem.
Olhando para trás, talvez essa fosse a forma do meu pai de tentar me proteger. Mas, na época, eu não conseguia enxergar dessa forma.
Será que meu único valor era ser uma garota?
A única coisa pela qual eu era elogiada era a minha aparência. Ninguém esperava que eu alcançasse nada. Na verdade, assumiam que eu sequer era capaz.
— Não, não! A Yumi é como uma flor que desabrocha mais tarde! Como irmão mais velho, eu garanto isso!
Mesmo as tentativas do meu irmão de me apoiar só aumentavam meu sofrimento. Consumida por um complexo de inferioridade em relação a ele, às vezes me pegava desejando que ele não existisse — e me odiava por sequer pensar nisso.
— Não se incomode com isso, Yumi-chan. Você tem qualidades únicas, sabia?
Mamãe sempre me consolava, mesmo quando eu baixava a cabeça para suportar todo aquele desprezo invisível. Diferente do pai, que era rígido, mamãe era gentil e tranquila, sempre com um sorriso no rosto. Mesmo sendo esposa de um diplomata, raramente o acompanhava em viagens e não participava muito das formalidades sociais. Preferia ficar em casa, cuidando de mim e do meu irmão com seu olhar caloroso.
Mamãe não entendia nada de inglês. Na verdade, até brincava dizendo que nem japonês entendia direito. Por isso, às vezes era alvo de piadinhas por parte dos parentes e dos membros da família secundária, quando papai não estava por perto. Mesmo assim, ela continuava sorrindo, como se nada a afetasse. Alguns até zombavam dela abertamente.
— Ela nem entende sarcasmo.
— Mãe, isso não te deixa chateada? — perguntei um dia.
Eu estava chateada. Então, imaginei que ela também estivesse. Mas ela apenas balançou a cabeça com calma.
— Nem um pouco. Sabe por quê? Porque essas pessoas não fazem ideia do quanto eu sou incrível.
— Hm? Incrível?
— Sim! Elas só dizem essas coisas porque não sabem o quão maravilhosa eu sou. Mas eu sei. E é por isso que não me importo com a opinião de quem não sabe de nada — disse ela, estufando o peito e rindo.
— Eu sou incrível! Sou tão incrível que até um homem tão respeitável como seu pai se apaixonou por mim. E ainda dei à luz dois filhos maravilhosos e talentosos! Yumi-chan, você e o Nao-kun são incríveis também! Eu sei disso muito bem. Então, não precisa ligar para o que dizem por aí.
Vendo minha mãe falar com tanta confiança, não pude evitar de acreditar que talvez ela fosse mesmo uma pessoa incrível. Mas eu não conseguia pensar como ela. Então, sempre que as coisas ficavam difíceis demais, eu fugia para o piano. Era a única coisa em que eu era boa, a única área em que podia afirmar com certeza que não perderia para meu irmão.
Embora o pai continuasse indiferente, meu irmão e mamãe sempre me elogiavam quando eu tocava. E, um dia…
— Yumi-chan, você toca piano muito bem. Acha que tem o que é preciso para ser uma pianista profissional? — perguntou mamãe.
— É, seria ótimo! A Yumi é linda, vai ficar maravilhosa de vestido. Acho que combina perfeitamente! — acrescentou meu irmão.
— Ehehe. Será?
Uma pianista profissional… Até então, eu só tocava para escapar da realidade, mas aquelas palavras me pareceram incrivelmente sedutoras.
Eu não podia me tornar uma diplomata e conhecer o mundo como meu pai. Mas talvez, só talvez, eu pudesse ser uma pianista e me apresentar nos palcos do mundo. Assim, eu não precisaria mais me sentir inferior ao meu irmão. Os adultos nas reuniões de família não zombariam mais de mim. Eu, com meu único talento — o piano, minha única salvação — conseguiria, com certeza, alcançar algo de que pudesse me orgulhar…
— Então, fiquei sabendo que quer ser pianista — disse meu pai.
Foi na mesa de jantar, alguns dias depois, e não consegui evitar de me encolher. Tive medo de que dissesse que era uma profissão indigna para a filha da família Suou, ou que era um sonho fora do meu alcance.
Mas, ao invés disso…
— Se precisar de algo, me avise. Se quiser estudar no exterior, farei os arranjos necessários — respondeu.
— Eh—
— Dê o seu melhor.
Pela primeira vez, senti que meu pai tinha expectativas em relação a mim.
Então ele apoiaria meu sonho também. Certamente, esse era o único caminho no qual eu realmente poderia brilhar. A partir daquele momento, dediquei minha vida inteira ao piano. Com a ajuda de um professor excepcional, que meu pai havia me apresentado, recebi muitos elogios e conquistei bons resultados em diversas competições nacionais. Cheguei até a ingressar em uma escola só para garotas, famosa por seu excelente programa de música.
Embora o nível acadêmico da escola não fosse particularmente alto — o que meus parentes usavam como mais uma desculpa para zombar de mim —, finalmente eu não precisava mais abaixar a cabeça e suportar tudo como antes. Afinal, nós, humanos, tendemos a nos sentir mais tranquilos quando encontramos um lugar ao qual pertencemos.
Sou incrível. Um dia, me tornarei uma pianista mundialmente famosa e provarei que todos estavam errados.
Com esse pensamento em mente, conseguia sorrir e ignorar os insultos. Mas, ao começar a frequentar a escola, percebi que estava em um ambiente repleto de pessoas com aspirações parecidas. E, por conta disso, meu progresso estagnou.
— Não se preocupe com isso; todo mundo passa por uma fase difícil em algum momento.
— Está tudo bem. A mamãe adora ouvir você tocar piano, Yumi-chan. Um dia, muitas outras pessoas sentirão o mesmo.
Como sempre, mamãe e meu irmão mais velho continuavam me incentivando. Mas, para mim, que estava passando por uma fase rebelde, aquelas palavras só me irritavam.
As palavras do meu irmão, que deveriam me animar, soavam condescendentes quando comparadas ao número crescente de conquistas que ele acumulava a cada dia. E o apoio sem fundamento da minha mãe só me deixava ainda mais furiosa.
— Você está me distraindo! Me deixa em paz! — Eu dizia isso repetidamente, expulsando minha mãe sempre que ela vinha me ouvir tocar piano em casa. Por alguma razão, tudo nela me irritava naquela época.
Acha que é alguma coisa só porque seu marido e seus filhos são incríveis?
Será que isso significava que ela não tinha nada de que se orgulhar, exceto ser esposa e mãe? Seria porque ela não tinha realizações próprias que precisava desesperadamente se orgulhar dos feitos do marido e dos filhos? Não é exatamente assim com aquelas pessoas cujo único valor é serem mulheres?
Eu não queria acabar assim.
Não queria viver dos méritos de outra pessoa — das conquistas de outra pessoa — enquanto me iludia achando que tinha algum valor. Eu aspirava ser alguém admirada pelas minhas próprias habilidades, como meu pai e meu irmão mais velho.
Acreditava que era capaz de alcançar isso. Afinal, eu também carregava o sangue distinto da família Suou.
Apegada a essa crença, mergulhei no piano com tudo, dia após dia, lutando com todas as minhas forças.
E então, cerca de um ano depois — mamãe faleceu.
Foi uma semana antes do meu décimo quarto aniversário. Ela havia saído sozinha para comprar meu presente de aniversário quando aconteceu. Um par de ladrões numa motocicleta a atacou e, ao tentar resistir, ela foi arrastada, caiu e bateu a cabeça com força no meio-fio.
Quando a polícia nos avisou, meu irmão e eu corremos para o hospital. Nosso pai, que estava trabalhando no exterior, não estava presente.
— Mãe… Mãe!
Apesar de tê-la achado tão incômoda, no momento em que a vi deitada naquela cama de hospital, ligada a máquinas e inconsciente, tudo que veio à minha mente foram seus momentos de gentileza. Ela sempre foi tão doce comigo. Por que eu não fui mais gentil com ela? O arrependimento me consumiu, e eu não conseguia parar de chorar.
Eu queria pedir desculpas à mamãe. Queria ter sido melhor com ela. Segurando sua mão, implorei inúmeras vezes para que acordasse, rezando inutilmente a Deus para não levá-la embora. Mas, dois dias depois, sem nunca recuperar a consciência, ela se foi. Papai ainda nem havia voltado.
Chorei tanto, de tristeza, de frustração, até quase não conseguir mais respirar. Meu irmão, que me abraçava forte, chorava tanto quanto eu. Já meu pai não derramou uma única lágrima.
Ele chegou ao hospital algumas horas depois da morte da mamãe e, mesmo diante de seu corpo sem vida, não chorou. Cuidou dos trâmites com calma. Como o enlutado principal no funeral, conduziu toda a cerimônia sem demonstrar emoção. Talvez por vê-lo assim, algumas pessoas sentiram a necessidade de oferecer condolências vazias.
— Que tragédia… Mas, Gensei-sama, o senhor ainda é jovem. A Yumi-san ainda precisa de uma mãe, não é? Já pensou em um segundo casamento?
— De fato. Ter uma parceira confiável é essencial para um diplomata, não é mesmo? Eu até conheço alguém…
Alguns membros do ramo secundário da família começaram a sugerir uma nova esposa para meu pai antes mesmo do funeral terminar. Sua insensibilidade descarada era inacreditável e revoltante. Abracei o retrato da mamãe com força, chorando como nunca.
Então, de repente, meu irmão mais velho se levantou, caminhou até os parentes que rodeavam o pai e, no momento seguinte—
Estalo!! O som seco de carne sendo atingida ecoou alto pelo salão do funeral quando um dos parentes caiu no chão com um baque.
— Não brinquem com isso! Vocês nem são família de verdade! Nunca mais apareçam aqui!! — gritou meu irmão, arremessando de volta o dinheiro das condolências antes de expulsá-los fisicamente do local.
Nunca o tinha visto tão furioso antes — nem depois disso —, e só consegui observar em silêncio, completamente chocada.
— Me desculpa, Yumi. Me desculpa mesmo. Deixei esses canalhas te machucarem esse tempo todo… Eu devia ter feito isso antes — disse meu irmão, com a voz cheia de arrependimento, enquanto me abraçava com carinho.
— Pai, vamos cortar relações com eles. Não precisamos desses membros do ramo secundário. Eu assumo a responsabilidade pela família Suou e farei o meu melhor para guiá-la como deve ser. Vamos ficar bem sem eles — ele então se voltou para nosso pai, tentando tranquilizá-lo.
(N/SLAG: No Japão, é comum que famílias politicamente influentes, aquelas ligadas a grandes empresas e ao governo, empreguem "famílias ramificadas" que atuam como "parentes" (trabalhando em conjunto com a família principal), mesmo sem nenhuma relação de sangue. A estrutura é frequentemente hierárquica, quase feudal, e anti-meritocrática, sendo incentivada por políticas públicas como o crescimento econômico centrado no gasto público e subsídios, juntamente com grandes empresas estatais e conglomerados monopolistas, todos funcionando em harmonia com o governo. Essas entidades trabalham em conjunto com o governo para perpetuar práticas de mercado anti-competitivas, sob a justificativa de promover o planejamento centralizado, enquanto rejeitam os mercados livres, mas sem chegar a um sistema de economia totalmente controlada pelo Estado.)
A declaração do meu irmão foi tão confiante, tão impressionante, que tive certeza de que ele realmente levaria a família Suou a novos patamares, como prometera.
Vai ficar tudo bem, mamãe… Com o onii-sama aqui, a família Suou estará segura. E com ele por perto, eu também ficarei bem…
Disse isso à mamãe em pensamento, enquanto segurava seu retrato. Desejando que ela descansasse em paz, sabia que íamos superar tudo isso. Ao mesmo tempo, era como uma promessa para mim mesma — um voto de que me recuperaria dessa tragédia junto com meu irmão. Por isso, nunca poderia ter imaginado o que viria a seguir.
— Até mais, Yumi! Vou sair por um tempo!
Essas foram as palavras que meu irmão mais velho me disse dois meses depois, quando partiu para se juntar ao nosso pai no exterior. Também foram as últimas palavras que ouvi dele. Nem por um segundo imaginei que ele morreria em um acidente de avião. Nem sequer pude ver seu corpo. O funeral foi de caixão fechado — selado para que ninguém visse o que havia restado. Por causa disso, mesmo após o fim do velório, a morte dele ainda parecia irreal para mim. Passei dias em um estado de torpor, como se estivesse presa em um sonho.
Mas um dia, um grupo de homens visitou nossa mansão. Eram membros do ramo secundário da família, que meu irmão havia praticamente expulsado no dia do funeral da nossa mãe. Só isso já foi suficiente para me arrancar do sonho e me forçar a encarar a realidade da situação. Agora que meu irmão — o herdeiro da família Suou — havia partido, havia apenas um motivo para aquela visita.
Eles vão tomar o controle da família, desse jeito…!
Eu não podia permitir isso. Ver aquelas pessoas que insultaram repetidamente a mim e à minha mãe tomando posse da família que meu irmão tanto se esforçou para proteger? Isso era algo que eu jamais poderia aceitar.
Movida pela raiva e por um novo senso de dever, corri até o escritório do meu pai assim que eles partiram.
— Pai! Eu vou me tornar uma diplomata. Vou assumir o lugar do onii-sama como herdeira da família Suou! — declarei.
— Não espero isso de você.
Sem sequer refletir por um instante, ele descartou minha decisão.
— Nem pense que pode sequer começar a substituir Naotaka. O que eu quero de você é que traga um marido adequado para a família Suou. Desde que cumpra esse dever, pode fazer o que quiser — continuou ele.
Mesmo em uma situação tão grave, meu pai ainda me via apenas como alguém que devia cumprir o papel tradicional de uma mulher. Só de pensar em seguir esse caminho já era o bastante para me deixar furiosa. Então, abandonei meu sonho de ser pianista...
Tendo basicamente perdido tudo naquele ponto, tudo ficou dolorosamente claro. Eu finalmente entendi o quanto minha mãe e meu irmão mais velho haviam se esforçado para me proteger esse tempo todo. Mas eu não dependeria mais deles — deixaria para trás essa dependência.
Não me contentaria mais com o papel de "irmã mais nova talentosa do irmão brilhante", sem responsabilidades. Me esforçando ao máximo, me tornaria uma diplomata competente. Não — eu precisava me tornar uma. Com meu irmão fora, eu era a única que podia salvar essa família.
Para não fugir novamente, abandonei completamente o piano. Dediquei todo o tempo que antes reservava para ele aos estudos. Troquei do curso de música para o acadêmico em minha escola e me lancei de cabeça nos livros, dia após dia. E, eventualmente, graças a esse esforço, consegui passar no exame de admissão para o ensino médio da Academia Seirei — onde meu irmão havia estudado.
— Consegui... Eu conseguiii!
Aquele momento me trouxe uma tênue sensação de esperança. Tudo o que senti foi a alegria de ter conquistado algo por mérito próprio. Mas durou pouco. Logo após ingressar, fui forçada a encarar a realidade nas provas preliminares do ensino médio.
Fiquei em quarto lugar… do final para o início.
Não, é só uma nota. As provas foram difíceis para quem veio de fora, como eu, que entrei agora e não desde o fundamental...
Tentei me convencer disso repetidamente, mas assim que as aulas começaram, não consegui mais usar essa desculpa. Mesmo rodeada por outros alunos que também haviam acabado de entrar, era evidente que eu era a única que não conseguia acompanhar.
Por quê? Todos nós passamos pela mesma prova. Por que eu… estou tão atrás...?
Então, um dia, tudo fez sentido. O exame de admissão da Academia Seirei incluía, além da prova escrita, uma entrevista.
Ah… é isso. Eu só estou aqui porque… sou filha da família Suou…
Era essa a razão. No fim, eu nem havia conseguido entrar por mérito próprio.
Desde então, desde o momento em que percebi isso, todos os dias se tornaram um tormento. Era angustiante, e eu constantemente sentia que não pertencia àquele lugar. Além disso, meu irmão mais velho, que havia sido eleito presidente do conselho estudantil durante o ensino fundamental, era praticamente uma lenda na Academia Seirei.
Assim que descobriram que eu era irmã dele, tudo ficou ainda pior.
— Eu devo muito ao seu onii-san. Ele me ajudou bastante—
— Vocês nem parecem irmãos, né? Ah, quero dizer, sem ofensa, mas—
— Yumi-san, se quiser, da próxima vez talvez eu possa—
Praticamente todos exaltavam meu irmão. Todos me comparavam a ele. Também havia outros tentando se aproximar de mim apenas para ganhar favores, por ser a única herdeira restante da família Suou. Incapaz de suportar aquelas intenções claramente interesseiras, cedi e fugi da sala de aula um dia. Quando percebi, estava parada em frente à sala de música.
— Ah...
Naturalmente, avistei o piano. Eu não o tocava desde que meu irmão morreu. E, no entanto, ele sempre foi meu refúgio quando as coisas ficavam difíceis.
……
Não, eu prometi a mim mesma que não fugiria mais.
Ainda assim, senti-me magneticamente atraída por ele. Quando percebi, já estava sentada diante do piano, e meus dedos deslizavam pelas teclas. Enquanto tocava, memórias da Mamãe e do meu irmão me invadiram. Eles sempre amaram me ouvir tocar, afinal.
Lágrimas escorriam pelo meu rosto enquanto eu tocava. Quando terminei, ouvi aplausos vindo do outro lado da sala.
— !? O quê—?
Naquele momento, o garoto que aplaudia pareceu notar que eu estava chorando. Com uma expressão surpresa, ele parou de bater palmas e, apressado, vasculhou o bolso, procurando um lenço. Franziu levemente a testa ao olhar para ele e, em seguida, tirou um pacote de lenços de papel do outro bolso.
— Aqui, se você quiser... — o garoto me ofereceu os lenços de papel, desconfortável.
Embaraçada por alguém ter me visto em um estado tão patético, rapidamente abaixei o rosto.
— Ah, d-despculpe! Não queria interromper... Eu só estava passando, mas soou tão bonito. Não consegui evitar... — ele gaguejou, ainda mais nervoso.
Foi a primeira vez que alguém elogiou minha performance desde que perdi a mãe e meu irmão mais velho. Naturalmente, levantei o olhar sem nem pensar. O garoto usava óculos e parecia bastante perturbado, com o olhar se movendo nervosamente enquanto continuava a falar.
— Uhh, eu sou Kyotarou Kuze. E você, quem é? — perguntou, se apresentando.
— Yumi Suou.
— Suou, né? Suou... Acho que já ouvi esse nome em algum lugar...
Será que ele vai falar do onii-sama também? Mordi meus lábios, ansiosa, mas o garoto à minha frente acenou freneticamente com as mãos, interpretando mal minha reação.
— D-Desculpe! Na verdade, venho de uma família de classe média bem comum, então não sei muito sobre pessoas famosas da alta sociedade! Quer dizer, talvez eu reconheça um nome se for de uma grande empresa ou algo assim, mas...
Alguém provavelmente já havia o repreendido com algo do tipo: "Como você não conhece minha família?" ou algo assim. Sua explicação desesperada, mas ingênua, foi adoravelmente engraçada, e eu acabei sorrindo um pouco. Ao ver meu sorriso, ele retribuiu com um sorriso um pouco constrangido.
Foi assim que conheci Kyotarou-san.
Depois disso, Kyotarou-san e eu frequentemente nos encontrávamos na sala de música.
— Quer dizer, não é para me gabar nem nada, mas a única coisa que tenho de bom são minhas notas... Então, um dia, meu pai ficou tão empolgado e disse: "Você pode até entrar na Seirei Academy!" e me fez fazer o vestibular. E depois que passei, percebi que todo mundo ao meu redor era super rico! Nossa, definitivamente não me encaixo... Bem, acho que é um pouco culpa minha por não ter pesquisado antes de me inscrever — ele me explicou certa vez.
Kyotarou-san e eu nos destacávamos de nossas próprias maneiras na escola. Passar tempo com ele, alguém que não sabia nada sobre mim, era reconfortante. Ele foi minha forma de escapar da atmosfera sufocante dos outros na minha turma. Mesmo depois que ele soube sobre minha situação, ele não mudou como me tratava nem um pouco...
— Então é assim... Você tem trabalhado duro o tempo todo, pelo seu Onii-san também. Isso é realmente incrível.
Ele me elogiou, de verdade, do fundo do coração—
⋆⋅☆⋅⋆
— Mãe, desculpa, mas pode me dar um segundo?
— O que foi?
— Não, me desculpe mesmo. Eu queria ouvir tranquilamente até o final sem interromper, mas...
— ?
— Cara, ouvir a história de amor fofa dos meus pais está sendo difícil demais.
...
⋆⋅☆⋅⋆
No inverno do nosso primeiro ano do ensino médio, Kyotarou-san me confessou seus sentimentos, e começamos a namorar. Naquela época, ele já entendia tudo sobre a minha situação familiar e até expressou seu desejo de conhecer meu pai.
— Prazer, eu sou Kyotarou Kuze. Tenho o privilégio de namorar a Yumi-san há um mês — Kyotarou-san foi honesto com meu pai sobre sua origem de classe média. Depois de ouvir tudo o que ele tinha a dizer, meu pai se virou para mim.
— Yumi, gostaria de falar com ele a sós. Por favor, saia por um momento — disse ele.
Como fui mandada para fora da sala, até hoje não sei sobre o que eles conversaram. No entanto, suspeito que meu pai tenha pedido para Kyotarou-san se tornar um diplomata.
Meu pai já havia desistido de mim, me vendo como uma pessoa comum. Então, agora ele tinha colocado sua esperança em Kyotarou-san, que parecia mais promissor. E, como se para confirmar minhas suspeitas, a partir desse momento, Kyotarou-san abandonou seu sonho de infância de se tornar policial, dedicando seus estudos para se tornar um diplomata. E mesmo que agora eu tivesse percebido que meu pai realmente havia desistido de mim, ainda assim não estava disposta a desistir de herdar a família Suou no lugar do meu irmão mais velho.
— Acho que essa é uma ótima ideia. Vamos estudar juntos então. Vamos nos tornar diplomatas juntos! — disse.
Apesar disso, Kyotarou-san não rejeitou minha ambição nem um pouco, e prometemos estudar juntos para nos tornarmos diplomatas.
Mas, quanto mais estudávamos juntos, mais difícil se tornava esconder a dura realidade. Ficava claro que Kyotarou-san e eu estávamos em níveis completamente diferentes intelectualmente. Ele sempre me ensinava e orientava toda vez que estudávamos juntos, e eu sentia que só estava atrapalhando. Mesmo assim, não consegui me convencer a desistir e continuei estudando freneticamente... Mas, no final, reprovei no exame nacional de serviço público. A única pessoa que passou foi, claro, Kyotarou-san.
— Parabéns. Como esperado, você é realmente incrível, Kyotarou-san — o parabenizei.
Mas isso foi só na superfície. Olhando para trás, foi naquele momento que comecei a sentir uma sensação de inferioridade em relação a ele. No entanto, não havia como mostrar isso. Kyotarou-san sempre foi gentil e afetuoso comigo, e continuou sendo assim. Mais importante ainda, ele tomou a decisão consciente de abrir mão de seus próprios sonhos para se tornar diplomata por causa do nosso futuro juntos. Então...
— Yumi-san, todo esse esforço que você fez estudando não foi em vão. Você pode não ter se tornado uma diplomata, mas a partir de agora, será a esposa de um... Então, quero que me apoie.
Vou suprimir esses sentimentos sombrios bem no fundo do meu peito e aceitar sua proposta.
Minha vida de casada com Kyotarou-san depois disso foi feliz. No entanto, apoiar ele como esposa de um diplomata, como ele propôs, era desafiador. Sempre que interagia com outros diplomatas, meu próprio sentimento de inferioridade, por saber que não havia conseguido me tornar uma, voltava a me assombrar. Era doloroso.
Então, usei minha gravidez como desculpa para pedir se poderíamos voltar para casa — um lugar com o qual eu me sentia mais familiarizada. E, como sempre, Kyotarou-san concordou facilmente com um gentil "Claro." Mas toda a sua bondade fez com que eu me sentisse como se estivesse usando ele, e isso me deixou miserável.
Ainda assim, depois que tivemos nossos dois filhos, vivemos um período tranquilo e constante. Nossos filhos eram incrivelmente adoráveis, e embora criá-los, mesmo com a ajuda de Natsu-san, fosse verdadeiramente cansativo, eu sentia uma enorme sensação de realização. Sentir que estava cumprindo meu papel como mãe amenizou os sentimentos de inferioridade que eu tinha em relação a Kyotarou-san. Mas isso só durou até nossos filhos começarem a mostrar sinais de seus próprios talentos.
— Masachika-san? Uau, esse é um livro difícil. Você já está lendo isso?
— Hm? Sim.
Nossos dois filhos herdaram os olhos do meu irmão mais velho e eram, também, o tipo de pessoa que o mundo chamaria de prodígio, assim como ele. Depois de perceber isso, o foco do Pai sobre os dois aumentou exponencialmente, sujeitando-os à mesma — não, até mais rigorosa — educação especializada que ele um dia deu ao meu irmão mais velho.
Minha filha, talvez por se entediar com facilidade, frequentemente fugia no meio das aulas… Mas, meu filho absorvia os ensinamentos do Pai a uma velocidade impressionante e, eventualmente, passou a ser amplamente considerado um prodígio.
……
Um marido brilhante e filhos com talentos excepcionais. Nesta casa, a única pessoa que o Pai ignorava, a única que não conseguiu se tornar nada… Era eu. Meu marido e meus filhos tinham futuros brilhantes pela frente. Eles provavelmente se apresentariam em grandes palcos, levando vidas admiradas e elogiadas por muitos.
E eu só passaria minha vida assistindo a tudo de longe. Esse futuro se tornou evidentemente claro para mim.
Por quê? Por que eu não posso estar nesse palco também?
O complexo de inferioridade que eu pensei ter enterrado bem fundo no meu peito começou a crescer novamente, dia após dia, tornando-se cada vez mais difícil de controlar. Cresceu ao ponto de eu não ser mais capaz de contê-lo.
Por que sou a única assim? Não importa o quanto eu tente, nunca pude ser como meu irmão mais velho. Mesmo tendo estudado intensamente desde o segundo ano do ensino fundamental, falhei em me tornar uma diplomata. Meu marido, por outro lado, só começou a estudar com o objetivo de se tornar um em seu primeiro ano do ensino médio. E ainda assim, conseguiu passar no exame nacional de serviço civil na sua primeira tentativa. Até nossos dois filhos nasceram com talentos que talvez até superassem os do meu marido e do meu irmão mais velho.
Por que? Não é justo.
Esse pensamento surgiu na superfície da minha mente, e eu rapidamente sacudi a cabeça em pânico.
Eu não deveria estar infeliz com os talentos dos meus próprios filhos, mas sentir inveja até? Que tipo de falha de mãe sou eu? Não, isso é algo que nunca posso deixar acontecer. Esses não são meus verdadeiros sentimentos. São apenas os demônios dentro de mim.
Eu me repeti isso inúmeras vezes e empurrei esses sentimentos de volta para as profundezas do meu peito. Mas—
— Mãe! Hoje vou começar a estudar para o ensino fundamental!
— Mãe! Conquistei faixa preta em karatê hoje!
Sempre que meu filho se gabava inocentemente de suas conquistas, o complexo de inferioridade e o sentimento de miséria que o acompanhava se intensificavam, tornando-se insuportavelmente dolorosos. Então, eu desviava os olhos, garantindo que esses sentimentos nunca chegassem aos meus filhos. E, sem perceber, as emoções que eu segurava de mostrar a eles acabavam sendo descarregadas em meu marido.
— Trabalhando de novo!? Você nunca mais vem para casa!
— Desculpe. Eu realmente quero passar mais tempo com vocês, mas…
— Ah, puxa, você sempre é assim! Acha que tudo vai ficar bem só porque pede desculpas!?
Por que ele estava se desculpando? Quem estava errada era eu — isso era apenas raiva irracional. Sim, meu marido não estava ao meu lado o tempo todo porque estava ocupado com o trabalho dele como diplomata, mas ele se tornou um por minha causa, no início. Ele até tirou uma folga para ficar no Japão porque eu havia pedido.
Ele não tem culpa nenhuma. Por que ele não fica bravo? Mais uma vez, percebi que sua bondade só me fazia sentir ainda mais miserável.
Era tão doloroso — insuportavelmente doloroso — que eu fui correndo para o piano.
— Você é incrível, mãe! Tão legal!
— Mais uma vez! Toca de novo!
Saborear os elogios inocentes dos meus filhos sempre que tocava piano aliviava um pouco o meu complexo de inferioridade. Isso me fazia acreditar que eu realmente tinha ao menos uma coisa na qual eu pudesse ser boa.
Se… Se o onii-sama não tivesse morrido naquela época…
O que teria acontecido se eu tivesse continuado a seguir meu sonho de me tornar pianista? É verdade que eu talvez não tivesse me tornado uma pianista mundialmente famosa como um dia sonhei. Mas talvez eu pudesse ser ao menos considerada de primeira linha — alguém capaz de tocar o coração de muitas pessoas.
Sim, talvez não…
Tudo isso era apenas suposição sem sentido; imaginação sem uma resposta real. Mas, para mim, era minha única fantasia preciosa. Talvez eu também pudesse ter me tornado alguém grandiosa, alguém respeitada pelos outros. Talvez eu pudesse ter sido alguém que estivesse no palco ao lado da minha família.
Que doce e tentadora ilusão…
Mas até isso, no final, era apenas uma fantasia. No momento em que ouvi meu filho tocar piano para mim, fui forçada a perceber isso.
— Se precisar de alguma coisa, me avise. Se quiser estudar no exterior, farei os arranjos necessários.
— Eh—
— Dê o seu melhor.
Agora eu entendi. As palavras de Pai não estavam cheias de esperança, mas sim de pena por uma filha perdida em suas próprias ilusões, sem perceber suas limitações.
Nenhum pai neste mundo esperaria nada de mim. Eu era, e sempre fui, nada mais do que uma pessoa comum. Desde o momento em que nasci, fui destinada a ser alguém que nunca poderia se tornar algo grandioso.
Era uma verdade que eu nunca quis saber. E ainda assim, por que eles fazem isso tão dolorosamente óbvio? Por que eles me fazem tão miserável? Seus sorrisos inocentes, com os mesmos olhos com os quais o onii-sama me elogiava…!
— Pelo amor de Deus, já chega!!
Demorei um momento para perceber que o grito que ouvi veio da minha própria boca. Mas, ao ver o rosto do meu filho ficar rígido… soube que já era tarde demais.
(Shisuii: Do nada história da muié do Kaka, Roshidere tá podendo fazer plágio agora?)
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