Volume 9

Capítulo 6: E Alisa Seguiu em Segurança

Depois de ser expulso do quarto da Yuki, Masachika foi para casa com Kyotarou, no carro dele. Desde o acesso de fúria de Yuki, ele estava completamente fora de si, praticamente em transe. Nem sequer tentou fazer as tarefas de casa que normalmente fazia, tampouco estudou ou navegou na internet. Tudo o que fez foi simplesmente encarar o vazio enquanto o dia se transformava em entardecer e o sol se punha, só interrompendo o transe quando foi chamado pelo pai para jantar.

E aí? Acho que ficou bem parecido com o original… — comentou Kyotarou, com orgulho.

É, tá gostoso — respondeu Masachika, distraidamente, enquanto levava a comida à boca. O jantar, segundo Kyotarou, era uma recriação fiel de um prato famoso de um restaurante na Inglaterra.

Mesmo assim, as palavras de Yuki continuavam ecoando em sua mente sem parar. As preocupações que antes ocupavam seus pensamentos — como o ultimato imposto por Gensei — haviam evaporado por completo; em seu lugar, restava apenas a lembrança da fúria da irmã. Era a primeira vez que Yuki demonstrava qualquer emoção parecida com raiva em relação a ele, e o impacto daquele desabafo tinha sido avassalador para Masachika.

Pra Yuki ter ficado tão brava assim… Ela deve ter se sentido profundamente insultada. Acho que forcei demais a barra com ela… Ela chorou tanto ontem… Mas, mesmo assim, não dá pra negar que estive sacrificando o bem-estar dela esse tempo todo…

Ele entendia que suas palavras e a culpa que sentia haviam ferido o orgulho de Yuki. Afinal, ela vinha cumprindo com dedicação o papel de herdeira da família Suou. Para o irmão simplesmente aparecer e dizer algo como "Você fez bem até agora. Deixa o resto comigo", era natural que ela reagisse com perplexidade e choque. Pensando agora, tudo fazia sentido.

Ainda assim, ele não conseguia compreender exatamente o motivo de tamanha raiva — ao ponto de ser expulso fisicamente do quarto, tomado por um acesso de fúria. Masachika até acreditava que ela ficaria feliz com a ideia de morarem juntos novamente.

Quer dizer, devo ter feito algo errado pra ela ficar tão furiosa… Mas poxa, eu pensei bastante e realmente tentei fazer a coisa certa…

Mais uma vez, Masachika mergulhou ainda mais fundo no poço de auto-reprovação e repulsa. Ao observar o estado obviamente distraído do filho, Kyotarou sorriu de leve.

Aconteceu alguma coisa? Brigou com a Yuki, é?

!

A sobrancelha de Masachika se mexeu levemente ao ouvir aquilo, e Kyotarou, percebendo que tinha acertado em cheio, assentiu com um sorriso no rosto.

É mesmo...? Olha, não é o fim do mundo. Em vez de fingir que está tudo bem e varrer os problemas para debaixo do tapete, às vezes é melhor deixar tudo vir à tona e ter uma briga ou outra. Um momento catártico, de vez em quando, pode até fortalecer os laços.

Sério? Não seria melhor evitar brigas desde o começo?

Masachika respondeu com ceticismo, e Kyotarou retrucou com calma, sem sequer soar repreensivo.

É normal que duas pessoas com sentimentos fortes uma pela outra acabem brigando até por coisas bobas. Mesmo que esses sentimentos sejam de carinho.

É mesmo que funciona assim?

Com certeza. Dizem que o oposto do amor não é o ódio, e sim a indiferença, né? E ninguém briga com alguém por quem é indiferente. As pessoas mais "em paz" com o mundo talvez sejam aquelas que não se importam com nada nem ninguém.

É… Acho que faz sentido — disse Masachika, digerindo lentamente as palavras do pai.

Né? Pensando por esse lado, até uma briguinha entre irmãos pode ser vista como uma forma de afeto, não acha?

Ah, aí já é forçar a barra — retrucou Masachika.

Mas, mesmo assim, não pôde evitar um leve sorriso diante das palavras do pai, que apenas deu de ombros, de maneira brincalhona.

É, talvez não seja mesmo… Mas dizem que quanto mais se briga, mais próximo se é…

Exato, exato. O que é certo é que a Yuki se importa com você tanto quanto você se importa com ela.

Masachika arregalou os olhos com essas palavras, pego de surpresa. Enquanto isso, Kyotarou o encarava com uma expressão serena e afetuosa.

Então vai ficar tudo bem — garantiu ele, suavemente.

⋆⋅☆⋅⋆

 

Na manhã seguinte, bem cedo.

Alisa, que havia saído de casa mais de uma hora mais cedo que o habitual, encontrava-se parada diante da entrada do prédio onde Masachika morava.

…Tá tudo bem. Isso é normal. É, só estou curiosa pra saber o que aconteceu depois que saí da casa da Yuki-san, só isso.

Repetindo essas desculpas para si mesma, Alisa mexia nervosamente no espelhinho de bolso que ganhara de presente de aniversário da Nonoa, tentando ajeitar a franja. Provavelmente teria continuado nisso por uns cinco ou até dez minutos, se não tivesse notado alguém olhando com curiosidade da entrada do prédio — provavelmente um dos moradores.

Rapidamente fechou o espelho e tentou agir com naturalidade ao guardá-lo na bolsa, antes de se posicionar diante do interfone. Respirou fundo algumas vezes e então apertou o botão correspondente ao apartamento de Masachika.

Seu coração batia forte, ansioso, enquanto o sinal de chamada tocava cinco vezes até que, finalmente, soou um clique, indicando que a ligação havia sido atendida.

Alya? Bom dia. Que foi?

Bom dia, Masachika-kun. Desculpa aparecer assim do nada. Fiquei curiosa sobre o que aconteceu depois do outro dia, e achei que talvez fosse um pouco difícil conversar sobre isso na escola. Então… se não for incômodo, podemos conversar enquanto vamos andando até lá?

Alisa falou com naturalidade as frases que tinha ensaiado mentalmente, mantendo uma expressão composta e comemorando silenciosamente por não ter se enrolado nas palavras enquanto esperava a resposta.

Ah, sim, claro… Mas… Eu ia tomar café da manhã agora. Tudo bem?

Ah, é mesmo? Não tem problema, eu espero.

Ah, beleza então… Pode subir.

Com isso, a porta foi destravada, e Alisa comemorou mentalmente de novo, com um pequeno gesto de vitória. Enquanto esperava o elevador, tirou o espelho da bolsa mais uma vez e ajeitou o cabelo pela enésima vez naquela manhã. Afinal, o que ela dissera a Masachika agora há pouco era apenas metade da verdade. A outra metade era… Que eu só queria tentar ir pra escola com ele.

Ir juntos… Lado a lado… Isso vai fazer a gente parecer bem próximos, né?

Sentindo-se nas nuvens, Alisa balançava o corpo de um lado para o outro, tentando a todo custo conter o sorriso. Seus pensamentos estavam excepcionalmente românticos, e havia um motivo bem claro para isso: tudo começara no momento em que descobriu que Yuki era apenas a irmã de Masachika.

Na verdade, era verdade que, apenas dois dias atrás, Alisa havia percebido que Yuki era uma pessoa especial e importante para ele. E, nesse sentido, ela havia aceitado o fato de que jamais estaria à altura de Yuki, com suas emoções mergulhando num poço de desânimo na época. Mas, depois de voltar para casa e dormir bem, uma voz completamente diferente começou a ecoar em sua mente.

Mas eles são apenas irmãos, no fim das contas. A Yuki-san não é uma rival amorosa, então tá tudo certo, né? Na verdade, com uma rival a menos, a corrida pelo amor dele é só minha — não é perfeito? Já posso até começar a dançar agora!

Era essa a voz.

Alisa, que vinha tentando suprimir ativamente seus próprios sentimentos românticos até pouco tempo atrás, estava equivocadamente convencida de que Masachika e Yuki nutriam sentimentos secretos um pelo outro. Ela havia confundido a situação com uma tragédia — uma em que eles jamais poderiam ficar juntos. Por isso, chegar a essa nova compreensão foi o suficiente para quebrar o selo que ela mesma havia colocado sobre suas emoções. E isso fez com que ela tivesse vontade de dançar — sozinha no quarto.

No entanto…

Por outro lado, o fato ainda permanecia: a maior parte do espaço no coração de Masachika não era ocupada por Alisa, mas por Yuki. Pensando por esse lado, seu humor inevitavelmente afundava de novo. Ao imaginar os olhos gentis de Masachika, e suas mãos carinhosas, voltadas para Yuki e não para ela, seu peito se apertava, e a vontade repentina de dançar desaparecia.

Por que ela está dançando, afinal? Ela é idiota? O coração de Masachika estava, sem dúvida, voltado para Yuki, mesmo que fosse apenas de forma platônica. Pelo menos por enquanto, não havia chance de ele se voltar para Alisa...

Mas é só amor fraternal — amor familiar, né? É totalmente diferente de amor romântico, certo? Quando se trata disso, a número uma do Masachika-kun… A menos que eu esteja enganada… Sou eu, não é?

Eh, será que eu danço de novo? Danço!? Yaaay, hora da festa~♪

…E assim, durante o dia anterior inteiro, o coração de Alisa balançou entre altos e baixos de uma apaixonada, suas emoções flutuando como uma onda senoidal. Como resultado, Alisa estava um pouco "alta" naquele momento. Os sentimentos românticos que haviam sido trancados nas profundezas do seu coração pareciam ter se transformado em várias mini-Alisas que desfilavam gritando: "Yay, liberdade~☆."

Além disso, parecia que ele tinha acabado de acordar, né? Aposto que eu sou a única garota que já apareceu na casa do Masachika-kun a essa hora. Em outras palavras, isso me torna uma pessoa especial… Fufu♪

Esse era seu estado de espírito. A propósito, parecia que Ayano, que talvez tivesse sido um precedente, havia sido atropelada e esquecida pela parada.

Com uma leveza nos passos que parecia ser acompanhada por um efeito sonoro imaginário de "la-la-la~♪" — o que não combinava nada com seu título de princesa fria e solitária — Alisa entrou no elevador. Conferindo seu reflexo mais uma vez no espelhinho compacto à sua frente, ela então, com total confiança, tirou algo da bolsa.

Sim — eram as luvas brancas que Masachika havia lhe dado de presente de aniversário no outro dia. Para ser honesta, com o sol já alto, não havia exatamente um bom motivo para usá-las ainda. Mas o que importava era usar o presente de Masachika imediatamente. Mais especificamente, o importante era ele ver isso.

Pronto, agora estou totalmente equipada.

Com uma determinação firme, reciclando aquele sentimento leve no peito em um sorriso decidido, Alisa tocou a campainha do apartamento de Masachika—

Sim? Ah, olá, prazer em conhecê-la.

Pai entra na batalha☆!

A expressão no rosto de Alisa caiu como uma pedra. A parada de mini-Alisas que marchava orgulhosamente dentro do seu coração parou de repente, todas com rostos vazios e confusos.

Eh, ah—

Suspeitando ter tocado a campainha errada, ela rapidamente conferiu o número do apartamento e a plaquinha com o nome.

Mas não, estava certo.

??

Enquanto Alisa mergulhava instantaneamente em um mar de confusão, Kyotarou, que havia aberto a porta, esboçou um sorriso levemente constrangido e fez uma reverência educada.

Sou o pai do Masachika, Kyotarou.

A-Ah! Me desculpe! Eu sou a Alisa Mikhailovna Kujou! Estou sempre aos cuidados do Masa— do Kuze-kun… Quer dizer, desculpe por aparecer tão cedo! — disse Alisa, curvando-se rapidamente.

Ela tirou as luvas apressadamente e as enfiou de volta na bolsa.

Sim, ela com certeza não estava usando nada disso hoje. Ninguém viu. Vamos ficar com essa versão.

Bem, é que hoje, eu, uh—

Erguendo a cabeça, tentou explicar a situação com palavras, mas elas se recusavam a formar frases coerentes. Ficava claro o quanto Alisa estava nervosa, e Kyotarou, percebendo isso, sorriu de forma tranquilizadora enquanto se afastava da porta.

Está tudo bem. Por favor, entre.

Ah, desculpe incomodar. Com licença…

Encolhendo os ombros de vergonha, Alisa fez várias reverências enquanto entrava na casa. No entanto, dentro de sua mente, uma tempestade de confusão rugia com força.

Por quê!? Por que o pai dele tá aqui!? Por quêêê!?

Diante do evento inesperado e abrupto de "cumprimentar o pai do crush", sua mente ficou completamente em branco. A parada em seu coração começou a recuar, com a mini-Alisa na frente gritando: "Recuar! RECUAR!!!"

Enquanto a multidão de mini-Alisas se dispersava em pânico, a sensação de euforia que ela sentia momentos atrás esvaziava como um balão furado. E foi então que Alisa de repente se deu conta...

Espera um segundo… Isso não é uma péssima primeira impressão!?

Ela então se analisou com calma e objetividade.

Do ponto de vista de Masachika, Alisa aparecer de repente pela manhã poderia ser visto como a atitude de uma "namorada preocupada". Mas e para Kyotarou, que a conhecia pela primeira vez agora?

Uma colega de classe, descaradamente tentando entrar na casa onde seu filho morava sozinho logo de manhã cedo…?

A implicação era óbvia. Qualquer um a veria como uma vadia indecente que não tinha bom senso nem dignidade — alguém que não via problema nenhum em invadir a casa de um garoto ao amanhecer.

Isso não é verdade de jeito neeeenhum!

Enquanto calçava as pantufas que Kyotarou gentilmente havia preparado para ela, Alisa se segurava para não puxar os próprios cabelos de frustração.

Está errado! Erradooo! Eu nunca fui na casa de nenhum garoto além do Masachika, e mesmo assim, é a primeira vez que venho tão cedo! Eu não tenho nenhuma intenção maliciosa, juro! Tá, talvez eu tenha pensado um pouco sobre como seria bom ir pra escola de mãos dadas com ele, ou como ele reagiria se eu me agarrasse ao braço dele como forma de animá-lo, mas é só porque é o Masachika! Eu não sou uma vadia! Gaaaaah!!!

Para Alisa, uma perfeccionista extrema quando se tratava de interações com o sexo oposto — a ponto de Masachika frequentemente chamá-la de exageradamente meticulosa — a ideia de que o pai de seu crush duvidasse de sua castidade era tão perturbadora que quase a fazia gritar. Ainda assim, gritar sobre sua inocência ali só colocaria mais lenha na fogueira que queimava sua dignidade. Além disso, quanto mais você tenta se explicar numa situação dessas, mais suspeita parece. Negar com veemência demais poderia até revelar os sentimentos que ela nutria por Masachika. Portanto...

Por favor, sente-se. Masachika só está se trocando e já deve sair — disse Kyotarou para ela.

Sim, obrigada.

Por mais frustrada que estivesse, não tinha escolha a não ser ficar em silêncio.

Cerrando os dentes, com os dedos se agitando inquietos, Alisa sentou-se na poltrona da sala, indicada por Kyotarou. Pouco tempo depois, Masachika apareceu, vestindo seu uniforme escolar branco e calça social.

Ah, eu amo ele.

Esse pensamento surgiu em sua mente instantaneamente. As mini-Alisas, que haviam se dispersado mais cedo, reapareceram do nada, comemorando e dando gritinhos dentro de seu peito.

Ele ainda parece meio sonolento. Ah, e o cabelo tá um pouco bagunçado atrás. Tá espetado… Que fofo♡.

Enquanto esses pensamentos flutuavam em sua mente, ela notou Kyotarou no canto de sua visão e rapidamente espantou as mini-Alisas de seu coração. Assumindo sua expressão habitual de compostura, tentou falar com Masachika como fazia normalmente.

Bom dia, Masachika-kun. Você parece sonolento de novo hoje.

Mas assim que terminou de falar, percebeu que era algo que só devia dizer na sala de aula — não depois de aparecer na casa dele tão cedo de manhã. Além disso, chamou-o casualmente pelo primeiro nome, bem na frente do pai dele.

Eu erreeeei~~~! Já comecei errandoooo~~~! Aaaaah~~~!!

Alisa, por dentro, segurava a cabeça com as mãos, mas não havia como desfazer o que já tinha sido dito. Enquanto se esforçava para manter a expressão serena, Masachika respondeu sem dar muita importância.

É… Bom dia. Acho que tô mesmo com sono… Yaaaawn…

Reprimindo um bocejo, Masachika sentou-se ao lado de Alisa. Nesse momento, Kyotarou se aproximou com uma bandeja e colocou duas xícaras diante deles.

Aqui está. Você gosta de achocolatado, certo?

Ah, na verdade, eu gosto mesmo. Muito obrigada.

De nada. A propósito, você já tomou café da manhã, Kujou-san?

A-Ahh…

Pega de surpresa com a pergunta, Alisa hesitou, desviando o olhar de um lado para o outro.

A verdade era que Alisa ainda não tinha comido nada. O motivo? Ela simplesmente não conseguia pensar em uma desculpa plausível para sair de casa tão cedo. Era cedo demais para dizer que tinha alguma tarefa escolar, e dizer que era coisa do conselho estudantil também não colaria, já que sua irmã, que também fazia parte do conselho, saberia que era mentira. No fim, Alisa deixou um bilhete com "Saí um pouco mais cedo" e saiu de casa antes de qualquer um acordar. No caminho, parou numa loja de conveniência e comprou um sanduíche, planejando comer mais tarde.

O que eu faço? Digo pro pai do Masachika-kun que saí sem a permissão dos meus pais — será que pode? Talvez seja melhor não falar essa parte? Ou então… Posso mentir e dizer que já comi… Mas eu já hesitei, então fica na cara, né? Não, pera, hmm…

A situação inesperada e o deslize embaraçoso fizeram seu cérebro dar um curto-circuito. Ela sabia que seus pensamentos estavam girando em círculos inúteis. No meio disso, Kyotarou inclinou a cabeça com um sorriso gentil, como se tivesse notado algo.

Se ainda não comeu, gostaria de se juntar a nós? É só sobra de ontem, mas…

……

Para ser honesta, era uma oferta bem — não, muito tentadora. Desde alguns momentos atrás, Alisa já havia notado o cheiro delicioso de curry no ar. Ela suspeitava, mas Kyotarou mencionar "sobras" basicamente confirmou. O café da manhã da família Kuze era curry caseiro que tinha descansado de um dia para o outro.

Depois de sentir esse cheiro, não tô mais com vontade de comer sanduíche…

O aroma do curry, estimulando fortemente seu estômago vazio, mexia com o coração de Alisa. No entanto, ela não era ousada o bastante para dizer "Então, se insiste" e aceitar.

Obrigada, mas não se preocupe. Comi algo leve antes de vir.

Respondeu rapidamente e assentiu por dentro diante da mentira "esperta". Não tinha realmente comido, mas tinha um sanduíche, o que justificava a hesitação de antes. Além disso, dava a entender que ela não veio direto de casa sem permissão dos pais. Sim, era uma mentira inteligente… Alisa se parabenizou mentalmente, mas Kyotarou, como pai, não ia deixar barato tão fácil.

Só algo leve? Isso não serve. Jovens como vocês precisam se alimentar bem de manhã.

Ah, não, sério, não precisa se preocupar…

Não seja tímida. Nós também vamos comer agora. E eu me sentiria mal deixando você esperando enquanto a gente come. Além disso, quanto mais gente, melhor, né? Pode comer à vontade, tá?

A-Ah, hmm…

Depois de dizer que já tinha comido algo leve, era tarde demais para inventar que tinha um sanduíche agora. Somado ao cheiro inebriante de curry no ar, Alisa viu sua força de vontade começar a fraquejar.

Então... Tá bom.

Antes que percebesse, ela já estava acenando com a cabeça. Kyotarou sorriu, satisfeito.

Tudo certo, é curry. Pode pegar o quanto quiser; se quiser comer rápido, também não tem problema — disse ele. — Ah, você não se importa de comer curry de manhã, né?

Eu sabia que era curry, afinal de contas. 

Alisa assentiu mentalmente à pergunta.

Tudo bem. Eu gosto de curry.

Que bom ouvir isso. Ah, aliás… — Com isso, Kyotarou perguntou num tom casual. — Você lida bem com comida apimentada?

Por um instante, ela sentiu um pressentimento terrível — um instinto tão forte que ativou seus alarmes de sobrevivência.

Ah, tô sentindo. Tá meio longe, mas... tá vindo aí.

Desde o dia em que comeu um ramen super apimentado com Masachika e Yuki, Alisa vinha desafiando a si mesma com comidas picantes para aumentar sua tolerância. Por causa disso, desenvolveu uma espécie de sexto sentido para detectar esse tipo de prato. Pratos que, se ela baixasse a guarda, a deixariam inconsciente com um único golpe — e ainda tentariam levar sua alma junto. Ela conseguia ver claramente: a ceifadora, segurando uma foice vermelha brilhante e usando um colar adornado com incontáveis habaneros.

Droga... Pelo que já vivi, sentir de tão longe assim quer dizer que é realmente perigoso…

Mas por mais que seus instintos gritassem, a resposta de Alisa já estava decidida, principalmente por causa da presença de Masachika. Por que ela vinha aumentando sua tolerância à pimenta todo esse tempo? Nem precisava dizer — era para esse exato momento!

Tudo bem. Eu gosto de comida apimentada.

Com as mãos cerradas no colo, Alisa sorriu com coragem, pronta para enfrentar o que viesse. Kyotarou, vendo a resposta dela, sorriu aliviado.

Entendi. Esse ficou um pouquinho apimentado, mas se você lida bem com isso, ótimo.

Ao ouvir a palavra "um pouquinho", Alisa sentiu uma onda de alívio. Mas só para garantir, resolveu investigar um pouco mais.

Você também gosta de comida apimentada como o Masachika-kun, Kuze-san?

Hm? Ah, não muito…

Ah, é mesmo?

Com essa confirmação, Alisa finalmente pôde relaxar. E quem a culparia? Afinal, ela estava conhecendo Kyotarou pela primeira vez, e não tinha como saber que, mais do que não gostar de comidas picantes, ele mal tinha paladar.

Na verdade, as preferências de Kyotarou eram um pouco fora do comum. Sua tolerância ao doce, salgado, azedo e até ao amargo era muito maior que a da maioria. Ele conseguia comer sobremesas absurdamente doces, do tipo que faria qualquer formiga humana torcer o nariz depois de uma mordida, ou chás extremamente amargos que fariam até os mais ousados desistirem na primeira tentativa.

O mesmo valia para comidas apimentadas e cheiros fortes. Não era incomum ver Kyotarou comendo algo super apimentado ou com um odor intenso e reagir apenas com um "Nossa, isso é diferente", sem muita cerimônia. Essa resistência a sabores extremos acabou se tornando um trunfo no seu trabalho como diplomata, já que permitia a ele comer qualquer prato local como se fosse trivial. Mas, deixando isso de lado…

Seu paladar nada refinado, neste momento, havia se tornado uma armadilha perigosa para Alisa.

Parece que aquela sensação de antes foi só coisa da minha cabeça… Talvez eu tenha exagerado. Faz sentido, né? Se fosse realmente tão apimentado assim, o Masachika-kun teria me avisado, como da outra vez.

Olhando para Masachika, que tomava seu achocolatado em silêncio, Alisa fez o mesmo, deixando sua desconfiança de lado.

Infelizmente, o silêncio de Masachika se devia ao fato de ainda estar distraído com o que havia acontecido no dia anterior — ele não estava totalmente presente. Além disso, estava com sono acumulado e ainda despertando, com os pensamentos embaralhados. Nem sequer tinha percebido que seu pai havia oferecido curry para Alisa.

Bem, venham aqui e sirvam o quanto quiserem de arroz e curry, tá bom?

Obrigada. Eu vou pegar só um pouquinho, então…

Masachika, você também.

Hm? Táaa bom...

E assim, sem nenhum sinal de alerta, Alisa entrou na cozinha.

Ah, agora que tô mais perto, o cheiro realmente tá bom. Só que tem um aroma meio... Diferente. Será que é um curry mais autêntico, cheio de especiarias?

Guiada pelo aroma apetitoso, Alisa seguiu o convite de Kyotarou. Mas, lembrando que havia dito que já "tinha comido algo leve", resolveu se conter e colocou só o suficiente de arroz para encher metade da tigela.

No entanto, ao abrir a tampa da panela de curry, uma onda de vapor subiu com o cheiro forte, fazendo-a semicerrar os olhos.

O quê—?

Ela sentiu novamente a presença da ceifadora. E dessa vez, tinha certeza de que não era imaginação. Ela estava mais perto. Muito mais perto. Conseguia sentir seu olhar cravado nela por trás, a poucos passos do alcance da foice.

Não é possível. O cheiro tá tão bom… E, pelo que vejo, nem tá tão vermelho assim, né?

Dentro da panela, o curry tinha uma consistência densa e escura. Não dava pra ver nenhum ingrediente suspeito à primeira vista. Talvez... Talvez tudo que era perigoso já tivesse sido completamente dissolvido ali.

!!

Um arrepio percorreu sua espinha, mas já era tarde demais para voltar atrás — ela já tinha colocado o arroz no prato. Atrás dela, Masachika, que também tinha se servido, colocava a espátula de arroz de volta com um leve estalo. Já não havia mais tempo para hesitar.

Vou só... Pegar a menor quantidade de curry possível, sem parecer estranho…

Com movimentos lentos e cuidadosos, Alisa inclinou a concha e despejou o curry sobre o prato.

Talvez... Só isso?

Parando quando a proporção arroz/curry estava mais ou menos em cinco para três, ela rapidamente se afastou, fingindo que nada estava errado.

Pronto! Consegui garantir mais arroz! Deve ser o suficiente!

Satisfeita, ela esperou por Masachika e Kyotarou. Masachika voltou primeiro, e alguns segundos depois, Kyotarou apareceu com os pratos nas mãos. Mas então—

Ah, peraí um instante — disse Kyotarou de repente.

Ele colocou o próprio prato na mesa e voltou imediatamente para a cozinha... Retornando com a panela nas mãos.

Hm?

Enquanto uma onda de inquietação a atingia, Kyotarou falou com um sorriso.

Sobrou só um tiquinho na panela, então que tal vocês dois pegarem mais um pouco?

Ele então olhou para o prato de Alisa e fez uma expressão de leve surpresa.

Droga, ele percebeu!

Isso é pouco, Kujou-san. Não precisa se conter.

Ah, assim tá ótimo pra mim—

Enquanto Alisa tentava recusar educadamente, Kyotarou, sem se abalar, despejou o resto do curry da panela no prato dela, e depois no de Masachika.

Ah…!

Como resultado, o que estava diante dela agora era uma proporção de arroz para curry de cerca de três para quatro. No fim, tentar ser discreta e pegar pouco só fez com que acabasse com ainda mais no prato. Se tivesse colocado logo uma proporção de um para um, talvez Kyotarou tivesse se encarregado do restante.

Ele está se aproximando... Ainda mais perto do que antes…

Ela podia sentir a presença da morte logo atrás dela, a poucos metros de distância. Mas, agora que sabia disso, não adiantava mais — não havia como voltar atrás. Tudo o que restava era se preparar e encarar o destino de frente.

I-Isso vai dar certo... Se eu estiver preparada, não deve me derrubar de uma vez só... E, no pior dos casos, ainda tenho achocolatado.

Kyotarou havia deixado um copo de água preparado, mas qualquer um que já tivesse enfrentado uma comida extremamente apimentada saberia que água não ajudava muito. O copo de achocolatado meio cheio à sua frente era seu item de recuperação mais confiável e precioso. Ela se arrependeu profundamente de já ter bebido metade antes da refeição.

Vai dar tudo certo! Essa quantidade de curry ainda é só metade de uma porção normal! Dá pra aguentar!!

Fortalecendo-se com uma lógica meio furada que parecia fazer sentido na hora, Alisa se preparou mentalmente. Juntou as mãos com firmeza.

— Obrigada pela comida.

E então, finalmente, levou à boca uma colherada de curry com arroz e, num movimento rápido, enfiou tudo de uma vez. Quase imediatamente, o sabor do roux adocicado e levemente apimentado se espalhou por toda a sua boca.

Hã? Não é apimentado? Na verdade, é suave e delicioso...?

Um sabor inesperado. Ela pôde sentir a presença da morte, que até então espreitava logo atrás, virar-se e se afastar lentamente.

Ah, graças a Deus. Acho que eu estava só sendo paranoica mesmo. Olha só, até a morte já está indo embora—

Mas justo quando ela pensou isso, ele voltou... Em disparada!

Eh, o quê—?

Logo após a doçura, surgiu uma labareda ardente que avançou com tudo. No breve momento em que Alisa havia baixado a guarda, ela sentiu a foice do ceifador se erguer para um golpe certeiro e devastador em seu pescoço!

...!!

Em um instante, a consciência de Alisa quase foi arrancada, mas ela conseguiu resistir.

Hngh—!

Ela aguentou de alguma forma. Afinal, estava na frente de Masachika, sua paixão, e do pai dele, Kyotarou. Só isso já era o suficiente para manter sua consciência presa à realidade — ainda que por um fio. No entanto, essa ainda era uma situação extremamente lamentável para ela.

A-Aiii! Dói demais! T-Tá muito apimentado!!!

Seu cérebro estava tomado por uma única sensação — um dilúvio de sinais que transmitiam apenas dor. Mesmo depois de sobreviver ao choque inicial, a situação não melhorou em nada. Como um veneno persistente, o dano continuava a se acumular, lenta e dolorosamente.

E-Eu não aguento mais... Preciso recorrer ao arroz...!!!

Impulsionada pela dor insuportável, Alisa instintivamente estendeu a mão em direção ao arroz branco — mas parou de repente.

Sua idiota! Como pode desperdiçar o arroz precioso tão cedo na batalha?! Calma, calma... Hic, a ardência vai passar! Hic! Só preciso aguentar por enquanto!

Depois de ter passado por vários desafios culinários antes, Alisa já havia aprendido uma ou duas coisas sobre como lidar com comidas ultra-apimentadas. Aprendera que, ao invés de fugir para o arroz cedo demais, concentrar-se em perceber o sabor dos ingredientes era mais eficaz.

Fazendo isso agora, de fato conseguiu sentir o umami da carne e a doçura dos legumes e do arroz por baixo do calor intenso.

Mas ainda estavam tão distantes! A área anterior era praticamente uma zona vulcânica absoluta! Por causa disso, a carne, os legumes e o arroz sequer se aproximavam dela!

Ugh, ngh—

Apesar de conseguir engolir o que estava na boca, o calor que permanecia era suficiente para fazer sua língua arder em agonia. Incapaz de suportar mais, ela pegou o achocolatado e deu um grande gole. Mas não serviu de nada para apagar o fogo.

Desesperada, tentou vencer a ardência com pura quantidade, virando o copo de vez... E quando sentiu o calor diminuir só um pouco, o copo já estava vazio.

Aaaah — sua idiota estúpida, o que você tá fazendo?! Por que bebi todo o achocolatado precioso depois de uma única colherada!? Como vou sobreviver agora!?

Não adiantava chorar pelo leite derramado — por mais que se xingasse. Tudo o que restava de sua "zona segura" era um pouco de arroz branco, que parecia miseravelmente insuficiente comparado à quantidade de curry que ainda havia.

I-Isso é... I-Impossível...

Mesmo sendo apenas meia porção no prato, o fato de uma única colherada ter causado tanto sofrimento era um presságio ruim do que ainda estava por vir. Ela só conseguia imaginar um futuro onde desmaiaria no meio da refeição, sua alma levada pelo ceifador. Podia senti-lo pairando bem atrás dela, como se perguntasse com desdém: "Pronta agora?"

Kujou-san, hã... Será que não está do seu agrado? — perguntou Kyotarou de repente.

!

O tom dele chamou a atenção de Alisa do outro lado da mesa, e ela ergueu a cabeça num sobressalto. Seus olhos encontraram os de Kyotarou, que, por trás dos óculos, a encarava com um olhar cheio de preocupação.

Tentei recriar esse prato de curry que é conhecido por ser bem apimentado até mesmo na Inglaterra... Mas talvez tenha exagerado? Por favor, não se force se não conseguir comer...

Mesmo ouvindo essas palavras, não havia a menor chance de Alisa simplesmente dizer: "Bem, já que insiste," e largar a colher.

N-Não, tá tudo bem. Está delicioso — respondeu ela com um sorriso determinado.

Afinal, ainda havia a chance de Kyotarou pensar que ela era uma qualquer sem vergonha que apareceu na casa de um garoto logo de manhã sem cerimônia. E além disso, ela não podia se dar ao luxo de ser vista como uma garota rude que deixaria o prato de lado depois de uma única colherada de algo que ele preparou com tanto carinho. Especialmente porque ele poderia muito bem ser seu futuro sogro—

Ei, o que eu tô pensando!? Sai, sai, fora daqui!

Espantando as miniAlisas que surgiam no seu coração sempre que baixava a guarda, Alisa teimava em manter o sorriso no rosto.

Na realidade, porém, Kyotarou não a via nem de longe como uma descarada. Já ouvira muito sobre ela, tanto de Masachika quanto de Yuki. E apenas dois dias atrás, Masachika contara que foi graças a ela que conseguiu coragem para visitar a mansão dos Suou pela primeira vez. Por isso, Kyotarou entendia que sua visita de hoje era unicamente por preocupação com Masachika. Sim, ele estava realmente pensando: "Ela é ainda mais gentil do que eu imaginava", naquele exato momento.

Quanto aos sentimentos de Alisa por Masachika, Kyotarou era completamente alheio. Assim como suas papilas gustativas, ele também era um tanto insensível nesse aspecto.

Tem certeza? Você realmente não precisa se forçar.

Obrigada. Mas de verdade, está tudo certo.

Para provar seu ponto, Alisa levou outra colherada de curry à boca. Mais uma vez, foi atingida por uma sensação inicial de doçura agradável... E logo em seguida, o inferno! Mais uma vez, um calor avassalador percorreu sua boca! Um combo de um-dois vindo diretamente do próprio ceifador!!!

E-Eles estão mesmo conseguindo comer isso!?

Tentando manter uma expressão neutra, Alisa lançou um olhar para Kyotarou à sua frente e Masachika ao seu lado.

Sim, eu sabia que deixar descansar de um dia pro outro ia intensificar o sabor. Você também acha isso, né, Masachika?

Hã? Ah... acho que sim.

Ai, Masachika. Ainda com sono? Dormiu pouco essa noite?

Hmm? Ah, bem...

Eles... estão comendo normalmente...

Kyotarou saboreava cada mordida com prazer genuíno, enquanto Masachika, ainda que com um olhar meio sonolento, continuava comendo firmemente. Alisa não pôde deixar de pensar que os dois pareciam de uma espécie completamente diferente, e isso a fez estremecer.

Tipo... Sério!? Como o Masachika-kun tá comendo esse curry absurdamente apimentado meio dormindo!? Os nervos dele tão mortos ou algo assim!?

Pensando isso do seu parceiro, que parecia ter transcendido o simples gostar de comida apimentada, Alisa não conseguiu evitar lançar um olhar como se ele fosse algum tipo de pervertido. Sacudindo a cabeça de imediato, ela voltou a encarar seu prato e começou a traçar uma nova estratégia.

O arroz tem seu limite... Mas ainda assim, esse curry dá uma impressão inicial de doçura assim que você o prova.

Se era assim, então não havia escolha senão aproveitar essa janela de oportunidade e passar por ela correndo. Para sobreviver, precisava escapar rapidamente do ceifador que ainda murmurava atrás dela.

"Ai, essa aqui tá mais difícil do que eu pensei," disse ele de forma ameaçadora, enquanto arranhava incessantemente o pescoço dela com sua foice.

N-Nããããããão!!!

Animando-se por dentro, Alisa cravou a colher no curry e rapidamente a levou à boca. Como havia previsto, o sabor adocicado inicial permanecia, então deu mais uma colherada, e outra, tudo antes que essa doçura inevitavelmente desaparecesse. Ela não podia parar agora. Só precisava continuar no embalo! O objetivo estava logo à frente!

Mas…

Ah... Não é possível...

Foi nesse momento que o ceifador decidiu chamar reforços — agora eram dois. Com um sincronizado "e vai!", suas foices cruzaram de ambos os lados, rasgando-a.

Ah, qual é... Não assim...

Sentindo sua consciência ser lentamente, mas seguramente, roubada, Alisa, por pura teimosia, conseguiu enfiar a última garfada na boca.

No fim, mal conseguiu terminar a refeição, mas o que escapou de seus lábios não foi um grito de vitória nem um animado "Obrigada pela comida".

Я умру…

(Eu vou morrer…)

Na verdade, foi um lamento fraco em russo, como se sua alma tivesse abandonado o corpo.

⋆⋅☆⋅⋆

 

Alya? Uh... Você tá bem?

Ao caminharem juntos em direção ao elevador depois de deixarem o apartamento da família Kuze, Masachika chamou por Alisa.

Na noite anterior, tudo em que Masachika conseguia pensar era em Yuki, mesmo depois de deitar. Antes que percebesse, havia adormecido sem nem saber quando pegou no sono, ou por quanto tempo dormiu. Ele acordou e tomou café da manhã ainda meio zonzo, até que foi trazido de volta à realidade ao ouvir um gemido lastimoso em russo vindo de ao lado.

Ao olhar rapidamente para a direita, viu uma expressão de morte com a qual já estava bem familiarizado. Só então percebeu que o que Alisa tinha acabado de comer era o curry ultra-apimentado que Kyotarou havia preparado no dia anterior. Em pânico, correu para pegar leite para ela, mas desde então... Alisa ficou em completo silêncio. Parecia exausta... Ou melhor, parecia que seu espírito tinha sido praticamente ceifado, restando apenas uma casca vazia com um olhar perdido no rosto.

Poxa vida. Eu sei que também tenho culpa, já que tava meio fora de mim, mas pai... Sério mesmo... Por que você deu algo tão absurdamente apimentado pra ela...?

Sabendo que estava apenas desabafando, Masachika murmurou suas reclamações para o pai, mentalmente.

"Não, me desculpa mesmo! De verdade! Acho que ela só tentou ser educada por minha causa…"

Desde que Alisa praticamente desmaiou após terminar a refeição, Kyotarou vinha pedindo desculpas sem parar.

Desde o início, o pai de Masachika achava que o curry estava só "levemente apimentado". Provavelmente não teve nenhuma intenção maldosa, e Masachika sabia bem disso. Já havia passado por isso várias vezes, considerando o quanto o pai trazia comidas exóticas e guloseimas bizarras para ele experimentar.

Ainda assim, achava que o pai deveria, no mínimo, ter consciência de que seu paladar era completamente diferente do normal — e ser mais cauteloso.

Ou talvez... Justamente por ser tão diferente... Ele inconscientemente buscasse alguém que comesse as mesmas coisas e reagisse da mesma forma?

Enquanto refletia sobre isso, o elevador chegou ao andar deles. Masachika e Alisa entraram juntos, e ele colocou uma máscara por precaução, já que havia tido contato com Yuki — que estava gripada. Ao descerem para o térreo, saíram pela entrada e começaram a caminhar para a escola. Só então Alisa quebrou o silêncio.

Você sempre come coisas assim, Masachika-kun?

Hm? Não, nem tanto… Quer dizer, você já me viu levando marmita às vezes, né? Normalmente é bem normal. Ontem foi… Bem, acho que meu pai só ficou empolgado demais.

Ah, entendi...

Desculpa, tá? O gosto do meu pai é só... Um pouco fora do padrão. Ele realmente não quis mal nenhum.

Hmm, tudo bem. Acho que o problema foi que meu treinamento não foi suficiente...

Treinamento? Do que você tá falando...

Ao ouvir Alisa dizer algo que soava muito como algo que a Ayano diria, Masachika imaginou que ela só estivesse bastante traumatizada.

Então, se lembrou do motivo pelo qual ela estava ali em primeiro lugar.

"Bom dia, Masachika-kun. Desculpa aparecer assim do nada. Fiquei curiosa sobre o que aconteceu depois do outro dia, e achei que talvez fosse um pouco difícil conversar sobre isso na escola. Então… se não for incômodo, podemos conversar enquanto vamos andando até lá?"

Ah… é mesmo. Foi por isso que ela veio.

Lembrando que Alisa tinha vindo perguntar sobre o que aconteceu depois que ela saiu da mansão Suou, Masachika começou a considerar o quanto deveria contar. Decidiu manter vagas as informações sobre seu passado com a mãe, focando principalmente na conversa com Gensei.

Ah. Alya, sobre o que aconteceu na mansão Suou nos últimos dois dias...

!

Ao ouvir as palavras de Masachika, Alisa endireitou a postura, parecendo atenta. Vendo aquilo, e percebendo que ela estava pronta para escutar com seriedade, Masachika começou a explicar.

Contou sobre como havia se reconciliado com a mãe, de quem estava afastado, e como negociou alguns termos com Gensei com o objetivo de ser reintegrado como sucessor da família Suou. Naturalmente, a conversa acabou indo parar na condição imposta: ele teria que se tornar presidente do conselho estudantil.

Entendo.

Me desculpa mesmo, tá? Mesmo sendo nós dois que estamos concorrendo juntos, acabei usando isso como moeda de troca sem te perguntar antes. Mas nem precisa dizer que eu definitivamente não quero trocar de papéis com você nem nada. E quanto ao vovô… Eu vou achar outro jeito de convencer ele, de algum modo.

Essa última parte foi meio mentira.

Na verdade, Masachika não fazia ideia de como sequer começar a convencer Gensei. Honestamente, não conseguia nem imaginar arrancar outra concessão do avô. Ainda assim, também era verdade que ele não tinha nenhuma intenção de empurrar Alisa para o lado e se tornar o próximo presidente do conselho estudantil sozinho.

Em resposta às palavras de Masachika — uma mistura de sinceridade e omissão — Alisa assentiu de forma um tanto desanimada e falou, hesitante.

Hmm, bom, isso é… De qualquer forma, eu quero te perguntar uma coisa.

Hm?

Vendo Alisa parar no meio do caminho com uma expressão pensativa, Masachika também parou e se virou para encará-la.

Sobre ser reintegrado como sucessor da família Suou... Você consultou a Yuki-san sobre isso? — perguntou Alisa, com uma expressão séria no rosto.

Ao ouvir repentinamente o nome de Yuki, Masachika se sobressaltou por um instante antes de responder.

Não... Eu contei depois, mas...

Ela ficou brava?

As palavras de Alisa atingiram diretamente o cerne da questão, e Masachika apenas conteve a respiração.

Eu sabia — murmurou Alisa, percebendo sua reação. — Eu entendo que você não teve más intenções, Masachika-kun... Mas também entendo a reação dela.

É. Agora eu entendo — eu não deveria ter tentado retomar o posto de sucessor sem o consentimento da Yuki.

Quer dizer, isso é parte do problema, mas...

Mas?

Ah, hum...

Alisa hesitou, olhando para ele como se tentasse avaliar sua reação.

Pode falar, sem rodeios. Diga o que está pensando. Eu aceito, seja o que for — incentivou Masachika.

Diante de suas palavras diretas, Alisa começou a falar, após pensar por um momento.

É que... Como eu posso dizer isso... Sobre o dever de ser o sucessor da família Suou? E sobre se tornar um diplomata... Masachika-kun, você sempre fala como se fosse um fardo, como se fosse um péssimo negócio...

Mas é um fardo, não é? Não é algo que alguém faria por diversão.

Isso... Só é verdade pra você, né, Masachika-kun?

Ao ouvir o comentário de Alisa, Masachika ficou em silêncio por um breve instante, mas logo balançou a cabeça.

Não é como se a Yuki quisesse ser uma também. Na verdade, nunca ouvi ela dizer que queria ser diplomata.

Desde pequenos, Yuki sempre compartilhava com ele seus vários sonhos, mas, estranhamente, nunca mencionou querer se tornar diplomata. Por isso, Masachika havia concluído que Yuki estava apenas seguindo esse caminho contra a vontade... Ainda assim, Alisa inclinou a cabeça com um ar cético.

Mesmo que seja isso... Não significa que ela não sinta nenhum propósito nisso, certo? Se alguém chegasse de repente e dissesse: "Eu assumo daqui, já que parece difícil", sobre algo que ela tem orgulho, isso não deixaria ela bem irritada?

As palavras de Alisa deixaram Masachika paralisado. A ideia de que havia a possibilidade de Yuki realmente querer ser diplomata ou a chefe da família Suou era algo que nunca havia passado por sua cabeça.

Pelo menos, se fosse comigo — mesmo que não fosse algo que eu quisesse desde o início —, no momento em que eu decidisse fazer, eu iria até o fim, por mais difícil que fosse. E se alguém que vê esse papel como um fardo viesse até mim dizendo que vai assumi-lo, eu pensaria: "Não vou deixar isso nas mãos de alguém que faria isso com má vontade. Você acha mesmo que eu entregaria algo assim a alguém que claramente não quer?"

Alisa continuou sua explicação, embora escolhesse cuidadosamente as palavras.

E isso deixou Masachika completamente sem palavras. Tratar as responsabilidades da família Suou como nada além de um peso — só esse pensamento já poderia ser um insulto à Yuki, que vinha carregando essas responsabilidades. Ele nunca havia sequer imaginado algo assim.

Claro, tudo isso que eu disse é só um palpite, tá? Quero dizer, só a própria Yuki-san sabe como realmente se sente...

É... Agora eu entendi.

Embora já fosse muito tarde para isso, Masachika finalmente percebeu o quão egoístas e arrogantes haviam sido suas ações.

Eu só... Queria libertá-la — murmurou baixinho, expressando seu arrependimento.

Ele se lembrou de como Yuki chorou na cama, como uma criança. Só de pensar em quanto ela devia estar carregando sobre aqueles ombros pequenos, já era o suficiente para lhe dar vontade de chorar também. Mesmo depois de superar a asma da infância e recuperar a força — uma força que poderia levá-la a qualquer lugar —, ela ainda continuava presa àquela casa.

E tudo isso apenas fazia Masachika desejar, do fundo do coração, libertar sua irmã de alguma forma.

É, eu sei que você se importa com a Yuki-san, Masachika-kun — disse Alisa, aproximando-se e tocando gentilmente o braço direito dele, em um gesto reconfortante. Olhando para a mão dela, Masachika continuou, falando com dificuldade.

É... Acho que, pra mim, era só uma questão de retomar a responsabilidade que, desde o começo, era minha... Mas, pra ela, foi como se eu tivesse desprezado todos os esforços que ela fez nesses últimos anos... No fim, até esse desejo de libertá-la não passou do meu ego...

Não pense tão mal de si, tá? A própria Yuki-san com certeza sabe que você não teve más intenções.

Ao ouvir as palavras reconfortantes de Alisa, Masachika se lembrou do que Kyotarou dissera no dia anterior e esboçou um sorriso irônico.

Haha, meu pai disse algo parecido ontem... Ele falou que, enquanto nós dois continuássemos a nos importar um com o outro, tudo ficaria bem.

Foi um sussurro suave, como se falasse mais consigo mesmo do que com Alisa. Então, de repente, ele levantou o rosto com um sorriso.

Desculpa. Fiquei meio negativo agora há pouco. Mas obrigado. O que você disse me ajudou muito.

Sério?

Sério... Enfim, vamos.

Ele virou nos calcanhares e voltou a caminhar em direção à escola, mas, de repente, sentiu um toque quente envolvendo seu braço esquerdo por trás, puxando-o gentilmente para perto.

Oh...?

Surpreso com a ação repentina, ele ouviu um sussurro suave enquanto Alisa passava por seu lado.

Я тоже забочусь о тебе. (Eu também me importo com você.)

Logo em seguida, seu braço foi solto, e a pessoa que acabara de abraçá-lo andou rapidamente à frente. Masachika ficou ali, parado, atônito, observando a figura dela se afastar enquanto coçava, sem jeito, o braço que ela havia segurado.

...Aquilo era para me confortar?

Alisa continuou caminhando sem olhar para trás, como se nada tivesse acontecido. Suas costas claramente diziam: "Não pergunte o que eu disse!" — o que fez Masachika soltar uma risada.

И я тоже. (Eu também) — sussurrou baixinho.

Ele riu mais uma vez de sua parceira, que, como sempre, não se virou. Então, apagando o sorriso e olhando para o chão, voltou a andar e refletir.

Tirar dela a responsabilidade de ser sucessora da família Suou... Isso realmente não ajuda? Então, o que eu devo...

Enquanto isso, Alisa, que caminhava à frente, também estava imersa em seus próprios pensamentos.

Se eu desistir de me tornar presidente do conselho estudantil... Será que o Masachika poderia voltar para a família Suou?

Afinal, essa era a condição imposta pelo avô de Masachika.

Para pôr fim aos seus arrependimentos e realizar seu desejo, Masachika precisava alcançar esse objetivo. Naturalmente, Alisa queria ajudá-lo a conquistar isso.

Contudo—

Quer dizer, eu sei que quero me tornar presidente do conselho estudantil... Mas será que posso mesmo deixar meu desejo pessoal impedir o futuro do Masachika-kun? Ainda mais sendo algo que envolve a família dele. Eu não deveria priorizar isso...?

Tornar-se presidente do conselho estudantil era algo que Alisa, que sempre quis estar no topo, almejava desde o começo. Também seria uma forma de finalmente validar seu modo de vida. Além disso, agora ela queria corresponder às expectativas daqueles que a apoiavam — pessoas como Masachika e Sayaka. Mas será que isso deveria mesmo vir antes do bem-estar de Masachika?

Se eu me tornar vice-presidente em vez disso... Não, mas mesmo assim...

Perdida em seus pensamentos, Alisa continuou andando mecanicamente em direção à escola.

Com uma pequena distância entre eles, ambos olhando ligeiramente para baixo, Alisa e Masachika seguiam silenciosamente em direção ao Colégio. Imersos em seus próprios pensamentos, nenhum dos dois percebeu os olhares dos crescentes alunos do Colégio Seirei que se aproximavam.

Ei, não são a Kujou-san e o Kuze-san ali?

São eles mesmo. Estão vindo juntos para a escola...?

Mas o clima entre eles tá meio estranho...

Hm? Olha, aqueles dois.

Eh? Ah, são a dupla da campanha eleitoral. Indo juntos pra escola de manhã... Hmmm, será que estão namorando?

Não sei, mas... Não parece estranho? Eles nem estão conversando, e tem uma distância esquisita entre eles.

Estão brigados...? Espera, não, se estivessem brigados, não estariam andando ainda mais afastados?

Será que... Eles só chegaram ao mesmo tempo e nem perceberam a presença um do outro?

Impossível. Não notar alguém tão perto assim é muito estranho... Mas sério, o que será que tá rolando?

É um mistério...

Sob os olhares curiosos dos estudantes ao redor, os dois permaneciam completamente alheios à atenção que estavam atraindo, mesmo ao passarem pelos portões da escola. Sob esse intenso escrutínio, seguiram até os armários de sapatos. Após trocarem de calçado, caminharam em direção à Classe 1-B, e, justo quando deslizaram a porta, Alisa parou de repente.

Uou, o que foi, Alya?

Logo atrás, Masachika quase pisou no calcanhar de Alisa quando ela parou bruscamente. Espiando por cima da cabeça dela para dentro da sala, seus olhos se arregalaram de surpresa diante da cena inesperada que os aguardava.

É o quê!?

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