Volume 2
Capítulo 78: EMERGINDO
– Poderia me dizer que merda tá acontecendo aqui?
A mão de Kai encontrou um pescoço para apertar. Estava fraco, mas não impotente. Sentia os tendões fraquejarem, como se os músculos lutassem para continuar o aperto firme.
Dedos enluvados roçaram sobre a pele dele, lutando para se desvencilhar do toque. Ele sentia a pulsação na jugular e carótida, o fluxo sanguíneo sendo levemente interrompido.
Sentiu a respiração do outro tornar-se pesada, mas não se importou.
Lutou para encontrar a luz, seus olhos muito sensíveis ainda. Sua cabeça rodou e ele suprimiu o desejo de desmaiar de novo. Tinha coisas a tratar, como encontrar o responsável por fuçar suas memórias e brincar com elas.
Se havia algo a que Kai sentia ódio, era isso.
Seu toque apertou-se mais, e ele sentiu uma leve ardência na pele sobre a mão quando unhas cravaram nela. Sangue escorreu, sua cabeça girou.
Ele controlou a respiração, enviando pequenas e poderosas camadas de ar renovadas para seu pulmão. Este ardeu, inebriado pela fonte abrupta de energia. Era como se tivesse mergulhado em um mar de gelo, envolto em frio e fogo ao mesmo tempo. Era como se tivesse ficado submerso neste mar tempo demais, e não conseguisse converter as pequenas partículas de ar nas gotas de água minúsculas em ar para si mesmo.
Sua visão enalteceu, e ele pôde visualizar o lugar. Havia cerca de cinco pessoas atordoadas encarando-o, incluindo aquele sob seu aperto.
O sujeito era baixo, e seus pés lutavam para encontrar o chão.
Kai encarou as paredes de pedra bruta, com fachos de luz saindo por pequenos buracos em breves espaços entre eles. Se era luz artificial ou natural, ele não sabia.
Os sujeitos vestiam-se igual, mas eram diferentes em tamanho e... físico.
Depois dos vitanti, Kai não achou que veria outros seres com tanta singularidade.
O mundo em si era singular, havendo incontáveis raças. O homem reinava imperioso em Reiqin, um continente particularmente humano.
O reino do homem do lado de cá da muralha era, em sua particularidade, composto apenas de homens. Qualquer um que não fosse humano ou era tratado como monstro ou como escravo. Mas haviam os anões, para além do Império Wendex, uma monarquia humana, que queria dominar os reinos livres, como Algüros e Freödor.
No Grande Amarelo havia, como se sabe, uma enorme mescla de raças, mas também era uma terra sem lei. E, além do Grande Amarelo, atravessando o Rio dos Aflitos, havia uma raça dona da definição "singular," única e primeva, inimigos mortais dos Anãos, nada amigáveis e primos dos vitanti: os elfos.
No fim, Reiqin abrigava estes, além de mais sabe-se lá o que.
A princípio, Kai pensou que os atonianos, ou os Firenze, fossem um tipo de humano minúsculo. E eles eram humanoides... em tese.
Eram criaturas cinzentas de estatura média. Tinham cabeças grandes e orelhas pontudas, desprovidos de pelo no rosto. Seus olhos eram grandes para seu rosto, contendo uma miríade na íris fendida. Seus narizes eram fendas, pequenos buracos no meio do rosto, e não tinham lábios... era como se apenas uma linha tivesse sido traçada por sobre seus rostos.
Seus dedos eram longos e os braços nem se fala. Vestiam trapos entre bege e cinza, como se tivesse colocado várias e várias roupas uma por sobre a outra. A vestimenta era tão frágil quanto sua pele, que parecia poder se rasgar a qualquer puxão. Poderiam ser facilmente confundidos, mas alguns tinham a pele mais parda do que outros. Seus rostos não revelavam nada além de medo e pavor.
A criatura sob o toque de Kai roçou os longos dedos, tentando alcançar o rosto dele. Mas Kai permaneceu calmo, respirando longa e pesadamente. Era difícil de respirar, mas conseguia, porque o que quer que acontecesse, ele não deixaria mais que tivessem controle sobre si. Tinha medo do que aconteceria. Do que causaria.
– E então? – Indagou, erguendo uma sobrancelha.
A fria carranca de Kai instaurou um clima pesado no ambiente. Ele sequer usava sua intenção, sequer usava chi para causar medo. Mas Kai era um rapaz que conhecia os perigos da vida... e da morte. Já lutara batalhas demais, e matara gente demais para ter esse tipo de imponência. Isso nunca pesou sobre ele. Nunca teve culpa, pois tudo que fez sempre foi porque quis. E era assim que Kai seguia sua vida, era assim que ele tinha tanta autoridade sobre um lugar com o peso de apenas um olhar. Ele era imponente assim, apesar de tenra idade.
A luz do lugar mudou, e começou a piscar num vermelho doentio. Um alarme?
Os atonianos – que ele julgou que fossem, trocaram olhares entre si, gesticulando e falando. Era uma língua estranha, e Kai não entendeu nada.
Ele ergueu a outra sobrancelha e levou o olhar para o sujeito sob seu aperto. Este já começava a ficar pálido, perdendo a consciência. Ele até que durou muito.
Em instantes, uma porta lateral se abriu, revelando um arco retângular de bordas curvas. Quatro sujeitos se precipitaram para dentro, portando longos tridentes de cabo longo e grosso, cheio de engenhocas.
Estavam cobertos dos pés à cabeça por armaduras duras e negras, com capas enegrecidas, tão esfarrapadas quanto os trapos dos outros. Ou cinzentos.
Os recém chegados tinham as lanças sobre as duas mãos, e giraram-na em sentido horário e anti-horário. Foi uma bela sincronia, com a cereja no topo sendo uma eletricidade estática acionada na ponta do tridente. O ar zumbiu, e eles se colocaram em guarda, esticando as lanças – em perfeita sincronia, – na direção do rapaz.
Gritaram algo naquela língua estranha. Um segundo depois, um deles deu um passo à frente, gritando. Kai captou o temor e a hesitação. Franziu a testa.
– G’lanock, Meteco, largue-o imediatamente e se acalme.
Os olhos de Kai faiscaram. Mais apelidos. E ele também odiava que lhe dessem ordens.
– E se eu não quiser? – Sua mão lentamente ganhou uma cor roxa, sendo preenchida pelo chi.
A névoa roxa vazou, sua respiração também ganhando cor. A aura de chi era fraca e fina, mas era o suficiente para que Kai acabasse com eles ali. Bastava um disparo de fótons. Não se importava mais com nada, estava realmente estressado.
– Não avisaremos de novo, esta é sua única chance.
– Chance? – Kai sorriu. – Quem pensa que são para me dar chances? Não seja tão pretencioso, vocês mexeram com algo que não deviam.
– É nosso último aviso!
Ele deu um passo e o tridente pareceu ser maior do que era. Kai apertou o punho, não estava nem aí. Se preparou para enviar uma rajada de energia com a mão livre, mas nada aconteceu. Era como se tivesse sendo suprimido.
Kai olhou para a mão, e havia uma algema feita de ferro, cheia de engrenagens e fendas. Ele conseguia ouvir o clique e as roldanas girando, pequenas molas e articulações se projetando e dando espaço para mais. Sua energia estava sendo retida.
Como não tinha percebido isso? Afastou o pensamento e sorriu. Não precisava de chi.
Segurando o sujeito com a mão direita, que espumava pela boca, jogou-o em direção do outro mais próximo.
Os corpos se chocaram e, numa velocidade surpreendente, Kai se acocorou onde estava e saltou.
O primeiro sujeito foi facilmente dominado, pois foi atrapalhado pelo corpo do estranho atoniano que ainda espumava. Kai se aproximou num instante, agarrando firme no cabo da lança e puxando para si.
Ergueu um joelho, acertando o estomago do outro. Este caiu, não resistindo e pendendo. Kai não esperou: girou no próprio eixo e acertou uma cotovelada segura no queixo do mais próximo. Este girou com um crack conhecido e caiu.
Kai pulou, dando um coice com a perna direita no peito do terceiro. Ele foi empurrado para trás, se estatelando na parede e caindo feito um boneco de pano. O rapaz pegou impulso e ergueu a perna esquerda na direção da cabeça do quarto e último, mas ele foi ágil e ergueu o braço direito, aparando o chute.
O rapaz levantou uma sobrancelha. Ele trouxe a perna esquerda e aproveitou para girar. Mas o giro circular foi baixo. Deu uma rasteira no sujeito e acertou um soco em seu peito com os nós dos dedos.
Fácil como tirar leite de criança.
Kai estalou o braço que segurava a lança e observou a cena: quatro homens, altos de ombros largos, vestidos em roupas estranhas, deitados num chão de mármore negro, como se em um vórtice. Num canto havia o cinzento estranho, espumando e os olhos revirados.
Ele suspirou. Segurou muito de sua força. Talvez achassem que ele seria fraco sem o uso de seu chi, e isso provavelmente foi seu erro.
Kai olhou ao redor, observando a cama que se quebrou com seu impulso. Havia um carrinho médico ao lado da cama, cheio de equipamentos, desde seringas a agulhas e... de repente, uma dor na base do pescoço o tirou de seus pensamentos.
Ele tocou com os dedos ásperos, sentindo uma protuberância aqui. Era como se...
“Esses malditos devem ter injetado algum soro para vasculhar minha mente...” pensou.
Se virando, ele encarou os cinzentos. Olhando de perto, eram ainda mais feios. Sua pele era fina, como se ela, a carne e o osso fosse um só. Feito um tecido fino prestes a se rasgar.
Mas havia muitas perguntas.
– Onde estão minhas coisas? Minha espada!
Os sujeitos tremeram. Os quatro restantes se empilhavam no canto da sala, evitando encarar -lo.
“Não entendem?”
Kai tocou no próprio peito.
– Minha espada.
Ele ergueu a lança e riscou o ar levemente. Um zumbido surgiu e sumiu em segundos.
– L-lá! Lá! – Disse um dos cinzentos, abanando com as mãos para o arco retangular. Tinha um forte sotaque, talvez não conseguisse dizer muito mais do que um “lá”.
Kai apertou os olhos. Estava com raiva, é claro, mas não era de matar sem necessidade. Não era leviano assim.
Encarando estes cinzentos, percebeu que não passavam de peões, recebendo ordens. Se tinham alguma vontade e curiosidade, ele não ligava. Não iria erguer o punho contra seres mais fracos que ele, mesmo que estes tivessem lhe causado o mal.
Ele se virou, passando por cima dos corpos. Caminhou lentamente até o arco, mas se lembrou de algo.
Lançou um olhar vazio para seu pulso, onde a pulseira metálica pulsava e estalava. Ela reprimia seu fluxo de chi, quase como uma algema supressora de mana. Ficou curioso para saber como funcionava, mas agora não era hora para isso.
Focando em seu chi, enviou rajadas internas para o pulso e, posteriormente, para a algema. Nada aconteceu. Era como se o chi fosse sugado por ele, mas sendo impedido de ser externado.
Kai ergueu a mão direita com a lança, e golpeou duas ou três vezes, tomando cuidado para não decepar a própria mão no processo. Nada. Pensou por um segundo e respirou fundo.
Erguendo o olhar por sobre o ombro, levantou o braço esquerdo.
– E isso, como removo?
O mesmo de antes balançou a mãos de novo, como se quisesse que Kai fosse embora imediatamente.
– Lá! Lá!
Kai bufou e saiu da sala.
***
Os corredores daquele lugar eram estreitos e baixos, estando no máximo acima dos 2 metros.
Suas paredes e teto tinham bordas redondas, e haviam sulcos esculpidos na rocha, recheados de verde.
Os desenhos eram circulares, e se conectavam como espirais.
No chão, haviam batentes que subiam e desciam, feitos da rocha amarela e sujos de musgo.
Era como um lugar totalmente diferente do anterior, como se em espaços distintos, separados pelo fio da realidade.
Os corredores eram assim por uma longa extensão, virando aqui e acolá em esquinas de borda redonda. Não havia um pé de gente, o que fez Kai se perguntar de onde surgiram aqueles “guardas” de antes.
Será que havia uma sala escondida numa daquelas paredes? Ou será que eles ficaram do lado de fora, esperando qualquer perigo? Bem mais provável. Acabou por se lembrar de como eles, os guardas, apareceram imediatamente após as luzes vermelhas surgirem.
As luzes eram outra curiosidade misteriosa. Nos corredores não haviam sulcos por onde a luz vazava, mas isso não significava que era desprovido de iluminação. Agora descobrir se era natural ou artificial não estava nos planos de Kai.
Kai virou a esquerda e a direita e, na terceira esquina num curto espaço, deu de cara com três guardas vestindo o mesmo dos anteriores. Estes, no entanto, andavam com cacetetes, com a ponta superior feito a ponta de uma tocha.
Eles se entreolharam, aturdidos.
Os guardas olharam para a lança de Kai, depois para o bracelete, depois entre si. Olharam para Kai de novo e a ponta supeiror de seus cacetetes se iluminou. Legal, esse povo gostava de energia.
Kai sorriu. Acionou a “eletricidade” em sua própria lança e, num movimento rápido, tocou a ponta dela no peito daquele que estava no centro.
O sujeito foi empurrado longe, se chocando contra a parede e criando uma pequena cratera nela. Kai arregalou os olhos, surpreso.
Com a mesma surpresa, olhou para a lâmina e sorriu.
Ele tentou girá-la em sua mão, mas o corredor era estreito, e mal cabia três guardas um do lado do outro. A ponta da lança cravou-se na parede, produzindo um som oco e estridente. A parede se esfarelou, mas a lança fico presa nela.
Um dos guardas soltou um Há! alto e se adiantou, estocando com seu cacetete. Kai abaixou-se, e sentiu a energia chamuscar as pontas de seus cabelos secos.
O outro guarda puxou a ponta inferior do cacetete e ele ganhou alguns centímetros. Em seguida, afundou-o na direção de Kai. O rapaz foi rápido o suficiente para abrir as pernas e observar uma mini cratera formar aos seus pés.
Ele ergueu o rosto, inclinando a cabeça para o lado.
– Isso foi perigoso!
Kai agarrou a lâmina presa à parede e se ergueu, levando o pé ao rosto do primeiro guarda. O sujeito tombou para trás, aturdido.
O outro guarda, puxando o cacetete de novo, tentou usá-lo como se fosse uma espada, inclinando-o acima da cabeça, pronto para desce-lo sobre Kai.
Mas fosse por sua idiotice, fosse por sua falta de tato, o teto, que também era baixo, impediu-o de sua próxima ação. O cacetete rasgou a rocha, criando sulcos e pulverizando as pequenas pedras, criando um processo de erosão forçado. O sujeito tentou ignorar isto, mas seu cacetete fincou-se na rocha, e a eletricidade cessou. Ele olhou para cima depois para Kai, atordoado. Tentou libertar sua arma, mas todo seu esforço pareceu inútil.
Kai abriu um breve sorriso.
Se ergueu num pulo e acertou um belo soco no meio de seu rosto. O sujeito tombou para trás feito uma tora de madeira recém cortada.
Esses caras pareciam amadores.
O guarda restante ainda balançava a cabeça, atordoado, mantendo um aperto desleixado em sua arma. Kai rapidamente se aproximou dele, levando sua mão ao pescoço do sujeito. Ele rapidamente soltou a arma, tateando a mão de seu agressor com dedos trêmulos.
Kai sorriu.
– Agora, que tal se me disser qual o melhor caminho para fora daqui? Melhor! Me mostre.
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