Volume 2

Capitulo 80: FRAGMENTOS DE DIONÍSIO

Os primeiros cinco minutos de embate foram bem intensos. Tanto porque os guardas eram muito resilientes em sua tola tentativa de atingir Stone, quanto pela decisão do mesmo de desviar dos golpes imprecisos deles. 

 

Kai mesmo tinha pouca certeza se deveria lutar contra eles de igual pra igual. Claro, havia o fato de estar impossibilitado, as algemas supressoras impedindo que ele utilizasse cem de cem de todo seu arsenal. 

 

Seus pensamentos enquanto desviava daquele horror de golpes lançados a esmo, ia e vinha na única e definitiva possibilidade destes soldados serem apenas… crianças. 

 

Um gosto amargo surgiu em sua boca. Kai nunca foi medido com suas atitudes, nem de ficar pensativo com coisas que não deveriam ocupar seu pensamento. Mas ver aquele menino apagado… fez algo ruim brotar em sua mente. 

 

E pouco a pouco ele percebeu que não deveria apenas desviar. Não é de seu feitio, tampouco condizia com sua arte de batalha. Ele não gostava de subestimar o oponente, nem de dar pouca valia a ele. 

 

Kai é o tipo de lutador que gosta de ditar o ritmo, a começar por medir a força e as proezas do oponente. Pouco a pouco, a batalha muda e pende à seu favor. 

 

Com o tempo pareceu algo simples, como trocar uns golpes aqui, direcionar os golpes para um só lado, fazer com que o oponente golpeie com apenas uma parte de sua arma, ou golpear com uma parte da sua própria. Ou nas lutas corporais, que duram mais tempo que combate de espadas, observar o jogo de pés, o quadril girando, o olhar flexionando. Tudo isso indicava possíveis direções numa luta.

 

Numa luta de espadas, tudo era decidido num único segundo. Aquele que perdesse, morreria. Uma luta não era sobre vencer ou ganhar. Só havia um vencedor. E dificilmente quando ambos saíam vivos, um deles se mantinha inteiro.

 

Portanto, Kai sempre conseguiu ditar o ritmo, entendendo o fluxo e o diagrama do que cada batalha exige. Algumas poucas necessitavam de um tempo a mais, outras deveriam ser concluídas mais rápido. Mas nenhuma batalha dura mais do que poucos segundos. 

 

Nem mesmo esta deveria durar tanto, mas durou. Cinco minutos inteiros, de esquivas e piruetas. Kai cansou. Suspirou pesado. Sentiu o peso de não fluir chi por suas veias. Mas tudo bem, ele lutaria usando oitenta de cem das suas habilidades. Tudo bem. 

 

Ele notou uma delicadeza maior na arte de empunhar destes guardas, que diferia um pouco do outro guarda nocauteado. Até mesmo aqueles que ele encontrou primeiro eram diferentes do outro jovem.

 

Então será que ele estava sendo cabreiro por nada? Ele perguntou a si. 

 

Cinco minutos. 

 

Os ânimos estavam à flor da pele. Tanto do lado deles, quanto do dele. E tudo mudou de repente. 

 

Por isso a luta foi equilibrada nos primeiros cinco minutos. Kai era uma força capaz de desbalancear uma batalha de grandes proporções. Era capaz de ditar o ritmo. Era capaz de dizer quando começar e quando terminar. Era perspicaz e tinha uma ótima leitura de campo. Era isso. 

 

Mesmo cansado, ele correu em direção aos guardas. Ninguém em sã consciência lutaria contra cem desses, sendo amadores ou não. Mas Kai nunca esteve em sua plena forma de lucidez. Principalmente quando tinha outros assuntos a tratar. 

 

A cena dele partindo sozinho na direção dos guardas poderia ser vista como um ato de força. Mas era simplesmente um ato de loucura. Se estivesse utilizando seu poder, teria cem de cem de certeza que venceria. Mesmo que fossem muitos. Eram só guardas, qual é… 

 

Mas sem chi...

 

Todavia, o bastardo louco não se deteria. Ele iria em frente atrás de seu objetivo. E para os guardas isso soou loucura sim. Era bravata. O mal de Kai Stone. Cantado há eras por Pele-pétrea. Reforçado por outros mais. 

 

Kai Stone era uma avalanche no campo de batalha, não poupando socos e chutes. Girava feito um furacão, com membros leves e pulos articulados. Estava num lugar e de repente estava noutro. 

 

Os guardas olharam assustados para isso, sem entender como alguém se movimentava assim. Tudo que cercava o estranho sujeito era repleto de insanidade. Era insano, era louco. 

 

E Kai era mesmo. Em menos de um minuto, dez caíram e permaneceram deitados para seus socos. 

 

Um minuto. 

 

Ainda não está bom… estou fora de forma” pensou ele. Imagine se os guardas pudessem ouvir pensamentos. Ou imagine se ele fosse arrogante ao ponto de expressá los. 

 

Mais uma avalanche de socos. Kai correu por entre as fileiras e saltou, pousando com o joelho no rosto de um dos guardas. Pronto, acabou a hesitação. Kai afastou todo esse pensamento de sua mente. Não era de seu feitio. 

 

Mesmo que fossem crianças, ele não tinha a ver com nada disso, desde que não os matasse. 

 

Ele se ergueu sobre o corpo do guarda caído e de capacete em estilhaços. Deu uma breve olhada, temendo e rezando para estar errado. Era inevitavelmente irritante não se importar. Iria apenas checar.

 

Não teve uma reação adequada, pois não sabia o que sentir. 

 

Kai não tinha estômago fraco para nada, já viu e fez muita coisa antes. Certa feita, abrira o crânio de um homem com o dobro de seu tamanho e idade, com as mãos nuas. 

 

Mas algo se remexeu nele, tanto por pena quanto por complacência. Ver aquele rosto naquele estado. 

 

Kai se virou com a obscuridade renovada, os olhos faiscando. Quem ouvisse a história, pensaria que este fora apenas um modo de ilustrar um sentimento, dadas as circunstâncias e contexto. 

 

Mas não aqueles que estavam diante dele. Para eles não era necessário teatralizar a situação, porque ela já era assustadora à sua maneira e também porque nada no mundo conseguiria fazer aquele olhar ser apagado de suas mentes. Nada. 

 

Os olhos de Kai realmente soltaram faíscas. Estavam vermelhos, talvez por todo acúmulo de chi que não podia ser liberado. Mas havia raiva. 

 

Kai levou um punho para cima, golpeando quem estivesse mais perto. Girou no próprio eixo, encontrando meia dúzia de tolos, desferindo mais chutes e socos. Nenhum pareceu reagir, só esperar pelo golpe inevitável. 

 

Nem se tentassem, conseguiriam. Era simplesmente rápido demais. 

 

Distante, os outros guardas observavam o desenrolar daquele embate com olhos e bocas arregalados por baixo de seus capacetes fechados. Falando na sua língua um deles se virou. 

 

– Isso é sério? Ele parece um Oni! 

 

Outro deles pigarrou. 

 

– Não se passou nem dois minutos direito e… E ele acaba com eles como se fossem feitos de pano…

 

– Eles sequer têm chance…

 

Para eles, Kai era um demônio. Quanto mais ele avançava, causando rachaduras e destruindo as armaduras de seus parceiros, mais isso se tornava um lembrete vivo de insanidade real.

 

O próprio Kai era uma loucura em forma de pessoa. Para eles, o sujeito era como um demônio feito de força e obscuridade. Seus cabelos longos e desgrenhados caíam sobre sua pele bronzeada que um dia deve ter sido clara. Mas o rosto ainda tinha uma palidez natural, mesmo que também estivesse queimado. 

 

Havia uma cicatriz acima de sua sobrancelha direita, e no pescoço… era feio, doía mesmo de ver. A carne fora dilacerada, e uma enorme cicatriz de queimadura surgia no meio de seu pescoço e descia para o peito. A pele estava marcada por uma cicatriz irregular, como se a própria chama tivesse deixado sua assinatura.

 

Os braços também tinham queimaduras, porém leves. 

 

Eles sabiam quem tinha causado aquilo, e era surpreendente que o autor daquela cicatriz é quem tenha perecido, não a vítima. Isso só confirmava mais a sua opinião… 

 

Era o veneno de um dos Ministros. Kai estar vivo depois disso era simplesmente loucura. 

 

Sangue pingava por entre suas mãos enquanto ele deslizava por entre os guardas com passos suaves, parecendo estar em cima de gelo. Suas mãos alternavam em movimentos, por vezes espalmadas, por vezes se fechando em punhos. 

 

Eles viram por um tempo incontável e respiração presa aqueles punhos causarem dano aos guardas. O sangue sobre ele se acumulava. Loucura.

 

– Oni! Segurem o Oni! Temos que pará-lo! 

 

Totalmente ignorante à conversa dos guardas, Kai seguiu num fluxo de sangue e dor, tanto de seus punhos quanto da cicatriz. Ela parecia latejar com uma dor contida, como se a ferida ainda estivesse viva e pulsando com uma energia própria. 

 

A pele ao redor dela parecia sensível ao toque, mais sensível ainda aos movimentos de respiração. Era como se algo lá dentro fosse espetado e algo ali fora fosse o espetador. Como se a dor da cicatriz ainda estivesse presente, esperando para ser despertada. 

 

E Kai tinha uma memória ótima. Uma memória forçada a ser ótima. O ar parecia vibrar com a dor da cicatriz, como se a própria atmosfera reduzida, a força gravitacional imensa estivesse impregnada com a memória da agonia. 

 

Mas nada se assemelhava à raiva que pulsava dentro dele. Kai finalmente tinha se tocado, e isso foi revelador. A memória era como uma faca afiada que cortava o presente, o deixando a sangrar com a dor do passado. 

 

Olhar para esses meninos… Kai era uma marionete. De Siobhan? de Enoryt…? dos Murphy? Será que sua amizade com Ardara fora real ou forjada…? Será que o amor… 

 

De repente era como se ele fosse o escravo que sente afeição por seu senhor. Era afeição…?

 

Todo esse tempo, até mesmo agora, Kai era uma marionete com cordas quebradas, dançando ao vento da liberdade, mas preso às sombras da manipulação. 

 

Kai pulsava em ardor, com raiva. Será que tudo o que ele sentia, fazia e pensava era manipulado pelos vermelhos do norte? 

 

Ele desviou de um porrete e afundou seu punho no peito do guarda, fazendo-o voar longe. Estava irado e descontava a raiva nesses coitados. 

 

Kai se perguntava quantas vezes havia dançado ao som do titereiro, quantas vezes havia se deixado levar pela manipulação. Quantas coisas eram realmente suas? 

 

De repente ele foi cercado por quase 20 guardas. Eles gritavam entre si na língua estúpida deles. Kai só queria acabar com aquilo. Ele acabaria.

 

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