A Terceira Lua Cheia Brasileira

Autor(a): Giovana Cardoso


Volume 1

Capítulo 23: Prenúncio

"Ser humano é conviver com incertezas, entendendo que a vida é feita de sutilezas, e que o verdadeiro desafio é encontrar paz dentro dessa complexidade."

(Consciência, Marcus Elion)

 

8ª Lua Cheia do ano 1647

Lua da Luz, dia 26

 

 

Shin jamais teria imaginado que a forma mais rápida de atravessar o desfiladeiro seria com um dragão bestial cuspindo fogo sob sua cabeça. A parte boa era que estavam finalmente chegando ao fim, porém a saída mais próxima para não serem torrados, era entrar em Ryokume. Ali, estariam cercados por montanhas. As opções seriam, lutar e tentar voltar pelo desfiladeiro, ou permanecer ali e deixar que as chamas os alcançassem.

— Depressa! — gritou. Já era possível ver o fim do desfiladeiro a frente, precisava pensar em uma estratégia.

"Se eu falhar, estarei condenando a todos nós."

Shin estreitou os olhos, esforçando-se para enxergar com clareza através do brilho das chamas que os cercavam. Enquanto corria, era difícil até mesmo pensar, e o desfiladeiro parecia se tornar cada vez mais estreito. Então, como uma promessa de salvação, a entrada de Ryokume brilhou a frente. Ele respirou fundo, tomando o fôlego necessário para terminar a corrida.

“Tenho que arriscar...”

“Kaenjin”, chamou em sua mente. “Estou aqui, estou de volta! Ajude-me!”

Não houve resposta.

Mais alguns passos e estariam fora da “proteção” das paredes do desfiladeiro. Aquela seria a parte mais perigosa. Não adiantaria tentar uma retirada, era lutar ou morrer.

“Kaenjin!”

Nada.

Tudo ficou silencioso de repente. Os segundos pareciam se arrastar enquanto Shin corria.

Um passo.

Dois passos.

Três passos.

O portão de Ryokume estava a poucos metros de distância.

Quatro passos.

Cinco passos.

Tudo que Shin ouvia era o som de sua própria respiração e o pulsar de seu coração que parecia prestes a explodir.

Seis passos.

Sete passos.

“Concentre-se!”

Oito passos.

Nove passos.

“Agora!”

Shin cruzou o portão como um raio, virando-se de costas para ver o dragão se aproximando em alta velocidade. Bastou meio segundo para se posicionar. De onde estava, conseguia ver seus aliados se aproximando, mas estavam a uma distância segura.

Respirou fundo mais uma vez. “Concentre-se!” O dragão estava muito perto agora, preparando-se para o ataque. Fogo contra fogo, quem seria mais rápido? Então Shin explodiu em chamas. Girou e direcionou uma rajada mortal em direção ao dragão atingindo-o em cheio.

O dragão rodopiou no ar, soltando um grito estrondoso, mas conseguiu se recompor segundos antes de atingir o chão. Afastando-se um pouco para pegar velocidade, retornou com toda sua força na direção de Shin. Mas atingiu violentamente uma parede de rocha que surgiu a sua frente. Os outros finalmente tinham alcançado o portão.

Kenji e seus homens estavam ordenados a frente, levantando paredes para limitar os movimentos do dragão. Haruka, Ryota e Hikari vinham pelas laterais, cobrindo Akemi e Yuri. Eles pareciam ter um plano.

— Shin! — Kenji chamou. — Traga ele para cá!

Foi então que ele compreendeu. As paredes deixariam o dragão sem muito espaço para movimentos, possibilitando que se aproximassem.

O dragão se aproximava de novo, mas Shin não arriscaria usar as chamas novamente com seus aliados tão próximos, ao invés disso, usou sua magia da sombra, prendendo a calda do dragão e arremessando-o para frente. Foi o suficiente. Ryota o alcançou antes mesmo de chegar acima da armadilha, puxando-o para baixo com força.

A besta atingiu o chão com um baque, espalhando poeira por todos os lados. Agora tudo que precisavam fazer era ter cuidado com as chamas e tentar se aproximar o máximo possível para atingi-lo com as lâminas.

O silêncio tomou conta enquanto esperavam, atentos, a poeira baixar. Não havia nenhum sinal de movimento quando Shin se aproximou do local. Ryota foi o primeiro a surgir em seu campo de visão. O cabelo preso num rabo de cavalo balançando enquanto ele se virava para Shin com um sorriso orgulhoso que raramente deixava escapar. Shin sorriu de volta, aproximando-se mais.

Mas então uma sombra se ergueu atrás de Ryota, bufando fumaça. O dragão estava bem perto e arrastava uma das asas por causa da queda. Sua cabeça era quase tão grande quanto um homem adulto, com dentes afiados despontando de sua boca enorme, e por um segundo Shin visualizou o pior cenário possível. Estava perto demais de Ryota, nem mesmo ele conseguiria escapar.

Shin abriu a boca com um grito preso na garganta. Mas o dragão deu meia volta, alguma coisa ou alguém chamou sua atenção do outro lado. No entanto sua grande calda ricocheteou, atingindo Ryota e jogando-o contra a parede de pedra.

Quando Shin percebeu, já estava correndo. Ryota estava caído de lado com o braço direito dobrado em uma posição anormal. A testa banhada de sangue.

“Merda!”

Não havia tempo para conferir se ele tinha sobrevivido àquilo, precisava fazer algo. Shin sacou a espada e correu pela cortina de poeira que se levantava a cada movimento do dragão.

O grupo estava dividido em dois. Kenji e Yuri estavam na dianteira enquanto Akemi e Hikari focavam nas pernas da besta. Os soldados de Kenji davam cobertura, erguendo escudos de terra sempre que o dragão lançava uma lufada de chamas.

— Precisamos nos aproximar mais. Kenji, me dê cobertura! — Yuri gritou.

Com sua lança, Kenji chamou a atenção do dragão para si, dando estocadas contra a pele dura. Ele berrava, agitando-se de dor e lançando chamas para todos os lados. Haruka tentava segurá-lo com a magia da sombra, mas não aguentaria muito tempo sozinha.

Yuri estava se preparando para atacar, pela sua expressão séria, estava focando no pescoço. Shin não podia deixar que o dragão o visse. Aproveitando a abertura que Kenji conseguiu, Shin correu, contornando a lateral do animal e golpeando-o por baixo, na região da barriga. Ele soltou um grito gutural, tentando se virar para encontrar Shin, mas ele juntou-se a Haruka com sua magia da sombra, prendendo o animal com firmeza no chão. Nesse momento, Yuri saltou, seus movimentos foram perfeitamente calculados, e como um verdadeiro caçador de dragões, ele desferiu o último golpe, cortando a cabeça fora. Havia beleza na forma como Yuri se movimentava. Era como um deus da guerra. Shin se perguntou se algum dia se parecera tão gracioso em batalha quanto ele.

Estava acabado.

Finalmente, relaxaram, liberando a magia e largando o corpo enorme do dragão na areia. O cansaço pareceu tomar conta de Shin quase instantaneamente. Mas não poderia descansar agora, havia algo importante a ser feito.

— Não! — Um grito desesperado cortou o ar.

Hikari havia atravessado a área e estava agachada ao lado de Ryota. Shin fechou os olhos com força, como se ao fazer isso pudesse mudar alguma coisa ou diminuir o sofrimento da amiga. Seus pés falharam enquanto se juntava a ela. Se conheciam há muito tempo, desde que serviram como emissários do clã Yamagawa. Hikari havia esticado o braço dele com cuidado ao lado do corpo e colocado sua cabeça em no colo dela. Chorava enquanto o balançava de um lado para o outro. Ao vê-los assim, Shin sentiu uma dor desesperadora no peito. Aqueles dois eram muito mais que soldados, eram amigos, eram família.

— Não me deixe, não me deixe, não me deixe... — Hikari entoava, como se já não se lembrasse de como parar. As lágrimas escorriam pelas bochechas e caiam em torrentes pelo queixo.

Os outros mantiveram distância, como se quisessem dar privacidade a eles. Shin permaneceu imóvel. Não havia nada a fazer, certo? Então ao menos deixaria sua amiga sofrer a perda de quem ela amava por um momento.

— Hi...ka...ri...

Shin arregalou os olhos surpreso. Ele não havia dito nada, estava ficando louco? Os dois permaneciam da mesma forma no chão.

— Hikari... — Ryota pronunciou com um pouco mais de força dessa vez, assustando-a. — Assim está me deixando tonto...

Hikari soltou um grito.

— Seu idiota! Como pode ser tão imprudente? — Hikari se curvou sobre ele e voltou a chorar. — O que eu faria sem você?

Em resposta a isso, tudo que Ryota fez foi sorrir e abraçá-la com seu braço bom. Nem parecia ter notado a presença de Shin ali.

Quando Shin foi se juntar aos outros, sorria também. Apesar dos ferimentos, Ryota parecia radiante.

— Ele está bem — anunciou, sentando-se no chão. Atrás deles as ruínas da cidade brilhavam sob o sol.

Finalmente poderiam descansar um pouco.

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