Volume 1 – Arco 1

Capítulo 13: Ossos e Conflitos - Parte 3

Fora da diretoria, o corredor mergulhava num silêncio pesado, só quebrado pelo som apressado dos passos de Misha. Ela andava como uma tempestade prestes a explodir. Quinn veio atrás, cuspindo raiva com cada passo, até alcançá-la.

— Ô, porra, tu vai aonde, caralho? — grunhiu Quinn, se aproximando rápido. — Tu acha mesmo que vai meter o pé assim, como se nada tivesse acontecido? Tá achando que é quem, hein, filha da puta? A gente tá junto nessa merda, cacete!

Foi aí que ele alcançou ela de vez. Num impulso bruto, puxou-a pelo braço e a girou com força, fazendo seu corpo se virar bruscamente até ficarem frente a frente. Ele a encarou como um animal selvagem, o olhar queimando ódio. Mandíbula rígida. A voz, mais baixa agora, soou como um trovão sufocado.

— Escuta essa merda direito: se tu não se entregar, vai arrastar todo mundo pro fundo junto contigo. Eu tô tentando salvar minha família, porra! Mas tu... tu só sabe foder com tudo, caralho. — A voz dele era grave, cuspida, quase um rosnado. — Vai deixar os outros pagar pelas tuas merdas? Porque, se for, eu juro por Deus... eu mesmo acabo com isso aqui, e contigo também.

Misha estava tão próxima de Quinn que sentia sua respiração pesada. Ela o encarou firme, dizendo que não se entregaria a ninguém, que não se importava com a família dele e que matou Veyron porque ele queria abusar ela — falou sem hesitar que não seria a culpada para salvar ninguém, que cada um deveria arcar com suas próprias consequências. 

Quinn rangeu os dentes, a mandíbula tremendo. As veias saltavam no pescoço, o rosto queimando de raiva, os olhos fixos nela como lâminas. O peito arfava, as mãos cerradas, o corpo inteiro tensionado como uma mola.

— MAS VOCÊ É A CULPADA, PORRA! — berrou, e no mesmo instante, tudo ao redor parecia desacelerar — o som distante, o vento parado, os olhares congelados. Ele baixou a cabeça em lentidão. Seus olhos não desgrudaram dos dela, mas manteve o olhar fixo nela, como um predador prestes a atacar. E então, tudo voltou de uma vez. Com um impulso seco, ele desferiu um chute brutal no estômago dela, rápido demais para ela reagir.

O impacto foi violento. Misha foi arremessada para trás com a força da investida contra o chão liso do corredor. Misha rolou com força, os ombros raspando no piso polido, os joelhos batendo com violência. Parou com um gemido preso na garganta, o corpo curvado e ofegante. A mão foi instintiva ao estômago, apertando com força a área atingida, enquanto as pernas tentavam se firmar. O peito subia e descia rápido, e os olhos, marejados, buscavam o foco à frente. Ela se ergueu com dificuldade, cada músculo contraído pela força do golpe. A boca entreaberta, respirando com dificuldade, os dentes rangendo.

Quinn a fixou com um olhar carregado de desprezo, quase um nojo esculpido em sua expressão. Seus olhos azuis brilhavam com uma intensidade sobrenatural, como se seus poderes estivessem se ativando aos poucos — pulsando, vivos. O ambiente ao redor parecia escurecer sutilmente, como se o brilho feroz em seu olhar consumisse a luz em volta, tornando tudo mais sombrio e tenso ao seu redor.  

— Muito burra mesmo... Matou o Veyron e acha que vai sair dessa limpa? Você não entende o que fez, né? Se a polícia mágica botar os pés na minha casa por sua causa, não vai ser só você que vai apodrecer na cadeia — ele cuspiu as palavras como se fossem veneno. — Eu e meus pais, vamos ter que pagar por sua burrice. Vai afundar todo mundo, sua puta. E o pior é que você nem percebeu o estrago que fez, né.

Ele parou por um instante, o olhar ainda fixo nela — pesado, intenso, como uma muralha prestes a desabar. Ela o encarava de cabeça baixa, os fios de seus cabelos caindo sobre o rosto, as mãos pressionadas contra a barriga em uma tentativa falha de conter a dor que a consumia por dentro. O chute havia desestabilizado seu corpo por completo, e mesmo assim, ela permanecia ali, tremendo, mas sem recuar.

Então, antes que ela pudesse reagir, ele desferiu outro chute, mais forte, direto contra seu peitoral. Misha caiu com força, o corpo batendo contra o chão do corredor, o impacto ressoando nas paredes. O ar escapou de seus pulmões num gemido abafado, e ela levou as mãos instintivamente ao peito, onde o golpe tinha afundado como uma marreta. 

Com um braço trêmulo, ela começou a se arrastar pelo chão, os cotovelos raspando contra o piso enquanto seus joelhos dobravam com dificuldade. Cada movimento era penoso, o corpo reagindo com espasmos curtos, mas ela insistia, uma mão se esticando à frente como se quisesse tocar algo invisível. As pontas dos dedos começaram a vibrar levemente, um brilho fraco surgindo por um instante… e sumindo logo depois, como se algo dentro dela estivesse quebrado.

Quinn observava, parado, sorrindo. O olhar dele era uma mistura de diversão e desprezo, como se aquilo fosse um espetáculo privado só para ele. Misha não olhava diretamente para ele — não por medo, mas por necessidade. Seus olhos corriam entre as próprias mãos, os músculos retesados, tentando evocar qualquer centelha, qualquer fragmento de poder que respondesse.

Ela gemeu baixo, arrastando-se mais um pouco, o peito subindo e descendo com dificuldade, a respiração curta e os dedos arranhando a poeira fria do piso polido. Mesmo de costas para Quinn, seus olhos começaram a brilhar com uma luz amarela intensa, tão forte que parecia pulsar sob a pele. Finalmente, seus poderes despertavam. As mãos dela também emanavam aquele mesmo brilho dourado, como se estivessem carregadas de força pronta para explodir. De repente, no mesmo instante, ela virou o corpo rapidamente, encarando Quinn com um olhar feroz que o fez recuar, surpreso e assustado. Sem perder tempo, ela ergueu as mãos trêmulas, e a poeira e os grãos de sujeira no chão responderam como se fossem uma extensão do seu corpo. As partículas se moviam e deslizavam pelo ar, seguindo cada movimento de seus dedos e pulsos com precisão. Com um gesto rápido e firme das mãos dela, a sujeira se enrolou ao redor de Quinn, apertando-o contra a parede com força, imobilizando-o totalmente. O barulho suave da particulas de pó raspando na parede ecoava enquanto ele lutava para se soltar. 

Quinn se debateu, arrancando desesperadamente o manto de partículas de poeira que o esmagavam contra a parede, mas era inútil — as partículas de poeira e sujeira giravam incessantemente ao redor dele, nunca diminuindo o ritmo, como um laço que se fechava sem fim, sufocando sua resistência e roubando seu fôlego. Misha ergueu-se lentamente, com uma presença fria e implacável, os olhos incendiados em puro ódio. Ela caminhou até ele, firme, dominadora, as mãos brilhantes erguidas, pronta para esmagar o pouco que restava de resistência.

O corredor mergulhou num silêncio sufocante, como se o ar tivesse sido drenado do ambiente. Quinn, preso contra a parede pelo aperto dos poderes dela, respirava com dificuldade, os olhos arregalados em pânico. O som que escapou de sua boca foi um sussurro trêmulo, rouco e carregado de desespero. Quinn implorava para que ela parasse, acusando-a de ser suja, de não lutar de igual para igual, como se aquilo fosse uma traição às regras não ditas entre caçadores. Sua voz mal se sustentava — tão fraca e humilhante que parecia vir de outra pessoa, alguém quebrado, alguém que nem ele reconhecia mais. 

Misha não se moveu. O brilho nos olhos permanecia aceso, estável, enquanto o rosto mantinha uma calma fria. Um sorriso apareceu em seus lábios, gélido e cortante, sem sinal de compaixão. Ela o observava como quem assiste ao fim inevitável de algo já condenado, sem qualquer hesitação ou pena.

— Reze — disse ela, sem perder a compostura.

Antes que ele pudesse sequer erguer a cabeça e abrir a boca, os punhos dela desabaram como martelos de ferro. Cada golpe era um estilhaço de raiva pura, acertando o rosto dele com uma força que parecia querer partir o mundo ao meio. O sangue jorrou do nariz, quente e implacável, manchando o chão; um olho inchou rapidamente, a pele roxa e vermelha já denunciando a violência brutal da agressão.

Quinn se encolheu, ofegante, o corpo tenso pela dor, os braços ainda erguidos em uma defesa instintiva e inútil. Sua voz saiu distorcida pela raiva e humilhação, um rosnado abafado entre dentes cerrados, implorando para que ela parasse — não por fraqueza, mas por puro orgulho ferido.

Misha respirou fundo, o peito subindo e descendo rápido, os olhos fixos nele como uma lâmina afiada.

Quinn engoliu o nó na garganta, levantou a voz com dificuldade, e a prece se transformou em um lamento quase desesperado. Misha deixou escapar um sorriso cruel e, sem aviso, desferiu um último soco no rosto dele. O sangue jorrando do nariz no mesmo instante, escorrendo em filetes sobre a boca entreaberta e a mandíbula trêmula. O inchaço começou a se formar rápido, deformando o centro da face, mas ela permaneceu onde estava, parada, firme, olhando para ele com total ausência de piedade.

Aos poucos, como se já tivesse encerrado o que precisava fazer, os brilhos em seus olhos começaram a desaparecer, perdendo intensidade até sumirem por completo. As mãos, antes envoltas na energia que o mantinha preso, cederam. O aperto de poeira e sujeira contra o corpo de Quinn se desfez num estalo silencioso, como fumaça se esvaindo no ar. Ele caiu no chão, gemendo de dor, com as mãos tremendo e o corpo fraco. Misha continuava olhando para ele, impiedosa, enquanto seu próprio corpo ainda pulsava com a dor no estômago, mas sua mente estava longe disso — apenas focada em destruir o orgulho daquele homem que ousou tocar nela.

Misha sentiu o impacto daquela verdade se espalhar por seu corpo como um fardo súbito e incontestável. Não era pena por Quinn — era o reconhecimento cru de que tinha passado dos limites. Ela se deixou levar pela raiva, pelo impulso cego, e esqueceu que ele nem sequer usou seus poderes. Foi ela quem perdeu o controle. Uma parte dela, a que se dizia digna de uma Tita, havia se calado no instante em que ela escolheu esmagar em vez de confrontar com honra. O peso dessa falha apertou seu peito. Ela não precisava matá-lo. Não agora. Porque, naquele momento, entendeu: não era digna de decidir quem caía. Não daquele jeito. Se Quinn merecia ajuda, Nael — o deus em quem ainda acreditava — saberia como agir. E se por acaso o divino quisesse... então ela estaria pronta para ajudá-lo. Mas jamais, nunca mais, deixaria que ele a ferisse impunemente.

Misha abriu os olhos e falou, sua voz rouca, mas carregada de uma convicção inquebrável:

— Nunca mais encoste em mim. Se Nael quiser, ele fará o que tem que ser feito. Mas se ele não fizer... — Ela se inclinou levemente, encarando Quinn como se atravessasse sua alma. — Eu mesma vou terminar o que comecei. E da próxima vez... eu te mato.

E então, virou-se, caminhando com passos pesados, o corpo doendo, mas o espírito firme. Ela não era mais vítima. E ele jamais voltaria a vê-la fraca.

Quinn ficou caído no chão, o nariz e os olhos inchados, os lábios sangrando, e a respiração entrecortada entre as orações desesperadas que ainda murmurava. Suas mãos tremiam — uma mistura de dor, raiva e humilhação o consumia por dentro. Ele nunca imaginou que Misha, mesmo ferida, fosse capaz daquilo. Aquela manipulação absurda de poeira e sujeira ... ele sequer entendia como aquilo o prendeu, o controlou, o humilhou daquele jeito.

Ele cuspiu sangue no chão e apertou os punhos contra o piso. Socou a ceramica repetidas vezes, até seus dedos sangrarem, frustrado, furioso por não ter conseguido se soltar daquelas particulas malditas, daquela prisão de sujeira e poeira que ela criara. Se ao menos houvesse um pouco de água por perto... uma gota, qualquer coisa. Ele teria virado o jogo. Teria mostrado o lugar dela. Colocado ela de volta no chão.

Mas ali, no silêncio sujo daquele espaço, ele só sentia a poeira subir de novo, zombando dele.

— Filha da puta, vagabun-... — sussurrou, a voz falhando.

Quinn não esqueceria. Não perdoaria. Misha podia ter saído andando com a cabeça erguida, mas ele ainda estava vivo. E mesmo que soubesse que ela era perigosa, capaz de reduzi-lo a pó com um gesto, isso só aumentava sua sede de vingança. Ele não deixaria isso limpo. Nem hoje, nem amanhã. Ela não sairia impune.

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