No cemitério, o ar era pesado, quase sufocante, enquanto Trrira se agachava diante de um dos túmulos, pressionando as mãos contra o chão frio e úmido. O silêncio era rompido apenas pelo som ocasional de pedras quebradas das estátuas destruídas que ela havia enfrentado. Os olhos de Trrira, concentrados, brilhavam intensamente em tons vibrantes de verde, como esmeraldas vivas pulsando com energia mágica, enquanto ela marcava os túmulos que já havia conferido. Com os dedos firmemente plantados no solo, ela canalizava seus poderes, e os musgos e vinhas começavam a crescer, se espalhando como pequenos rios verdes ao redor das lápides.
Mas quando virava as costas, os túmulos ainda moviam-se de lugar, zombando de sua busca. Ela respirou fundo, e o ar ao seu redor pareceu se aquietar, como se a própria natureza aguardasse seu próximo gesto. A frustração ainda queimava sob sua pele, mas foi abafada por algo maior — uma força que crescia dentro dela, pulsando com um ritmo ancestral. As mãos, antes trêmulas, agora se erguiam com firmeza, brilhando intensamente em tons esverdeados, como tochas vivas alimentadas por magia pura. Seus olhos acenderam-se ainda mais, dois faróis místicos que refletiam a conexão com o mundo natural. O chão respondeu. Do solo seco, vinhas espessas e enraizadas se ergueram com majestade, movendo-se como serpentes sagradas, envolvendo cada lápide com delicada brutalidade. Elas as ancoravam ao chão como se devolvessem sua memória à terra, cravando raízes invisíveis que vibravam com um poder antigo — o poder que agora fluía por completo em suas veias.
Trrira fechou os olhos por um instante, sentindo o pulsar da natureza ao seu redor. Ergueu uma das mãos rapidamente à altura do rosto, os dedos vibrando com uma energia poderosa. Seus lábios se moveram com firmeza enquanto ela pronunciava um encantamento. Ao redor dela, o ar pareceu silencioso — como se a floresta estivesse escutando. E a magia respondeu, fluindo como se tivesse encontrado o caminho certo. Seus olhos brilhando enquanto uma pequena rosa cor de rosa brotou em sua palma. Ela abriu um leve sorriso, colocando a flor no chão. A rosa começou a se multiplicar, formando uma linha viva que se estendia lentamente, serpenteando em direção à borda do cemitério.
Sem perder mais tempo, Trrira seguiu as flores. Pulou a cerca enferrujada com agilidade, as botas mal tocando o solo antes de se lançar novamente em direção à trilha. As rosas guiavam-na até a floresta ao lado do cemitério, onde uma única cerejeira morta, retorcida e imponente, se erguia solitária.
Ela parou diante da árvore morta e do túmulo que descansava sob suas raízes. "É aqui..." Trrira pensou, sentindo uma mistura de alívio e frustração. Todo aquele tempo dentro do cemitério havia sido inútil, e ela se amaldiçoou mentalmente por não ter considerado procurar do lado de fora antes.
As rosas pararam de nascer, formando um pequeno campo ao redor da lápide. Com determinação renovada, Trrira ajoelhou-se no chão, amassando as rosas com o joelhos e pressionando ambas suas mãos contra o solo. Seus olhos e suas mãos brilhando e as energias fluindo de seus dedos, fazendo com que raízes e folhas próximas começassem a se transformar. Elas se aproximaram das mãos de Trrira, se moldando rapidamente em uma pá improvisada.
Enquanto Trrira cavava, ela sentia o coração bater forte. O cemitério, agora distante, parecia observá-la, mas ela não ousava olhar para trás. Cada pedaço de terra removido era um passo mais perto de sua resposta, e nada — nem as estátuas quebradas, nem os túmulos zombeteiros — a faria desistir agora. Ao terminar de cavar, o som das raízes e folhas empurrando a terra ecoando na floresta silenciosa. O caixão, de madeira escura e desgastada, finalmente apareceu. Trrira inclinou a cabeça para o lado, analisando-o com desconfiança.
Ela desceu no buraco com a bolsa em mãos, suspirou profundamente, apoiando as mãos na cintura. Fez uma tentativa de abrir a tampa com força bruta, mas a madeira sequer cedeu.
— Como você conseguiu trancar o próprio caixão, Rowena? Isso nem faz sentido.
Irritada, Trrira respirou fundo para se acalmar. Seus dedos começaram a brilhar novamente. Os olhos dela ainda brilhavam intensamente. Erguendo a mão direita, uma folha surgiu no ar, flutuando delicadamente, antes de começar a girar em alta velocidade, transformando-se em uma serra cortante. Trrira a guiou com precisão, com movimenos ágeis e mágicos de suas mãos, a folha cortava o caixão com um som agudo e limpo. Em segundos, um buraco retângular perfeito se fez na tampa do caixão. Ela segurou o pedaço cortado e o jogou para o lado, revelando o conteúdo sombrio do caixão.
Dentro, o esqueleto de Rowena Cinder repousava, envolto em trapos do que antes poderia ter sido um vestido. Trrira parou, sentindo um calafrio ao encarar o corpo. Ela começou a vasculhar dentro do caixão, tentando não pensar no que suas mãos estavam tocando. Após alguns segundos, sentiu algo sólido e frio embaixo dos trapos. Com cuidado, puxou o objeto: um jarro de barro antigo, decorado com padrões que não reconhecia.
— Um jarro? — ela si perguntou. Virou o objeto, procurando algum significado ou símbolo que pudesse explicar sua presença. — Mano, você é mais estranha do que eu pensava.
Colocou o jarro na bolsa e voltou a vasculhar. Seus dedos tocaram algo novamente, tambêm embaixo dos trapos, desta vez uma superfície áspera, lisa e ligeiramente curva. Puxou o objeto e o examinou. Era uma máscara cinza-azulada, com símbolos em espirais detalhados que pareciam pulsar com energia própria. Seus olhos brilharam de curiosidade, embora não soubesse o propósito do item. Guardou a máscara cuidadosamente ao lado do jarro.
Ainda sentindo uma inquietação crescente dentro do peito, Trrira não se deu por satisfeita. Algo naquela cova parecia chamá-la silenciosamente, como um sussurro vindo das profundezas. Ela prendeu a respiração e mergulhou o braço com um pouco de hesitação dentro do caixão antigo. Em meio aos restos de panos deteriorados e ossos frágeis, sua mão encontrou algo inesperadamente frio: uma esfera opaca, de um rubro profundo, como sangue coagulado sob vidro. Ao tocá-la, um espasmo percorreu sua pele, subindo em espiral por seus braços até atingir a nuca, onde explodiu em uma onda de dormência. Seu corpo estremeceu. Seus olhos, de tons verdes, começaram a brilhar em vermelho intenso, e sua boca se abriu contra sua vontade, soltando um som grave, rouco, como um grito abortado nas profundezas do peito.
As visões chegaram como pancadas secas, rasgando sua mente com imagens desconexas. Uma sala modesta, com móveis gastos e papel de parede florido e esmaecido. Ali, Rowena — uma criança frágil — observava, sem pestanejar, suas tias ajoelhadas sobre pregos enferrujados, com as mãos em oração. A mãe dela, de vestido simples e olhos secos, puxava um estilete de lâmina curva e, num gesto mecânico, arrancava o próprio olho, depositando-o em uma bacia de louça lascada. Um rádio sibilava ao fundo, tocando uma canção antiga, mas a melodia se perdia em chiados e murmúrios de dor. O ar ali tinha cheiro de ferro e humilhação.
Um clarão atravessou a mente de Trrira como um estalo seco. As paredes onde fotos em preto e branco de sete adolescentes estavam pregadas em tábuas envelhecidas. Os rostos nas fotos exibiam expressões vazias e espectrais, como se presos em cenas de crimes não resolvidos. Essa lembrança cruel e silenciosa passou rapidamente pela sua mente, deixando um peso gelado no peito e uma sensação de horror profundo que pareceu se fundir à própria carne.
A visão transmutou mais uma vez, não mais dentro da casa, mas diante dela — em sua fachada antiga e silenciosa, como se o tempo tivesse parado para preservar um momento amaldiçoado. Era ali, sob o alpendre carcomido e diante da porta de madeira carunchosa, que Rowena, agora uma jovem adulta, estava de pé sobre um enorme e antigo símbolo entalhado no solo. Seus pulsos cortados pingavam um sangue lento e espesso, que escorria até as raízes famintas do símbolo profano. Seus olhos, completamente negros, encaravam a distância com um vazio sepulcral. Sua boca se abria em um formato fantasmagórico, como se tentasse chamar algo que dormia sob a terra. Atrás dela, uma fila desumana e interminável serpenteava pela estrada de terra batida: homens e mulheres de diferentes épocas, seus corpos nus, olhares vazios e braços sangrando com cortes rituais. A cada passo, um gotejar ritmado alimentava a terra escura, enquanto o vento parecia sussurrar em línguas esquecidas. Trrira sentiu o chão vibrar sob seus pés — não como testemunha, mas como parte viva daquele acontecimento, sentindo o frio das pedras no corpo e o gosto do sangue em sua língua.
Trrira despertou com um tranco seco, tombando para trás sobre a terra úmida ao lado do caixão. Ela cambaleou para trás, ofegante, suada, com os olhos arregalados. As mãos cobriam os ouvidos, que ainda gotejavam lentamente, e manchas rubras se formavam abaixo de seu nariz. As lembranças da visão ainda dançavam no fundo de seus olhos. Seus ombros tremiam sem controle, como se cada fibra muscular rejeitasse o que havia sido gravado em sua mente. O mundo ao redor parecia distante, silencioso demais. Mas a esfera rubra continuava ali, imóvel dentro do caixão, pulsando levemente como se ainda a observasse.
Dias se passaram desde a perturbadora experiência de Trrira no cemitério. Em casa, o peso dos acontecimentos ainda pairava sobre ela. Os artefatos que encontrou estavam agora guardados em uma caixa de vidro reforçada, cuidadosamente escondidos sob sua cama. A cada vez que entrava no quarto, sentia como se a energia mágica daqueles objetos emanasse uma presença, silenciosa, mas constante, intocados, mas nunca esquecidos. Ela sabia que aqueles objetos guardavam segredos e histórias que poderiam ser cruciais para entender o que havia de errado — não apenas com Rowena, mas talvez com o próprio mundo ao seu redor.
As visões que teve no caixão de Rowena ainda a assombravam. Imagens de Rowena tão jovem, a lua de sangue e a sensação terrível de estar presa no corpo dela faziam sua mente trabalhar incansavelmente. Ela sabia que qualquer uso irresponsável poderia ter consequências irreversíveis.
Trrira tinha compartilhado algumas informações com seus amigos por telefone, alertando que um dos objetos era amaldiçoado. Ela falou sobre a caixa de vidro, acreditando ser a melhor forma de proteger o artefato — tanto para eles quanto para ela mesma. Embora ainda estivesse profundamente curiosa sobre a verdadeira natureza daqueles itens, sabia que era mais seguro não mexer neles sem obter informações adicionais.
Mesmo assim, a conversa com seus amigos foi marcada por sua inquietação. Ela explicou como seus pais, furiosos após descobrirem sua mentira, haviam imposto severas restrições. Trrira estava proibida de sair por um longo período, mas Trrira, obstinada, não conseguia aceitar isso. Apesar das proibições, ela descobriu algo importante durante a aventura no cemitério: ela não era tão fraca quanto pensava. A experiência, por mais aterrorizante que tenha sido, mostrou a ela que era capaz de enfrentar desafios maiores do que imaginava.
Após o acontecimentos recentes. O tempo passava. Ártemis, Vanpriks e Leonarda haviam discutido sobre os artefatos que Trrira encontrara, especulando sobre suas origens e implicações. Ao compartilharem com Glomme, Firefy e os demais, todos logo entenderam que havia uma maldição envolvida naquele objeto estranho. Decidiram investigar os outros relatos antigos registrados em jornais e arquivos esquecidos, certos de que havia algo mais profundo ali. A informação de que os artefatos estavam enterrados com uma mulher considerada louca — e que causavam visões perturbadoras — apenas aumentou o interesse do grupo.
Vanpriks, em especial, ficou obcecada ao saber da existência de um jarro de barro entre os itens. Seus olhos brilharam, e ela chegou a comemorar com Leonarda: aquele jarro seria dela.
Enquanto todos pareciam mergulhar com entusiasmo nessa nova era de investigações e mistérios, Quinn, isolado em seu dormitório, vivia um colapso silencioso. Recebia ligações ininterruptas dos pais, pressionado pelas acusações da influente família Javen. O nome Veyron surgia como um espectro em cada conversa. Seu pai, cada vez mais alterado, não escondia a frustração. Quinn só queria ajudar, mas sabia que apenas uma pessoa poderia resolver aquilo — a assassina de Veyron Javen, aquela desgraçada.
E com Glomme não foi diferente, passava os dias e noites enterrado na biblioteca, tão constante entre os corredores de estantes que já era ignorado pelos próprios bibliotecários. A obsessão pela verdade por trás da Lua de Sangue consumia cada minuto. Nada mais importava — nem o sono, nem as refeições, nem as vozes que passavam ao redor. Se ninguém mais fosse capaz de ajudar Gumer, ele seria. Dormia encolhido entre livros antigos, rodeado de anotações rabiscadas e velhas enciclopédias abertas. Sua missão era tudo.
Do outro lado dessa busca, Firefy seguia um caminho inesperado. O que começou como uma investigação discreta nos clubes nerds — em busca de pistas sobre artefatos — logo se transformou em algo mais. Entre debates sobre filmes de ficção, teorias sobre multiversos e jogos de cartas, ela se descobria sorrindo, falando mais, opinando. Uma parte dela ainda carregava a timidez habitual, mas outra começava a emergir: mais segura, mais viva. Era estranho se permitir, mas ela sentia — estava mudando.
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