Volume 1
Capítulo 4: Três Demônios e uma Menina Entraram num Bar...
— O quê? Ei… o que foi que aquela criatura acabou de chamar aquele moleque?
A pergunta cortou o ar, vinda de um homem sentado ao fundo do bar. Sua voz, embargada de incredulidade, ecoou pelo ambiente agora silencioso. Todos estavam em choque.
A demônia girava a taça entre os dedos com uma calma provocante.
— Você lutou muito bem contra aquelas criaturas — comentou, com um sorriso suave. — No começo, eu duvidei. Achei que fosse só mais um usuário de magia.
Seus olhos o examinaram de cima a baixo, atentos.
— Mas o estilo de luta... o sobretudo... — ela se inclinou levemente para frente. — e essa cicatriz. — murmurou, estendendo os dedos, quase tocando a marca em seu pescoço.
Kant segurou a mão dela com rapidez, lançando um olhar de soslaio, silencioso, mas cheio de aviso.
Bella recuou, puxando os dedos de volta com uma risada abafada, como quem sabia que havia cutucado demais, mas se divertia com isso.
— E aquele relógio que tirou do bolso. — continuou. — Você estava analisando quanto tempo de vida aquele monstro ainda tinha, não estava?
Ele permaneceu em silêncio por um instante, sua atenção voltada para as prateleiras repletas de bebidas, como se ignorasse completamente a conversa.
— Não sei do que você está falando. — respondeu, tomando um longo gole de sua bebida, antes de repousar o copo sobre o balcão com um leve suspiro.
— Não vem fingir que não sabe. — Ela dizia com a voz calma, mas seu semblante ardia com uma curiosidade contida. — Você e seus irmãos foram peças-chave no Renascimento europeu do século XIV.
— Ainda mais depois do massacre que fizeram em Florença…
Ela fez uma breve pausa, o encarando, como se estivesse avaliando uma peça rara de museu.
— Nunca vi nenhum dos Quatro Cavaleiros de perto. — A voz saiu mais baixa, quase um sussurro. — Mas sempre soube que, quando visse um... saberia na hora.
Com calma, ela se levantou um pouco da cadeira, o movimento suave. Esticou o braço em direção à garrafa de vinho, e o tecido das costas deslizou, revelando discretas tatuagens rúnicas gravadas na pele.
Kant soltou uma risada breve, um som seco, que apenas curvou os cantos dos lábios.
— Achei que tinha dito que essa bebida era amarga e sem gosto.
— E é. — respondeu ela, esticando-se mais, com metade da língua de fora num gesto quase infantil. — Mas tem algo nela que me faz querer mais.
Os clientes, ainda em choque, começaram a murmurar entre si. Alguns apontavam discretamente com os garfos; outros sussurravam orações, como se isso bastasse para afastar o mal que agora preenchia o ambiente.
— Ei... você aí. — sussurrou um deles, puxando com urgência a manga do rapaz mais próximo, que se esgueirava em direção à porta. — Vai devagar... e chame os paladinos da vila.
— Olha, eu só quero minha recompensa e já vou embora. — Kant dizia esticando a mão em direção ao barman enquanto se levantava da cadeira.
— Ainda não soube, Dona Morte? — provocou a jovem, enchendo a taça com mais vinho. O tom era leve, mas a expressão agora estava séria. — Demônios estão se movendo em massa... atrás de artefatos mágicos.
Ele virou-se devagar para encará-la, como se aquela informação vinda dela fosse o que mais o surpreendia.
— E se o que ouvi sobre você for verdade... — ela continuou, esvaziando a taça de um gole só enquanto Kant a observava, boquiaberto, surpreso com a voracidade com que ela bebeu — então acho que vou precisar da sua ajuda para evitar essa confusão toda.
Ela se levantou devagar, limpando a boca com o braço, e começou a se aproximar do rapaz, mantendo os olhos fixos nos dele.
— Claro que precisa. — respondeu arqueando uma sobrancelha, a voz carregada de ceticismo. — E uma demônia... bebum, ainda por cima, tentando impedir isso? Quer mesmo que eu acredite nisso?
— Aliás, não sou quem você está procurando. — completou
Antes que pudesse responder, o barman explodiu em um grito:
— Não se aproximem!
Ofegante, ele puxou um revólver debaixo do balcão, as mãos trêmulas denunciando o medo que o dominava.
— São balas rúnicas! — avisou, a voz quase um sussurro urgente. — Podem matar sua raça com um único tiro!
— Uau… um Colt Paterson com balas rúnicas. — Kant assobiou, impressionado. — Samuel Colt se superou nessa, hein?
Riu enquanto coçava a cabeça e se aproximava, analisando a arma com genuína curiosidade.
— Esse cilindro aí dá o quê… seis tiros antes de precisar recarregar, né?
— Eu mandei não se aproximar, criatura! — berrou, dando um passo para trás. As mãos trêmulas apontavam a arma com dificuldade enquanto lágrimas de puro pânico desciam pelo rosto.
— Só uma curiosidade... — continuou, como se não tivesse ouvido. — Essa belezinha aí foi inspirada na arma de um certo anjo… como era o nome dele mesmo?
Franziu o cenho estalando os dedos, pensativo por um instante.
— Deve ter custado caro, né? — completou enquanto se inclinava sobre o balcão. — Aposto que o prêmio da recompensa tá aí com você. Que tal passar pra cá, hein?
Antes que alguém pudesse reagir, a porta do bar explodiu com um estrondo. Uma rajada violenta de vento e poeira invadiu o salão, apagando velas e fazendo copos e garrafas tilintarem nas prateleiras.
— Demônio!? Onde!? Me mostra que eu mato!
A voz aguda ecoou pelo salão logo após a explosão.
Uma garotinha surgiu no meio da poeira, saltando barulhentamente para dentro do bar.
Em sua mão, girava com leveza uma kyoketsu-shoge — uma lâmina curva, fina e negra como carvão, presa à ponta de uma linha clara e quase translúcida, lembrando fio de costura. O metal cortava o ar com um zumbido agudo enquanto a garota a controlava com uma precisão surpreendente, ágil demais para alguém daquele tamanho.
Logo atrás dela, uma criatura grotesca irrompeu pela entrada, se impondo com mais de três metros de altura. Rugia como uma fera selvagem, reverberando pelas paredes do bar. Um de seus olhos brilhava em branco intenso; o outro, negro como breu, ambos fixos como faróis sobre os presentes.
Os músculos se contorciam sob uma pele espessa, cheia de veias escuras que pulsavam em uma intensidade — como se cada centímetro daquele corpo fosse feito para caçar e matar. Sua presença encheu o ambiente como uma avalanche de puro instinto predador.
Os clientes entraram em pânico. Um alvoroço ensurdecedor tomou conta do bar enquanto muitos corriam para o fundo do salão, esbarrando uns nos outros.
Alguns se ajoelharam no chão, murmurando orações em desespero enquanto outros tentavam escapar discretamente pela porta dos fundos.
— E aí!? Como vai ser, hein!? — gritou a garotinha, abaixando a arma enquanto se virava rapidamente, analisando o ambiente. — Cadê o demônio!?
— Eles estão falando de nós, Trudy — respondeu a demônia com um sorriso tranquilo, voltando a se sentar e enchendo novamente sua taça de vinho.
Kant lançou um olhar de puro espanto para ela, ainda surpreso com a capacidade etílica daquela mulher. Se afastou um pouco do balcão, observando a situação se desenrolar.
— Ata… — murmurou Trudy, esticando os braços e se espreguiçando como se tivesse acabado de acordar. Apesar da postura relaxada, sua presença atraiu a atenção de todos.
Ela tinha a pele pálida e vestia um traje costurado à mão, com pontos visíveis que corriam por todo o tecido. Seus cabelos longos, presos em duas maria-chiquinhas, eram divididos em dois tons nítidos: de um lado, branco como giz; do outro, preto como carvão.
Seus olhos seguiam o mesmo padrão estranho — um com a íris branca e o outro negra, cada um lembrando um botão de costura, dando à garota um ar ao mesmo tempo excêntrico e inquietante.
— E essa agora… quem é a criança? — murmurou Kant.
— É o quê!? — ela retrucou na hora, os olhos faiscando. — Já tenho doze, tá ouvindo!? Do-ze! — berrou, mostrando os dentes e apontando a arma direto pra ele.
Sem esperar resposta, virou-se e subiu com agilidade nas costas da criatura. A besta possuía uma carapaça abobadada, parecida com o casco de uma concha costurada à mão, com segmentos que lembravam linhas de bonecos de pano.
Seus braços acabavam em mãos com garras afiadas, os dentes projetados como lâminas entreabertas, uma mistura bizarra entre algo feito à mão e um pesadelo vivo.
— Ah, ótimo… uma adolescente armada ao lado de um monstro. Isso me deixa muito mais tranquilo — resmungou, com um olhar cético para a demônia.
Trudy congelou ao ouvir aquelas palavras, virando-se com um sorriso malicioso nos lábios.
— Agora vai ver o que é bom! — murmurou, baixa e ameaçadora.
Antes que Kant pudesse responder, ela saltou da criatura, avançando direto para ele.
— Calma, Trudy! — interveio Bella, agarrando a garota no ar antes que pudesse chegar ao rapaz.
— Me solta, Bella! — Trudy lutava para se desvencilhar. — Vou acabar com esse escroto!
— Nesse caso acho melhor eu segurar firme, não acha? — Bella respondeu.
— Relaxa, só tenho doze anos! Que mal posso causar, hein? — retrucou, desafiadora.
— Ah, por favor... Deixa ela vir! O que essa coisinha fofa pode fazer? — provocou kant, com um sorriso torto.
— Coisinha fofa!? Seu filho da... — explodiu, o rosto ficando vermelho de raiva.
— Não entra na dele, Trudy! — Bella tentava conter a jovem. — Esse é quem a gente tá procurando!
— Nem pensar que é! — Trudy retrucou, a raiva ainda evidente em cada gesto.
Ainda desconfiada, Trudy avaliou o rapaz com um olhar crítico enquanto se debatia nos braços de Bella.
— Tá, tá... — suspirou, tentando se acalmar. — Já me controlei... pode me soltar.
— Tem certeza? — Bella perguntou, descendo-a com cuidado.
— Nem um pouco. Tô morrendo de vontade de enfiar essa agulha no pescoço dele! — Trudy esticou o braço em sua direção, analisando-o dos pés à cabeça. — Pensei que fosse mais alto... e com mais presença física...
Kant olhou para si mesmo, sério, como se estivesse realmente refletindo sobre a crítica.
— Não tem como esse aí ser ele! — disparou Trudy, cruzando os braços.
Ele desviou sua atenção para Bella, com uma sobrancelha arqueada.
— Ela veio contigo?
Antes que Bella respondesse, uma voz firme ecoou pelo salão:
— Levantem as mãos, criaturas demoníacas!
Um jovem adentrou o bar com passos firmes. Vestia apenas uma armadura negra nas pernas, o peitoral exposto, coberto por algumas cicatrizes que cortavam a pele como lembranças de antigas batalhas. Empunhava uma espada que pulsava com um brilho vermelho-rubi, e usava um elmo escuro com uma cruz vermelha pintada de lado.
Atrás dele, surgiram outros soldados. Diferente do primeiro, usavam armaduras completas cobertas por mantos brancos com cruzes vermelhas bordadas no peito. Alguns portavam mosquetes já apontados, prontos para atirar. Outros seguravam espadas, atentos a qualquer movimento.
— Não pretendo repetir. — disse o líder, cravando a espada no chão com um estrondo metálico, antes de puxar uma cadeira e se sentar com a naturalidade de quem tinha a certeza que dominava a situação.
— Paladinos! — gritaram alguns clientes em meio ao alívio. — Estamos salvos!
Kant soltou um suspiro longo, passando a mão pelo rosto com expressão de frustração.
— Maravilha… eu só queria a minha recompensa…
Um dos paladinos, magro e de corte tigela, avançou com o peito estufado e espada em mãos.
— Cuidado com as palavras, demônio! Você não está apenas diante de paladinos, mas na presença de um templário! O grande Alaric!
Kant lançou um olhar desinteressado e fixo no homem que acabara de ser anunciado. Alaric o encarava de volta com intensidade, como se buscasse algo por trás do semblante calmo.
— Eu te conheço — disse Alaric, erguendo o dedo em sua direção.
Kant arqueou uma sobrancelha, a voz baixa, quase provocativa.
— É... você também não me é estranho.
O paladino apontou a espada na direção do grupo.
— Vocês três! Demônios! Afastem-se da garotinha! — disse, com voz firme, antes de se abaixar e estender a mão para Trudy.
Alguns clientes do bar trocaram olhares inquietos, começando a fazer gestos discretos para os cavaleiros, balançando a cabeça em negação.
— Melhor se levantar, soldado. Ela está com eles — alertou Alaric, sem alterar o tom.
— Impossível, senhor! Não pode ser! — retrucou, ainda ajoelhado, olhando para Trudy com preocupação.
Um dos outros soldados, mais baixo e atarracado, o rosto redondo coberto de suor, segurava o mosquete com as mãos trêmulas. A tensão ao redor parecia deixá-lo à beira do pânico.
— Companheiro... eu não acho que ela precise de ajuda, não. Na verdade, acho que ela me assusta mais do que os outros — murmurou, engolindo em seco enquanto a encarava com receio.
Trudy não piscava. Seu sorriso se abriu devagar, sinistro, como o de uma predadora diante de presas desavisadas.
Kant observava em silêncio. Primeiro, fitou Trudy com atenção, como se tentasse enxergar por trás daquela fachada caótica. Depois, virou-se para Bella, esboçando um meio sorriso carregado de ironia.
— Pensando bem... o cara tem razão.
Trudy estreitou os olhos em sua direção, irritada, mas engoliu a resposta. O clima no bar pesava cada vez mais, como se a qualquer segundo tudo fosse pelos ares.
— Bella... — murmurou, recuando um passo enquanto puxava sua criatura, que já rosnava em alerta, para perto. — O que a gente faz? Eles não vão deixar a gente sair na boa…
Ela ergueu sua arma, assumindo uma posição defensiva, os fios da kyoketsu-shoge tensionando entre seus dedos.
— Ei, ei! Abaixa isso aí, garotinha! — ordenou um dos soldados, e vários mosquetes se ergueram em resposta, apontados direto para ela.
— Se é pra mirar em alguém... — Bella avançou um passo, firme, sua voz cortando o ar. — Então que seja em mim.
Sua cauda serpenteou no ar com um estalo suave enquanto suas garras negras se projetavam, cintilando sob a luz fraca do bar.
Kant observava em silêncio, sentindo a tensão crescer como uma corda prestes a arrebentar. O caos tomava conta do salão, mas ele manteve os olhos cravados no templário, que o encarava de volta, sem mexer um músculo.
Gritos se espalhavam pelo ambiente. Os paladinos cerravam os dentes, armas em punho, prontos para avançar.
Do outro lado, Bella se posicionava à frente, Trudy já girava a linha da sua arma com o semblante afiado, pronta para agir.
— Abaixem as armas e levantem as mãos agora, ou abriremos fogo! — berrou o paladino do corte tigela, tentando soar firme.
A lâmina em sua mão, no entanto, tremia visivelmente.
— Você também, civil! — completou, apontando para o barman, que abaixou a pistola sem hesitar.
Trudy lançou um olhar rápido para Bella. Seus ombros se enrijeceram.
— Ei! Parem com isso! Nós estamos bem aqui atrás deles! — gritou um dos clientes, a voz embargada pelo pânico enquanto se encolhia atrás de uma mesa.
O paladino hesitou por um instante, mas logo voltou sua atenção para Kant.
— Tiveram sua chance de se render... — disse, erguendo a mão, prestes a dar a ordem de ataque.
Kant soltou um suspiro longo.
Ergueu a mão com calma, os dedos traçando no ar um gesto preciso, quase ritualístico — palma voltada para cima, depois para baixo — como já havia feito antes, contra as criaturas.
O efeito foi instantâneo. Em um piscar de olhos, Kant, Bella, Trudy e a criatura sumiram do lugar.
O templário permaneceu imóvel, encarando o espaço vazio onde eles estavam segundos atrás enquanto o bar mergulhava em caos. Clientes gritavam, correndo em todas as direções.
Apenas franziu a testa e murmurou para si mesmo em meio a confusão:
— É... agora eu me lembrei de você.
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios