Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Olhos Voltados para Mim

Capítulo 132: Preparativos Finais

… Certo… Julgo os demais detalhes como já arranjados e saiba que aguardo com bastante fé aos resultados que se propôs a trazer, Menendez. Não vai querer decepcionar a elite. Lidar com a pressão da mídia por informação está ficando mais difícil a cada dia!

— Não precisa se preocupar com isso…! — respondeu, em tom brincante. — Em algum momento eu já te decepcionei no passado, por acaso?

— Não é a isso que me refiro — soou carrasca a voz do outro lado da linha. — Você, melhor do que a maioria, deve saber que admitir “primeiras vezes” é completamente fora de questão em um assunto como esse.

“Hunf… Esse velho…”, pensou, segurando a bufada já a ponto de sair. — Sim, eu compreendo… e é esse o motivo de minha asseguração. Os preparativos já estão arranjados e o método é factível.

Menendez mastigou o último pedaço do hambúrguer antes de tornar a falar, sem incômodo com o fato de estar com a boca cheia.

— O que reforço é… — engoliu, com pressa. — As informações retiradas da [Lírio-Rosa] não podem ter sido mentiras. O protocolo de interrogação é plenamente confiável e você sabe disso, Sr. Presidente.

A bolinha de papel gorduroso acertou a lata no canto da sala em cheio, um pequeno sorriso brotando entre os lábios pálidos do agente secreto.

— Sim, disso eu sei e sou positivo, mas deixe-me dizer uma coisa: sequer pense em levar essa operação como qualquer de seus outros trabalhos.

Os sujeitos na delegacia de polícia podiam somente se questionar quanto aos ocorridos na sala protegida. 

À porta, dois homens armados mantinham a vigilância e, sob ordens, atirariam no primeiro grande curioso a se atrever a questionar.

O [Quebra-Mentes] é um artifício, além do mais relevante para nossa aquisição. Se entendermos como funciona sua dita “habilidade especial” e as aplicabilidades que possui, sabe-se lá que tipo de poder teremos em mãos. Para tanto, precisamos de um trabalho de captura apropriado para algo de seu calibre.

— Não precisa dizer duas vezes. Tenho essa no bolso.

— Sério mesmo? — zombou. — De qualquer forma, não há outro ao qual delegar tamanha responsabilidade… Saiba que espero grandes coisas de você, Menendez, ainda maiores do que quaisquer outras até então. Portanto, não quero saber de você pondo as meias sobre os sapatos, entendido?

— Compreendido, senhor. Neste momento, eu…

— Bom — desligou.

O celular apitou e o número de caráter confidencial sumiu da tela. Deixado no vácuo, o homem de termo coçou a barba por fazer, estalando o pescoço para aliviar o estresse.

— Ah, aquele sujeito é uma coisa e tanto… Deve ser ansiedade por conta do anúncio de daqui a pouco!

Logo mais, viria ao cenário global a mais nova manobra planejada às pressas. A necessidade de esconder o objetivo real do esquema batia à porta como nunca e ele teria de atender.

— Tô só vendo o tamanho do relatório que eu vou precisar escrever sobre como foi a captura de um guri com poderes…

A porta cinzenta e de brilho metálico se abriu, revelando uma pequena sala de cinco metros quadrados. Ali dentro, mesa e cadeira, ambos também metálicos, se destacavam sob uma única lâmpada azul.

— Vejamos… Vejamos… Ah, perfeito!

Ele tomou o pequeno compilado de arquivos e debruçou olhos breves sobre os caracteres. Veloz na profissão, o trabalho foi fácil e o perfil geral do indivíduo mencionado foi logo traçado.

— Muito bom, muito bom…! — cumprimentou ao vento. — Abigail Halsey, 19 anos, ainda no ensino médio, cursando o terceiro ano, filha de Jane e Robert Halsey, ambos contadores, irmã mais nova de Mariah Halsey… Ih, olha só! Cedo ou tarde, os detalhes sempre aparecem!

Outro agente adentrou a sala acusticamente selada, deixando à mesa um conjunto com uma seringa e uma pequena ampola selada.

— Mariah morreu em um acidente de carro há quase quatro anos…! Os pais deram entrada em um processo de divórcio, mas desistiram da ideia e como consequência do tumulto, a garota atrasou alguns anos de escola… Interessante!

Dois outros homens entraram com a menina e a sentaram na cadeira. A letargia do anestésico ainda se fazia intensa e qualquer mínima tentativa de resistência pôde ser facilmente quebrada.

— Notas bem altas, opiniões positivas de professores e vizinhos… No geral, uma garotinha bem exemplar! Meus parabéns, Abigail!

O tecido preto a cobrir-lhe a cabeça foi retirado tão logo os braços e pernas terminaram de ser algemados, e o súbito choque de luz a assustou.

— Olá! — acenou Menendez, ao assumir seu posto do outro lado da mesa. — Como se sente após a pequena soneca?

— … Eh…?

Graças aos efeitos do composto, a mente da jovem foi reduzida a algo lento e divagante. As luzes fortes passaram a se misturar com os sons e os giros aparentes da própria cabeça acresceram peso nos ombros.

— Em primeiro lugar, sim… Eu entendo que não sejam as melhores acomodações e nem que seja isso o que você esperava de nós…

— Não… — balbuciou, sonolenta. — … Eu… não quero…

Porém, mesmo reduzida a quase um vigésimo de seu processamento cerebral original, não demorou para que tentasse, fracamente, se debater na cadeira, em busca de fuga das algemas.

— Oh? — Impressionado, o homem ergueu a sobrancelha. — Talvez a dose tenha sido pequena… Menos mal; quanto mais acordada, melhor.

— Socorro… Socorro… — tentou gritar, mas quase nada saiu. — Me ajuda… Eu não quero… me… ajuda…

— Eu entendo que se sinta em uma posição desfavorável agora, senhorita Halsey, e é por isso que vamos precisar de sua compreensão. Veja bem, o objetivo do que temos agora é…

— Me ajuda… Ryan…!

À menção, os cantos da boca de Menendez se curvaram para cima.

— Sim! — anunciou, empolgado. — É sobre isso que eu vou precisar tão encarecidamente escutar de você agora, senhorita Halsey!

— Não… Não… Socorro…

— Eu te prometo… não iremos fazer nenhum mal, só algumas perguntinhas, para as quais precisaremos de sua máxima sinceridade, senhorita Halsey. Te prometo que, quando acordar, vai estar no conforto da sua cama, intocada e, se sobrar alguma coisa dessa nossa pequena conversa, em algum confim escuro da sua mente…

Preparou a seringa, na marca de 10 ml. Os padrões de teste raramente passavam dos 7ml, mas para o caso em específico, julgou necessário.

— … Não vai passar de só mais um sonho ruim.

A seringa se encontrou com o pescoço, quase no mesmo ponto de antes e a entrada do fluido gelado mandou calafrios por toda a pele da mulher.

— A mentira é um comportamento típico de seres inteligentes e para realizá-la, são necessárias tantas partes do cérebro em uso simultâneo que sequer teria graça em alguém decorar os nomes e utilidades de todas… Não preciso fazer isso, afinal, eu nem médico sou!

— Ugh… Haah…

Os olhos cansados o assistiram se levantar, o borrão se somando aos outros vários, reconhecível apenas pelo movimento e, de repente, surgiu nela um desejo profundo, mais incontrolável a cada segundo.

— Pesquisas mostram que a mentira é diretamente correlacionada com o intelecto e indivíduos mais mentirosos e manipuladores costumam ganhar salários mais altos, em comparação ao povo honesto… Triste, mas é a realidade, e ela prova o que muitos já sabem, mas se recusam a reconhecer por conta do moralismo: a mentira evoluiu conosco e nos propiciou o sucesso como a espécie que hoje somos.

Os músculos da face entraram em espasmo, contraindo e relaxando perante a imensa vontade de cavar o caminho para fora. Ela queria, e queria demais.

— Mas não podemos permitir isso. No campo investigativo, mentiras são ruins! Não concordaria comigo, senhorita Halsey?

— Hehe… Hehehe…!

O desejo por rir, até ficar sem ar.

— Hehehe… Ahahahahahahahahaha!

— Isso, isso…! — Menendez aplaudiu. — Acha que eu sou engraçado? Eu sei, eu sei…!

Os demais homens trocaram encaradas de pura surpresa mediante a reação. Muitos ali nunca viram a droga aplicada em ação e os resultados foram, para a maioria, abaladores.

Se não fosse pelo isolamento acústico, quem passasse por ali julgaria se tratar de mais um surto psicótico.

— Ahahahahahaha! — Abigail riu, descontroladamente. — O seu cabelo é engraçado…! Ahahahaha! … E a barba é muito feia…! Ahahahaha!

Os outros tiveram de se controlar para começarem a rir também, em virtude do comentário.

— Ah, não liguem para isso, não! — falou, arrumando o cabelo  com os dedos, por reflexo. — É só a Fase Maníaca. Vai acabar daqui a uns minutinhos.

Os primeiros efeitos da aplicação envolviam a depressão da capacidade de julgamento racional e autocontrole e, como consequência, as emoções e o prazer se viram livres para manifestação.

— … A dona aranha subiu pela parede… — Abigail cantou, balançando na cadeira como uma criança hiperativa.

— Quanto tempo isso costuma durar? — questionou o homem à esquerda da porta.

— Uns dois a três minutos — respondeu. — Os sistemas corticais altos dela estão sendo deprimidos. É como o que ocorre nas primeiras doses de álcool, só que bem mais rápido.

— … veio a chuva forte e a derrubou…! Ahahaha! Dona aranha é estúpida…! ESTÚPIDA! Ahahahaha…!

— Eu não vou mentir, Menendez… Isso é assustador — afirmou, enfático. — Quer dizer… Que coisa potente é essa?!

— É ciência, Joe! Pura ciência! Muita tecnologia foi colocada no investimento desses compostos! É um desperdício não aplicar.

Encostou na parede para assistí-la de frente, ciente da proximidade na mudança de fase. Logo, as perguntas poderiam correr livres e os detalhes necessários seriam extraídos.

— Podemos ser frios, mas não cruéis. O processo é indolor ao menos que ela própria acabe se machucando, e eu pretendo manter minha promessa. Amanhã mesmo, ela não vai se lembrar de nada.

Não havia modo de comprovar a legitimidade de informações fornecidas na Fase Maníaca e a cada cem aplicações, ao menos noventa e duas resultariam em tais episódios.

“Mas a reação daquela outra garota foi bem inesperada. É a primeira vez que vi alguém chorar ao invés de rir.”

Lira Suzuki —  codinome [Lírio-Rosa] —, fornecedora das informações que o trouxeram ali, foi o único caso à parte da carreira com a droga.

“Ainda vou julgar aquelas informações como verdade. O cérebro dela deve ter processado de uma maneira diferente, mas as revelações me dizem não ser empecilho.”

Se a informação retirada dela for factível, Ryan Savoia não representaria qualquer grande perigo.

“Mas é sempre bom coletar mais evidência.”

Demorou quase dois minutos a mais para a Fase Guiável se iniciar, perceptível com a gradual queda do estado de euforia da fase anterior.

— … Papai e mamãe quiseram se divorciar… Eles não me amam como amavam a minha irmã…

A encarada, antes errática e sem foco, ficou presa em um ponto qualquer da sala, e no lugar das explosões de risos e comentários sem sentido, surgiam apenas verdades, ditas de forma tranquila.

— Eles não gostam de mim… Eles preferem que eu tivesse morrido, no lugar dela… Se fosse eu naquele carro… eles não teriam chorado por mim…

Ela parecia verdadeiramente hipnotizada, presa entre o sono e o alerta, sem chance real de escapar por completo para qualquer um dos dois, embora ameaçasse fazê-lo com constância.

— Eles me deixaram sozinha porque me detestam… Eu sei disso… Eles não foram para Washington a trabalho… Eles… só não querem me ver…

Uma trilha de saliva escorria desimpedida, por conta da cabeça inclinada. Gota a gota, caía sobre seu ombro, dando a luz a uma grande mancha molhada.

— Meus pais me odeiam…

— É uma horrível história, senhorita Halsey, mas sinto informar que não é sobre ela que viemos para conversar a respeito.

— O carro era azul… O carro da minha irmã foi um presente do papai… Azul… Era… bonito…

— Tudo bem, tudo bem. Chega de carros, irmãos ou família. Vamos falar sobre o que interessa, senhorita Halsey.

Sentou na frente dela, divididos pela mesa fria. Sobre ela, caíram caneta e uma prancheta, e sem delongas, o interrogatório se iniciou.

— Então, senhorita Halsey, agora que estamos em bons termos de conversação, por que não começa me contando um pouco mais sobre como você entrou em contato com Ryan Savoia?

O silêncio de longos sete segundos consumiu a sala selada. Nesse tempo, duas outras gotas cederam dos lábios.

— Ah, perdão… pergunta complexa… — murmurou. — Vamos reformular: como conheceu o Ryan? Pode me contar um pouco mais sobre ele?

— Ryan… — Ela quase riu por um momento, antes de reverter ao estado deplorável padrão. — Ele me salvou…

— Te salvou? — anotou, levantando a sobrancelha. — Te salvou de quê?

— Jacob.

Logo após mencionar o nome, um largo sorriso se abriu entre as feições sonolentas.

— Ryan mandou o Jacob para longe… Muito, muito longe… Me deixa feliz…

— Diga mais! Diga mais! — A incentivou, anotando cada detalhe no princípio de conversa. — Eu sou todo ouvidos! Vamos passar o dia todo conversando sobre o seu amigo Ryan!

— Amigo… — falou devagar, como se quisesse saborear a palavra.

— O que foi? Ele é seu amigo, não? Parece gostar tanto dele!

— Ele não gosta de mim…

— Oh, e o que te faz pensar assim? Me conte! Me conte!

O interrogatório seguiria até o final do efeito da dose e, se necessário, o procedimento seria repetido e a meta principal de coletar o máximo de informações possível serviria de grande embasamento para o futuro da missão.

“Logo teremos informação o suficiente para saber lidar com o garoto.”

Após anos de luta, os EUA enfim tinham a oportunidade perfeita com suas armas em mãos.

“Os outros dois não parecem muito promissores, mas esse cara…?”

Um pequeno registro fotográfico de Ryan Savoia descansava sob a trava da prancheta. Lembrar o trabalho hercúleo para adquirir qualquer informação sobre ele o trouxe um largo sorriso.

“A uma altura dessas, eu me pergunto… como um poder desses ficou escondido por dezessete anos do nariz da nossa inteligência…? Inadmissível!”

As preparações estavam quase completas, a bastar meras formalidades para arranjar. Em suma, já não havia mais modo possível de falhar.

Queira ou não, o rapaz superpoderoso faria um grande serviço à nação.



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