Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 1

Capítulo 14: Foco

Levi estava dentro de uma sala escura, preso por um par de correntes acima de sua cabeça. Na extremidade do cômodo tinha uma porta e duas luzes vermelhas.

Sua cabeça girava e uma dor na nuca mexia com seus sentidos. Quando retomou plena consciência, tentou mexer as mãos, só para escutar o barulho das correntes.

"Onde eu estou?"

A porta abriu e uma silhueta fina adentrou a sala. Seus olhos claros brilharam em meio a escuridão e pararam em Levi, que engoliu seco ao encará-los.

— Acordou, jovem? — perguntou a silhueta em um tom amigável.

— Que-quem é você?! O que quer de mim?!? Minha família não tem dinheiro nenhum!

— Não quero seu dinheiro, caro Levi. — Aqueles olhos passaram a rodeá-lo. — Quero apenas você por um momento, você terá bom uso.

— Eu tenho namorada também! 

— Hah, trate isso um pouco mais a sério… — Algo brilhou nas penumbras e um espinho parou bem na frente da testa dele. — Eu não estou de brincadeira, caro Levi.

Ele engoliu seco, sentindo a ponta do espinho cortar de leve sua testa e deixar um rastro de sangue descer pelo rosto.

Aquele ser ficou em silêncio e puxou o espinho de volta, seus passos ecoaram dentro do cômodo enquanto a silhueta balançou nas sombras.

Outra pessoa adentrou a sala, dessa vez um homem muito forte e com olhos completamente negros. Ele tinha uma cor vermelha-clara e músculos muito grandes.

Demorou para Levi perceber, mas aquela coisa era tão alta que quase batia no teto e tinha uma pele cheia de cicatrizes junto de uma cara igual a um cão chupando manga.

— Ele é um amigo meu, não lhe fará mal — disse o par de olhos. — Ele também será seu companheiro para uma tarefa que tenho a você. Conclua e terá sua liberdade.

— Tarefa? Que tarefa?

— É simples, diga ao seu irmão para vir a um determinado lugar sozinho e…

— Nem pensar! Se eu fizer isso, ele também vai ser sequestrado! Nunca que eu…

Houve um estalar de dedos na escuridão. O gigante socou o rosto de Levi, que por um momento sentiu sua cabeça voar para as alturas.

A mulher na escuridão apanhou um celular numa mesa e discou para um número. Outro estalo de dedos causou mais uma marca roxa na cara do rapaz. 

O número chamou, outro estalo trouxe mais um golpe, e enfim a ligação foi atendida.

— Olá, caro Lucas. Você não deve me conhecer ainda, mas tenho algo que lhe interessa muito… Sim, sim, é o seu irmão, deixe-me mostrar como ele está.

Ela se aproximou, Levi viu os lábios verdes aparecerem de relance, junto de um rosto fino e bonito. A tela virou-se para seu rosto, e lá estava seu irmão mais velho.

— Lu… Lucas, não escuta essa… essa vadia louca! Ela tá tentando te manipular! Não escu…!

Mais um golpe e o pobre garoto se aquietou. A câmera ficou apontada para o rosto espancado dele, acompanhada de uma risadinha no fundo.

— Quer seu irmão de volta? Venha ao endereço que acabei de lhe enviar amanhã à noite, sozinho. Se for realmente digno e forte o bastante, terá o que deseja.

Desligou a ligação, enquanto seu sorriso de dentes pontiagudos crescia no meio da escuridão. O gigante carregou Levi para fora da sala e ela o seguiu sem pressa.

Seus olhos passaram pelo grande corredor e pelas janelas de vidro reforçado. A felicidade de enfim testá-lo era grande demais para ser real.

“Vamos ver se você vale a pena ser consumido…”

 

*****

 

Lucas estava sem chão. Fazia uma semana que seu irmão sumiu e aquela ligação caiu feito uma bomba em seus pés. 

Ele encarou com o semblante sombrio o tal endereço, então socou a porta por pura frustração. Se tivesse como protegê-lo, nada disso aconteceria.

Sentou-se na cama e sentiu o coração bater cada vez mais rápido. Amora entrou no quarto e o viu com as mãos no rosto, com lágrimas escorrendo entre os dedos.

— Lucas? — O gato subiu na cama e tocou o ombro dele com a pata. — Não precisa chorar, Lucas, logo vamos encontrar seu irmão.

— Nã-não é… hicup… isso…

O rapaz tentou explicar o que aconteceu, da ligação e da chamada de vídeo, o que só deixou seu mestre cada vez mais enfurecido. 

Era uma barbaridade sem limites, além de saber bem que Lucas sozinho não daria conta se fossem muitos oponentes. 

Amora ficou furioso, seu corpo queria explodir de raiva, no entanto ele se manteve calmo até o último momento. 

— Lucas, pensei num plano para salvar seu irmão.

Sniff… por que…? Por que tudo ficou desse jeito…?

— Me escuta, moleque! — O gato deu um soquinho na bochecha do garoto chorão. — Não é hora de chorar! 

O rapaz engoliu o choro e passou o braço nos olhos vermelhos. Respirou fundo, estapeou a própria cara e levantou da cama, enfim de volta a si.

— Isso mesmo, não é hora pra chorar! Amora, qual o seu plano?

— Simples, você vai me carregar numa mochila quando for se encontrar com os sequestradores… e eu lidarei com os bandidos num piscar de olhos…

Houve uma pausa, Amora esperava por algum comentário de seu genial plano

— E…? Tem mais alguma coisa?

— Não, é só isso!

— Por favor, Amora, isso é sério! Esse plano não funcionaria!

— Eu não sou um gênio dos planos, foi o melhor que eu pensei!

— Hah… Certo, então vamos pensar em algo melhor.

Os dois se reuniram no chão, desenvolvendo a ideia básica que o mestre Amora deu. Mesmo que a ideia parecesse boba, Lucas confiava bastante nele para lidar com sequestradores.

A única preocupação era sobre si mesmo. Obviamente enfrentaria outras pessoas com habilidades desconhecidas, não sabia o que podia encarar e muito menos como escaparia.

Batucou a cabeça diversas vezes com o lápis, sair desse impasse parecia impossível. No entanto, seu mestre tinha outra visão a respeito disso.

Amora apontou para a parte da escapada, sua patinha com o lápis traçou diversas linhas.

— Lembra-se de quando eu disse que te ensinaria uma técnica caso passasse pelo regime de treino?

— Lembro… — Lucas tomou um susto repentino, entendendo o que aquela pergunta queria dizer. — Pe-pera, você vai me ensinar?!?

— Shhh! Abaixe seu tom! — Fechou a boca do rapaz com as patas. — Sim, eu vou ensinar, mas quero que esteja ciente de uma coisa: o seu corpo no estado atual não vai suportar usar essa técnica por muito tempo, e se você forçar o uso dessa técnica, morrerá antes de saber o que aconteceu.

Gulp… Amora, não me assusta assim. Você tá brincando comigo, né?

— Eu pareço estar?

Os olhos de Amora brilhavam no meio da escuridão, friamente sérios. Ele pegou o Guia Fundamental para Ficar Forte, o livro de Ronaldo.

— Página 10, Técnica do Fluxo… Diferente do que você pensa, não é necessariamente um movimento ou jeito específico de fazer as coisas, mas um traço psicológico que melhora toda a sua capacidade física.

O gato explicou que o motivo de exigir tanto treino físico é para usar a tal técnica da maneira mais eficiente possível, assim ultrapassando 100% da eficiência do corpo de alguém.

Ela consistia em extrair o foco de uma pessoa para tirar sua noção de tempo e colocar tudo numa única atividade independente de qual fosse.

Lucas experimentaria isso ao longo dos treinos de maneira natural, mas já era tarde demais para isso, a solução tinha que aparecer agora.

— Resumidamente, você precisa se induzir a entrar num estado mental diferente… Você não pensará enquanto age, todos os seus movimentos serão instintivos e você vai agir de maneira automática.

— E como eu posso aprender a fazer isso em tão pouco tempo…?

— Minha única ideia para isso é… — Ele pulou na mesa do computador e apertou o interruptor. — Venha, pegue o jogo que você mais passou mais horas jogando.

— Amora, não temos tempo pra jogos… Como diabos isso me ajudaria a atingir esse estado mental de qualquer jeito?

— Cale sua boca e se sente logo aqui, menino! 

Amora arremessou o controle para as mãos de Lucas, que relutantemente sentou na cadeira e navegou entre os jogos da Ice.

Infelizmente Crônicas do Rei, o jogo com mais horas, não existia mais, então partiu para outro chamado Star Lord. 

Era só um game de navinha muito intenso, cheio de coisas voando de um lado para o outro na tela. 

O toque nos botões e o movimento do analógico estavam cravados na memória dele, nem precisava de esforço para destruir qualquer inimigo na tela.

Era como se fizesse parte de sua própria natureza, não exigia pensamento e nem concentração. Talvez até pudesse ser feito de olhos fechados.

A primeira fase acabou e assim Lucas largou o controle na mesa, virando a cabeça na direção de Amora.

— E agora, o que eu faço?

— Continue. Vi que você teve um gostinho de como a sensação era, não é?

— Eu acho que sim… É que nem um clique involuntário que te desconecta da realidade.

— Isso, você está no caminho. — Amora se deitou na mesa e apoiou a cabeça nas patas. — Você precisa fazer isso de novo e de novo ao ponto de conseguir ativá-lo por conta própria. Não confunda com memória cognitiva, precisa ser natural e não exigindo sua total atenção.

Lucas acenou com a cabeça e retomou o jogo para a próxima fase. Os dois ficaram lá por pelo menos uma hora, tentando forçar repetidamente o processo da técnica.

Em dado momento, o rapaz entendeu em parte o que tinha que fazer.

Devia literalmente parar de pensar em qualquer coisa, como se jogar no mar e boiar, controlando a respiração para não afundar na água. 

Era esquisito simular aquele "estado" mental, parecia invocar uma coisa antiga no cérebro que tomava conta de suas ações.

De repente, Lucas sentiu um peso na cabeça e imediatamente pausou o jogo. Sua testa latejava e tinha algo pinicando dentro do crânio.

— Como você pode ver, isso também te desgasta mentalmente — disse Amora, arrastando uma almofada no canto do quarto. — Vamos esperar um pouco, se usar isso o tempo todo seu cérebro iria fritar!

— Realmente, isso dói pra caralho… — Passou a mão na testa, a sensação demorou para sumir. — Mas ei, isso só me permite focar em algo, não ganho força nenhuma disso!

— Sério? Então tente socar essa almofada sem usar o que aprendeu.

O gato arremessou o travesseiro, Lucas bateu na almofada e ela voou pelo quarto até bater na parede. O barulho foi fofo demais para considerar qualquer dano.

— Agora se concentre e bata de novo!

O rapaz desligou sua cabeça e socou o objeto, porém dessa vez a sensação foi diferente. A cena se repetiu do mesmo jeito, exceto por uma sensação esquisita em seu punho. 

Foi como se, de alguma forma, o golpe tivesse saído com mais força.

— Pelo seu rosto consigo dizer que teve a exata impressão que eu queria… — Amora abriu um sorriso largo e ficou em pé com duas patas. — Escute, essa técnica pode não parecer útil, no entanto ela te ajuda a canalizar melhor sua energia. 

Logo em seguida ele explicou o motivo de funcionar tão certo com jogos, que eram a questão de tempo e movimento.

Como o jogo ocupava a tela toda, o subconsciente de Lucas não se importava com esse fator, e se somado a um movimento repetitivo ou conhecido, sua mente podia trabalhar sozinha para realizar a tarefa.

A mesma coisa funcionaria com treinos físicos e até com golpes — desde que ele tivesse se acostumado a realizar o movimento, tudo seria automático e eficiente.

— Entendi… é como se eu lançasse força total contra alguma coisa! Isso… isso vai realmente ajudar, caramba!

 

Por condições especiais a missão secreta Treino de Gato foi concluída com antecedência, porém a recompensa se tornou mais fraca.

A habilidade Fluxo foi adquirida

 

Fluxo

Rank: F

Efeito: Ajuda a canalizar a energia do usuário, tornando suas habilidades e movimentos mais eficientes que antes. Absorve uma grande quantia de energia mental para ser usada.

 

Lucas sorriu para aquelas janelas flutuantes. Estava um passo mais próximo de ficar objetivo, no entanto seu desejo era simples no momento: evoluir aquela habilidade o máximo que podia.

— Ei, Amora… eu tenho outra ideia.

— Qual ideia, Lucas?

— Senta aqui comigo, vou te falar.

E assim os dois viraram a noite com a ideia mirabolante do rapaz em prática. Logo logo aqueles malditos sequestradores se arrependeriam do que haviam feito.

 

 

*****

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