Medo da Escuridão Brasileira

Autor(a): Marcos Wolff


Volume 8 – Arco 3

Capítulo 71: Aquele garoto totalmente estranho.

Shiori



— NÃO QUERO!

— Shiori… você é uma criança extremamente mimada, em.

Eu tinha faltado no primeiro dia de aula e voltei pra casa, mas não sabia que Lola estaria por ali.

— NÃO IREI! QUERO FICAR COM A MAMÃE!

— Ah… sua mãe não está, e nem sei quando ela vai voltar.

A minha cara se transformou em um rosto de choro, logo Lola se desespera e não sabe o que vai fazer, começa a andar pra cá e pra lá e tenta fazer algumas bobeiras para me animar, mas era quase impossível. Até escutar a porta abrir, por um momento minha felicidade se tornou extremamente genuína.

— Você demorou. — disse Lola.

— Eu sei, mas o que você quer que eu faça? É impossível comprar coisas para a volta da minha filha…

Mamãe entrou em casa e me observou por uns segundos extremamente confusa.

— Ora ora, como você veio parar aqui? Sua aula já acabou?... Que rápido!

— Não, quando viramos de costas ela começou a nos seguir.

— E você não percebeu? — perguntou mamãe.

— … Não vou te falar nada.

— Filha, você tem que ir pra escola!

— Mas mamãe… eu não quero…

Mamãe deixou as coisas que estava carregando de lado e se ajoelhou na minha frente, começou a fazer um carinho extremamente gentil na minha cabeça e disse simples palavras:

— Você tem que aprender a ficar sozinha as vezes, da mesma forma que vai sentir minha falta, eu também vou sentir a sua, mas ficarei mais feliz caso você vá a escola e volte com um sorriso no rosto me contando o que aconteceu no seu dia a dia. Eu sei que às vezes pode ser chato… mas você tem que ir.

— Falou a pessoa que não foi à escola. — disse Lola.

— Estou tentando ter meu momento com a minha filha, dá pra parar de ser arrogante, por favor?

Ela me olha e sorri firmemente, como se estivesse tudo bem eu faltar. Naquele momento não entendia o que significava punição, mas estava com medo de ver a mamãe triste pelo fato de eu não ter ido onde ela disse pra ir. Estava assustada, nunca vivi muito perto de muitas pessoas, e aquela era a primeira vez que estaria sem a mamãe… como uma criança mimada… eu queria apenas ficar com aquela que sempre esteve comigo.

— Então você vai voltar pra escola, porque provavelmente ainda dá pra ir.

Eu estava uniformizada, mamãe observa a situação e me levanta no colo.

— Certo! Vamos para a nossa primeira missão, Lola.

— Que missão?

— Levar Shiori para a escola!

Ela me levanta nos ombros e lentamente sai de casa, o horizonte que era possível ver me deixava fascinada. Por conta da minha baixa altura, nunca fui capaz de ver a visão tão perfeita que estava na minha frente, mas sempre que estava nos ombros da mamãe…

— VAMOS LÁ! A MISSÃO VAI COMEÇAR EM TRÊS… DOIS… UM… VAMOS!

Com essa felicidade, mamãe começa a correr até a escola, não era um caminho muito longo, mas naquele momento parecia como se fosse infinito. O vento batendo no meu rosto, o sol nascendo e a tia Lola logo atrás da gente… todo mundo estava sorrindo.

Quando chegamos no portão da escola, mamãe pulou por cima dele, dando um salto gigante e me deixou na porta da minha sala.

— Agora… o resto é com você.

Do lado de fora não dava pra ver o que estava acontecendo lá dentro, mas dava pra escutar a professora chamando os alunos e eles se apresentando… parecia que meu nome estava se aproximando cada vez mais.

— Me prometa uma coisa… Shiori.

Mamãe atrai minha atenção e se ajoelha na minha frente. Ela estica seu dedinho.

— Me prometa que você vai estudar e vai fazer muuuuuitos amigos.

— Mas eu…

— Eu sei que você não quer sair do meu lado, mas saiba que quero muito que viva a sua própria vida.

— Tá bom…

Fazemos então a promessa de que eu faria muitos amigos enquanto estudava.

— Shiori Takahashi. — disse a professora.

— Vai lá, é sua vez.

Abro a porta e mamãe me empurra pra dentro. Estava do lado da mesa da professora, ela me olha meio brava, mas mesmo assim pede com carinho para que me aproximasse e me apresentasse a turma.

— O-Oi… eu sou Shiori… tenho 5 anos de idade… eu quero…

Minha voz trava, estava com medo e com muita vergonha, mas quando olho pro lado e vejo mamãe torcendo por mim… engulo tudo de uma vez.

— Eu quero ser amiga de todos vocês!

Todos batem palmas e a professora me pede para ir sentar no meu lugar, me sentava na segunda fileira que ia de encontro à tão amada janela. Do meu lado direito, onde era a janela, sentava um garoto estranho, ele tinha cabelo preto misturado com roxo, não era longo… mas seus olhos me chamavam muita atenção pois eram da mesma cor que o cabelo.

Aulas e aulas se passam e eu fico da mesma forma… sem entender nada.

Após um tempo o intervalo começou, e como uma criança extremamente curiosa… era hora de explorar toda a escola. Por algum motivo algo no meu coração dizia que eu tinha que ser amiga daquele garoto, pois ele parecia estar muito sozinho… isso me dava uma certa pena.

Mas mesmo assim, eu tenho que cumprir com o que a mamãe disse, com a promessa que fiz a ela, tenho que fazer muitos e muitos amigos… não importa como.

Por saber como as pessoas que ficam sozinhas se sentem, quero começar com aquele garoto, talvez seja mais fácil se for dessa forma. Então eu procurei por ele. Andei por toda a escola e não achei… o sinal que dizia pra voltar do intervalo tocou, e ainda sim não achei aquele garoto.

Atrás da escola tinha uma árvore gigante, dava um medo só de olhar o tamanho daquilo, algo que parecia tocar os céus de tão grande que era.

Voltei pra sala e lá estava aquele garoto, ele nem parecia ter me visto, na verdade ficava olhando a janela, parecia estar observando a linda vista… 

Aula vai e aula vem tudo aquilo tinha acabado, e ao sair do portão da escola, vejo que mamãe estava me esperando, ela estava ansiosa e veio correndo em minha direção.

— Olha só quem voltou para os braços da mamãe! Estou aqui Shiori, me conte… como foi o seu primeiro dia de aula.

— Estranho…

— Ué, por que?

— Tem um garoto… estranho na minha sala.

“Como criança, estava interessada demais em um estranho, mas como uma adulta já entendia quem era aquele garoto… Hideki. Sabia que ele estava na minha sala pois tudo está ocorrendo como me lembro. Conhecer o Hideki naquela árvore foi um ponto extremamente importante pra minha vida, não entendia direito o porquê, mas queria entender algo… por que aquele garoto chamava tanto a minha atenção?..."

Os dias continuaram e… em um intervalo vejo aquele garoto sentado no tronco daquela árvore gigante. Ele observava intensamente a linda vista da cidade… mas em pouco tempo me percebeu.

— Oh, você é a… Shiori, certo?

— Ah, sim… quem é você?...

— Meu nome é Hideki Hirai.

Estava tão fixada nele que nem observava o lugar à nossa volta.

— O que traz uma garota a esse lugar extremamente chato?

— Eu… quero ser sua amiga.

“Como criança eu não percebi a mensagem que Hideki mandou ao meu olhar com um sorriso falso. Mas… percebi que era como um… SE AFASTA DE MIM, AGORA, NÃO É NADA BOM ISSO!... Como uma criança… foi extremamente difícil de entender, na verdade aquele falso sorriso era tão verdadeiro em meus olhos…”

Enquanto me aproximava dele, Hideki aos poucos dava a sua mão e após segurá-la… ele me abraça.

— Então seremos… amigos para todo o sempre! — disse Hideki.

— SIM!

“Queria ter entendido aquilo desde o início… afinal de contas, ele não parece ser o culpado por tudo o que aconteceu. Talvez, se em algum momento ele se lembrar, quem sabe entenda e consiga me explicar o que aconteceu nesse momento. Eu entendia que Hideki não queria ninguém perto dele, em meio a tantas e tantas confusões, foi difícil ficar ao lado dele, normalmente era extremamente difícil. Mas…”

— Qual é a sua cor favorita… Hideki?

— Hm… eu acho que amarelo.

— Por que amarelo?

— Normalmente é uma cor muito bonita, e sempre está nos lugares mais perfeitos… no sol, no pôr e no nascer do sol, em paredes extremamente bonitas, em tudo… o amarelo sempre estará representando a felicidade… e eu gosto de ser feliz!

Ele dava um sorriso… extremamente feliz

“Ele dava um sorriso… extremamente falso.”

Hideki… me queria do lado dele, eu percebia isso!

“Hideki não me queria do lado dele, eu percebia isso.”

Era como… se realmente fossemos ser amigos para todo o sempre.

“Era como… se tudo aquilo fosse na verdade falso, e que faltava pouco tempo para se afastar e sair gritando.”

“O que me deixava angustiada era como ele não me falava nada, era como se algo estivesse preso em sua garganta. Hideki sempre foi uma pessoa que me contava tudo, desde que moramos juntos… será que é a mesma pessoa? De fato, alguém que não consegue se comunicar direito, e quando fala algo que gosta, fica falando até mesmo sozinho… é realmente ele, mas algo… algo dentro desse garoto grita que não é a mesma pessoa.”

O sinal bateu… e novamente tínhamos que voltar a nossa sala de aula.

— Droga… era pra mim voltar antes do que todos… — disse Hideki.

— Ué, por que?

— Eu… tenho medo de ficar envolta de tanta gente.

“Olhei atentamente a cada reação dele… e tudo parecia ser tão real, Hideki realmente tinha medo de ficar em meio a tanta gente, mas… é diferente nesse momento, todos os dias que eu via ele entrando no intervalo, sempre pedia para ir no banheiro alguns minutos antes, e sempre estava lá… sendo o primeiro a entrar na sala de aula. Eu entendi que ele precisava ficar afastado de todos, mas o que não passava na minha mente nesse momento… era por que?...”

Por que ele quer estar longe de todos?

“Os meus pensamentos com a eu criança se conectam, e então percebi… não era só eu que estava achando isso tudo estranho, talvez os outros alunos também pensem o mesmo dele, por que ele sempre é o primeiro a chegar, por que ele é sempre o primeiro… a entrar na sala?”

— Vamos, eu te acompanho!

— T-Tá bom…

“Ele me permite carregá-lo pela escola, como se fosse uma criança que não queria se perder da sua mãe.”

Quando o sinal bateu, todos os corredores ficaram cheios como se fosse imediato, entrar em meio aquela multidão era algo que me deixava ansiosa, mas o Hideki… não.

— Ah…

“Era como se ele fosse gritar a qualquer momento, não tinha como fazer nada, as pessoas tocavam nele e isso o deixava extremamente desconfortável… vá Shiori criança… faça alguma coisa…”

Hideki começa a gritar quando um garoto sem querer esbarra nele, vejo ele se contorcer e encolher no chão…

“Naquele momento… ele estava tendo uma crise de ansiedade.”

As professoras começam a correr em direção a ele.

— Hideki, o que está acontecendo?

— SAI DE PERTO DE MIM, NÃO ME TOCA… POR FAVOR… SAI DE PERTO DE MIM!

“Ele gritava, chorava… berrava…”

Até um homem com um sobretudo chegar e se aproximar do Hideki.

“O rosto dele passou de tristeza para… medo. Até mesmo eu estava com medo daquele homem, não conseguia ver o rosto dele, não conseguia perceber quem era pela voz.”

— Oh… você está chorando de novo… Hideki.

— D-Desculpa… eu juro que não vai acontecer de novo, me perdoa…

— Terei que levá-lo pra casa, se me permite.

As professoras permitem.

— Claro, pode levá-lo… senhor Hirai, mas peço que dê uma justificativa pra tudo isso que estava acontecendo.

— Sim, pode deixar. Eu irei deixá-las por dentro de tudo o que acontecer com ele… E… obrigado, garotinha. — disse o homem misterioso enquanto me observava.

Não entendi ao certo o que aconteceu naquele momento, mas enquanto aquele homem andava até a saída com Hideki no colo… senti que deveria segui-lo, que deveria saber o que estava acontecendo…. e é isso o que eu faço.

Sigo o homem misterioso até sua casa.



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