O Mestre da Masmorra Brasileira

Autor(a): Eduardo Goétia


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 53: Os Mortos

Eu fiquei de pé, investigando o ambiente com os olhos. Era muito parecido com o andar debaixo, porém bem mais amplo e ainda mais escuro. Precisei olhar tudo por mais alguns minutos para finalmente aceitar que não tinha uma solução viável aparente para eu sair daqui em segurança.

Acabara de passar por uma das perseguições mais perigosas da minha vida. Se eu virasse numa curva errada, poderia dar de cara com outro monstro tão poderoso ou ainda mais poderoso que um cavaleiro da morte.

Sabia também que o morto-vivo estava me tratando levianamente. Caso realmente me quisesse morto, ou me visse como uma ameaça, minha cabeça estaria pintando de rubro as rochas escuras.

Eu sou alguém cauteloso, mas aqui dentro preciso ser dez vezes mais se quiser continuar respirando, pensei, sendo cuidadoso.

Além disso tudo, havia mais um detalhe. Mesmo que meu corpo fosse bem mais forte e meu vigor fosse pelo menos cinco vezes maior que o de um humano comum, ainda precisava comer e beber para sobreviver.

Até o presente momento, a única coisa que parecia minimamente comestível era o cavalo zumbi do cavaleiro da morte.

E carne de zumbi provavelmente me mataria na mesma hora.

Eu poderia viver um bom tempo sem comer, mas não aguentaria mais que dez dias sem água mesmo com minha vitalidade sendo sobre-humana. Meus ferimentos também gastariam uma boa porção de energia para se curarem.

Então eu precisa encontrar água e alimento de qualquer forma, senão as consequências seriam terríveis se presenciar. Dando dois tapas no meu rosto, retomei minha força de vontade. Precisava agir.

Das últimas duas vezes, segui para a direita e até então me pareceu o caminho correto a tomar. Sem demorar, segui outra vez na mesma direção.

O ambiente era bem similar, não importando a distância que percorria. Pedras escuras idênticas as anteriores, paredes úmidas idênticas as anteriores e o ar difícil de respirar, idêntico ao anterior. Se eu demorasse muito mais, cogitaria lamber as rochas úmidas.

E isto era algo fora dos meus desejos.

Percorri para a direita por um bom tempo. Na verdade, continuei andando e seguindo para a direita por muito, muito, muito tempo. Quando dei de cara com uma outra caverna ampla, percebi que estava caminhando em círculos.

Todas as cavernas pareciam ser a mesma caverna. Buracos iguais, pontos altos e pontos baixos, rochas e pedras, tudo incrivelmente parecido. O lugar mais parecia um labirinto do que qualquer outra coisa.

De repente, perdido em pensamentos, escutei um som vir por uma das cavernas escuras. Era o bater de ossos e o arrastar de algo. Virei-me para descobrir a origem.

Como estava muito mais cauteloso, logo escondi minha presença e diminui o máximo que podia os barulhos que fazia.

Saindo de um canto escuro, estava um esqueleto usando uma armadura de couro com ombreiras e arrastando uma espada enferrujada. Seus olhos vazios encarando a escuridão e andando despretensiosamente. 

O esqueleto continuou a caminhar e veio na minha direção. Eu estava escondido atrás de um rochedo e ele não pareceu me notar. 

— Olhos da Ambição — sussurrei o nome da habilidade baixinho.

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[Habilidade Olhos da Ambição] Ativada

A Ambição do Usuário é maior que a do alvo.

É possível ver suas informações, porém com algumas limitações.

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[Informações]

Nome: Sem Nome

Raça: Esqueleto Soldado | Nível 23/30

Raridade: Comum | Grau: 3

Emblema: Morto-Vivo 

[Estatísticas]

Força: 23/30 Velocidade 20/29| Vigor 23/35

Destreza: 24/30 | Inteligência 7/10 | Mana 17/35

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[Habilidade: Olhos da Ambição] subiu de nível

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Fiquei aliviado vendo que ele não era um monstro terrível e assustador. Também me alegrei pela subida de nível dos Olhos da Ambição. Eles estavam sendo a principal habilidade que eu usava dentro e fora de combate. 

Aproveitei para também usar os Olhos da Ambição para visualizar os equipamentos utilizados pelo esqueleto.

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[Item]

Nome: Espada Surrada de Ferro

Tipo: Espada Longa

Raridade: Comum

Durabilidade: 20/100

Habilidade: [Infecção]

Descrição: 

Antes uma espada de ferro comum, mas pela passagem do tempo e os maus cuidados tornou-se uma velha espada longa.

É mais fácil cortar alguém com uma faca sem fio do que com a Espada Surrada de Ferro.

Cuidado a lâmina enferrujada pode trazer uma infecção grave.

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[Item]

Nome: Couraça do Sem Pele

Tipo: Armadura de Couro

Raridade: Comum

Durabilidade: 60/100

Habilidade: [Diminuição de Impacto]

Descrição:

Armadura de couro criada por um artesão que foi esfolado ainda vivo. Apesar da situação, o artesão a fez bem antes de ter seu próprio couro retirado.

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As descrições dos equipamentos eram bem inusitadas.

Apesar da minha força ser bem maior, eu estava ferido e desarmado. Então não ataquei de frente. Procurei uma pedra ou qualquer outro objeto que pudesse me ajudar a vencer uma luta contra ele.

Felizmente a coisa que mais tinha nesse lugar eram pedras e rochas. Peguei uma que cabia bem na mão e esperei.

O esqueleto andava despreocupado, arrastando a espada e sem rumo. Sendo um soldado esqueleto, ele provavelmente tinha alguma habilidade de combate básica, diferente do normal.

Quando ele se virou de costas, eu me aproximei com passos vagarosos das suas costas. 

Notando minha aproximação, ele tentou se virar e levantou sua espada, mas já era tarde demais. Com um golpe de cima para baixo, choquei a pedra contra o seu crânio ossudo.

Rachaduras surgiram na cabeça do esqueleto, mas ele ainda conseguiu se defender. Qualquer outro ficaria atordoado com um golpe desses. A maioria morreria. Mas ele era um amontoado de ossos que não sentia dor. 

Sua espada criou um rastro branco quando ele cortou na minha direção, mas o ataque era desorganizado e infantil, como uma criança balançando um graveto.

O próprio peso da espada fez a postura do esqueleto de esvair e ele acabou abaixando-se um pouco. Aproveitei para chutar seu braço, fazendo a espada cair no chão.

Com o outro pé, chutei seu peito de ossos, quebrando algumas costelas e o jogando contra o chão. Terminei o trabalho quebrando o crânio dele com a pedra que ainda tinha na mão.

Derrotá-lo foi mais fácil do que eu achava que seria. No entanto eu não deveria confiar cegamente como fiz com o elfo arrogante, senão minha cabeça é que seria esmagada contra o chão.

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[Esqueleto Soldado Morto]

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Tomei um tempo para respirar. Peguei a armadura e a espada do cadáver. Acreditava que ele não se importaria já que estava morto, mesmo que antes ele também estivesse.

Armado e com a armadura, retomei meu caminhar. A espada era bem leve, mas tinha um péssimo equilíbrio. Provavelmente até quando ainda era nova foi feita com as coxas. Resumindo, era uma péssima espada. Mesmo eu não sendo um grande especialista conseguia dizer isso.

Nesses momentos eu gostaria de ter um daqueles anões aqui para forjar meus equipamentos.

Parando para pensar, perguntei-me o que aconteceu com os meus itens e servos depois que eu “morri” pela segunda vez. Estava mais preocupado com Cristal do que qualquer outra coisa.

Enquanto pensava, não deixei de prestar atenção no ambiente, escutando o som de grunhidos de dor.

Será que há mais alguém aqui? E ele está ferido...?

Não consegui esconder a alegria por escutar outro ser vivo. Mesmo que provavelmente fosse um inimigo, ele poderia me dar alguma dica de onde eu havia me metido. Sabia que havia me enviado no meio de um monte de merda, mas era merda de quem? 

Atravessei um corredor estreito, onde tive que andar de lado e com cuidado para não me rasgar nas pedras. Passando para o outro lado, toda a minha alegria se esvaiu. 

Cambaleante, fedendo e podre, lá estava ele, um zumbi. Nem me dei ao trabalho de olhar suas estatísticas. Era mais do que óbvio pela aparência que era um zumbi e dos bem fracos.

Assim que me viu, correu furiosamente para cima de mim. Ele mordia raivoso e suas unhas eram até que bem afiadas, mas sua velocidade e inteligência pecavam em bons aspectos.

Quando ele chegou perto, dei um passo para o lado, desviando suavemente. Levantei minha espada e cortei com brutalidade contra o seu pescoço apodrecido.

Como uma péssima lâmina, a espada não atravessou, mesmo minha força sendo explosiva. Tive que ainda jogar o zumbi contra o chão e bater mais duas a três vezes até que seu pescoço fosse arrancado. 

Mesmo sem cabeça, seus dentes ainda batiam furiosos. Se ele pudesse, teria me devorado pedaço por pedaço. 

Com meu pé, pisei no seu crânio até que se tornou uma massa irreconhecível de sangue e massa encefálica.

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[Esqueleto Soldado Morto]

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Limpei meu pé no chão e olhei o cadáver no chão. Encarei a massa encefálica e senti minha barriga roncar forte. Que nojo. Eu estava começando a ter ideias erradas.

Antes de partir, ainda abri um buraco no peito do zumbi. Procurei por um tempo até ver um pequeno objeto cristalizado. A Pedra de Mana.

A Pedra de Mana era um recurso energético muito importante para a criação de equipamentos e até a realização de alguns feitiços. O que um zumbi produziria era bem fraco, porém, na situação que eu estava, qualquer coisa era uma boa coisa.

Peguei o objeto e o guardei, tomando meu caminho pelas cavernas incansavelmente seguindo para uma única direção.

Andei durante um bom tempo. Encontrei pelo caminho mais meia dúzia de inimigos. Não encontrei mais nenhum monstro que tivesse algum equipamento. A maioria eram zumbis.

Estava tarde e eu estava cansado. Cortava o corpo de outro zumbi, enquanto soltava um bocejo alongado. 

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[Zumbi Morto]

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[Habilidade: Maestria com a Espada] adquirida

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Depois de várias lutas, adquiri a habilidade Maestria com a Espada. Meu aperto melhorou e meus golpes também se tornaram mais fortes.

Sem conseguir me segurar, acabei soltando outro bocejo. Nestes momentos, eu sentia saudades da minha masmorra ainda mais.

Meu corpo era alimentado naturalmente pela mana e eu poderia passar dias acordado. Dormia apenas quando queria dormir.

Provavelmente estava anoitecendo. Eu não tinha como saber as horas. Meu corpo inteiro doía e eu estava completamente acabado.

Usei o restante da minha força para procurar um lugar seguro. Achei um ponto da caverna mais alto e escalei até o local com facilidade. Poderia tentar voar, mas não tinha experiência com o voo e a habilidade ainda era muito fraca, além de estar cansado demais para tentar ou pensar nisso.

Relativamente seguro, todo o peso me alcançou. Minhas pernas falharam em me manter de pé e eu apenas me joguei contra o chão de costas e de braços abertos, encarando o teto escuro da masmorra.

Lembrei-me daquela noite antes da luta contra o Orc Nobre. A floresta escura e fria. Porém, naquele dia, a Cristal estava ao meu lado. Cuidava de mim e eu cuidava dela. Agora eu estava com frio e o lugar era muito mais escuro.

O meu corpo inteiro sofria. Havia cortes, inclusive o no meu braço causado pelo cavaleiro da morte e outros ferimentos que obtive antes e depois.

Minha respiração pesava e meus olhos também, enquanto ficava cada vez mais difícil puxar o ar ao redor.

Não conseguindo mais respirar pelo nariz, deixei a boca entreaberta, enquanto evitava me afogar em ranho e catarro. Minha garganta tremia e estremeciam a cada puxada e retirada de ar.

Se a escuridão não esconde-se cada aspecto do meu corpo, poderiam ver meus olhos começarem a reluzir enquanto o choro salgado das lágrimas se acumulavam.

Memórias antigas, muito antigas, vinham na minha mente, como a enxurrada de um mar de desespero. Memórias de uma época em que eu não tinha nem ninguém. Memórias de muito antes de Vanglória.

De novo, estou completamente sozinho.

 

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