O Mestre da Masmorra Brasileira

Autor(a): Eduardo Goétia


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 54: Os Vivos

Despertei. Meus olhos se abriram e eu retornei ao mundo de escuridão. Desejei durante o sono que tivesse um sonho ou um pesadelo. Apenas por um minuto queria não estar preso naquele abismo de sombras.

Minha boca estava seca, minha garganta arranhando. Quando tentava engolir, sentia a saliva descer rasgando e bater num estômago vazio.

Depois de uma noite de descanso, meu corpo estava melhor, mas minhas baterias permaneciam esvaziadas.

Levantei, peguei minha espada velha e fiquei de pé. Estava tão exausto no físico e no mental que nem havia retirado a armadura de couro, dormindo com ela ainda no meu corpo.

Antes de voltar a andar sem destino, decidi abrir minha tela de status para investigar.

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[Informações]

Nome: Kayn 

Raça: Nephelim Superior | Nível 10

Raridade: Único | Grau: 2

Classe: Mestre da Masmorra | Emblema: Vampiro | Demoníaco | Gênesis

[Estatísticas]

Força: 34 | Velocidade: 34 | Vigor: 34

Destreza: 34| Inteligência: 34 | Mana: 70

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Aumentaram bastante e eu ainda subi um nível. Neste ponto, poderia definir minha força como dez vezes a de um humano comum.

Eu correria na velocidade de um guepardo por mais de dez horas e não me cansaria numa situação comum, porém estava tão cansado que não aguentaria nem uma hora de corrida em velocidade comum, quem dera correr dez horas.

Desviei meus olhos das estatísticas e foquei nas habilidades.

[Habilidades]

[Ativas]

A Ambição do Caos | Olhos da Ambição

Voo

Ímpeto Veloz

[Passivas]

Mente Serena

Visão Noturna

 Maestria com Lança | Maestria com Espada

[Especiais]

 Criação de Masmorra 

Gêneses 

[Linhagem]

Força Monstruosa |  Vampirismo 

Velocidade Monstruosa | Manipulação de Sangue

[Magia]

Magia das Sombras

Magia Demoníaca

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O número cresceu ainda mais.

Passei os olhos e primeiro vi a Magia Demoníaca.

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[Habilidade]

Nome: Magia Demoníaca

Tipo: Especial

Raridade: Épico | Nível 1

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A habilidade permitia que eu tivesse controle absoluto sobre forças e energias negativas, seja lá o que isso significava. Eu poderia acumular, adicionar e alocar o poder demoníaco. 

Durante meu tempo em Vanglória, o uso desse tipo de magia se limitava a maldições e debuffs, diminuindo o poder dos adversários. Também havia certo aprimoramento físico e mutações ligadas a esse tipo de magia, mas seu potencial verdadeiro nunca caiu sobre meus olhos.

No entanto era bem estranho uma magia avançada como a demoníaca ter apenas esse tipo de propriedade.

A habilidade Velocidade Monstruosa era parecida com a Força Monstruosa. A diferença entre elas era simplesmente qual estatística cada uma aumentava.

Meus olhos buscaram as duas outras habilidades adquiridas durante a transformação e, por fim, na habilidade Gêneses.

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[Habilidade]

Nome: Manipulação de Sangue

Tipo: Ativa

Raridade: Épico | Nível 1

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[Habilidade]

Nome: Voo

Tipo: Ativa

Raridade: Raro | Nível 1

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Manipulação de Sangue era aquele tipo de habilidade que não possuía uma descrição longa. Apenas me dizia que eu era capaz de manipular o sangue.

O meu sangue? Dos adversários? 

Eu não sabia dizer. Precisava testar por mim mesmo para descobrir.

Voo era uma habilidade inata natural das minhas asas. Conforme eu fosse aprendendo a voar, ela subiria de nível. Quanto maior o nível da habilidade e da minha estatística de velocidade, mais rápido eu voaria e, quanto maior a destreza, melhor seria meu controle no ar.

Eram boas novas habilidades. Por fim, olhei para Gêneses. 

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[Habilidade]

Nome: Gêneses

Tipo: Especial

Raridade: Único | Nível 2

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Uma habilidade de raridade Única...

Nunca havia visto uma habilidade desse nível. A mais forte habilidade que eu vi em Vanglória tinha sido minha própria Criação de Masmorra e, mesmo ela, tinha apenas a raridade Ancestral.

Havia uma única linha na descrição da habilidade Gênesis.

O poder da origem

Seja o que for, Gênesis era uma habilidade poderosa e perigosa. Com algum esforço, conseguia lutar contra a Mente Serena  — que inclusive estava quase alcançando o nível 10 — entretanto não conseguia evitar a ativação dessa outra habilidade.

Terminada minha análise, desci do lugar onde estava e prossegui na minha infrutífera caminhada.

 Fazia quanto tempo que eu estava naquele lugar? Dois ou três dias? Saber era impossível.

Atravessei por mais uma dúzia de corredores. Entrei em buracos, escalei paredes, enfrentei esqueletos e zumbis intermináveis, porém não chegava a lugar algum.

Aquilo era claramente um complexo de cavernas gigantesco. Talvez eu realmente estivesse morto e agora pagava por meus crimes naquele inferno de escuridão e pedras.

Perguntava-me se alguém sentiria minha falta. Cristal se importava comigo, Gleen e Aaron também era bem leais. Talvez Anna até chorasse por mim, mas logo esqueceriam de mim. 

O núcleo da masmorra devia ter morrido junto comigo, então em breve as estruturas dos andares sucumbiriam em escombros, ou seja lá o que aconteça, e eles simplesmente partiriam para viver as próprias vidas.

Anna e suas irmãs seriam perseguidas e depois mortas pelo Orc Nobre, talvez até pior.

Gleen provavelmente se tornaria o novo líder dos goblins. Talvez evoluísse para um Rei Hobgoblin. Nunca vi um antes; ele seria o primeiro.

Gleen, eu odeio Reis. Não se torne um.

Senti meus olhos se encherem outra vez e tirei esses pensamentos da cabeça. Neste momento não poderia perder ainda mais líquidos do que já havia perdido.

Abaixei a cabeça um pouco e me recostei na parede, a espada batendo no chão e sendo arrastada. Tomei um ar e notei que essa era a primeira vez que pensava nos monstros da masmorra além de Cristal.

Eu sentia algo novo. Saudades.

Eu quero voltar para a masmorra...

Continuei minha caminhada.

Passando por um terreno pedregoso, de repente tive um arrepio recheado de uma sensação ruim. Todos os fios do meu corpo subiram, como os de um gato assustado.

Senti minha respiração aumentar e meu coração acelerar, conforme também sentia o chão tremer. Pequenas pedras no chão pulavam levemente e a cada segunda cada vez mais alto.

— O que poderia ser agora para me amaldiçoar? 

Virei minha cabeça para trás e vi algo se aproximar. Parecia-se com uma fumaça verde, meio espectral que escapava por um dos vários buracos no teto e se espalhava no ambiente. Junto da fumaça, subiu um fedor de enxofre.

Minhas sobrancelhas enrugaram quando descobri o que era, logo em seguida um terrível barulho grave do rosnado de um fera ressoou nos meus ouvidos.

— Bafo de dragão... 

Vendo a fumaça verde se aproximar, corri desesperadamente pela minha vida, ignorando a dor das feridas. Minhas pernas nem mais pareciam ser minhas, enquanto eu tropeçava violentamente no chão e voltava a me levantar. 

Escutei então o gás parar de fluir, o que aumentou minha tensão. Um instante depois, sem olhar para trás, um som como o bater de espadas soou e pude imaginar fagulhas voando. 

Imediatamente enxerguei um buraco no piso e joguei meu corpo contra ele, sentido o calor brutal das chamas terminar de me arremessar contra o buraco. Abaixei meu corpo, encolhendo-me ao máximo. 

Apenas deixei minha cabeça virada para cima para observar o terror. Chamas verdes cobriam minha visão num jato de calor massivo que chegava a me alcançar e queimar um pouco a minha pele.

Não era possível ver mais nada além das chamas que pareciam ter vida, assumindo imagens ilusórias de bestas gigantes. 

Quando o fogo-vivo parou de queimar, as rochas ainda permaneciam na cor vermelha. Levantei meu corpo devagar para olhar mais a cima, vendo o espaço, mas não ousando tocar qualquer coisa além do buraco.

O teto, o chão e as paredes produziam luz quente de rocha derretida. O espaço tornou-se quatro a cinco vezes maior do que era e o grande buraco que me enterrei, que antes deveria ter um dúzia de metros de profundidade, agora estava há pouco mais de um metro da superfície.

Suor caia da minha testa e tornava-se fumaça antes mesmo de tocar o chão. Era como um verdadeiro forno, ou como a forja de grande mestre ferreiro.

Se eu não tivesse fugido, não teria restado nem os ossos do meu corpo, pensei boquiaberto.

Para minha infelicidade, não parou por aí. Logo os tremores retornaram e uma figura surgiu ao longe. Passava por entre as rochas derretidas, como se nada o afetasse. 

Rosnava como um leão a cada respiração, ou seja lá o que aquele som significava, quebrando o chão a cada passos. Quando pisava no espaço vermelho, um silvar soava, mas suas escamas negras o protegiam. Ele estava cercado de fumaça, porém ainda era possível ver sua imagem.

Era muito diferente de qualquer outro que já havia visto. Parecia-se mais com um grande crocodilo negro com um par de asas com o dobro do tamanho e um focinho gordo e bem mais curto. Os olhos eram vermelhos e a pupila era amarela.

 Revestia-se por inteiro de escamas escuras, como se vestisse uma armadura e caminhava lentamente em linha reta. O corpo era tão grande que quase cobria o espaço que ele construiu para poder passar.

Andava em quatro patas jocosamente, como se todos fossem inferiores a ele. Um verdadeiro Rei dentro do Reino dos Mortos.

— Um dragão negro.

Como passava paralelo ao buraco, não temi que me encontrasse. Apesar de que para ele, eu não seria nada mais que uma formiga. Talvez nem se importasse com a minha presença ali, mas era melhor evitar.

Seus passos eram lentos, mas suas enormes patas compensavam. Ele logo cruzou o espaço até que seu corpo não conseguia mais passar e ele fez outra vez.

De dentro da enorme boca, expeliu a fumaça verde, cobrindo todo o espaço de um buraco. Depois com dois dentes, ele incendiou, derretendo as pedras e rochas.

Abriu espaço para o seu grande corpo passar e voltou a caminhar em linha reta. Repetindo o processo mais três ou quatro vezes até que criou um gigantesco túnel e desapareceu de vista.

Olhei por mais um tempo. Não havia mais nenhum sinal dele, além do caminho que ele deixou para trás e as rochas ainda quentes.

Suspirei pesado e vi minhas opções naquele momento. Olhei para baixo e encontrei apenas uma solução.

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Conforme eu me arrastava por um buraco, sujando meu corpo ainda mais de lama e terra, enxerguei uma luz distante, saindo no final do túnel.

Cheio de emoções que não poderiam ser descritas de tão ambíguas, uma mistura de alegria por ver luz, porém o terror intrínseco da última experiência com que tive com ela, o cavaleiro da morte.

Arrastei meu corpo descuidadamente, não ligando para ferimentos ou para deixar minha aparência pior que a de um sem-teto. Meu único desejo era chegar ao fim do buraco.

Finalmente atravessando, despenquei do teto, caindo num corredor que tinha apenas duas direções, esquerda ou direita. De novo eu estava naquele impasse. 

Direita ou esquerda, direita ou esquerda.

Sem pestanejar, segui para a direita. Era também a direção para a qual a luz estava, então era definitivamente meu objetivo.

Continuei andando pela penumbra, vislumbrando a luz de longe. Finalmente atravessando o corredor, encontrei meu destino. 

A luz era irradiada por uma lanterna, segurada por uma silhueta sombria que usava um longo manto escuro e sujo, engolido num canto da parede.

Passei do corredor e encontrei o buraco pouco iluminado pela luz fraca da lanterna. Havia restos de ossos pelo chão daquela caverna pequena. Um cheiro de podridão encheu minhas narinas, porém eu mesmo já estava fedendo a coisa pior.

Minhas roupas novas estavam em trapos, meu corpo estava sujo, eu mancava e arrastava uma espada velha e respirava pesado pela boca. Qualquer ser humano normal acharia que eu era um psicótico homicida que acabara de provocar um massacre.

— Ei, você — chamei de longe. — Quem é você?

Ele fez um movimento, estendendo a lanterna para cima, mostrando um braço magro e seco. Dei um passo para trás e ergui minha espada.

— Acalme-se, garoto — disse ele, com uma voz velha, baixa e engasgada. — Eu sou tão forte quanto um graveto. Não sou ameaça.

Eu não baixei a guarda. Continuei o olhando de longe. Ativando minha habilidade Olhos da Ambição.

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[Habilidade Olhos da Ambição] Ativada

A Ambição do Usuário é maior que a do alvo.

É possível ver suas informações, porém com algumas limitações.

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[Informações]

Nome: O Buscador

Raça: Mutante | Nível 20/20

Raridade: Comum | Grau: 2

Emblema: Morto-Vivo | Humano

[Estatísticas]

Força: 3/20 Velocidade 4/20| Vigor 3/20

Destreza: 4/30 | Inteligência 20/20 | Mana 17/20

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— O que você faz nesse lugar? — perguntei, mas logo pensei melhor. — Que lugar é esse? 

Suas estatísticas me mostravam que ele não era ameaça, então prossegui numa conversa.

— Você viu a placa quando chegou aqui, não foi, garoto? Estamos no Reino dos Mortos e aqui todos tem um papel.

— Quem é você? — Levantei minha espada e ameacei: — Diga-me de uma vez. Eu não tenho tempo para isso! 

— Tempo? — O velho riu e se levantou. — Eu sou O Buscador. Neste buraco que estamos, tempo é tudo o que temos. Eu não sou seu inimigo, assim como você, e todos os outros que já passaram por aqui, sou um prisioneiro.

— Prisioneiro de quem? — Meus olhos encararam a lanterna profundamente, enquanto a imagem enegrecida de um crânio surgia.

— Você sabem de quem.

O Louco Rei Lich.

A face aterrorizante dele surgiu na minha cabeça.

— Por que você está aqui? Como faço para ir embora!

— Se eu soubesse como ir embora, já teria partido. A razão para estar aqui, eu não sei. Esqueci há muitos anos. Mas eu tenho um papel e você também tem.

Engoli em seco quando ele repetiu a frase sobre ter um papel.

— Qual papel?

— Eu sou O Buscador. Ando devagar e lentamente, segurando minha lanterna. Passos lentos e arrastados, procurando pela verdade. Procurando por um homem honesto. Você, Kayn, é um homem honesto?

— Como você sabe meu nome...?

O velho se levantou do chão, seu corpo se estendendo até tocar o teto. Sua mão magricela segurando a lanterna de vidro que queimava numa luz fraca.

Virando-se, pude ver seu rosto humano, velho, gasto, enrugado e mórbido. E havia dois buracos na sua face onde deveria estar os olhos. Buracos negros que assumiam o aspecto daquele ser. O Louco Rei Lich.

Meus olhos encaravam a escuridão do seu olhar vidrados e travados. Eu estava completamente parado sem conseguir desviar o olhar.

— Kayn, você é um homem honesto?

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— Argh! — gritei, acordando desesperado. 

Respirava acelerado e olhava o ambiente com rapidez. Ainda estava dentro daquele túnel, encarando a luz no fim do buraco.

Eu desmaiei. Imaginei, ainda tremendo. Aquilo tudo havia sido um pesadelo? Uma ilusão? Toquei minha cabeça com a mão, sentido latejar forte.

Encarei o brilho no fim do túnel e voltei a cavar na sua direção, finalmente alcançando meu destino verdadeiros

Era um espaço aberto, com um cristal de mana no teto que brilhava, e abaixo, cristalina e reluzindo o brilho do cristal, havia um pequeno lago subterrâneo.

Boquiaberto, deixei meu corpo escorregar pelo restante do túnel, despencando do teto diretamente na água.

Eu estou vivo...

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