O Mestre da Masmorra Brasileira

Autor(a): Eduardo Goétia


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 56: Floresta, Macaco e Armadura

Meu corpo despencava rapidamente, enquanto girava como um pião em pleno ar. Nunca havia treinado saltar de um lugar alto, então não tinha controle algum da situação. Não era como se eu fosse um grande paraquedista na minha vida anterior. 

Apesar da escuridão, sabia que o chão estava se aproximando e logo eu estaria de encontro com ele. Um encontro próximo demais para o meu gosto. 

Tentando parar a rotação, estendi os braços e pernas, alongando os em todas as direções.  

Não me deixem na mão!, pensei, abrindo as asas e rasgando ainda mais aqueles trapos que eu chamava de camisa. 

Será que a Una ficaria magoada por eu estar destruindo as roupas que ela me deu? Não era hora de pensar nisso. 

A asa branca de anjo de um lado e a asa escura de demônio do outro. As duas bateram incessantemente, tentando retardar minha queda. Aquela era uma tarefa difícil. 

Na minha vida anterior eu não tinha asas. Mover um membro novo era algo bem estranho e não funcionava como a minha cauda que tinha vontade própria. 

Os músculos das asas eram rígidos e suaves ao mesmo tempo e eram músculos poderosos. Conseguia sentir sua força, mesmo eu não tendo praticado muito. 

Logo consegui diminuir minha velocidade de queda, apesar de todo o problema. Mais alguns segundos caindo devagarzinho e finalmente meus pés tocaram o chão. 

— Graças a Deus, ou O Criador, seja lá o que isso seja — suspirei aliviado. — Eu preciso treinar mais essa habilidade. Tenho que parar de negligenciar esse tipo de coisa. 

Tomei um pouco de ar. Minha camisa terminou de rasgar e simplesmente caiu no chão, deixando todo meu peito a mostra.  

O tecido poderia ser útil. Guardei ele com cuidado. 

O novo ambiente era completamente diferente do anterior. O teto era tão alto, mas tão alto, que eu nem conseguia enxergá-lo. 

Me abaixei para tocar o chão, que era de terra seca que esfarelou-se entre meus dedos. Era um terra escura que parecia estar misturada a cinzas, mas ao menos estava seca. Muito diferente do ambiente úmido, difícil de respirar e abafado das cavernas.  

Além da gigantesca parede de pedra que mais parecia uma montanha, o lugar não parecia ser um ambiente interno como uma casa, escritório, caverna escura ou uma masmorra. 

Havia uma brisa suave, o ar era bem menos desagradável, apesar de não ser dos melhores, e não era um ambiente tão quente quanto dentro das cavernas. 

— Que novo ambiente é esse? — perguntava-me, curioso. 

Se algum dos meus monstros estivesse por aqui, mandaria investigar, mas agora eu que precisava por a mão na massa. Havia direções para ir. Frente, costas, direita, ou esquerda. 

— Direita. — continuei seguindo em frente. 

Percorri poucos metros, desci por um pequeno declive e escutei o som de algo. Era como água fluindo por um canal. Apressei meus passos e cheguei ao lugar. 

— Minha sorte deve ter melhorado.  

Olhando para frente, vi árvores. Eram magras, sem cor, sem folhas. Pareciam ser feitas de pedra dura, mas com certeza eram árvores. 

E, poucos metros na frente, cortando pouco mais de meio metro do chão, havia um córrego de água cristalina, vazando das pedras de onde vim. Provavelmente era água daquela pequena lagoa que fluía para este lugar.  

Fui até o pequeno riacho, enfiei meu pé na água e bebi um pouco. Tinha o mesmo sabor um pouco adocicado da água da lagoa. Sorri e molhei os braços e o rosto, tentando limpar meu corpo que se sujou durante a queda. 

De repente, escutei um som. Virei a cabeça para o lado e vi o que era. 

Minhas mãos tremeram, meu queixo caiu e eu fiquei estupefato. Minhas sobrancelhas levantaram e meus olhos se arregalaram. 

Tinha um rabo longo, pelos de uma cor escura difícil de se enxergar no escuro, olhos brilhantes, pernas e pés pequenos, com um tronco grande e braços ainda mais longos. Segurava na mão esquerda um objeto redondo com alguns caroços e que tinha uma marca de mordida. 

Um macaco, pensei.  

E era de fato. Muito diferente de qualquer raça ou espécie que eu já tenha visto neste ou em outro mundo, mas sem sombra de dúvidas era um macaco. 

E ele também me encarava, parecendo tão surpreso quanto eu. Quem não ficaria surpreso ao ver uma pessoa com rabo, duas asas assustadoras, vários ferimentos e sem camisa no meio de uma floresta de pedra?  

— Ei, macaquinho — Levantei ambas as mãos para mostrar que eu estava indefeso e tentei me aproximar. 

O animal virou a cabeça de lado, encarando meu rosto com seus olhos brilhantes. Seu pescoço virou de tal forma que eu pensava que fosse impossível e os lábios entreabertos dele me causavam arrepios. 

Será que ele é outro desses monstros extremamente poderosos?  

— Olhos da Ambição  

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[Habilidade Olhos da Ambição] Ativada 

A Ambição do Usuário é maior que a do alvo. 

É possível ver suas informações, porém com algumas limitações. 

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[Informações] 

Nome: Sem Nome 

Raça: Macaco Coruja | Nível 11/20 

Raridade: Comum | Grau: 2 

Emblema: Bestial  

[Estatísticas] 

Força: 11/20 Velocidade 15/21| Vigor 12/19 

Destreza: 15/22 | Inteligência 20/25 | Mana 17/19 

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Ah! Que alívio.  

Mesmo suas estatísticas sendo baixas, ainda mantive cautela, aproximando-me devagar.  

Essencialmente, neste momento, precisava de uma voisa e esse macaco era a chave. Comida. Minha barriga chegava a roncar e aquilo na mão dela era com certeza uma fruta. 

— Macaquinho, passa essa fruta para mim. — Estendi a mão e apontei para o objeto. 

O macaco olhou meu dedo e depois para a fruta. Trocou mais alguns olhares e levantou o dedo também para o objeto. Sacudi a cabeça, afirmando. 

Neste momento, enquanto o macaco estava parado pouco abaixo no rio, apontando o dedo para a fruta cheia de caroços, eu vi algo atrás dele. 

Uma armadura de cor preta completa e enorme. 

O que é isso agora?  

Pensei imediatamente que fosse outro Cavaleiro da Morte, mas este não parecia ser o caso. Ele não carregava a terrível aura obscura e estava dando passos leves, tentando se aproximar do animal. 

Um passinho de cada vez, ele foi chegando perto do macaco. Sinceramente, eu não sabia o que fazer naquela situação.  

Mas tinha certeza de uma coisa. Aquela fruta era minha e eu não deixaria ninguém levá-la. Levantei a cabeça e os braços e dei mais alguns passos na direção do macaco. 

Neste instante, o ser na armadura pareceu ter me notado, encarando meu rosto. Com os braços, ele começou a fazer vários gestos para que eu me afastasse.  

Esse cara é louco.  

Respondi ele com outros gestos e expressões faciais fortes. Nunca havia feito isso antes, então provavelmente parecia um palhaço. 

Subitamente a armadura perdeu a paciência e correu para capturar o pequeno macaquinho. No mesmo passo, o animal virou a cabeça para trás, viu ele e saltou por entre os seus braços, caindo na minha direção. 

Tentei capturá-lo, mas o perdi de vista, quando o pequeno maldito literalmente usou minha cara de trampolim e saltou do meu rosto para uma das árvores de pedra. 

Quando me levantei, passei onde o animal havia posto os pés. Eu e a armadura olhamos o macaco que tinha um grande sorriso no rosto e ele fazia uma dancinha sobre um galho, zombando de nós. 

Troquei um olhar com a armadura e com o macaco. Aquela fruta era minha. Não largaria mão disso. Preparei-me para correr, mas a armadura se pôs na minha frente. Bati contra, escutando um eco vazio e caindo sentado dentro da água. 

— Aquele macaco é meu — disse ele, virando-se e o perseguindo rapidamente. — Arranje o seu próprio macaco. 

— Espera! Quem é você? 

— Você não é merecedor de saber meu grandioso nome.  

Ele estava brincando com a minha cara.  

Com uma velocidade incrível, perseguiu o macaco que saltava por entre as árvores. Perguntava-me como alguém com uma armadura inteira dessas conseguia correr tão rápido. Lembrei daquele barulho de eco quando me chequei contra ele, mas o jeito esquisito dele se sobressaiu. 

Levantei quando minha barriga roncou. Ainda estava faminto e aquela fruta foi a única coisa comestível que eu via em dias, tirando o Tubarão-Polvo, mas talvez ele nem fosse comestível com aquele sangue roxo dele. 

Também comecei a perseguir o macaco, desenfreado. 

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Atravessei várias árvores, declives e aclives, colocando toda força nas minhas pernas. Apesar da minha estatística de velocidade e destreza serem mais altas que a do macaco, ainda não conseguia alcança-lo. 

Conseguia ver a armadura mais a frente, no encalço dele.  

Persegui-los em linha reta não daria resultados. Tinha que bolar um plano mirabolante, senão ficaria sem jantar.  

Se eu conhecesse o ambiente, poderia armar uma armadilha. Usaria a mesma tática que Gleen utilizou para terminar com a vida do Goblin Campeão. O macaquinho nem saberia o que o atingiu. 

Porém estava de mãos atadas. O que eu posso fazer? O que posso fazer? Várias opções passaram pela minha cabeça, mas nenhuma parecia boa. 

Continuei perseguindo-os. Uma hora ou outra eu teria um plano mirabolante, ou não, para conseguir meu prêmio. 

Correr tão machucado pela floresta desconhecida não era a coisa mais fácil do mundo. Diversas vezes tropecei em buracos e fui parar em becos sem saída, buscando formas de cortar caminho. Atalhos estavam fora de cogitação. 

Neste momento, minha mente clareou. 

Se não há atalhos, então vou criar eles. O macaco e a armadura corriam pelo rio, evitando a montanha de pedra que cobria tudo numa direção, então não seguiam em linha reta. 

Peguei minha Espada Surrada de Ferro, concentrei minha força na palma da mão e lancei um ataque. 

— Ataque Aprimorado! — Uma árvore se partiu rm pedaços. 

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[Durabilidade 18/100] 

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Vi a durabilidade da espada cair a olho nu. Se continuasse assim, não duraria muito tempo. No entanto, o tempo estava contra mim. Outra hora pensaria nisso. 

Passei pela árvore em pedaços e voltei a correr. 

— Ataque Aprimorado! Ataque Aprimorado! Ataque Aprimorado!  

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[Habilidade: Ataque Aprimorado] Subiu de Nível 

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Finalmente conseguia ver o macaco e a armadura. Havia um grande paredão de árvores na minha frente e os dois estavam se aproximando rapidamente. 

Era minha chance. 

[Durabilidade 1/100] 

E também minha única chance. 

Concentrei minha força no meus braços, utilizando o máximo de mana que eu conseguia. Minha óbvia falta de experiência fazia da tarefa muito difícil. 

De canto de olho, vi que estavam há poucos metros. Mais alguns segundos e eu os perderia para sempre. 

— É agora — estabilizei a espada e cortei — Ataque Aprimorado!  

[Maestria com a Espada] subiu de nível 

As árvores na minha frente se despedaçaram e suas lascas voaram para frente.  

Bem, na hora!, pois os dois já estavam ali, surpresos com a minha aparição. Saltei da árvore e agarrei o macaco em pleno ar. 

— Eu ganhei! — Segurei o animal pela cauda e pelas patas. 

A armadura ficou parada em silêncio, olhando. Certeza que a pessoa dentro dele não sabia o que pensar sobre aquela situação. 

— Como você chegou aqui tão rápido? — perguntou ele. 

— Abri caminho por entre as árvores. — Apontei para trás de mim e para a espada quebrada em mil pedaços no chão. A durabilidade dela havia acabado. 

— Meus parabéns então. Você me venceu...? — Desejava saber meu nome. 

— Kayn. Meu nome é Kayn. 

— Meus parabéns, jovem Kayn — A armadura bateu palmas, alegremente. — Como você venceu o grandioso eu sem trapacear, deixarei que fique com o macaco para você. 

Parei um pouco para pensar e era verdade. Neste tempo todo, perseguia o macaco apenas para roubar sua fruta. Esqueci completamente que ele também era comestível, possivelmente. 

Escutei minha barriga roncar e olhei para baixo direto nos olhos do macaco. Talvez eu estivesse com um sorriso perverso na cara, pois os olhos dele estavam cheios de lágrimas.  

Até que ele era fofinho, mas comida era comida. A fruta ainda estava na boca dele. E eu estava com fome agora, então roubei a fruta dele, limpei na roupa e mastiguei. 

Tem gosto de merda e baba de macaco, mas é alguma coisa. 

— Essas frutas dão prisão de ventre. Cuidado — comentou a armadura. Minhas sobrancelhas enrugaram. Ele era muito esquisito.  

Estava prestes a voltar a ter uma conversa com ele. Havia inúmeras coisas que gostaria de perguntar, mas escutei um choro.  

Olhando para baixo, o macaco chorava baixinho, resmungando.  

— Pare de chorar! — exclamei, irritado e o balancei. Esse foi meu erro. — Qual seu nome? — Ignorei o macaco e tentei perguntar outra vez, mas a pessoa na armadura parecia nervosa. 

— Faça-o parar de chorar. Rápido, senão... — De repente, escutei som de galhos se quebrando — É tarde demais... 

O ar ficou pesado. A brisa suave que sentia antes se desfez completamente. Meus sentidos estavam apurados. Alguma coisa nós vigiava da escuridão. 

— Jovem Kayn, coloque-o no chão cuidadosamente. Não faça movimentos bruscos. 

— Por quê...?  

Um arrepio percorreu meu pescoço quando uma respiração quente o tocou. Virei minha cabeça e engoli seco. 

Dentes afiados, pendurado de cabeça para baixo, mas com o pescoço virado, como se fosse alguém possuído em um dos filmes do Exorcista. Baba escorrendo entre os dentes e uma aparência parecida com um babuíno e tão grande quanto um. 

Atrás daquele, havia outros inúmeros. Uma centena ou até mais deles. Todos olhando para mim e para o macaco na minha mão. 

Todo castigo para pobre é pouco. 



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