Volume 1 – Arco 4
Capítulo 30: Confidente.
Com o encerramento da luta, o bar fechou todas as suas atividades. Fregueses, guardas e até os responsáveis pelo evento, todos, deixaram o local com um gosto amargo na boca; perderam uma verdadeira fortuna em suas apostas.
Kenshiro e Sebastian ficaram até o fim, observando os guardas retirarem o imenso cadáver de Maximus. Gurok repousava em um canto, sendo bombardeado por olhares de julgamento.
Não importava se fosse o vencedor, pela sua aparência e seu passado, seria sempre visto como uma aberração. “Fera Verde” — esse era o rótulo que o perseguia.
Quando finalmente ficou sozinho, Kenshiro ousou se aproximar, mas foi impedido por seu companheiro, que percebeu outra pessoa se aproximando.
Era outro nobre, vestido de preto, destoando de seus pares que preferiam cores mais vibrantes.
Curioso, o espadachim se esgueirou para escutar a conversa.
— Vejo que ainda está vivo — disse o nobre, com tom provocativo.
— E eu vejo que veio sem seus guardas.
— E arriscar ser visto com você? Ha! Nosso plano seria completamente destruído.
Um assunto delicado. O silêncio dos dois denunciava a importância do sigilo.
— Enfim... Eu só vim confirmar que fiz o depósito. Está tudo certo.
— Obrigado, Walter Black. Sem você... nunca teríamos chegado tão longe.
— Ora! Não seja modesto. É óbvio que tenho meus próprios interesses. Ser aliado do próximo governo é muito importante para os negócios...
Com a breve conversa encerrada, o nobre se retirou.
Gurok sentou-se. Parecia relaxar, aliviado pelas boas notícias.
— Olá! — disse Kenshiro, enxerido.
Rapidamente, o orc se levantou. Ergueu os punhos, pronto para atacar.
— Ei, ei! Calma! Eu só quero conversar!
Gurok avançou, decidido a atacar sem hesitar.
Num ato desesperado, Kenshiro retirou o cinto com suas espadas e o jogou aos pés do orc. Ao mesmo tempo, aproveitou para remover a pequena adaga escondida em seu sapato.
Finalmente, Gurok abaixou as mãos.
— Sebastian, pode sair. Está seguro.
Detrás do orc, escondido nas sombras, o vampiro apareceu, parecia ter surgido da escuridão. Sebastian ainda jogou sua bolsa de mantimentos perto do cinto de Kenshiro, para mostrar que estava desarmado.
Embora aquilo mostrasse que esteve sendo observado, também sinalizava neutralidade.
— Quem são vocês? E o que querem? — perguntou Gurok, ainda sério.
— Peço desculpas pela nossa aproximação repentina. Estamos confusos sobre o funcionamento desta cidade e gostaríamos que o senhor pudesse nos explicar, caso não se importasse.
Kenshiro escolheu uma abordagem respeitosa e formal, inspirado no comportamento de Sebastian.
— Ha... ha, ha. HA! HA! HA! — O orc soltou uma risada que nem lembrava que possuía. — “Senhor”? Então são mesmo visitantes. Não sejamos tão formais. Eu me chamo Gurok. E vocês?
— Kenshiro Torison.
— Sebastian.
De forma quase milagrosa, a abordagem escolhida pelo espadachim funcionou. Conversaram e compartilharam informações, tanto cruciais quanto triviais.
(...)
A dupla agora sabia sobre a Taxa de Saída, o Juiz, a economia de Altunet e o evento político que se aproximava.
— Isso vai ser um problema — disse Sebastian.
— Seja como for, precisamos voltar e compartilhar o que descobrimos.
— Há mais de vocês? — perguntou Gurok. — Está viajando com um vampiro... seria companheiro de um demônio também?
— He. Kaji é um elemental de fogo, serve? — revelou Kenshiro.
— Como foi capaz de domesticar um?
— Todos os Descendentes possuem um. Esqueceu?
— “Descendentes”? De quem?
Pela dúvida no rosto do orc, era claro que ele desconhecia tais informações.
Uma explicação breve bastaria.
— São famílias importantes na fundação do Império.
— Ah, entendo. Aqui em Altunet não recebemos muitas notícias do “lado de fora” — explicou Gurok.
— Sim, dá para se perceber.
Um silêncio constrangedor pairou entre eles.
Kenshiro, não querendo encerrar a conversa de forma abrupta, decidiu fazer uma proposta, ainda que já soubesse qual seria a resposta.
— Gostaria de partir conosco para fora desta cidade?
— O quê? — questionaram, em uníssono, vampiro e orc.
— Não posso garantir por todos os membros... mas a maioria de nós o trataria com respeito. Você teria o direito de comer, beber e dormir à vontade conosco.
— Somente durante a noite — reforçou Sebastian, ainda incrédulo com a proposta.
— Kaji é forte o bastante para carregá-lo na carruagem e...
— Pare aí mesmo — disse Gurok. — Agradeço a oferta, de verdade. Mas existem coisas nesta cidade pelas quais ainda estou disposto a lutar. Estou me candidatando ao cargo de Juiz. Se o governador a quem estou associado vencer, poderei fazer mudanças significativas.
Se tudo correr bem, poderei finalmente acabar com a opressão que os soldados mercenários exercem sobre estas pessoas. E, quem sabe, resolver um assunto inacabado...
— Tenho certeza de que suas intenções são boas — disse Kenshiro —, mas está enganado se pensa que as pessoas vão começar a tratá-lo melhor só por causa de um título.
— Sim — reforçou Sebastian. — O preconceito humano é algo intrínseco. Existem poucas exceções.
— Eu sei... — A voz de Gurok carregava um peso. — Na verdade, eu luto apenas por uma pessoa. Ela quer, acima de tudo, proteger essas pessoas. E eu quero, acima de tudo, ajudá-la. Então... até atingir meus objetivos, não posso abandonar Altunet.
Kenshiro entendia bem o sentimento de Gurok. Nada poderia convencê-lo do contrário. Ao menos, conhecia agora suas motivações.
— Por curiosidade... em quem vocês teriam apostado? — perguntou Gurok, buscando aliviar o clima.
— Maximus, com certeza — disse Sebastian, sem hesitar.
— Em você — disse Kenshiro, com um sorriso provocador.
— Mentira.
— É verdade! No momento em que percebi que era um orc, soube que venceria. Sua espécie foi responsável pela única aliança entre elfos e humanos na história! Vocês eram tão poderosos que quase não conseguimos expulsá-los para os pântanos.
Gurok coçou a cabeça, confuso.
— Não conhecia essa história — disse Sebastian. — Onde ouviu isso?
— Na biblioteca da Capital. Eles têm registros de toda a história da humanidade, desde sua origem até os dias atuais.
— Espero poder visitá-la algum dia. Gostaria de conferir algumas informações...
Sem mais assunto, perceberam que era hora de partir.
— Foi uma honra conhecê-lo, Gurok — disse Kenshiro, estendendo a mão.
— A honra foi minha, Kenshiro Torison — respondeu o orc, apertando a mão do espadachim. — Sebastian. — E acenou com a cabeça.
Seguindo por onde vieram, a dupla se afastou de Gurok.
(...)
— Eu ainda não entendo o motivo de tê-lo convidado — disse o vampiro —, e agora que penso... também não compreendo por que confiar em pessoas tão diferentes e pouco conhecidas.
— Está se referindo a você?
— A todos nós, suponho.
— Não precisamos ser amigos ou conhecidos de longa data para lutar lado a lado. "É nas adversidades que os laços se fortalecem."
— Sim, sim. Por isso as tropas experientes são tão unidas e fortes. Mas nós ainda não enfrentamos nada.
— Sim... ainda.
Exausto e buscando respostas, Sebastian parou de andar.
Kenshiro o encarou.
— Peço desculpas pelo meu comportamento rebelde, senhor. Mas eu preciso saber o que está acontecendo, ainda que seja o mínimo possível.
Kenshiro refletiu.
— Tudo bem. Mas, se quiser partir depois do que eu contar, serei obrigado matá-lo.
— Não é tão fácil matar um vampiro...
Num movimento tão rápido quanto um raio, Kenshiro avançou, pressionando Sebastian contra a parede.
O vampiro ainda tentava entender o que havia acontecido quando viu o espadachim segurando sua cabeça, enquanto a lâmina encostava em seu pescoço.
— Será fácil para mim — disse Kenshiro, a voz fria como aço.
Pela primeira vez em muitos séculos, Sebastian lembrou-se do que era sentir medo.
— Infelizmente, a história é longa — disse Kenshiro, libertando-o. — Quero que preste atenção. Eu não vou repetir.
— Não... cof! cof! Estamos muito tempo fora, devíamos voltar.
— Não quer mais saber sobre nossa jornada? Acabei assunto você?
— Não foi isso que quis dizer — explicou o vampiro, recuperando sua compostura habitual. — Se me der um pouco do seu sangue... poderei ler suas memórias e saber tudo que for preciso.
— Simples assim? Tem certeza de que não quer só fazer um lanche?
— Acredite, será mais desconfortável para mim do que para você.
Plink! Uma gota de sangue caiu no chão.
As narinas do vampiro estremeceram com o cheiro, um instinto natural, independente da espécie que sangrara.
Kenshiro estendeu a mão cortada.
— Leia — disse ele, segurando firmemente a lâmina em sua outra mão. Não hesitaria em usá-la.
Ainda receoso, Sebastian sabia que não havia retorno.
Tratou o sangue como se fosse álcool forte, ingerindo-o de uma vez para terminar logo.
Em questão de segundos, todas as memórias de Kenshiro desfilaram diante de seus olhos. Tantas histórias, sentimentos. Era difícil acreditar que um simples humano tivesse vivido tanto em tão pouco tempo.
Ou talvez fosse a própria vida de Sebastian que fosse monótona: séculos em cavernas e florestas, isolado, alimentando-se apenas o suficiente para não enlouquecer.
***
Uma jovem de cabelos azuis. Uma amiga? Amante?
Treinamento... missão...
Morte.
Gritos — cabeça, risadas — gargalhadas.
A lua, quieta demais.
Uma sombra à frente. Distorcida. Mórbida.
Carregava... cabeça.
***
Tio Reiji. Cheiro de incenso barato. A mão pesada no ombro.
Família? Pai?
Mentiras. Decepção.
Silêncio na despedida.
***
Erina... não... não...
NÃÃÖã–gh…
“Que lugar é esse?”, tentou entender Sebastian. “Uma memória apagada?”
— Deixe-me ouvir sua voz, Erina...
VOZ ASQUEROSA
— Ninguém virá te resgatar.
MORRA SEU VERME!
— Olhe nos meus olhos...
Silêncio.
Algo se quebrou ali. Uma parte do garoto. Talvez para sempre.
O cheiro de sangue voltou a invadir as narinas do vampiro. Mas era diferente. Mais espesso. Quente demais. Puro.
Uma memória viva.
Trauma vivo. Dor que gritava mesmo em silêncio.
***
Quando finalmente viu tudo, o choque o atingiu em cheio. Informações demais, impossíveis de ignorar.
— Não pode ser... — Caiu ao chão, atordoado. — Achei que fosse algo urgente, mas... nunca imaginei algo assim...
— Agora que sabe a verdade — Kenshiro ajoelhou-se, encarando-o no mesmo nível —, você é finalmente o membro mais confiável do grupo. Meus parabéns, Confidente.
Ergueu-se e estendeu a mão para ajudar seu subordinado a levantar.
Antes de segurar a mão sangrenta do espadachim, Sebastian revelou mais uma informação: — Eu vi. Eu senti. Exatamente o mesmo que você. Valéria. A caverna. Erina...
— Não conte a ninguém, e isso não será um problema para nós.
— Sim, Carrasco de Valéria.
Com o peso da verdade nos ombros, e entendendo o motivo pelo qual Kenshiro aceitava aquele título hediondo sem remorso, Sebastian agarrou a mão do espadachim, levantando-se.
Agora, estava destinado a seguir Kenshiro e Erina até o fim de sua vida.
Literalmente.
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