Volume 1

Capítulo 13: Demandas

— Como ele está? — Marco perguntou ao se sentar do lado de Beatriz. A cabeça da garota pendia para baixo, mantendo os dedos entrelaçados como se estivesse a rezar; os cabelos escuros escondiam o semblante.

Beatriz ergueu o rosto para ele, mostrando um olhar distraído.

— Não sei ainda… — murmurou roufenha, as pálpebras inchadas e vermelhas. — O médico entrou na sala com ele e ainda não voltou. Uma enfermeira me mandou esperar aqui.

— Ele vai ficar bem — disse Marco, em tom de quem se forçava a acreditar no que dizia. — Levi é forte.

Beatriz assentiu fracamente.

— É tudo culpa minha, Marco — soluçou ela. — Se eu tivesse pegado Levi na hora que você chegou e corrido de lá. Passado por cima da ordem do meu pai…

Marco fez uma negativa paciente.

— A gente sempre espera bom senso dos nossos pais, mas eles também erram. Você só fez o que qualquer filho faria. Não se martirize por algo que estava fora do seu controle. Se existe algum culpado por toda essa merda, são aquelas malditas coisas invisíveis.

— Ah, Marco… — sibilou, como se estivesse prestes a desmoronar. — Não aguento mais só chorar e ver as coisas acontecerem diante de mim. Minha mãe e meu pai se foram, estou suportando como posso, mas se eu perder o Levi…

— O que só faz de você alguém mais durona do que eu pensava. É por isso que sei que vai receber o Levi com um sorriso quando ele sair por aquela porta.

Beatriz o fitou; o olhar evoluindo para um vago agradecimento. No segundo seguinte, arregalou as órbitas como se algo lhe tivesse ocorrido de súbito.

— Marco… e suas costas? Peça para o doutor dar uma olhada nos ferimentos.

A resposta veio na forma de um muxoxo.

— Não se preocupe. Estou bem. — E era verdade, mas também era verdade que se sentia diferente por causa do episódio. Sacudiu a cabeça.

A poucos metros dali, Jacira encarava o casal de jovens com expressão serena, embora o olhar aparentasse preocupação. Abriu a boca indagativa:

— Precisam de alguma coisa?

— A gente tá bem, dona Jacira. Obrigado — respondeu Marco com melancolia.

Naquele momento, as portas da ala de emergência foram empurradas e o médico louro de antes se precipitou para fora acompanhado de uma das enfermeiras. Depositou os olhos azuis e graves, emoldurados pelos óculos ovalados, por sobre a figura de Beatriz. Aproximou-se depressa.

— Como ele está, doutor? — perguntou a garota, levantando-se de um salto.

O médico suspirou.

— Serei direto: infelizmente tivemos de amputar o braço de Levi. Ele está sedado agora, mas o estado continua grave. Como já havia perdido muito sangue, precisei utilizar a última bolsa de transfusão que tínhamos, mas ele logo precisará de mais. — Dr. Pereda se voltou para a policial. — Acha que consegue ir até o hemocentro, Jacira? Por Deus… eu não quero perder aquela criança.

Marco e Beatriz se voltaram na direção da mulher.

— Também já estamos no limite da gasolina para os geradores, doutor — disse ela. — Será como matar dois coelhos com uma cajadada. É só me passar aonde devo ir que me prontifico.

Os lábios do médico se curvaram num sorriso de legítima gratidão.

— E o quadro de Tobias? — tornou Jacira, alterando a expressão para algo mais constrito. Marco deduziu que a mulher falava do companheiro baleado pelo viciado.

— Está sedado, mas fora de perigo. Ele vai sair dessa, mas é como salientou: vamos precisar de gasolina para os geradores. Como sou o único médico que sobrou, será de imensa ajuda para que eu continue a monitorar Tobias, Levi e os outros pacientes.

— O que aconteceu aos outros médicos? — questionou Marco, olhando de Dr. Pereda para Jacira.

— Na hora em que a confusão estourou, muitos abandonaram seus postos e tentaram ir pra casa — respondeu com seriedade. — Eu fui o único que ficou para trás, junto a duas enfermeiras. Não podia apenas abandonar os pacientes.

— E não temos palavra para agradecê-lo, doutor — disse a policial. — Não fosse o senhor por aqui, não sei o que seria de nós.

De repente, Marco arregalou os olhos.

— Dona Jacira, como está a segurança deste lugar? As criaturas podem invadir o hospital a qualquer momento!

— Criaturas…? Quê? — Cássio Pereda arqueou uma sobrancelha. — Sabe o que está acontecendo, garoto?

— É uma longa história, doutor. — O tom de Jacira foi de conciliação. — Marco já me contou. Logo explicarei tudo ao senhor.

Contudo, Dr. Pereda lançou um olhar esquisito na direção de Marco, que sentiu a fronte em brasa.

— Sabe a quantidade de amigos que já perdi desde ontem? Se sabe alguma coisa a respeito…

Pigarreando, Jacira o interrompeu:

— Todos aqui perderam alguma coisa, Cássio, o que significa que o luto une a todos nós. Não é hora para confusão neste hospital. Qualquer problema que tiverem, mesmo que mínimo, quero que se reportem a mim primeiro, entenderam?

Marco fez que sim, olhando de soslaio para o médico, que mantivera o semblante estoico como uma máscara de cera. Teve a impressão, no entanto, de observar um breve esgar de desprezo.

— Certo, Jacira. — Dr. Pereda concordou pouco depois, mas se virou de costas e saiu dali sem dizer mais nada, seguido pela enfermeira.

O silêncio cresceu entre eles, mas, decorrido tempo suficiente para que poeira baixasse, a voz de Beatriz cortou o corredor:

— Eu quero ajudar.

Os olhares à volta recaíram sobre ela.

— Se vocês vão atrás de suprimentos para ajudarem o meu irmão, então quero ir também — insistiu.

— Olha, não acho que… — começou Jacira.

— Eu vou — interrompeu-a Marco, levantando-se do lugar. — Bia, é melhor que você fique com Levi. Seu irmão precisa de você agora mais do que nunca. Eu vou com dona Jacira, além do mais, com Régulo para ser os meus olhos, teremos mais chances de retornar.

Abrindo a boca para contra-argumentar, Jacira mudou de ideia ao correr do olhar decidido de Marco para os olhos cúrcumas do gato sentado ao lado dele.

— Certo, garoto. Vamos pôr à prova se o que me contou é verdade.

Marco a viu sorrir gentilmente enquanto dava dois tapinhas no cano da escopeta.



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