Volume 4,5
Capítulo 2: O Resumo das Férias de Himegi Kyouko
Ainda me lembro da sensação causada por aquela chuva gelada.
Os pingos que caíam do céu a todo momento se tornavam cada vez mais pesados, diante da cena de ver o irmão mais velho de Yonagin ferido.
Não encontrei Yonagin em lugar nenhum, e tive que acompanhá-lo ao hospital enquanto Shiro correu atrás dela. Foi uma cena assustadora. Apesar da cara de dor, Kiyoshi demonstrava tensão por outra coisa. Sua expressão era rígida e sofrida.
O médico que nos acompanhou na ambulância fez os primeiros socorros e nos deixou a sós. Permaneci encolhida em um canto, sem saber o que fazer... minha cabeça está tão enevoada pelo susto que apenas conseguia pensar em Yonagin.
— Ah... — Kiyoshi sussurrou, chamando atenção. — ...Sakuya e os outros estão bem?
Me aproximei, ainda relutante.
— Sim... bem, não sei ao certo. Ela passou mal ao comer alguma coisa durante a festa...
Foi o estopim que gerou toda essa confusão.
— Devem ter feito algo sobre a comida... — cogitou Kiyoshi. — Eles pensaram em tudo. Nos pegaram de jeito pelo nosso descuido...
Se for dessa forma que ele disse, então foi um blefe causado pelos punks para separar Yonagin de todo mundo. Não importa em como tudo terminou, ela ficaria vulnerável de qualquer jeito.
— Não quero nem imaginar se ela quem tivesse passado mal...!
Ficamos em silêncio pelo resto do percurso e, fomos separados ao chegarmos no hospital, em que aguardei em um dos corredores. O tempo se estagnou sem notícias, até que comecei a ouvir vozes conhecidas por entre os corredores em dado momento.
— Não era para vocês terem vindo!
— Mas não queríamos ter ficado no ryokan esperando!
Em um instante, a tia Mikoto e suas filhas Sakuya e Tomoyo estão ali. Ao me verem, ficaram extasiadas:
— Você está bem?! Como está o Kiyoshi?!
— Eu... eu estou bem! Mas o Kiyoshi está no quarto e não me deixaram entrar.
— Yonagi chegou há algum tempo... — expressou tia Mikoto. — Devem tê-la deixado esperando dentro da sala, pelo visto.
— Yonagin?! Ela está aqui?
— Fique aqui com Sakuya e Tomoyo. Verei os dois neste momento.
Tia Mikoto desapareceu por entre os corredores.
— Himegin, você sabe o que aconteceu?! — indagou Sakuya, arqueando.
— Não sei dos detalhes, apenas vim com Kiyoshi... — proferi, aturdida. — Mas e você? Está se sentindo melhor?
— Ela entrou em pânico ao ver todos aqueles vândalos surgirem do nada que vomitou tudo o que comeu... — disse Tomoyo, indiferente. — Ela melhorou na hora.
— Nada sutil, Tomo...
Sakuya ainda parecia abatida e ofegava bastante. Seu rosto pálido se ressaltava pelo recinto do hospital.
— Kiyoshi foi surpreendido pelos vândalos quando chegou... — tornei a falar. — Pelo visto, o plano deles era afastá-los desde o início.
— Bom, se a Kae já está aqui, quer dizer que não aconteceu mais nada grave... — suspirou Tomoyo.
— Eu vou matar o Oguro! — esbravejou Sakuya, se apoiando na irmã. — Ele vai se arrepender de ter nascido!
Sakuya cobriu o rosto com as mãos.
— Sakuya, isso não foi culpa sua... — disse, afagando suas costas. — Apesar de tudo, estão todos aqui.
— Como vou saber se o Oguro realmente não fez nada com ela? — questionou ela. — Quero vê-la. Preciso ver como ela está!
Logo, um enfermeiro apareceu e chamou por Sakuya e Tomoyo.
— Estamos apenas permitindo a entrada de parentes... — disse ele para mim.
— Mas...!
De repente, meu celular começou a tocar.
— Não se preocupe! — expressou Sakuya. — Vou pedir para Kae vir falar com você mais tarde, prometo!
Após vê-las partindo junto com o enfermeiro, atendi o celular.
— Shiro! Onde você está?! Você está bem?! E os outros?!
— Calma, calma! Você está em um hospital, então fale baixo! — berrou ele do outro lado da linha. — Estamos bem. Todos estão bem. Aliás, já estou em casa.
— Hein?! Que horas são?!
— Já passam das nove horas. Tio Ikishi me disse que está chegando ao hospital neste instante te buscar para ir embora.
— Ora, se não fosse para falar sobre isso você não teria me ligado para dar notícias?! — indaguei, furiosa.
— Ah, foi mal. Quer dizer... imaginei que mais alguém já teria te avisado, sabe...
Essa voz esfarrapada dele não me engana. Ele era tímido por não falar com muitas garotas ao que parece, então até entendo essa atitude, mesmo assim...
— Eu só pude contar com você! — exclamei. — Kuroi não respondeu minhas mensagens e não tenho o contato do Teru.
— Oh... Kuroi, é... bem, ela também não falou comigo durante o retorno. E Teru foi embora sozinho.
— Hein?! — fiquei atônita pela resposta. Fiz mais perguntas para tentar entender a situação melhor, mas Shiro deu a parecer que não sabe de mais detalhes.
Depois disso, tio Ikishi chegou e o acompanhei até a van. Quis esperar para tentar conversar com Yonagin ou pra saber como está Kiyoshi, mas ele insistiu que o melhor era me deixar em casa pela minha própria segurança.
Inclusive, os amigos de Yonagin estão na van também em silêncio. Rentaro, Makoto e Ayase. Pareciam tão devastados como se tivessem visto um dos filmes de terror da Kuroi.
— Peço que me perdoem mais uma vez por não os deixar falarem com a Kae.... — explicou tio Ikishi. — Imagino que aja muita coisa para conversarem, mas Kae está bem. Ela veio até nós e pedimos para uma viatura trazê-la até o hospital... Não posso faltar com a responsabilidade de entregar todos vocês aos seus pais, então peço que compreendam.
— Nós entendemos... — disse Makoto, e Ayase balançou a cabeça. — Obrigado por nos dar notícias...
— Só não entendo porque Oguro quis aparecer assim e agora... — murmurou Rentaro, pensativo.
Fiquei em silêncio.
— Isso pouco importa agora, imagina só o que ele poderia ter feito à Kae se você não tivesse chegado lá! — grunhiu tio Ikishi.
— Eu? — Rentaro ficou confuso. — Como assim?
Um clima estranho se assolou na van.
— Ué, não foi você que foi atrás da Kae? — indagou o tio.
Tive vontade de falar o que realmente aconteceu, mas me detive. Não quero causar um alvoroço maior e acho que Shiro não iria querer isso, não é o tipo de atenção que gostaria de gerar.
O trânsito estava terrível por causa da chuva, e só cheguei em casa de madrugada. Meus pais ficaram preocupados, e tio Ikishi curvou-se em sinal de desculpas por todos os problemas ocorridos. Me despedi do pessoal e me resguardei em casa, mas as memórias daquela chuva pesada não se esvaíram. Não, elas não vão sumir, minha mente ficou tão densa quanto aquele tempo chuvoso.
***
Durante os dias seguintes, tentei falar com Yonagin, sem sucesso. Ela deve estar passando por um momento mais difícil do que imaginei. Lidar com problemas quando se está sozinho é complicado, somando ao fato de ser relacionado a questões familiares. Nem preciso dizer que ela pode estar se agonizando em silêncio para não preocupar ninguém.
Enviei várias mensagens, das quais recebi respostas vagas. Não soube nem se ela já tinha retornado de Yokohama ou permaneceu por lá. Poderia ir até sua casa perguntar diretamente, mas tive o receio de que só causaria mais problemas.
Portanto, deixei em aberto a possibilidade de que pudesse conversar comigo a qualquer hora. Conforme os dias foram passando, minhas colegas de classe vieram até mim, resguardei o que aconteceu durante a viagem e aproveitei suas companhias. Passeando, brincando e visitando umas as outras... por mais que no fundo da mente residiu minha preocupação em Yonagin.
Nem mesmo Kuroi esteve agindo normalmente. A conhecida garota viciada em contos de terror se tornou desconexa do próprio estado de espírito. Outro dia estávamos entre amigas num cinema, conversando sobre várias coisas e quando o tópico entrou em relacionamentos, ela disse:
— Já não está na hora de vermos qual filme vamos assistir? Estamos conversando sobre isso por tempo demais.
Todos parecem estar tão distantes... o que devo fazer?
Shiro aparentemente foi o único que se manteve do mesmo jeito. Tentei falar com ele depois, em que apenas me respondeu com um: — É melhor perguntar para Yonagi pessoalmente ou conversar com Kuroi. Elas podem estar precisando do seu alto astral... —. O que aconteceu de tão grave para deixar todos desse jeito?!
Eu realmente não entendo.
Não é como se quisesse me intrometer na vida de todos, mas ver toda essa angústia e não poder fazer nada... me fez sentir paralisada. Ao menos, isso me confirmou de que não perceberam sobre o meu estado de espírito durante o período do ryokan, que bom.
Por mais que tentasse me concentrar no filme à minha frente, não parei de pensar nesse assunto. Recebi um cutuque de Kuroi me oferecendo pipoca, parece que ela entrou em contato algumas vezes até me dar conta. Agradeci com um sorriso e minha mente mergulhou novamente naquele oceano recheado de memórias...
Após a sessão se encerrar, me despedi das minhas amigas e tomei o rumo da estação. No fim, não consegui prestar atenção no filme e a solução que pude pensar era de não deixar isso transparecer e...
— Ei, me fala. O que está te assolando?
— Kuroi...?! O que está...
— Eu te conheço, Himegi. A menos que tenha um Slenderman atrás de você, alguma coisa está te atormentando bastante... e não quero vê-la assim.
— ...você fala isso, mas está acontecendo o mesmo contigo... — indaguei. — Também estou preocupada com você!
— Isso... não vem ao caso, agora. Só estou lidando com... uns problemas familiares...
— Você não me engana... é algo tão grave pra não querer comentar comigo?
— Na verdade, não tem tanta importância assim... apenas foi algo que me incomodou, entende? Por isso não é nada sério, mas com você é diferente, e posso sentir isso.
— Por acaso, você é do tipo que prefere ajudar os outros do que a si mesma?
— Isso mesmo, que bom que entendeu. — Ela fez pose. — ...agora desembucha. Você desanimada te faz perder todo o brilho que tem.
— Brilho? Ah... — toquei o rosto, sem jeito. — Bem... que seja, então...
Nós fomos até a estação Chibachuo, sentamos em um dos bancos da plataforma praticamente plana e sem muitas pessoas ao redor. Parece que o mau humor de Kuroi foi substituído pela sua preocupação comigo, ela me considera tanto assim?
— A verdade é... estou passando por um momento complicado... — expressei, envergonhada.
— Momento complicado? E o que seria?
— Como posso dizer... sinto muitas emoções latentes dentro de mim, ou algo do tipo... ainda estou pensando em como devo lidar com tantas indecisões, mas com tudo o que aconteceu em Yokohama, simplesmente fiquei assustada sobre o que fazer.
— Não se preocupe, apenas diga... — Ela segurou minha mão. — Não guarde tudo pra si... a menos que seja algo realmente pessoal, como é meu caso.
— Então finalmente resolveu classificar o que está te afligindo, hein...
— Não posso ser uma hipócrita, então colocarei as coisas desta forma. Se preferir falar a respeito, mesmo que seja algo ínfimo, estarei aqui pra te ouvir.
— Bom... não tem problema. Eu vou dizer... — respirei fundo. — A primeira coisa é que... estou gamada por alguém.
— Hum? Gamada? — Kuroi piscou várias vezes. — Não é amor?
— Ainda não tenho certeza. Apenas me paro pensando sobre essa pessoa a todo momento e não sei o que fazer... talvez esteja realmente apaixonada, ou não. Só o tempo pra dizer com clareza.
— Oh... entendo. E esse cara é compromissado pra te deixar tão indecisa?
— Não sei muito a seu respeito. Afinal, ele é um jogador de futebol e não temos tempo de observar outros clubes por causa do nosso, certo? Eu o vejo sempre que consigo... não sei o que fazer com essa sensação no peito, sabe?
Sem pensar muito, me abri com Kuroi. Ela foi a primeira pra quem contei esse segredo. Desde que passamos por muitos problemas em tão pouco tempo, não encontrei o melhor momento para desabafar sobre isso com minhas amigas, e ainda tive o receio de que apenas ficariam histéricas sobre o ocorrido, o que não aconteceu com Kuroi.
Apesar de ela ter ficado igualmente vermelha.
— Falar de... de amor assim é... realmente difícil, né?! — Ela grunhiu de forma tão travada que foi como se tivesse acertado num alvo invisível.
— É, bem... acho que sim.
Que tipo de reação foi essa? Presenciar alguém tão alienada quanto Kuroi reagir de tal jeito me deixou totalmente desconcertada...
— Ei... espera. Você disse que esse cara é do time de futebol, certo? Tem certeza de que ele já não tem uma namorada?!
Subitamente, ela assumiu uma postura mais energética. Quem podia imaginar que Kuroi tivesse esse lado, também...
— Seu nome é... Kazebayashi Yuichi, do segundo ano. Soube que ele era capitão do time e passou a ser zagueiro... parece que não quer assumir tantas responsabilidades com o time, estamos em uma escola difícil, afinal...
— Hum, concordo contigo... não o conheço por nome, mas deve ser alguém consciente de suas próprias habilidades. Talvez seja uma ótima opção, mesmo...
De repente, ela ligou os pontos até onde quis chegar...
— Então, nós o vimos durante um dos jogos, certo? Por isso que você se animou tanto de vê-los jogarem!
Não quis forçar ninguém a aceitarem meus desejos, mas apesar das circunstâncias que se sucederam, o jogo foi incrível de se assistir. Sendo sincera, fiquei completamente aterrorizada em dado momento, se tratando dos jogos do interescolar, em que vi alguém que não esperava encontrar ali. Desde que conheci Kumiko, nosso grupo passou por momentos difíceis, gerando intrigas e quase separações. Somado ao estresse rotineiro da escola, cheguei a pensar que era uma questão de tempo até ruirmos sob as artimanhas dessa garota.
Ela foi a responsável por criar o clube de jornalismo, da qual me interessei em participar e através dele conheci Kuroi e Teru, além de Himura, Higusa e...
— ...e o fato de Ichika Yari estar na arquibancada próxima de nós, com certeza.
— Hum? Ichika, aquela amiga da Kumiko? O que tem ela?
Antes de Kumiko ingressar no Conselho Estudantil, eu e Shiro investigamos seus movimentos, enquanto secretamente observei Ichika à minha maneira.
— ...Ichika estudou na mesma escola que eu no fundamental, e não se lembra de mim, o que é um alívio...
— Que curioso... mesmo todas nós participando do mesmo clube antes?
— É que... não esperava que ela estivesse lá... — titubeei. — E se fizesse qualquer tipo de alarde a respeito disso, era capaz que se lembrasse de mim...
— Você, viu... — Kuroi suspirou. — Precisa ter mais consideração por si mesma, sabia? Vai deixar que uma coincidência de a ter visto no mesmo lugar estrague uma viagem?
— Por mais que tenha acontecido tanta coisa no meio disso...
Ficamos sem graça por algum tempo, antes que o trem chegasse me forcei a perguntar:
— Você... andou conversando com a Yonagin?
— Hum? Eu é que gostaria de te perguntar isso... — Ela me encarou, confusa. — Yonagi não veio conversar com você?
Acenei com a cabeça, sem ter muito o que dizer.
— Você foi a única com quem falei depois da viagem, sabe...
— Ainda não entendi por qual razão isso aconteceu, Kuroi... — indaguei. — Se tiver algo que possa fazer para te ajudar...
— Não, Himegi... estou lidando com muitas coisas no momento, também. É difícil de explicar do jeito que fez... — Ela coçou o cenho, nervosa. — Mas, sei o quanto a considera. Portanto, acho que você vai achar uma maneira de acalmar esse desconforto em seu coração.
— Kuroi...
Logo, o trem chegou e realizou o desembarque. Ao esperarmos o aglomerado se dispersar pela plataforma, Kuroi disse uma última coisa para mim:
— Então... se não é capaz de fazê-la se abrir com alguém, ninguém mais pode.
***
Sem ter mais nenhuma opção restante, não tive outra escolha senão a recorrê-lo. Nessa época, se passou metade das férias, se fosse esperar por mais tempo, em breve o retorno às aulas nos deixaria suscetíveis a enterrar todos esses sentimentos... e isso não quero que aconteça de jeito nenhum.
[Shiro. Vamos nos encontrar.]
[Hein? Eu recebi um ultimato?!]
[Como assim?]
[Você fazer esse comunicado pra um solitário é uma clara mensagem de exposição social. Os principais efeitos colaterais são: cólera; preguiça e perda do controle nervoso, resultando em perda de fala, pernas bambas e dentes cerrando...]
[Pra quê colocar isso tudo em um texto enorme?!]
Apesar das desculpas esfarrapadas de não querer sair de casa, consegui marcar um encontro com ele no Centro Makuhari. Era começo de tarde, e assim que cheguei na entrada da estação, ele já estava me esperando.
— Oh, demorei para chegar? — disse, preocupada.
— Não. Eu que cheguei cedo mesmo... — respondeu Shiro. — Afinal, garotas chegarem atrasadas é algo fofo. Se forem os garotos, é uma vergonha para a sociedade.
— Seu exagerado! — exclamei, dando um tapa em seu ombro enquanto dava risada. Apesar de ele aclamar em estar recluso, sua aparência está ótima. Até pouco tempo atrás escondia seu rosto por uma máscara, e desde que isso se cessou (em parte) ainda me vejo no processo de me acostumar em vê-lo tão à vontade. Seu cabelo foi aparado, usou roupas casuais que combinam com sua personalidade. Até mesmo seu rosto cheio de olheiras parecia estar mais saudável.
As cigarras ecoam forte. O sol está tão intenso e uma brisa quente se arrasta pelo vento, ressaltando o quão brilhante é o verão. Nós dois caminhamos por entre o centro, sem ter em mente um lugar certo para ir. Apenas quis me encontrar com ele, mas não pensei direito no que deveríamos fazer.
Apesar disso, parecia estar tranquilo. Por alguma razão, ver seu jeito relaxado me acalmou. Só de pensar que os outros estão passando por momentos difíceis e não queriam compartilhar sobre me deixou angustiada. Porém, Shiro está bem consigo mesmo, ou então não se deixou mostrar suas preocupações com facilidade.
— Onde devemos ir? — Ele murmurou, como se perguntasse a si mesmo. Coçou o queixo, pensando nas possibilidades. Como era um centro, tinha várias lojas a nossa disposição, o que deixava difícil o que poderíamos escolher.
— Que tal tomarmos algo gelado? — sugeri. Ele acenou com a cabeça, e olhou em volta. Sua vista parou em uma lanchonete com mesas estendidas na calçada com estilo veraneio e convidativo. Nós entramos e pedimos bebidas naturais. Oh, tinha várias combinações como frapês, smoothies e saladas de frutas...
Pegamos nossas bebidas e nos sentamos em uma das mesas do lado de fora. Não tinha muitas pessoas, então a vista é tranquila. Solvi um pouco do suco, que me refrescou. Só de andar um pouco naquele sol me deixou com sede. Para evitar a alta exposição, trouxe um chapéu de palha fino que combina com meu vestido branco.
— Ficou realmente bom em você... — expressou Shiro, enquanto mexia no suco com o canudo. — Pelo visto entrou totalmente no clima de verão.
— Obrigada!
— Bem, hum... — Ele murmurou enquanto fitava seu copo cheio. — Conseguiu falar com Yonagi?
Então, decidiu começar com a conversa. Me endireitei no assento e respirei fundo.
— Não... insisti por vários dias, mas ela não me diz nada em específico. Também tentei falar com Kuroi, mas ela parece tão distante quanto.
— Oh... que coisa... — expressou ele, surpreso. — Isso virou um problema, mesmo.
— Sim... por isso você é a última pessoa que restou para perguntar.
— É duro ser a última opção...
— Você só foi o último porque pediu!
— Disse isso para que você pudesse falar com Yonagi, por achar que ela precisava de uma amiga nesse momento. E para isso, a melhor opção possível era que não soubesse de nada mesmo.
Incrível, a dedução dele foi boa.
— Você tem razão, é de uma amiga que ela precisa..., mas não quer se comunicar de jeito nenhum comigo...
— Sim... esse que é o verdadeiro problema... — Shiro coçou a nuca, nervoso. — Também não teve notícias se ela já retornou para Chiba, certo?
Neguei com a cabeça.
— Por isso, agora é com você... — expressei. — Se eu sou a melhor opção do momento para ela, me conte o que aconteceu naquela noite.
— Isso me deixa com um gosto amargo, mas vou dizer... — retrucou Shiro. — Mas não farei isso por você, Himegi. Eu direi, mas com uma condição.
— Condição? — indaguei. — Que condição?
— Que ainda hoje você se comunique com ela, dizendo que sabe de tudo. E que fará o que estiver ao seu alcance para se encontrar e discutir sobre o assunto. Se ela não desabafar, só vai afastar aqueles ao seu redor, certo?
Ele me encarou sério, então está tão preocupado com ela do que eu...
— Você realmente sabe se importar com os outros, hein... — disse, surpresa. — Até que enfim o seu egoísmo gerou bons resultados...
— O que eu sou, um robô? — retrucou.
Depois de uma risada, me contive para ouvir o que ele tinha a dizer.
*
— ...
Eu não acredito no que escutei...
— Como o primo dela pôde fazer tal atrocidade?!
— Uma reação esperada, mas não precisava de tanto exagero, sabe... — Shiro segurou a mesa que nos separava pelo chacoalho.
— Porque ela não veio falar comigo?! Se você não tivesse chegado na hora... nem quero pensar nisso! Queria ter ficado ciente disso desde o início!
— Imagino. Foi por essa razão que quis que soubesse por ela... no fim, Yonagi só está complicando sua recuperação. Por isso, é crucial que ainda hoje vocês duas conversem a respeito. Como agora sabe da situação, talvez ela possa se abrir.
— Porque ela está agindo assim? Eu não entendo.
— Por que as pessoas em muitos momentos precisam de um tempo sozinhas. E não é porque estou dizendo isso, e sim por causa da situação em si. Muitos tendem a querer entender tudo o que está acontecendo, e a tentar resolver por si mesmas... — explicou Shiro.
— E porque você não conversou com ela?! Você está por dentro da situação mais do que qualquer um! — exclamei.
— Imaginei que diria isso, mas veja... não sou a melhor pessoa para ouvir o que tem a dizer do assunto.
Tive a impressão de que há algo a mais nessas palavras, mas não estou tolerante de tentar pressioná-lo.
— E acha que agora ela irá me ouvir?
— Sim. Agora que você sabe, ela não vai precisar te explicar. Não se preocupe, garotas sabem se entender, certo? Quando se é misto, muitas vezes não dá certo.
— Sua lógica não faz muito sentido! Mas sim... às vezes as garotas se entendem.
E assim, essa conversa absurda se encerrou. Continuamos a passear durante o centro, enquanto o fitava em silêncio. Pelo o que disse, Oguro se aproximou de Yonagin para intimidá-la, mas ele chegou e os dois conseguiram despistá-lo. Mas como ele fez isso? Não é querendo impor rótulos nos outros, mas Shiro não é do tipo atlético e também não parece ter tanta força pra competir com outras pessoas...
Aproveitamos o restante da tarde e, quando foi por volta das 16hrs, Shiro disse que tinha um compromisso. Nós estávamos próximos da estação, então posso ir rapidamente para casa. Apesar que, pela expressão de seu rosto, ele queria fazer a mesma coisa.
— Por acaso está sendo subornado a sair de casa?
— Eu pareço tanto um sociopata assim? — retrucou, e fez um muxoxo. — Apesar de que não posso julgar ninguém por achar isso...
— Imagino que esteja ficando chateado pelo fim das férias estarem chegando.
— Estamos ainda no meio delas. Se você começar a pensar nisso, o tempo costuma passar mais rápido, certo? Mesmo que já tenha definido todas as coisas que darei prioridade antes que este tempo acabe e sofra ansiedade pelo retorno daquela rotina maçante, é importante aproveitar um dia por vez, sem ter pressa.
— O que você disse agora é totalmente contraditório com o que colocou no meio desse discurso, sabia?!
— Nunca ouviu falar que repetir seus pensamentos em voz alta ajuda a si mesmo com o nervosismo? É uma boa maneira de extravasar a angústia que sinto desde o começo...
— Já estava sofrendo antes mesmo do meio das férias?! Ei... espera! Mesmo durante a viagem de Yokohama essa angústia persistiu?!
Que garoto inacreditável..., mas é a cara dele fazer isso. Mesmo assim, seu semblante está tranquilo e não demonstra preocupações.
— Apesar de tudo isso, gosto de sair. Então não ache que sou um tipo de sociopata com medo da luz do sol. Aliás, gosto muito de caminhar, mas acho chato ir sozinho.
— E anda fazendo muito isso?
— Sim. Mas não tinha esse costume por causa da escola, então chego em casa cansado praticamente todos os dias. É difícil manter um ritmo contínuo como esse, hein.
Ora, por qual razão está fazendo isso? Será que a rotina esportiva do Rentaro o inspirou? Ele quer impressionar alguém ou a si mesmo? Se bem que, Shiro é orgulhoso e teimoso. Podia muito bem ser que apenas estivesse querendo buscar algum esforço motivacional, talvez.
Isso quer dizer que ele está sendo bem agitado durante o tempo livre... ao menos alguém resolveu aproveitar o período de férias de forma produtiva.
Enquanto aquela conversa sem sentido continuou, o trem chegou. O fluxo de pessoas não foi tão grande, mesmo no meio da tarde. O clima quente tornou o passeio um obstáculo, mas ainda há vários locais com ar-condicionado.
Shiro e eu nos sentamos lado a lado. De repente, senti alguns olhares sob mim, e percebi que vários garotos embarcados no trem me observavam. Não era algo incomum, pois ressaltou que minha escolha de roupa foi certeira para a estação. Era até engraçado ver que chamava tanta atenção assim, mas não é como se estivesse procurando por isso. Afinal, apenas quis sair de casa e aproveitar o tempo bom.
Por isso, encostei minha cabeça no ombro de Shiro, que quase saltou do assento.
— Hum? Por que isso, de repente?
— Estou cansada, ué. Oferecer o ombro não é algo que grandes amigos fazem?
— Geralmente isso é só uma expressão de “preciso de ajuda!”, não literalmente ao pé da letra... — retrucou ele, mas não deu sinais de se mover para que saísse da minha posição.
Apesar de seu rosto emburrado, não contive minha risada. Pude ouvir ao longe os garotos no trem bufando.
— Você não está acostumado com esse tipo de coisa, não é? Desculpe. Prometo que só farei isso desta vez.
— Bom, só não é algo que garotos como eu possam experenciar com frequência... — respondeu Shiro, relutante. — Não tenho nenhum charme como um garoto popular. No entanto, oferecer meu ombro como apoio é a única que posso fazer, então não é nada ruim.
— Não seja bobo. Garotos populares também podem ser chatos, sabia?
— Oh, que reviravolta! Finalmente será este o momento de os impopulares começarem a brilhar?!
— Os impopulares ainda têm um longo caminho pela frente! — exclamei. — Mas confesso que estar sempre na popularidade não te torna alguém totalmente confiável.
— Bem, se você está do lado de todos, imagino que ter esse tipo de conclusão seja irredutível. Não que eu ache essa posição algo bom, de qualquer jeito.
— Você está chegando lá... — concordei. — Por isso, muitas garotas gostam de ter esse tipo de pessoa por perto quando precisam de algo. É algo conveniente.
— Isso é mais uma relação de interesses do que algo sentimental. As garotas são assim tão frias, assim?
— Não precisa colocar assim! — resmunguei, beliscando seu braço. Ele deu outro pulo no assento. — No entanto, garotas querem se entrosar no mundo popular cada vez mais, então ter contatos ajuda. E, por mais que seja chato de se comentar, ter amigos impopulares por perto é uma forma destas figuras serem elas mesmas.
— Você não precisa me dizer sobre isso, especificamente. Afinal, pessoas impopulares não precisam de filtros, pois são o que são. E essas características os populares nunca terão... portanto, não é ruim ser impopular. Se apenas for reconhecido pelo meu trabalho, posso me manter nas duas realidades sem precisar forçar o que realmente sou.
— Mesmo que isso seja idealista, ainda é assustador! Exagerado e assustador!
— Ei, precisa dizer “assustador” duas vezes?!
Nossa discussão inútil terminou quando a parada do Shiro chegou. Ele acenou como despedida e atravessou a porta do trem. Junto a ele, praticamente todos os garotos embarcados desceram. Aquilo me deixou surpresa.
— Ter o vagão vazio assim é bem melhor, não acha? — disse Shiro ao longe, antes das portas se fecharem e o trem tornar a correr.
De repente, me veio à cabeça vagamente qual essa estação em que ele saiu, diferente das demais. Apesar de ter dito antes que iria para um compromisso, todos os garotos que desembarcaram usavam roupas esportivas. E o centro esportivo fica nessa mesma estação. Não sei quais são seus planos, mas logo ele ir para um local do tipo...
— Ele é... totalmente egoísta, mesmo... — murmurei, aliviada. Olhei para a janela que mostrava o final da tarde em uma paisagem que se alterava a cada segundo, aproveitando a viagem.
***
De qualquer forma, estou com saudades.
Quero muito ver Yonagin.
Por isso, decidi seguir o conselho de Shiro e liguei para ela naquele mesmo dia. Está na hora de confrontar essa presidente do clube!
Aquela tarde agradável deu lugar para uma noite gelada, típico de um autêntico dia de verão. Tomei um banho e deitei na cama, dando toques no celular à procura de seu número. Hesitei antes de pressionar a tecla de discagem, mas segui em frente mesmo assim.
O celular discou cerca de três vezes antes de alguém atender.
— Alô? — Era a voz suave de Yonagin.
— Desculpe por ligar até tarde... — comentei, olhando para o teto. — Mas..., eu preciso conversar com você.
— ...
Ela ficou sem dizer nada durante alguns segundos, e isso me fez perceber um som no ambiente pelo celular.
— Não está em casa?
— Não... decidi andar um pouco na praça perto da escola.
Um sentimento confuso tomou conta de mim. Nunca imaginei que ela poderia ter saído de casa para refletir sobre algo. Yonagin era uma garota popular na escola pelas suas notas e conduta. Sua mente parecia sempre inabalada, então colocá-la nesse tipo de situação é incomum, até desconexo.
E por saber disso, justamente por ser esse tipo de pessoa, sei que estar agindo assim não é do seu feitio.
— Então, me espere chegar. Devo demorar alguns minutos para me arrumar e para chegar à estação.
— Não acha que é muito tarde para sair de casa apenas para vir até aqui? — indagou Yonagin.
— E você acha que está em posição de me corrigir? — retruquei. — Trinta minutos. Estarei aí em trinta minutos!
Pude ouvir um suspiro vindo dela pelo celular. Parece que ela se convenceu que me impedir será impossível.
— Estarei te esperando perto da estação, então.
Como meus pais ainda não chegaram em casa, tive ainda mais facilidade de chegar lá do que de encontrá-la pelas proximidades. A noite está fria, mas como a praça perto da escola fica ao lado da praia, a brisa ao redor é ainda mais gelada. Ao sair da estação, senti até os ossos tremerem.
Logo a avistei, porém fiquei surpresa. Ela não estava sozinha como imaginei.
— Como pode estar tão frio a noite?! — expressou uma garota ao lado de Yonagin.
— É por estarmos mais próximos à praia. Como você mora numa área central, não tem tanto contato com um ambiente deste tipo... — explicou uma voz masculina.
Eles são, respectivamente, Sakuya e Rentaro. Sakuya é prima de Yonagin, e Rentaro é seu amigo de infância. Os três estavam juntos, e Sakuya tremia de frio. Rentaro usava uma camisa simples e não parecia incomodado.
Yonagin está com roupas casuais, trajando um cardigã. Seu olhar parecia distante, mas ao me ver esboçou um sorriso.
— Himegi... é muito bom te ver! — ressoou Yonagin, calma e serena.
— Ah, ela finalmente chegou! — resmungou Sakuya. — Não achei que ficar aqui fora por trinta minutos ia me deixar tremendo desse jeito!
Ainda podia me lembrar daquele rosto preocupado que me mostrou na noite do hospital. Como ela muda de personalidade tão fácil daquele jeito?
Rentaro apenas me cumprimentou com um aceno de mão. Decidi ignorar os comentários de Sakuya e fomos andar para nos aquecermos. Apesar da noite gelada, há muita gente pelas ruas, gerando um aconchego pela aglomeração. O som das cigarras deu espaço para a agitação da conversa pela multidão, e a alameda principal para a estação movimentada me fez esquecer um pouco do clima estranho.
Sakuya falava a todo momento. Yonagin ficou entre os dois chegados, me deixando desconexa como presente... Sakuya mal olhava para mim, e o rumo da conversa não pairava nunca em minha direção. Não imaginei que ela estaria acompanhada...
Estar ciente do ocorrido me consumiu por dentro, e me veio a impressão de que Yonagin queria que esquecêssemos o quanto antes até se tornar algo irrelevante... o jeito é suportar que essa atmosfera desconfortável passe e tentar obter alguma resposta dela quando o momento chegar.
Subitamente, resolveram ir para alguma cafeteria. Não tenho o costume de beber café, então pedi um chá. A cafeteria era pequena, mas acalorada. A nossa presença ali parece a ter deixado mais relaxada do que antes...
Parando pra pensar, eles não moram em Chiba. Vieram de tão longe pra cá por causa dela? Incrível... provavelmente, Sakuya pediu pra Rentaro acompanhá-la, é muito sua cara.
— Então, o que quer conversar? — começou Yonagin, após solver um pouco do café na xícara.
— Não precisa ser tão direta assim... — disse Rentaro para ela. — Não é preciso ter pressa, temos que aproveitar um momento descontraído como esse, certo?
— Rentaro, você parece até Buda! — brincou Sakuya. — Eu também não estou com pressa, já que a Tomoyo decidiu ir ao cinema ver um filme que não queria ver...
— Oh, vieram todos os outros também? — perguntei, curiosa.
— Ah, não... Makoto e Ayase ficaram em Yokohama... — explicou Rentaro. — Eu soube que Sakuya e Tomo viriam para cá passar uns dias com Kaede, então decidi vir junto para notificá-los depois.
Fiquei surpresa com essa intimidade que possuem e o fato de ter vindo apenas por sua causa... como esperado de amigos de infância!
— Deixem disso. Assim parece que sou apenas uma garotinha... — bufou Yonagin, estressada.
— E o que você queria, Kae? Você não nos respondeu direito em nossas mensagens! — exclamou Sakuya. — A Tomoyo só não está aqui conosco porque ela muda de interesse muito fácil!
A conversa parece que ficará dando voltas e mais voltas com os dois presentes, tive a impressão de que a estão interrogando durante o dia inteiro. Talvez fosse de sua vontade que estivéssemos sozinhas por causa do sossego, quem sabe...
— Lá vem vocês de novo... qual o problema de querer ouvir o que minha amiga tem a dizer? — indagou ela. — Por favor, Himegi. Sou toda ouvidos pra você.
Yonagin me fitou, tenra. Fiquei sem jeito de tentar iniciar o tópico principal da conversa...
— Eu não acredito! Somos sua família, Kae! — retrucou Sakuya. — Nós é que tínhamos que ter alguma prioridade aqui, pra variar!
— O que eu dou prioridade são aqueles que não insistem em impor sua vontade nos outros apenas por quererem. — Yonagin a encarou. — Eu os ouvi e acompanhei o dia inteiro por onde quiseram ir... shopping, lanchonete, cinema..., mas não me deram espaço pra que pudesse dizer o que realmente queria.
Sakuya cruzou os braços emburrada e Rentaro baixou os ombros. Devem estar me achando uma intrometida por intervir em questões familiares, mas tenho que me forçar a contorná-los e seguir adiante.
Ao engolir meu chá, procurei as palavras certar a se dizer:
— Bem... o que quero conversar é justamente o que todos vieram fazer aqui... — murmurei. — Acho que seria uma boa ideia você se abrir sobre o que aconteceu já que se passou um bom tempo desde que a viagem terminou, não é?
Nossos olhos se encararam em silêncio durante algum tempo. Decidi largar a tensão para motivá-la a se desabafar. Sakuya bufou como se tivesse ouvido uma piada sem graça:
— Ah, por favor! Se você já sabe como estão as coisas, porque ainda quer se meter? Ela não quer desabafar com ninguém sobre isso, nem conosco!
— Sakuya...
— Não importa o que ela acha, Rentaro! Estivemos todo esse tempo tentando saber do que aconteceu, e nada!
Seu comentário ruidoso fez Yonagin franzir o cenho intensamente, fazendo Sakuya engolir em seco. Tarde demais, nem mesmo a repreensão de Rentaro tornou o clima mais ameno ali.
Pelo que notei mais cedo, Shiro é alguém que não pressiona os outros a serem sinceros, então não agirá assim com ela. Eu não consigo perceber as coisas como ele, então terei que agir do meu jeito.
Após ter dito aquelas palavras, Yonagi suspirou. Ela respirou fundo e disse:
— Eu agradeço a preocupação de todos vocês, mas já me sinto melhor sobre o que aconteceu... não preciso de ajuda.
— Mas foi algo bem assustador, não foi?! — exclamei. — Por favor, não guarde tudo para si!
— Você nos disse quando estávamos no hospital que foram três caras a cercando, incluindo Oguro! — explicou Rentaro, frustrado. — Deve ter sido horrível...
— Não é preciso fazerem alarde por algo que já passou... — Yonagin brandou suas mãos para nos apaziguar. — Eu apenas me assustei com como ele mudou. Está muito diferente desde o ano passado.
O tom de sua voz me deixou sem reação, então me contive. Então, ela nos contou que ele foi aluno da Daiichi até ser expulso.
— Contando desse jeito... eram bem próximos, não é? — comentei.
— Você dizer isso que é ameno, sabia? — ironizou Sakuya. — Os dois eram praticamente irmãos.
— É algo complicado de se explicar... para quem é de fora, apenas consegue enxergar as coisas dessa forma.
— Hein?
— Oguro era bem energético desde criança. Ele conseguia se comunicar com qualquer um, apesar de ser muito travesso. Sempre senti admiração por essas qualidades que tinha.
Ela fitava sua xícara de café, encarando seu reflexo distorcido através dele.
— Mas me desiludi disso tudo no ano passado, quando ele se mostrou ser uma pessoa violenta. Achei que depois de algum tempo poderia tomar consciência de si, mas me enganei completamente.
— ...
— Por isso, peço desculpas por estar agindo de maneira indiscreta, sem ter dado detalhes. Meus tios também ficaram bem preocupados comigo depois do que ocorreu.
Fazia sentido eles terem deixado que Sakuya e Tomoyo terem vindo, para que soubessem de sua condição através delas.
— Ei, você disse que se viram, mas ele realmente não fez nada de errado? — indaguei.
— Não vou mentir, Himegi. Ele apenas me segurou... — Ela disse, erguendo o braço em questão. — Mas a situação não foi nada além disso, pois fugi dele.
Grunhi surpresa, querendo saber mais detalhes. Porém, Yonagin não pareceu disposta a falar mais a respeito. Só que Rentaro não hesitou:
— Alguém que é faixa roxa em Karatê não fugiria de um confronto desses, no entanto... — ressaltou o garoto.
— Rentaro...
— Mas a questão em si foi mais psicológica do que física, certo? — continuou. — Sei que poderia ter se virado de algum jeito, mas foram covardes até a esse ponto...!
— Não precisa ficar nervoso por isso... — expressou Yonagin.
— Como? Não tem como não ficar frustrado com uma situação dessas! — indagou Rentaro, batendo o punho na mesa.
A comoção chamou atenção das outras pessoas da cafeteria, tornando o clima desconfortável. Minha mente estava fervilhando, sem saber o que fazer.
— Eu... sei que poderia ter feito algo sozinha... — continuou Yonagi. — Queria poder ter feito algo, mas...
— Na próxima vez, estaremos juntos... — interveio Rentaro. — E não vai precisar se preocupar mais com isso!
Aquelas foram frases impactantes, mas parece que gerou um efeito contrário à Yonagin, deixando-a incrédula.
De repente, se levantou e saiu da cafeteria.
— Ei, onde está indo? — perguntou Rentaro.
— Não concordei de sair com vocês para que agissem como um bando de protetores. Não preciso disso... de nada disso.
— Ma... Mas, Kae...
— Estou indo pra casa. Boa noite... e não me sigam.
Os dois reagiram surpresos, mas para mim aquela reação foi completamente normal, então os impedi de seguirem adiante.
E logo, uma dúvida surgiu em minha mente:
“O que você acha que seria feito se fosse com você?”
Sem hesitar, saí correndo e segurei a mão de Yonagin, conduzindo-a para longe dali. Sakuya e Rentaro permaneceram confusos naquele momento, e apenas disse em voz alta:
— Fiquem aí pra esfriar a cabeça! Nós voltamos logo!
E dito isso, saí correndo rua adentro, segurando suas mãos frias com toda a força que tinha.
***
O vento vindo do mar congelava a orla da praia, mesmo sendo verão. A praça no pequeno entorno da alameda principal recebia as lufadas defendidas pelas copas das árvores, que lançavam suas folhas como confete pelo chão. Apesar da ventania, o céu sem nuvens deu espaço para a lua, iluminando todo o recinto com esplendor mesmo com os postes acesos.
A conduzi durante pouco minutos e ao chegar na praça paramos para recuperar o fôlego. Sentamos em um banco próximo com vista limpa para a praia, sem ninguém por perto, obtive o cenário ideal para conversarmos sem interrupções. Ficamos em silêncio durante um bom tempo que não soube contar o quanto durara.
Yonagi permaneceu cabisbaixa, fitando seu cardigã que tirou por causa do calor da corrida. Enquanto minha mente se perdia observando o movimento das ondas, ela me perguntou:
— Por que fez isso?
Ainda estou um pouco ofegante, mas o clima refrescante dali me acalmou. É diferente de mais cedo, quando vim com Shiro, pois seu jeito descontraído meio que impede que saibamos sobre suas inseguranças. Apesar desse jeito único, os dois possuem muitas semelhanças nas ações, me permitindo aproveitar o momento a sós à sua maneira.
Por isso, aliviada por estar apenas com ela, comecei a rir.
— Porque... correr assim deixa sua cabeça mais leve, né?!
Enquanto ria de mim mesma por pensar em algo tão estúpido, Yonagin não se conteve a rir também.
Encostei minha cabeça em seu ombro, e disse:
— Fiquei preocupada. Estava com medo de que algo ruim tivesse acontecido com você... não recebi mensagens, nem atendeu as minhas ligações, mas ainda assim conseguiu se recompor. Você é incrível, viu.
— Me... me desculpe por isso... ainda não sei... lidar com isso, mas... não queria preocupar ninguém... isso não é força, nem um pouco.
— Não, é sim... — intervi. — Você foi muito egoísta, com certeza. Mas saber que pode lidar com um problema sozinho é algo incrível. E sei que esteve na companhia daqueles dois pois queria conseguir se soltar aos poucos, não é?
— Bem perspicaz, hein?
— Isso é tudo por causa de alguém que assumiu toda uma culpa e enganou a todos com um sorriso travesso.
Nós duas começamos a rir novamente.
Yonagin afagava meu cabelo com suas mãos leves, enquanto a abraçava calorosamente. Não parecia que tinha se passado muito tempo, mas era melhor voltarmos.
— O filme que Tomoyo está assistindo deve estar perto do fim... — ressaltou Yonagin.
— Você parece até uma irmã mais velha falando assim, sabia? — brinquei.
— Sinto que nunca terei esse tipo de papel... — expressou ela, ainda pairada no mesmo lugar. — Kiyoshi já é meu irmão mais velho, e Rentaro muitas vezes age como um também.
— Oh, é mesmo... — murmurei, fitando o céu noturno. — Parece que ele gosta mesmo de você, né?
— ...o quê?
Yonagin me fitou incrédula, completamente envergonhada.
— Por isso não conseguiu responder ao seu impulso? Ele estava realmente preocupado.
— Ele apenas exagerou, só isso... — bufou Yonagin, balançando seus cabelos. — Isso só mostra que apesar de tudo, ainda tem cabeça quente.
— E o que você acha disso, Yonagin?
— Acho o quê?
— Dele, ué.
— O... o quê? — Ela gaguejou. — Por que está me fazendo esse tipo de pergunta agora?
— Pra que aceite suas preocupações, é claro! É ótimo ter alguém preocupado conosco, não?
— Não posso negar esse comentário, mas realmente não sei responder esse tipo de pergunta...
Ela massageava suas têmporas, como se estivesse lidando com um terrível problema, o que me fez rir.
— O... o que foi?
— Rentaro tem razão, você não conseguiu fugir do Oguro por medo. Se ele realmente fosse um grande problema como todos nós achamos parecer que foi, você não estaria preocupada em tentar responder a essa pergunta boba que acabei de te fazer.
— Ah...
Pela primeira vez, a vi sem palavras, sem saber como reagir. Há uma mescla de alívio e confusão em seu rosto, mas toda sua tensão de antes se esvaiu por completo.
— Yonagin... eu já sei o que aconteceu.
As palavras fluíram de minha boca, algo que antes pareceu algo entalado e difícil de pronunciar de maneira fácil. E no fim das contas, apenas agi por impulso. A expressão surpresa dela logo foi substituída por total compreensão.
— Entendo... então ele te contou.
— Não sabia como chegar nesse ponto. Porém, ele disse que isso teria que ser feito logo. E agora entendo dele não estar preocupado como todo mundo.
— Como assim?
— Ele não veio falar com você em nenhum momento, certo? E apenas contou a mim porque fui atrás de querer saber. Acha que em algum momento ele viria falar com você se não tivesse ninguém para agir como imediato?
— É provável. Mas agir desta forma foi por pura...
— ...confiança. — A encarei. — Ele teve confiança de que não seria algo que te afetaria, ou pelo menos que se você precisasse de um ombro amigo, faria com que isso acontecesse.
— Himegi... obrigada.
— Me sinto completamente usada por ele deste jeito! Não teria sido mais fácil se simplesmente não tivesse vindo falar pessoalmente?!
— Certamente, mas sabemos como ele é. Porém, pude entender as suas intenções e as dele... e só tenho a agradecer.
Seu olhar se voltou para a lua no horizonte, distante. Por um momento, tive a sensação de que Shiro não me contou todos os detalhes... e em vez de querer interrogá-la como os outros, me dei conta de que isso não fará a menor importância.
Shiro me disse o que precisava saber e me orientou sobre o que deveria fazer. Quando foi que ele passou a considerá-la tanto assim pra saber dessas nuances? Oh, isso era o que gostaria de saber mais do que tudo!
Ter alguém que considere especial a ponto de se importar com seu bem-estar... que mágico.
— Vamos... todos devem estar nos esperando.
E assim, aquele assunto se viu encerrado. Puxei novamente a mão dela e a conduzi através das ruas, sob aquele luar que aqueceu nossos corações.
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios