Ronan Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini

Revisão: Marina


Volume 1

Capítulo 28: Sombras do Império (2)

O clamor da batalha despertou Triss Loboprata. Lamentos agoniados misturavam-se ao tilintar das lâminas golpeando, das armaduras colidindo, da carne perfurada e das cabeças esmagadas pelos porretes e martelos de guerra. A pouca luz trazida pelo luar a permitiu se vestir enquanto em vão tentou imaginar o que, ou quem estaria causando tamanho alvoroço.

A porta do quarto foi aberta e um guarda real adentrou. Ele empunhava a espada em guarda alta. Com a adrenalina à flor da pele, vociferou:

— Precisamos levá-la a um lugar seguro, vo…  — Sua fala foi interrompida quando a ponta de uma espada brotou da sua testa.

Mais alguém se aproximava, o ressoar das grevas o denunciava.

O corpo inerte estatelou no chão. O assassino desalojou sua lâmina num puxão.

Um segundo guarda chegou, ele viera do andar de baixo e sem perder tempo pôs-se de frente à figura que matou seu irmão de batalha. O assassino permanecia no corredor, oculto por trás da parede do quarto. Tudo que Triss via era seu cavaleiro duelando contra o espadachim incógnito.

Berros entre defensor e agressor foram trocados, mas Triss mal pôde ouvir devido à cacofonia infernal no andar de baixo. O guarda recuou dois passos e, com decepção no olhar, encarou o oponente. E um segundo duelo teve inicio. Golpes foram desferidos, esquivados e bloqueados com precisão enquanto estocadas, aparadas, cortes e chutes eram utilizados sem dó.

O embate então pendeu em favor do assassino. Como se antes apenas estivesse se divertindo, os golpes daquela espada longa tornaram-se ferozes, porém lentos, obrigando o guarda a recuar.

Bloquear deixou de ser uma escolha.

A silhueta do oponente surgiu no batente da porta aberta. Triss pôde vê-lo, mas não foi capaz de reconhecê-lo devido a pouca luminosidade. Ele trajava uma armadura de placas cinzentas, mas seu formato era… mundano demais, assemelhava-se à indumentária de uma guarda da elite, porém, mais pomposa, como se pertencesse a algum oficial.

O terror a sobrepujava, mas Triss pôde se acalmar graças ao fim das especulações sobre que tipo de agressor a ameaçava, era um guerreiro, não um feiticeiro. Tomada pela adrenalina quis fazer algo, afinal, era uma conjuradora. Triss respirou fundo, concentrou sua energia com o tempo ganho, canalizou-a, e disparou uma rajada arcana de propriedade ácida contra o oponente.

Em vão.

A rajada o contornou como se uma barreira invisível protegesse o cavaleiro. Triss estarreceu com a boca semiaberta, mas compreendeu a situação, sua conjuração foi impedida pela armadura rúnica do agressor, que após um moroso duelo, incapacitou o guarda remanescente com perfurações no ombro direito e esquerdo. Após vê-lo agonizar, pôs fim ao sofrimento alheio cortando a garganta com a lâmina pouco afiada, num lampejo de piedade.

Abalada pela morte de dois dos seus guardas, Triss buscou recompor a postura confrontando o cavaleiro que revelou a face quando retirou o elmo que não lhe pertencia.

— Aquele papo de me separar dos meus soldados, faz todo o sentido agora — ela proferiu numa raiva contida. — Quem são seus amigos lá embaixo? — inquiriu com um tom frio, decepcionado.

O cavaleiro ignorou a pergunta lançada e limpou o sangue na espada com a capa do guarda mais próximo, caído no chão, sem vida. Aproveitou o tecido e também limpou os respingos que mancharam a runa da armadura. Quando terminou, respondeu a pergunta.

— Agentes do único império. Aquelas foram suas últimas palavras… vossa alteza?

Ele se aproximou, brandiu a espada longa e avançou contra Triss, que fechou os olhos e gritou um lamento agudo, conjurando suas rajadas arcanas às cegas. O impacto que seguiu foi como se um touro se chocasse contra ela, arremessando-a contra a parede. Caída no chão, viu o carrasco levantar enquanto bufava em fúria. Apavorada, Triss olhou para a porta, alguém havia entrado no quarto.

Aquele longo cabelo castanho avermelhado parecia familiar, e era, pois Tricia, sua querida feiticeira, acabou de salvá-la.

O traidor levantou-se sem perceber que uma parte de trás da armadura fora rachada.

— Edmundo, como ousa? — interveio a feiticeira, furiosa como poucos já viram antes.

Antes que ele tivesse a chance de reagir, Tricia conjurou um projétil arcano capaz de perfurar a barreira fragilizada, amassando o peitoral da armadura rúnica.

— Sua vaca! Não pense que eu vou baixar minha guarda — rugiu furioso, rangendo os dentes amarelados.

Triss notou que a runa de Edmundo agora brilhava com mais intensidade comparado à antes. A feiticeira poderia estar em desvantagem, mas não a deixaria sozinha contra ele.

Sem trocar uma palavra, ambas se concentraram e dispararam em sincronia suas conjurações contra o cavaleiro. A rajada disparada por Triss contornou a barreira mais uma fez, mas para piorar, a lança de energia projetada pelas mãos de Tricia não perfuraram a barreira rúnica como antes.

Edmundo havia focado toda sua canalização arcana para fortificar o efeito da proteção rúnica. Num avanço veloz ele estocou com a espada, perfurando o corpo desprotegido da jovem feiticeira, que não teve chance alguma de se defender. O sangue escorreu em seu peito, manchando o chão do quarto em vermelho.

Com o incômodo empecilho fora do caminho, o traidor virou-se para Triss com a lâmina ensanguentada em riste. A imperadora insistiu.  Conjurou pequenas setas arcanas, para logo serem defletidas pela barreira translúcida envolvendo o algoz.

— É inútil persistir… Triss Loboprata. Esta runa é capaz de inutilizar qualquer manipulação. Não foi por isso que você me nomeou para a Guarda Real em primeiro lugar?

A verdade doía, Edmundo fora nomeado por ser um notável guerreiro, poderia não ser um conjurador de primeira linha, mas as runas que criava eram obras de arte sem igual.

Triss chorou copiosamente. Havia acabado de testemunhar o assassinato de sua melhor amiga, pelo mais leal cavaleiro do reino. Já era muito tarde para imaginar onde os demais guardas reais estariam. Pela situação eles poderiam estar ocupados lutando nos andares de baixo.

Um estalo veio de trás.

E estilhaços de vidro inundaram o cômodo quando a janela foi arrombada. Assustados com o súbito estampido, os dois se viraram num instante para ver o que havia acontecido.

Alguém que escalou os três andares da estalagem saltou para dentro do quarto. Brandindo um machado de aço em sua mão direita, ele se pôs entre a majestade e o companheiro traidor. Com um sorriso cínico, ele se manifestou:

— Edmundo! Fiquei sabendo de sua traição no caminho. Seus novos amigos não são do tipo que guardam segredos — zombou mostrando a lâmina ainda afiada do machado sujo de sangue. — Triss, fuja pela janela — Eric Tormensson sugeriu preocupado, olhando por trás do ombro direito.

Aliviada, ela acenou nervosa com a cabeça, mas ao olhar para fora, sua esperança se foi assim como viera.

— Eric, nós estamos cercados — constatou apavorada.



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