Volume 8
Capítulo 17: Sétimo Andar de Aincrad
17
QUANDO O PORTÃO OESTE DE «VOLUPTA» SURGIU À VISTA, «KIO» TIROU de sua bolsa de couro uma capa cinza com capuz e a vestiu. A bolsa nem era tão grande assim, o que me fez pensar como aquilo cabia ali dentro. Observando de perto, a capa era tão fina que quase dava para ver através dela. Ou ao menos deveria ser — mas bloqueava a luz e nem mesmo se movia com a brisa vinda da costa, o que significava que devia ser feita de um material especial.
Asuna e eu costumávamos usar capas com capuz em nossas atividades mais clandestinas, então não pude evitar desejar uma também — e Argo, com certeza, pensava o mesmo — mas não dava simplesmente para pedir a dela. Tudo que eu podia fazer era torcer para que isso fosse oferecido como recompensa de alguma missão. «Kio» passou pelo portão, com sua roupa de empregada completamente escondida agora, e nós a seguimos de perto.
O horário atual era pouco antes das duas da tarde. A sessão diurna da arena de monstros começava às três, então as pessoas já deviam estar começando a se reunir no espaço em frente ao cassino. Suponho que a maioria fosse de NPCs, mas se Kibaou e Lind realmente pretendiam recuperar aquelas milhares e milhares de fichas, os membros da ALS e da DKB também estariam fortemente representados. E já havia se passado tempo suficiente para que mais jogadores de nível intermediário estivessem chegando ao cassino vindo de «Lectio», imagino.
Além disso, havia guardas totalmente armados na entrada do cassino. Embora eu quisesse ter um capuz para esconder meu rosto como as outras duas, se todos nós estivéssemos tão encapuzados naquele calor, com certeza chamaríamos atenção. Mas provavelmente os guardas tinham sido contratados pelo próprio cassino, e não pela família Korloy diretamente. E como eu estava com aquele saco na cabeça quando causei a confusão nos estábulos, eles não deveriam saber quem eu era... assim espero.
Por ora, «Kio» caminhava pela rua com total confiança, então tudo que eu podia fazer era obedecer e segui-la. O espaço em frente ao cassino estava tão movimentado quanto eu esperava — havia até pessoas usando armaduras completas de batalha, que eu presumi serem jogadores. Continuei seguindo a capa cinza, com a cabeça baixa. Mas «Kio» não virou em direção ao cassino. Em vez disso, entrou direto em uma estalagem que ficava na rua principal.
Não era tão luxuosa quanto o hotel de alto padrão no terceiro andar do cassino, mas o saguão de entrada era bastante elegante. Olhei ao redor e me aproximei para perguntar a «Kio».
— A Lady «Nirrnir» está aqui, em vez de no cassino?
— Apenas me siga — disse ela, e não me restou opção a não ser obedecer.
«Kio» passou pelo balcão e por um porteiro vestindo um colete preto, andando com passo firme por um corredor escuro.
Ela parou diante de uma das portas, tirou de dentro da capa um chaveiro com pelo menos uma dúzia de chaves, escolheu uma e destrancou a porta. O quarto era individual, bem arrumado, embora pequeno — e não havia ninguém dentro, nem mesmo «Nirrnir».
…?
Se eu fosse um NPC, teria um ponto de interrogação tão grande sobre minha cabeça que pareceria que eu estava oferecendo uma missão. «Kio» tirou a capa cinza dos ombros e a dobrou até que ficasse do tamanho de uma carteira, guardando-a novamente. Em seguida, soltou um suspiro e caminhou até o armário no canto.
Observei por cima do ombro dela enquanto abria as portas. Dentro, não havia nem sinal de «Nirrnir» nem uma única peça de roupa. Mas «Kio» estendeu a mão para dentro do armário vazio, agarrou a barra prateada onde se penduram os cabides e a girou para frente. Houve um rangido, depois um clique. O painel de fundo do armário rangeu e se abriu para trás.
— Ué?! — exclamei, surpreso. Mas, após algumas piscadas, percebi que Argo estava muito quieta. Na verdade, ela exibia um sorriso bastante presunçoso.
— Você já sabia disso?
— Passei por esse quarto na primeira vez que entrei — respondeu ela.
Aquilo esclareceu tudo para mim.
— Ah, entendi…
Por cima do ombro de «Kio», vi uma passagem escura por trás do armário, levando a algum lugar. Na verdade, só havia um lugar para onde ela poderia levar.
— Kirito, Argo, vocês primeiro — disse a criada de batalha, voltando-se para nós.
— Okay — respondeu Argo, dando de ombros e entrando direto no armário.
Segui logo atrás, sem dizer nada. Não era grande o bastante para ser um closet de verdade, mas, sem gavetas abaixo, não precisei levantar muito os pés.
Do outro lado do painel traseiro, que se abria noventa graus como uma porta, todas as superfícies eram de pedra — exatamente como se esperaria de uma passagem secreta. Tinha menos de sessenta centímetros de largura, o suficiente para Argo e eu passarmos encolhendo os ombros, mas um jogador maior, como Agil, teria que ir de lado como um caranguejo.
Esse pensamento me fez me perguntar onde estariam agora o amigável guerreiro do machado e seus colegas do «Bro Squad». Enquanto isso, Argo parou cerca de dois metros adiante.
Virei-me com cuidado para não raspar os ombros e vi «Kio» entrando no armário. Ela fechou as portas duplas por dentro, deu um passo para trás, entrando na passagem, e então empurrou o painel de volta à posição original. Ele se encaixou com um clique, e então ela puxou uma alavanca localizada bem no alto da parede, ativando uma trava com um ruído metálico. Parecia um trabalho trabalhoso se você não soubesse exatamente os passos, e não havia espaço para passar por outra pessoa naquele lugar apertado — por isso ela se certificou de que Argo e eu fôssemos na frente.
Quando o painel do armário se fechou, a passagem ficou brevemente escura, mas uma luz fraca mais adiante iluminava o caminho. Havia claramente algum tipo de fonte de luz instalada ali, mas não era alaranjada como a das chamas; era um tom verde pálido e misterioso. Fiquei imaginando o que poderia ser.
— Continue, Argo — disse «Kio».
— Pode deixar.
Corri atrás da negociadora de informações, que avançou cerca de dez metros antes de virar à direita, onde havia um objeto misterioso embutido na parede. Havia um buraco de cerca de dez centímetros de lado na pedra, de onde saía um galho grosso e curto que emitia a luz verde. Na verdade, não era o galho que brilhava, e sim um cogumelo estreito preso à ponta.
— Um cogumelo-lanterna…? — murmurei, parando.
Atrás de mim, «Kio» comentou.
— Você os conhece? Então sua amizade com os Lyusulanos não é apenas de fachada.
— N-Não é só fachada mesmo… — murmurei, o que acabou sendo mais confuso do que eu queria. Encolhi os ombros de vergonha e virei a cabeça para perguntar: — Mas por que há um cogumelo-lanterna aqui? Achei que eles morriam assim que eram colhidos da Floresta de Rochas soltas…
A luz em si não era forte, mas funcionava perfeitamente como iluminação de emergência. Muitos jogadores no beta tentaram coletar os cogumelos como ferramenta — eu incluso. Mas, por mais cuidado que se tivesse, e independente do recipiente usado, os cogumelos murchavam e se desmanchavam em questão de dez segundos. Não acredito que tornaram isso possível na versão oficial.
Devia ter enchido um frasco com eles…
— Isso está correto — disse «Kio», acabando com minhas esperanças imediatamente.
Ela me instruiu a dar dois passos à frente para que pudesse examinar o brilho pálido do cogumelo.
— Se você arrancar esse cogumelo-lanterna do galho, ele morrerá imediatamente. Mas, para explicar por que este ainda está vivo… seria necessário jurar lealdade à Lady «Nirrnir» e entrar a serviço da Casa Nachtoy.
Sob seu olhar solene, encolhi o pescoço o máximo que pude.
— Eu, uh… vou pensar no caso.
A criada armada soltou uma risada, o que me pegou tanto de surpresa que fiquei encarando-a sob a luz verde. Mas seu sorriso desapareceu logo em seguida, e ela voltou ao tom frio e severo.
— Não temos tempo. Em frente.
— Ok — respondeu Argo, retomando a caminhada pelo túnel. Virei-me apressado e segui a pequena figura dela. A cada dez metros, havia galhos com cogumelo-lanterna iluminando a passagem, e eu já havia contado cinco quando finalmente avistamos o fim.
Dessa vez, não passamos por nenhum armário — o corredor se transformou diretamente em um lance de escadas. Me lembrou a escadaria em espiral dos estábulos de Korloy, mas com metade da largura. Subi logo atrás da Argo, e os degraus pareciam não ter fim.
Já tinha perdido completamente a noção de quantos degraus ou andares havíamos subido quando finalmente chegamos ao topo. A partir dali, seguimos por outro corredor apertado. Viramos à direita, depois à esquerda, e então à direita de novo, até que finalmente chegamos ao nosso destino.
O caminho estava bloqueado por um painel pesado, com uma pequena alavanca localizada bem no alto da parede à direita. Ela estava numa altura que talvez eu conseguisse alcançar se me esticasse o máximo possível. O que significava que…
— Ih… Droga, não alcanço lá em cima — reclamou Argo, tentando esticar o braço até a alavanca. Mas mesmo na ponta dos pés, ainda faltavam uns quinze centímetros. Ela até poderia alcançá-la pulando, claro, mas a alavanca parecia delicada demais para suportar o peso de uma pessoa — mesmo alguém leve como a Argo. Supondo, é claro, que fosse algo quebrável.
Falando nisso, sinto que isso já aconteceu várias vezes antes… Pensar em memórias antigas me fez agir por impulso: segurei Argo pelas axilas e a levantei no ar.
— Nnowuh?! — ela soltou um grito estranho, o que me fez perceber o quão esquisita tinha sido minha atitude. Mas eu não podia simplesmente soltá-la agora. Ergui a mulher, que se debatia, e disse, o mais calmamente que consegui.
— Pronto, puxe a alavanca.
— Não me trate como uma criança! — ela protestou, mas puxou a alavanca mesmo assim. Ouviu-se um clique agudo, e o painel que bloqueava o fim do corredor se abriu.
Satisfeito, baixei as mãos. Assim que os pés de Argo tocaram o chão, ela se virou e enfiou um dedo no meu rosto.
— Kii-boy, quem te ensinou que é aceitável agarrar uma dama desse jeito?!
— De-desculpa, desculpa. Só... pareceu a coisa certa a fazer.
— A coisa certa a fazer? Você não faria isso com a A-chan, faria?
— N-Não, claro que não! — insisti, balançando a cabeça.
Eu nem estava pensando na Asuna, mas sim numa lembrança da minha irmã, Suguha. Quando ela era pequena, e estávamos saindo de casa, sempre queria ser ela a apagar a luz da entrada, então eu precisava levantá-la. Era até difícil de acreditar agora, já que tínhamos apenas um ano de diferença — tecnicamente, meio ano —, mas até ela entrar no jardim de infância, lembro que a Suguha era bem menor e mais fraca do que as crianças da idade dela.
Só quando começou o ensino fundamental e passou a treinar kendô foi que ela cresceu feito capim, ficando alta e cheia de energia. Um exemplo claro de como nunca dá pra saber como as crianças vão crescer — mas tudo isso não passava de uma distração mental do que estava por vir.
Argo finalmente baixou a mão e disse.
— Da próxima vez que fizer isso, vou te cobrar.
— C-Cobrar? Por quê?
— É a taxa do apertão lateral! — resmungou, se virando com um bufar.
Soltei o ar em um suspiro fraco. Achei ter ouvido risadinhas abafadas atrás de mim, mas a única pessoa ali era a senhorita «Kio», que competia com o ferreiro elfo negro do terceiro andar pelo título de NPC Mais Antipático, então devia ser só coisa da minha cabeça.
Além do painel que Argo abriu, havia um simples conjunto de portas, que ela empurrou. Um leve feixe de luz penetrou no corredor. Não era verde, mas laranja — luz de uma lanterna clássica.
A segui e me vi em uma câmara apertada com pequenas hastes de metal fixadas nas paredes dos dois lados, de onde pendiam roupas femininas. Se o espaço fosse maior, eu pensaria que havíamos saído em uma loja de roupas. Todos os trajes eram vestidos de festa, camisas de alcinha e camisolas finas. E todos pareciam ser bem pequenos.
Depois de andar um pouco e me virar, percebi que a saída pela qual acabáramos de passar era, deste lado, um armário de um vermelho-acastanhado brilhante. Assim como a entrada na pousada, a saída também era disfarçada. Por outro lado, considerando o uso, talvez esse lado fosse, na verdade, a entrada.
«Kio» foi a última a sair, então girou a haste no topo do armário para dentro, fazendo o painel traseiro ranger e se fechar com um clique. Ela fechou as portas do armário e se virou.
— Essas roupas são todas da Lady «Nirrnir»? — sussurrei.
— Isso mesmo. Não toque nelas com essas suas mãos sujas.
Dei um sorriso constrangido e voltei a examinar os vestidos nas paredes. Agora, à luz da lanterna, dava pra ver que alguns eram vermelhos, azuis e roxos, mas a maioria era preta. Talvez «Nirrnir» gostasse de roupas escuras… ou então preto dava bônus em «Stealth»… Nah.
— Uau… Isso vai ser complicado, não é? Quando a Lady Nirr crescer, vai ter que comprar um guarda-roupa novo inteiro…
Foi só o primeiro pensamento que me veio à cabeça, mas «Kio» apenas me lançou um olhar estranho e não disse nada. Pensando melhor, percebi que NPCs infantis em Aincrad provavelmente não cresciam. Na verdade, embora nem todo RPG fosse assim, era bem raro encontrar um que simulasse esse tipo de coisa. Não era de se espantar que até a IA avançada de um NPC ficasse sem resposta para essa.
Decidi que esse não era um assunto que valia a pena prolongar, então fui até a porta que saía do provador. Mas, no instante em que minha mão estava prestes a tocar a maçaneta dourada, ela girou sozinha, me fazendo recuar num pulo.
Quem estava do outro lado da porta, ao abri-la, não era um guarda da cidade nem um assassino, mas minha parceira temporária, vestindo um vestido branco.
— Quanto tempo vocês iam ficar batendo papo dentro do closet? — perguntou Asuna, com aquela exasperação familiar.
Tudo que consegui fazer foi forçar um sorriso.
— Uh… Voltei.
Do lado de fora do provador com a passagem secreta havia um quarto escuro, com uma grande cama com dossel bem no centro. Era claramente o quarto da Lady «Nirrnir», então atravessei até a porta oposta, tomando cuidado para não ficar encarando nada por muito tempo.
Enfim, estávamos de volta a um lugar familiar: a área principal do Quarto 17 no Grand Casino Hotel. Mas antes que eu pudesse saborear um momento de alívio, uma figura se levantou do sofá de três lugares, correu até mim e segurou meus ombros.
— Kirito! Eu devia imaginar… Você sempre encontra um jeito de se meter em encrenca.
— Desculpe por preocupar você, «Kizmel» — disse à cavaleira elfa negra, dando um tapinha desajeitado em suas costas antes de me virar para o sofá de cinco lugares.
A dona do quarto e gerente geral do Grande Cassino de Volupta, Lady «Nirrnir Nachtoy», descansava em meio a uma pilha de almofadas, lendo um livro antigo e desbotado. Seus olhos se levantaram da página e pousaram sobre mim.
— Bem-vindo de volta, Kirito.
Sua expressão e tom de voz estavam relaxados — quase letárgicos — o que tornava impossível decifrar o que ela achava sobre minha aventura solo. Uma coisa era certa: eu havia causado a falha na missão de Cão Sarnento da «Nirrnir» para a Argo. Eu podia perceber isso porque o ponto de interrogação brilhante sobre a cabeça de «Nirrnir», que estava lá quando saímos do quarto horas atrás, havia sumido.
Eu sabia que teria que pedir desculpas à Argo depois. Por ora, esperei «Kio» tomar sua posição habitual ao lado do sofá. Assim que a empregada armada ficou de prontidão, endireitei as costas e anunciei à jovem dama.
— Retornei.
— E?
— Hm... Receio ter causado um grande… g-grande incômodo... — gaguejei, tentando o melhor que podia um pedido formal de desculpas. Mas «Nirrnir» apenas franziu o cenho e me dispensou com um gesto da mão.
— Não precisamos passar por tudo isso. Apenas explique o que viu e o que aconteceu no estábulo.
— T-Tudo bem.
«Kizmel» me entregou um copo d’água, então a agradeci com um olhar e bebi tudo de uma vez. Não estava tão gelada quanto a água que Argo preparou na noite anterior, mas depois de uma aventura daquelas, era mais do que suficiente.
Refrescado, tossi e então expliquei tudo o mais educadamente que pude: o que aconteceu no estábulo, como o Rusty Lykaon era, na verdade, um Storm Lykaon, e como ele fugiu depois que eu o curei. A única coisa que omiti foi minha conversa com «Kio» sobre a dignidade dos monstros.
Terminei dizendo.
— E isso é tudo.
«Nirrnir» permaneceu sentada, em silêncio por um bom tempo. Foram quinze segundos inteiros sem dizer uma única palavra.
— Só para confirmar, absolutamente ninguém no estábulo viu seu rosto?
— Sim — respondi de imediato. Disso eu tinha certeza. — Ninguém me viu entrar, e eu usei o saco na cabeça o tempo todo em que os tratadores estavam por perto.
— Coloque-o de novo.
— Como é? — perguntei, mas estava claro que eu não tinha ouvido errado nem por um centímetro, e certamente não tinha margem para recusar.
Abri meu menu, toquei na cabeça do meu manequim de equipamento e selecionei o Saco de Estopa Rasgado. Com um pequeno efeito sonoro, o saco apareceu, as fibras ásperas cobrindo minha visão.
— É assim que ele fica...
Eu sabia que minha voz estava um pouco abafada, mas o ambiente estava quase totalmente em silêncio, então tinha certeza de que «Nirrnir» me ouvira. Ainda assim, não houve resposta alguma.
— Hm…
Olhei para «Kio», ao lado do sofá, sem saber o que fazer. Por alguma razão, ela desviou o olhar. Argo, Asuna e «Kizmel», do outro lado da mesinha, tiveram a mesma reação.
Fiquei apenas parado, esperando que alguém dissesse algo, até que «Nirrnir» de repente enfiou o rosto nas almofadas, os ombros tremendo. Estava chorando? Parecia mais que estava segurando o riso.
Em seguida, como um efeito dominó, a cabeça de «Kio» abaixou, a mão cobrindo a boca, e as outras garotas viraram as costas para mim. Foi exatamente a mesma reação que tiveram quando espremei aquela fruta narsos com as próprias mãos. Naquela ocasião, me senti honrado por trazer um pouco de alegria ao grupo, mas fazer isso duas vezes no mesmo dia… já era humilhação demais. E eu tinha o direito de me defender.
Deslizei para a esquerda até ficar bem em frente à «Kio». A empregada de batalha sentiu minha presença e levantou o olhar. No mesmo instante, estendi os braços para cima e para os lados, deixando os dedos moles e erguendo o joelho esquerdo, ficando numa perna só: a pose da garça.
— Bfftp!
Um som estranho escapou da mão que cobria a boca de «Kio», e por baixo do saco, sorri satisfeito. Mas então a mão dela saiu da boca e foi com velocidade relâmpago direto para o punho da estocada em sua cintura.
— Aaah! Espera, espera, não! — gritei, estendendo as mãos para frente e balançando a cabeça em negação.
«Nirrnir» havia se recuperado da crise de riso e disse com a voz rouca.
— «Kio», ainda tenho mais perguntas para ele. Preciso que esteja vivo por mais um tempo.
— Sim, Lady «Nirrnir». Como desejar — respondeu «Kio», suavemente, tirando a mão da arma e voltando à sua posição habitual. Soltei um suspiro de alívio... mas não sabia se já era hora para isso.
Tomei o comentário da «Nirrnir» como uma piada, e queria acreditar que «Kio» também. Mas, se os NPCs conseguiam usar humor negro com tanta eficácia assim, então o desenvolvimento de IA da Argus — ou de Akihiko Kayaba — era ainda mais avançado do que eu imaginava.
De qualquer forma, parecia que eu tinha evitado causar ofensa, então abaixei as mãos e perguntei para «Nirrnir»:
— Hã… Posso tirar isso agora?
— Queria poder dizer que não, mas é melhor evitar cair na risada toda vez que olhar pra você.
Com a permissão dela, tirei o saco da cabeça e o coloquei de volta no inventário, rezando para nunca mais precisar usá-lo. «Nirrnir» apontou para um dos sofás de três lugares, e eu me sentei. Argo se acomodou ao meu lado, enquanto Asuna e «Kizmel» ficaram no outro sofá.
«Kio» preparou um pouco de chá — o de hoje tinha sabor de canela — e, após um gole, retomei a conversa para o ponto principal.
— De qualquer forma, como viram, meu rosto estava completamente coberto.
— De fato. Os Korloy não teriam como identificá-lo… eu acho… — disse «Nirrnir», com certa hesitação. Ela fixou o olhar no meu peito e acrescentou — Mas, só por precaução, evite usar roupas completamente pretas. Você tem outras cores?
— Não tenho — admiti, envergonhado.
Asuna fez questão de acrescentar, de forma talvez desnecessária.
— Não é só que ele não tem outras cores. Ele não tem outras roupas, ponto.
— Sério…? Só essa roupa? Que você usa todo santo dia? — disse a garota, com seu rostinho de doze anos repleto de repulsa e pena. Foi arrasador.
— N-Não, eu uso outra coisa pra dormir…
A questão era que, nesse mundo, as manchas nas roupas eram apenas efeitos gráficos que sumiam com o tempo, e as roupas nunca ficavam suadas ou fedidas. Mas decidi não comentar esses detalhes. Havia banhos nesse mundo, mas eu não me lembrava de ter visto nada como instrumentos de lavanderia. Se não existia o conceito de lavar roupas, qual o problema de usá-las repetidamente? Mas nenhum argumento mental servia de desculpa para impedir «Nirrnir» de continuar me encarando com desdém.
— Se você dissesse que nem roupas de dormir tem, eu mandaria dormir no chão na próxima vez. Bem, se é tudo o que tem. «Kio», tenho certeza de que algumas roupas do meu pai ainda estão por aqui. Ache algo para ele que não seja preto.
Ela fez um gesto com a mão, levando a criada a lançar um olhar preocupado.
— Tem certeza?
— Sim. Estão só entulhando os armários mesmo.
Asuna assumiu uma expressão pensativa ao ouvir aquela conversa, e eu percebi no que ela estava pensando. Se «Nirrnir» tinha pai e mãe, um deles seria o chefe da família Nachtoy, é claro. Mas, se a jovem «Nirrnir» era quem estava no comando, então provavelmente os pais dela já…
Não sabia se deveria perguntar para confirmar, mas «Kizmel» tomou a dianteira.
— Lady «Nirrnir», você não tem pais ou irmãos?
— Não — confirmou «Nirrnir», mantendo a expressão apática. — Minha mãe e meu pai faleceram há muito tempo. Não tive irmãos, então administro a casa agora. E quanto à sua família, «Kizmel»?
A cavaleira abaixou o olhar.
— Meus pais vivem na cidade do nono andar. Mas minha irmã foi chamada pela Árvore Sagrada durante uma batalha contra os elfos da floresta, há apenas cinquenta dias.
— Entendo… Minhas condolências.
«Nirrnir» trocou a xícara de chá por uma taça de vinho tinto, que ergueu em homenagem, fechando os olhos antes de beber. Ao abaixar a taça vazia, girou-a entre os dedos e comentou, para ninguém em especial.
— Lyusulanos e Kalessianos não conseguem deixar de lutar, mesmo após séculos. Bem, não tenho moral para criticar. Estou em conflito com os Korloy há anos.
— Também não sinto ódio pelos elfos da floresta, mas talvez… — «Kizmel» parou, deixando as palavras suspensas no ar, e depois continuou num sussurro contido. — Talvez, se um bebê nascesse novamente de «Lyusula» e «Kales’Oh», com o sangue das duas sacerdotisas que deram suas vidas à Árvore Sagrada para deter a guerra antiga, poderíamos enfim ver o fim dessa longa, longa batalha… Ou pelo menos foi o que Sua Majestade me disse uma vez.
— O quê?! — escapou, não da boca de «Nirrnir», nem de «Kio», nem de Asuna, nem de Argo — mas da minha. Arrependei-me na mesma hora, mas já era tarde, então pigarreei e perguntei o que me veio à mente.
— Esse bebê com o sangue das sacerdotisas. Você não disse que as sacerdotisas da Árvore Sagrada morreram há séculos, durante a Grande Separação? Então como pode haver… Ah! A menos que as linhagens delas ainda estejam vivas hoje?
— Não é o caso — disse a cavaleira, balançando a cabeça. — Para começar, o posto de sacerdotisa que serve à Árvore Sagrada preto-e-branca não é hereditário em «Lyusula» nem em «Kales’Oh». Quando a sacerdotisa chega ao fim de seus dias e seu poder de oração enfraquece, um bebê nascido em algum lugar do reino herdará esse poder e se tornará a próxima sacerdotisa. Mas, desde o feito milagroso da Grande Separação, não nasceu nenhuma criança com esse poder, mesmo após todos esses anos. Nem em «Lyusula» — e suspeito que nem em «Kales’Oh»…
— Entendi…
Era um arquétipo comum tanto na fantasia ocidental quanto oriental — mas, ao ver a expressão melancólica de «Kizmel», parecia insensível resumir a história desse jeito. Os elfos de Aincrad não tinham escolha senão crescer com a identidade de exilados, afastados de seu lar tão belo.
Fazia sentido que os elfos da floresta quisessem reunir as seis chaves sagradas para abrir o Santuário e devolver a fortaleza flutuante à terra. O problema era que, segundo as lendas dos elfos negros, abrir as portas do Santuário levaria Aincrad a uma ruína catastrófica. E, conforme alegado pelos elfos caídos, abrir o Santuário faria com que "até mesmo a maior magia restante à humanidade desaparecesse sem deixar vestígios".
Não estava claro o que exatamente essa catástrofe envolveria, mas havia uma chance — mesmo que mínima — de que significasse que Aincrad não desceria suavemente, mas sim se chocaria contra a terra como um meteoro, em uma explosão gigantesca, obliterando todos os NPCs, monstros e jogadores — ou seja, Asuna, Argo e eu realmente morreríamos. E se a "maior magia restante à humanidade", como dizia o General «N’ltzahh» dos Caídos, fosse nossa arte da Escrita Mística — ou seja, o menu do jogador —, então não poderíamos mais trocar equipamentos, ganhar habilidades nem guardar itens no inventário virtual. Isso tornaria impossível chegar ao centésimo andar.
Parecia improvável que o destino de oito mil jogadores sobreviventes de SAO dependesse do status de uma missão que apenas Asuna e eu estávamos seguindo, mas depois do que aconteceu em «Stachion», no sexto andar, não podia descartar essa possibilidade. Porque, por causa da guilda PK que matou o senhor de «Stachion», ninguém que viesse depois poderia iniciar a missão "A Maldição de «Stachion»". Se a malícia de um único jogador podia arruinar a missão principal de um andar inteiro, então não era absurdo considerar que o próprio Aincrad poderia estar em risco.
Precisávamos fazer o que fosse necessário para recuperar as quatro chaves que «Kysarah», a Saqueadora, havia nos roubado — pensei com renovada determinação. «Kysarah» bateu palmas, dissipando o ar sombrio que pairava no ambiente.
— «Kio», traga todas as roupas do pai que ainda temos. Vamos escolher juntas uma que combine com o Kirito.
Ao ver o que isso significava, soltei um grito abafado de desespero por dentro — mas já era tarde demais para escapar.
✗✗✗
Dez minutos depois, o período de terror e calafrios no vestiário finalmente chegava ao fim. Afundei no sofá, exausto por um tipo de fadiga mental que raramente havia experimentado na vida.
No fim, as mulheres escolheram para mim uma camisa de linho azul-clara de meia manga, uma calça três-quartos de algodão off-white e sandálias de couro trançado marrom — um conjunto com um toque bem praiano. Entre as roupas que «Kio» trouxe, havia smokings brancos, camisas de seda carmesim e até camisas com babados — do tipo que nobres franceses costumavam usar. Pelo menos consegui escapar dessas. Apesar disso, de perto, a camisa de linho tinha padrões florais delicados, e a calça era fresca e macia ao toque. Eu não entendia muito de moda — em nenhum mundo —, mas era evidente que comprar essas roupas em uma loja de NPC custaria, no mínimo, cinco mil col.
— Ha. Bem, você já parece melhor só de não estar usando preto — disse «Nirrnir», tomando sua segunda taça de vinho. Endireitei as costas e fiz uma reverência formal.
— M-Muito obrigado. Me esforçarei para devolvê-las tão limpas quanto as recebi.
— Não precisa devolver. Eu mesma não tenho utilidade para elas.
— E-Er… mas…
Não consegui me forçar a dizer: "Elas são uma lembrança do seu pai, não são?" Normalmente, Asuna me tiraria de uma situação social embaraçosa como essa, mas ela havia ido com «Kizmel» e Argo até o vestiário.
«Nirrnir», no entanto, pareceu perceber o que eu estava pensando e deu de ombros, os ombros nus visíveis acima de seu vestido de verão.
— Você viu o guarda-roupa quando passou pela porta secreta. Tenho um monte de roupas do meu pai guardadas lá.
— É-É verdade… Ele parecia ser um sujeito bem estiloso, né?
— Suponho que sim. Costumava ir aos andares superiores só para gastar com roupas, já que o sétimo andar não tem boas lojas. Acho que foi assim que ele conseguiu essa camisa que você está usando agora, Kirito.
— Dos andares superiores…? — repeti, olhando para o teto. — Mas pra subir de andar é preciso passar pela torre do labirinto… quer dizer, o Pilar dos Céus, onde mora uma besta guardiã, certo? Ele derrotou essas bestas?
Se isso fosse verdade, a gente nem precisaria enfrentar o boss do andar, pensei com otimismo. Mas essa ideia durou menos de um segundo.
— De forma alguma. Apenas aventureiros imprudentes e suicidas como vocês ousariam tentar aquela torre. Os times de captura de monstros que os Korloys e nós empregamos são guerreiros veteranos, mas mesmo eles têm ordens expressas de não se aproximarem da torre.
— Ah, entendi. Nesse caso… como ele conseguiu…?
— Você sabe que há alguns que viajam entre os andares sem usar as torres como passagem.
— Sem usar as torres...? — perguntei, até que a ficha caiu. Havia um sistema de teletransporte em cada andar que os humanos não podiam utilizar. — Ah... você quer dizer, el...?
Nesse instante, a porta do quarto se abriu com força, e Asuna entrou, as bochechas coradas.
— Uau, foi incrível! Você devia ter visto, Kirito!
— Eu vi mais cedo...
— Então devia estar mais animado! — repreendeu Asuna. Ela se virou para «Nirrnir» e disse: — Muito obrigada por nos mostrar suas roupas, minha lady! Nunca vi um guarda-roupa tão lindo neste mundo... nem mesmo de onde eu vim!
— Fico feliz que tenha gostado — respondeu «Nirrnir» com um sorriso. — Se os tamanhos combinassem, eu adoraria lhe presentear com algumas peças, mas...
Asuna acenou com a mão, recusando.
— Não, eu não poderia! Já me diverti muito só de olhar... Então...
Ela deixou a frase no ar de forma um pouco constrangida, o que sugeria que pensava na mesma coisa que eu havia considerado instantes antes.
Roupas e armaduras nesse mundo não tinham o conceito de tamanho. Elas sempre se ajustavam magicamente ao corpo de quem as equipava. Mas isso aparentemente não se aplicava ao guarda-roupa da Lady Nirr. Nesse sentido, suponho que tive sorte por as roupas do pai dela serem do meu tamanho. Talvez as roupas fossem divididas apenas entre adulto e criança, e a função de ajuste automático só funcionasse dentro desses limites.
De qualquer forma, Asuna logo recuperou o sorriso, agradeceu novamente à anfitriã e sentou-se no sofá. Argo e «Kizmel» entraram em seguida, e tomamos um pouco do chá fresco preparado por «Kio» enquanto eu voltava ao relatório que havia sido interrompido antes.
— Mais uma vez, por favor, permita-me pedir desculpas por ter agido por conta própria. Não sei como posso compensar o desperdício do descolorante que você teve tanto trabalho para fazer... — pedi, escolhendo cuidadosamente as palavras para expressar meu arrependimento da melhor forma possível.
Mas «Nirrnir» me interrompeu mais uma vez.
— Já disse, chega disso. Não há o que fazer sobre o que já aconteceu. Prefiro falar sobre o que vem a seguir.
— O que vem... a seguir...? — repeti.
O plano inicial de «Nirrnir» era borrifar o descolorante no Rusty Lykaon na arena de monstros, revelando sua verdadeira cor de pelagem para os apostadores e expondo as violações descaradas dos Korloy. Mas eu usei a única garrafa do agente clareador, e o Rusty (Storm) Lykaon fugiu pelo mapa. Para mim, não havia como consertar nossa estratégia...
Quando não consegui pensar em nenhuma nova sugestão, Argo cruzou os braços e as pernas e disse.
— O lykaon que o Kii-boy libertou fugiu, mas isso só quer dizer que ficou uma vaga nas lutas de hoje à noite. Lady Nirr, como vocês costumam lidar com uma situação assim?
— Não temos regras para isso — respondeu a jovem chefe da casa, balançando sua taça de vinho de um lado para o outro, em vez de negar com a cabeça. — Como eu disse, um monstro registrado para uma luta deve aparecer... Essa é a regra do Grande Cassino.
— Mas você disse que essa regra já foi quebrada antes — observou Asuna. — Duas vezes, na verdade...
«Nirrnir» assentiu.
— Sim. Em ambos os casos, a casa que não conseguiu cumprir a regra teve que pedir desculpas diretamente à outra e implorar pelo direito de substituir o monstro. Envolve uma grande dose de vergonha e indenizações caríssimas.
— E isso vai acontecer aqui também? — perguntou «Kizmel», sentada ao meu lado.
«Nirrnir» olhou para a elfa, piscando várias vezes com seus olhos vermelho-escuros antes de responder.
— Não tenho certeza. «Bardun Korloy» pode decidir que a culpa foi do misterioso ladrão de cães, por não ter conseguido apresentar seu lykaon para a batalha — e recusar-se a admitir o erro de sua família.
— Ah, entendo... Por mais que me doa admitir, disputas assim também surgem entre as três ordens de cavalaria de «Lyusula», pelo que ouvi dizer — perder equipamento durante treinos em grupo, errar o horário de missões conjuntas. Quando isso acontecia, os grupos sempre resistiam em assumir a responsabilidade.
— Nesse sentido, humanos e elfos são muito parecidos — disse «Nirrnir» com um sorriso irônico. — O que significa que «Bardun» pode alegar que foi um membro dos Nachtoy que fugiu com o lykaon... e nos culpar pela perda… o que, claro, seria verdade.
Ela me lançou um olhar afiado, e eu encolhi a cabeça entre os ombros o máximo que pude. Mas «Nirrnir» não estava brava; na verdade, parecia conter o riso.
— No entanto, eles não têm como rastrear sua identidade pelas roupas que você usava, então só precisamos insistir que não fazemos ideia do que estão falando. No fim, eles terão que implorar para que permitamos a substituição do monstro por outro.
— E você aceitará essa substituição? — perguntou «Kio», do lado do sofá.
«Nirrnir» murmurou pensativa consigo mesma, de um jeito que era, na verdade, bastante adorável. Por trás dos olhos fixos na taça de vinho, parecia que sua mente trabalhava a todo vapor. «Nirrnir» era uma NPC — avançada, sim, mas ainda uma IA — então seu cérebro de verdade não era aquele ali, e sim um processador em algum lugar do mundo real — provavelmente nos servidores da SAO na sede da Argus.
Ainda assim, era impossível enxergar aquele avatar apenas como uma imagem vazia. Mas, por esse mesmo raciocínio, Asuna, Argo e eu também não passávamos de avatares vazios, a diferença sendo que os nossos estavam ligados a cérebros biológicos, enquanto o dela era composto por circuitos integrados.
Após alguns segundos de reflexão, «Nirrnir» declarou.
— Como a luta não pode ser cancelada, teremos que aceitar no fim das contas. Contudo, com base em precedentes, poderemos exigir algum tipo de compensação. Em vez de bens simples ou dinheiro, eu preferiria algo que expusesse as falcatruas dos Korloy.
— Que tipo de coisa séria? — perguntei.
— O direito de inspecionar o estábulo dos Korloy sem aviso prévio — respondeu ela, me deixando de boca aberta.
Mas Asuna, sentada do outro lado do sofá, entendeu imediatamente, com sua habitual perspicácia.
— Claro. Se inspecionarmos o estábulo, poderemos encontrar vestígios do corante vermelho ou outra prova do esquema deles. E se se recusarem, estarão basicamente admitindo que têm algo a esconder…
— Mas… e se eles se recusarem logo de cara, já sabendo que serão suspeitos de qualquer jeito? O que vai acontecer se os Korloy recusarem a inspeção, senhorita Nirr? — perguntou Argo.
«Nirrnir» exibiu um sorriso frio que não combinava nem um pouco com sua aparência de pré-adolescente.
— Então recusaremos o pedido de substituição, e eles terão que ou apresentar um novo Rusty Lykaon ou cancelar as lutas da noite. A última luta é às dez e meia, então eles têm mais de sete horas, mas não há como enviar uma equipe de captura até o habitat dos lykaons, que fica muito a oeste, e voltar a tempo, mesmo com esse tempo. Então, na prática, eles serão obrigados a cancelar.
— Mas… mais cedo, você disse que a luta não pode ser cancelada — intervim, por fim.
Foi a criada dela quem respondeu.
— Isso mesmo. As batalhas no cassino todas as noites são uma série de cinco testes para determinar quem deve ser o verdadeiro herdeiro, de acordo com o testamento final de Falhari, o Fundador. Segundo nossas regras tradicionais, se uma única luta for cancelada, os testes serão considerados encerrados, e a próxima série de cinco será usada para decidir oficialmente o chefe da casa. «Bardun Korloy» se move por dinheiro; ele não arriscaria algo assim.
«Nirrnir» assentiu e completou.
— Correto. Por isso acredito que «Bardun» aceitará a inspeção nos estábulos. Se encontrarmos provas de irregularidades, será uma forma de fazer os Korloy pagarem — ainda que não tão eficaz quanto teria sido a estratégia do clareador de pelos.
— E-E-Espera… quero dizer, com licença, minha lady — interrompi, inclinando-me à frente. Eu pretendia fazer a pergunta que tinha certeza de que Asuna, Argo e «Kizmel» também estavam se fazendo. — Se cancelar a luta é contra as regras, trapacear também não deveria ser? Isso não encerraria os testes da mesma forma, levando direto à batalha oficial para decidir o líder legítimo?
«Nirrnir» não respondeu de imediato. Ela girou o restante do vinho tinto no fundo da taça e o bebeu. Depois entregou o copo vazio a Kio e me encarou.
— Não quis envolvê-los na confusão que isso causaria, por isso não mencionei antes... A lei diz que, se um dos lados for acusado de trapaça, a questão será julgada pelo espírito de Falhari.
— Espíííírito de Falhari?! — gritou Argo, incrédula. Ela descruzou os braços e fez um gesto dramático com as mãos. — Quer dizer que vocês vão invocar o espírito ancestral de vocês com um ritual e tudo mais?
— E tudo mais — concordou «Nirrnir».
Ao lado de Argo, os ombros de Asuna se encolheram. Ela detestava qualquer coisa relacionada a fantasmas. Seria bom tranquilizá-la, mas infelizmente existiam muitos mobs do tipo astral nesse mundo, como espectros, aparições e sombras. Não dava para descartar a possibilidade de o espírito de Falhari realmente aparecer.
Mas, apesar de ter mencionado fantasmas, «Nirrnir» afastou a ideia com um gesto.
— Ninguém jamais o viu, nem mesmo eu. Para começar, desde a fundação do Grande Cassino, nunca precisamos do julgamento de Falhari.
— Nesse caso... se vocês forem inspecionar o estábulo deles e encontrarem tinta ou outra evidência, isso vai significar alguma coisa? — perguntou «Kizmel» num tom ponderado. — Se o espírito de Falhari não aparecer durante o ritual, como ele vai dar seu veredito? As regras dizem o que acontece nesse caso?
— Nada disso. Mas isso não é da sua conta — respondeu «Nirrnir» de forma um tanto ríspida, virando-se de «Kizmel» para mim. — Kirito, não estou te criticando por ter tirado o Rusty Lykaon do estábulo de Korloy, salvado a vida dele e o libertado. Mas se você se sente culpado pelo que fez, aceitaria outro trabalho para mim?
Assim que terminou de falar, um ! dourado apareceu acima da cabeça da garota. Pelo visto, a série de missões ainda não tinha acabado.
Deixando os instintos de jogador de lado, minha moral não me permitia recusar aquele pedido. Eu queria aceitar imediatamente, mas não fui eu quem iniciou a missão da Lady Nirr — foi a Argo. Olhei para a negociadora de informações em busca de sua opinião — seus grandes olhos piscaram com propósito.
Eu praticamente podia ouvir sua voz telepaticamente me dizendo: "Não fica aí parado que nem um tonto, aceita logo!" Então me virei de volta para «Nirrnir» e disse.
— Claro. O que for preciso.
— Fico feliz em ouvir isso — ela respondeu com um sorriso, enquanto o ! se transformava em um ? sobre sua cabeça. Ela se recostou nas almofadas e entrou no modo explicação. — Não se preocupe; esse trabalho não será difícil nem perigoso.
— Quer dizer...?
— Quero que me acompanhe na inspeção das celas de monstros de Korloy.
— Ah, e-eu entendi — disse, enquanto por dentro pensava: Aaah, tenho mesmo que voltar lá?! Mas para ela, apenas assenti e falei. — Vai ser fácil. Só não sei se vou ser útil de verdade.
— Desde que se lembre da estrutura do lugar, já será o suficiente. Nenhum dos meus subordinados jamais entrou nos estábulos de Korloy. Minha expectativa é que o tempo disponível para entrarmos e inspecionarmos fique dentro do intervalo de duas horas entre o fim das lutas diurnas e o início dos preparativos noturnos. Precisarei de um guia para identificar qualquer sinal de irregularidade.
— Ok... Bem, fico feliz em mostrar o lugar, mas não me lembro de ser tão complicado por dentro — murmurei, visualizando o mapa mental dos estábulos de Korloy.
À esquerda do sofá, «Kio» perguntou.
— Então, lembra quantas celas de monstros havia?
— Hã? Claro que sim — respondi, mas percebi que, embora tivesse contado as celas do lado direito do corredor do porão, não prestei atenção ao lado esquerdo. Ou seja, eu não tinha certeza.
— Tinham... oito, ou nove, ou dez, ou onze, por aí...
— Isso não é o que significa lembrar — ela retrucou, irritada. Asuna e os outros balançaram a cabeça em reprovação
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