Volume 8
Capítulo 20: Sétimo Andar de Aincrad
20
— UMA COBRA…?! — Repetiu Asuna, com os olhos arregalados. Assenti com a cabeça, abatido.
— É… Eu vacilei… Já tinha visto a cobra quando me infiltrei nos estábulos antes e achei estranho, mas não percebi que ela ia atacar…
Virei o copo de água na mão, mas aquilo não tirou o gosto amargo da minha boca.
— Estranho como? — Perguntou Argo, que já tinha voltado para o Quarto 17 do cassino antes de nós. Ela tentava manter a conversa não por hábito de informante, mas porque percebia o quanto eu estava arrasado. Agradeci sua gentileza e ergui a cabeça.
— A cobra tinha só uns dois centímetros de diâmetro. Então, nos estábulos, ela estava presa atrás de grades bem finas — parecia até uma cerca de arame. Mas vocês viram a jaula dourada onde eles lutam na arena, certo? As barras lá têm uns dez centímetros de espaço entre si. Quando vi aquilo, logo pensei que a cobra podia sair rastejando em direção ao público…
Lamentei em silêncio por não ter levado essa suspeita mais a sério e pensado nas implicações.
Dessa vez, foi «Kizmel» quem falou.
— Isso significa que a família Korloy mantinha aquela cobra não como combatente da arena, mas com o único propósito de atacar Lady «Nirrnir»… e a moveram da jaula especial para uma comum antes da inspeção?
Olhei diretamente para a elfa negra sentada à minha frente e assenti.
— É a única explicação que faz sentido. Quando ela foi mordida, «Bardun Korloy» e o mordomo, «Menden», não pareciam nem um pouco surpresos ou preocupados…
Na verdade, achei até ter visto um leve sorriso nos lábios de Bardun.
O colapso de «Nirrnir» pôs fim à inspeção, e eu corri atrás de «Kio», que carregava sua mestra de volta ao quarto no terceiro andar do hotel. Achei que ela fosse chamar um médico para a garota, mas, em vez disso, «Kio» levou «Nirrnir» direto ao quarto e não saíram de lá por quase vinte minutos.
«Huazo» e «Lunnze» montaram guarda do lado de fora da porta, enquanto os outros dois membros voltaram aos estábulos por ordem de «Kio». Mas não havia sinal de que a inspeção fosse continuar. Presumivelmente, qualquer evidência criminal que estivesse escondida naquele depósito já havia sido transferida para outro lugar.
O ataque da cobra teria sido um evento pré-determinado da missão ou algo espontâneo causado por outros fatores? Não havia como saber naquele momento. Se fosse o primeiro caso, talvez ainda houvesse uma forma de salvar «Nirrnir». Mas se fosse o segundo… Talvez acabássemos vendo uma repetição do que aconteceu com Lorde «Cylon» de «Stachion»…
Afundei novamente em um pântano de angústia e arrependimento — mas meu joelho esquerdo de repente ficou quente. Levantei os olhos e vi Asuna sorrindo ao meu lado, com a mão pousada na minha perna. Ela encontrou meu olhar e assentiu com firmeza.
— Vai ficar tudo bem, Kirito. Um pouco de veneno de cobra não vai derrubar Lady «Nirrnir».
Ela não apresentou nenhuma prova para aquela afirmação, mas decidi concordar com ela e assenti devagar.
— É… você tem razão.
— Isso mesmo. Até porque a gente nem recebeu a recompensa da missão ainda! — acrescentou Argo, com um sorriso travesso. Mais séria, completou. — E ainda tem algo que a gente pode fazer.
— Hã…? Tipo o quê?
— Pode ser que exista uma cura pro veneno da cobra. Kii-boy, qual era o nome da cobra que mordeu Lady Nirr?
Minha mente ficou em branco por um momento, mas logo percebi que ela tinha razão. Lembrei que, no mundo real, só anticorpos especiais chamados anti venenos, produzidos por humanos e outros animais, conseguiam neutralizar venenos de cobra. Um antídoto genérico comprado de um vendedor de rua provavelmente não funcionaria — «Kio» já teria usado um, se fosse o caso —, mas poderia haver algum item medicinal específico para aquela espécie de cobra.
Fitei a superfície da mesa, tentando arrancar essa resposta da memória. Eu só tinha visto o nom
"Algumacoisa-Serpent" no cursor colorido por um instante, mas se não conseguisse lembrar, não era digno de me considerar um jogador de alto nível. Em vez de pensar na palavra, tentei visualizar a imagem mental dela, como uma captura visual que ainda guardava na memória, e li as letras em inglês.
— Hmm… Começava com A… Acho que era ARGENT SERPENT? Não sei o que "Argent" quer dizer…
Asuna e Argo se entreolharam e responderam ao mesmo tempo.
— É prata.
— É prata.
— Prata…? Por que não chamam logo de "silver", então? — Perguntei.
Era uma pergunta bem direta, mas Asuna olhou com um pouco de hesitação para «Kizmel» antes de responder.
— Silver vem do alemão. Argent vem do francês.
— Ah, entendi… — murmurei, percebendo o motivo da preocupação de Asuna. Para «Kizmel», a língua deste mundo era o aincradês. Não havia distinção entre japonês, inglês ou alemão.
Felizmente, «Kizmel» não parecia estar presa ao que eu havia dito. Na verdade, o olhar pensativo em seu rosto mostrava que ela estava preocupada com outra coisa. Antes que eu pudesse perguntar o que era, a cavaleira piscou e olhou diretamente para mim.
— Tem certeza de que a cobra que mordeu Lady «Nirrnir» se chama Argent Serpent?
— Sim. Você conhece, «Kizmel»?
— Apenas de nome. Mas, se for verdade... Isso não é algo trivial. No mínimo, você não encontrará o antídoto em nenhuma cidade dos humanos — afirmou «Kizmel» com convicção. Olhei para ela, angustiado, e perguntei em voz baixa.
— Por que não...?
Agora foi a vez de «Kizmel» hesitar. Após alguns momentos, ela disse em tom suave.
— Nas antigas palavras, Lady «Nirrnir» é conhecida como Dominus Nocte... uma Lady da Noite.
— Lady da Noite? — repetimos nós três em uníssono. Eu nunca tinha ouvido essa expressão em Aincrad, nem mesmo durante o beta teste.
Asuna, no entanto, arfou após um instante. E Argo, que estava sentada do outro lado de «Kizmel», murmurou para si mesma. As duas trocaram um olhar, então Asuna sussurrou para «Kizmel».
— Você está dizendo... Que ela é uma... Vampira?
O quêêêê?! Só consegui conter o grito de espanto travando a mandíbula. «Nirrnir»? Não pode ser… A ideia parecia absurda, mas todas as evidências vieram à tona na minha mente. As cortinas pesadas nas janelas, mesmo durante o dia. Sua bebida exclusiva: vinho tinto. A capa grossa que usava antes de ir ao estábulo. A parede que «Kio» nos fez construir antes que ela atravessasse a luz do pôr do sol. Tudo isso dava crédito à sugestão da Asuna.
Eventualmente, «Kizmel» assentiu com a cabeça, quase imperceptivelmente.
— Esse é outro nome... Mas não devem repeti-lo aqui. Os Lordes da Noite não são espectros que vagam por cemitérios à noite. São um povo orgulhoso. Pelo que dizem, alguns vivem muito mais do que nós, elfos.
— Uau... — murmurei. Então me lembrei de algo e perguntei à cavaleira. — É por isso que você se ajoelhou ao cumprimentar «Nirrnir» pela primeira vez? Porque sabia que ela era uma Domi... Dominus Nocte?
— Exatamente. Vi um deles no castelo quando era criança, apenas uma vez, mas reconheci pelos ares dela.
— Ah…
Soltei o ar, tentando recuperar minha razão. Estava chocado por saber que «Nirrnir» era uma vampira, ou uma Lady da Noite, mas isso não mudava o fato de que ela era minha mestre na missão — nem o carinho que eu sentia por ela. E vampiros eram algo comum em RPGs; parecia até estranho que não tivéssemos encontrado um antes.
— E quando você diz que isso não é algo trivial, o que queria dizer...?
Mas percebi a resposta antes de terminar a pergunta.
As fraquezas clássicas dos vampiros eram alho, luz solar e prata. Na verdade, da primeira vez que visitamos esse quarto, «Kio» puxou minha espada curta da bainha e disse: "Aço comum." Ela estava verificando se não era prata.
Não sabia se ela era vulnerável ao alho, mas não havia dúvida de que caminhar sob o sol poente deixava «Nirrnir» em um estado enfraquecido — em retrospecto, o ícone com um círculo preto cheio de espinhos provavelmente representava o sol. Então, não podia ser coincidência que a cobra que a mordeu tivesse a palavra "prata" no nome.
— Então o veneno da Argent Serpent só é eficaz contra um Dominus Nocte? E é por isso que é difícil encontrar um antídoto...? — perguntei.
— Não sei com certeza — respondeu «Kizmel», cautelosa. — Mas sei que a Argent Serpent vive em cavernas muito, muito profundas, alimentando-se de minérios de prata. Suas escamas são feitas de prata pura e podem ser vendidas por um bom preço. E o veneno prateado que escorre de suas presas, uma vez aplicado em uma arma, concede poder extra contra espectros e fantasmas. Naturalmente, um Dominus Nocte é uma criatura rara e poderosa... Mas a prata é terrivelmente venenosa para um Lorde da Noite. É semelhante à forma como terras áridas drenam a força dos elfos…
...! Não pude evitar de cerrar a mandíbula. Um veneno que pode ser usado para fortalecer armas foi injetado diretamente nas veias de «Nirrnir». Se eu tivesse me lembrado corretamente do nome Argent Serpent e contado a «Kio» ou «Nirrnir» antes da inspeção, isso não teria acontecido. Havia uma fúria fervendo meu sangue, e não era só contra minha própria estupidez.
«Bardun Korloy», seu mordomo «Menden» e todos os seus soldados sabiam que «Nirrnir» era uma Lady da Noite, e não apenas uma humana comum. Foi por isso que abriram as portas da doca de carga para inundar a sala com luz solar — só para incomodá-la. E não apenas isso — talvez tenham feito isso de propósito, para enfraquecê-la e retardar seus reflexos. Eles moveram a Serpente para uma cela comum e esperaram «Nirrnir» se aproximar antes de soltá-la. No exato momento em que exigiu sua presença na inspeção, «Bardun» pretendia envenená-la com prata.
Claro, isso podia ser parte do enredo escrito para a missão. Mas «Bardun» havia olhado para «Nirrnir» caída, enfraquecida, e zombado dela com o olhar. Ele dizia: "É isso que você merece."
— «Kizmel», existe alguma forma de neutralizar o veneno de prata? — perguntei, sabendo que era uma pergunta inútil. Mas eu não podia ir embora sem fazê-la.
Em meio a um silêncio doloroso, a cavaleira apenas balançou a cabeça. Mas então uma voz firme e tensa soou, preenchendo a sala de estar.
— Existe uma maneira.
Virei-me rapidamente e vi que a porta do quarto havia se aberto em algum momento, revelando «Kio», a criada de batalha.
Seu rosto estava tão pálido quanto o de «Nirrnir» quando ela desmaiou. Por um instante, pensei que talvez «Kio» também fosse uma vampira — ou uma Dominus Nocte —, mas então me lembrei de que ela estava perfeitamente bem sob o sol do meio-dia quando nos ajudava com o descolorante para o Rusty Lykaon e as ervas medicinais.
Além disso, «Nirrnir» era descendente dos antigos e extintos Falhari, e, que eu soubesse, seus pais também estavam mortos. Desde que não tenham morrido por acidente ou assassinato, isso indicava que seus familiares eram humanos comuns. Então, será que «Nirrnir» se tornou vampira por alguma experiência em sua vida? Ou talvez fosse uma filha adotiva, sem relação de sangue com os pais?
Neste momento, isso estava longe de ser importante. Levantei-me do sofá e dei alguns passos na direção de «Kio».
— Você disse que há uma maneira…? Existe algum remédio que possa curar Lady Nirr? Mais importante: ela está bem agora?
— Venham comigo — disse «Kio», fazendo um gesto com a mão antes de retornar silenciosamente ao quarto. Corremos atrás dela.
O quarto estava quase completamente escuro, iluminado apenas por um pequeno abajur ao lado da cama, emitindo um brilho verde pálido e misterioso. Não era uma chama dentro do vidro fechado, mas um cogumelo-lanterna como os que encontramos na passagem secreta da praça.
Sob aquela luz fria, «Nirrnir»
estava visível sobre a cama, com os olhos fechados.
Suas pálpebras e os longos cabelos esvoaçantes estavam absolutamente imóveis, o que me deixou nervoso, temendo que ela não estivesse mais viva. Mas sua barra de HP ainda mostrava cerca de 30%, onde permanecia imóvel. Abaixo da barra, havia dois ícones: uma serpente prateada sobre fundo preto — presumi que fosse o envenenamento prateado — e uma flor azul sobre fundo preto.
Com algumas exceções, os ícones de status em SAO seguiam um padrão geral: debuffs tinham fundo preto, enquanto buffs usavam outras cores. Era altamente provável que o ícone da flor azul também indicasse um efeito negativo.
Foi preciso toda a minha força de vontade para não tocar sua pequena testa e verificar a temperatura. Ainda havia um ponto de interrogação dourado flutuando sobre a cabeça de «Nirrnir». Enquanto o sinal mestre de missão estivesse presente, nossa conexão não poderia ser rompida, decidi.
— Em que estado ela está? — perguntei a «Kio».
A leal criada mordeu o lábio com frustração e sussurrou.
— Lady «Nirrnir» está em um sono profundo induzido por um medicamento… Você explicou a eles sobre ela, Lady «Kizmel»?
A cavaleira assentiu gentilmente.
— Expliquei, embora não soubesse se era certo fazê-lo por conta própria…
— Não, eu lhe agradeço por me poupar esse tempo — disse «Kio», lançando-lhe um olhar de gratidão. Ela então se voltou para mim. — Como ouviram, Lady «Nirrnir» é uma imortal Lady da Noite. Nem mesmo eu conheço sua verdadeira idade, apenas que ela protege o clã Nachtoy e o Grande Cassino há mais de trezentos anos.
— Trezentos…
Faltaram-me palavras.
No momento em que ouvi que ela era uma vampira, já suspeitava que não era tão jovem quanto aparentava, mas a verdade superava em muito minhas expectativas. Agora fazia muito mais sentido que «Kizmel» tivesse se ajoelhado diante dela. Fiz um gesto para que «Kio» continuasse.
— Uma Lady da Noite possui vida eterna, mas coisas que para nós são inofensivas, como a luz do sol e a prata pura, são venenos terríveis para elas. No entanto, um breve momento sob luz solar direta, ou um pequeno ferimento por uma arma de prata, pode ser curado se tratado adequadamente. O veneno prateado da Argent Serpent, porém, não pode ser removido do corpo uma vez que penetra. Se não for tratado, em apenas uma noite…
«Kio» não conseguiu terminar a frase. Estendeu a mão e acariciou os cabelos dourados de «Nirrnir» com a ponta dos dedos, como se estivesse verificando se a chama de sua vida ainda ardia. Satisfeita, recuou e pegou uma pequena garrafa azul sobre a mesinha de cabeceira. Parecia já estar vazia.
— Usei este elixir… Não, este veneno da flor de lobélia, para colocá-la para dormir.
— Veneno de lobélia…?! — exclamou «Kizmel», chocada. Ela olhou de «Kio» para a garrafa azul. — Esse é um veneno que nem mesmo o Anel de Purificação que Sua Majestade me deu é capaz de curar. Uma única gota pode matar. Você deu a garrafa inteira a ela?!
— Os Lordes da Noite têm uma resistência extrema a venenos — todos, exceto o da prata. De qualquer forma, eu não conseguiria colocá-la para dormir sem usar essa quantidade.
— Entendo… — disse Argo, rompendo seu silêncio, enfim. Ela parecia pensativa. — Lutar veneno com veneno, hm? Então Lady Nirr não está apenas dormindo… está em uma espécie de coma, suponho?
— Exatamente. É assim que podemos reduzir ao mínimo os efeitos do envenenamento prateado.
— E… Se mantivermos ela dormindo até o veneno prateado perder o efeito, Lady «Nirrnir» poderá sobreviver…? — perguntou Asuna, unindo as mãos em prece.
Mas «Kio» soltou um suspiro longo e pesado, balançando a cabeça.
— Não… O veneno prateado não desaparece naturalmente. Mesmo agora, ele está lento, mas certamente, consumindo seu corpo… Devorando sua vida. O sono pode retardar isso, mas mesmo nesse estado, ela resistirá no máximo dois dias.
Sua voz era calma, mas carregava uma profunda angústia, lamento e raiva. Percebi que a raiva era dirigida a «Bardun», por ter armado a armadilha, e a si mesma, por não ter conseguido impedi-la. Eu sentia o mesmo. Na verdade, percebi que estava mordendo o lábio de frustração.
— Oh… — exclamou Asuna. Ela abriu sua janela e retirou um cristal de um rosa profundo. Subitamente, também murmurei.
— Oh…
Ela deu um passo à frente e estendeu o cristal de oito lados para «Kio».
— Você acha… Que isso poderia curar Lady «Nirrnir»?
— Um cristal de cura? Mas ele é tão raro, tão valioso… — disse «Kio», sem conseguir esconder o choque.
Asuna balançou a cabeça com firmeza.
— Não. Eu abriria mão dele num segundo se isso significasse salvar a vida dela. Não é, Kirito?
Assenti rapidamente.
— Sim. Podemos conseguir mais.
— Obrigada. Sua generosidade é imensa — disse «Kio», curvando a cabeça. Mas ela não estendeu a mão para aceitar o cristal que Asuna lhe oferecia. Em vez disso, colocou as mãos sobre ele e o afastou.
— Mas receio que isso não vá funcionar. Para curar o veneno, seria necessário um cristal de purificação, não um de cura. E como os Lordes da Noite têm uma resistência tão poderosa a venenos, também são quase imunes aos medicamentos humanos e élficos. Os cristais não são exceção.
— Não pode ser...
Asuna abaixou o queixo, apertando o cristal de cura contra o peito. Estendi a mão para ela, mas a retraí apressadamente. Havia uma pergunta que eu precisava fazer novamente.
— Mas, «Kio», você disse que só havia uma maneira de curar o envenenamento por prata. Qual é?
— Sangue de dragão.
— Sangue de dragão...? — repeti, esperando pela explicação.
Mas «Kio» não parecia com pressa de responder. Apenas fitava sua mestra adormecida. Após um longo silêncio, de pelo menos dez segundos, ela finalmente falou num sussurro.
— Talvez você saiba que Lordes da noite precisam beber sangue humano para permanecerem vivos.
...
Por um breve momento, fiquei surpreso — mas isso deveria ser óbvio. Ela era uma vampira. Na verdade, em todas as vezes que estive neste quarto, não me lembrava de ter visto «Nirrnir» beber outra coisa além daquele vinho tinto.
— Quer dizer que... Aquele vinho tinto... Era na verdade sangue humano...? — perguntei, com medo da resposta.
«Kio» esboçou um sorriso frágil e balançou a cabeça.
— Não, é vinho de verdade. Um vinho muito refinado... Embora isso contradiga o que acabei de dizer, nos dez anos em que servi à Lady Nirrnir — e provavelmente muito antes disso — ela nunca bebeu sangue humano. É isso que ela bebe em vez disso.
Ela tirou uma pequena garrafa preta da bolsa presa ao seu lado. Era o mesmo objeto que havia oferecido a «Nirrnir» na entrada do estábulo, quando ela atravessou a luz do pôr do sol e desabou. Mas ela se recusou a beber.
— O que é isso...? — perguntei.
— É a única coisa que um Lorde da Noite pode usar como substituto do sangue humano... Sangue de dragão. Segundo a lenda, ele proporciona uma vitalidade muito maior do que o simples sangue humano, mas precisa ser diluído com destilados para ser armazenado por longos períodos, além de ser tratado com vários tipos de ervas medicinais, o que enfraquece muito seu efeito. Lady «Nirrnir» bebe uma garrafa a cada sete dias, e é assim que sobrevive sem recorrer ao sangue humano.
...
Asuna, Argo, «Kizmel» e eu mergulhamos novamente no silêncio. Fitávamos o rosto da jovem adormecida.
Eu não sabia por que «Nirrnir» se recusava a beber sangue humano, e tinha a sensação de que não deveria perguntar isso a «Kio». Tudo o que eu sabia com certeza era que «Nirrnir» morreria em dois dias se não fizéssemos nada. E eu queria salvá-la.
— Então... Se ela beber sangue de dragão fresco, sem estar diluído ou conservado, «Nirrnir» pode superar o envenenamento por prata?
— Isso mesmo.
— Mas... Onde vamos encontrar um dragão? — disse Asuna, preocupada. — Não vimos nenhum até agora, em nenhum andar.
Ela tinha razão. Desde os primórdios dos jogos de tabuleiro, dragões e RPGs de fantasia eram inseparáveis. Mas em Aincrad, eram tão raros quanto vampiros. Já ouvimos falar do temido dragão Shmargor e do dragão-d'água Zariegha, mas, como Asuna disse, nunca encontramos nenhum.
Mas isso mudaria aqui, no sétimo andar. Troquei um olhar com Argo, e falamos ao mesmo tempo.
— Na torre do labirinto.
— Na sala do boss.
— Hã? — Asuna arregalou os olhos, surpresa. Ela se virou na direção da torre, bloqueada por grossas paredes de pedra, e depois olhou de volta para mim. Sua surpresa virou apreensão. — Você quer dizer... O boss do andar? — sussurrou. — O boss do sétimo andar é um dragão?
— Sim, cedo demais para enfrentar ele. Ou não, se preferir ver por esse lado…
Eu estava prestes a dizer o nome do dragão, mas desisti. Não seria bom apresentar detalhes tão específicos diante de «Kio» e «Kizmel». Poderíamos enganá-las dizendo que nossos inventários e mensagens instantâneas eram "amuletos mágicos de aventureiro", mas não havia como justificar conhecimento prévio do beta teste.
Felizmente, «Kio» não pareceu suspeitar de que Argo e eu sabíamos que o boss era um dragão. Ela assentiu seriamente.
— Exato. Na torre, bem ao oeste, há um dragão flamejante conhecido como «Aghyellr». Se conseguirem derrotá-lo, haverá sangue suficiente para salvar a vida de Lady «Nirrnir».
— Agiella... — repeti, testando o som do nome. Parecia estranho. O boss do sétimo andar no beta era mesmo um dragão de fogo, mas seu nome completo em inglês era algo como «Aghyellr The Igneous Wyrm».
Foi só quando examinei mentalmente as letras que percebi que "Agiella" era a pronúncia correta. Durante o beta, o jogo não trazia guias oficiais com a pronúncia dos nomes dos monstros — tudo era escrito em inglês — então era preciso ouvir de um NPC ou adivinhar. E não havia nenhum NPC no beta que mencionasse o nome do boss, então mentalmente eu o chamava de algo como Ahjierre, como se fosse francês. Aparentemente, estava completamente errado.
Agradecendo mentalmente por não ter falado o nome em voz alta para «Kio», disse.
— Então o ponto é: só precisamos derrotar «Aghyellr» e pegar o sangue dele, certo? De qualquer forma, teremos que passar por aquela torre para chegar ao próximo andar, então vamos enfrentá-lo mais cedo ou mais tarde… — Tarde demais, percebi que "mais tarde" não era uma opção. — E-Espera. «Kio», você disse dois dias?
— Isso mesmo — respondeu a criada guerreira.
Observei atentamente seu rosto.
«Volupta» ficava exatamente entre a cidade principal, «Lectio», e a torre do labirinto. E o nível de dificuldade adiante seria muito mais alto do que o da Tailwind Road que percorremos até aqui. Uma equipe altamente motivada levaria do amanhecer até o anoitecer apenas para chegar à entrada da torre. Levaria mais um dia inteiro para alcançar o último andar. Em outras palavras, mesmo que partíssemos o mais rápido possível — digamos, amanhã de manhã — seria quase impossível derrotar o boss antes da noite, dois dias depois.
Além disso, mesmo com a ajuda de «Kizmel», seria suicídio para apenas quatro pessoas enfrentarem o boss sozinhas. Durante o beta, embora a equipe tivesse muitos dos que haviam falido — incluindo eu —, derrotar Ahjierre... digo, «Aghyellr», exigiu uma força de ataque massiva com mais de cinquenta membros.
A ajuda da ALS e da DKB seria essencial para enfrentar o boss do andar. Mas nenhuma das guildas parecia disposta a sair desta cidade antes de conseguirem a «Sword of Volupta».
Inclinei-me em direção a Argo e perguntei em voz baixa.
— Eles estavam participando da arena diurna?
— Claro. As duas guildas pareciam ter folhas de dicas novinhas em folha, e venceram todas as cinco lutas do dia.
— Aham… — Isso só significava que eles estavam ainda menos propensos a se interessar pelo que eu tinha a dizer antes das partidas noturnas terminarem. E, se perdessem todas as fichas à noite, provavelmente repetiriam tudo de novo amanhã.
Voltei apressado para «Kio» e tentei explicar a situação da forma mais breve e transparente possível. Precisávamos da cooperação dos aventureiros hospedados naquela cidade para derrotar «Aghyellr The Igneous Wyrm». Mas eles estavam hipnotizados pela «Sword of Volupta», o grande prêmio do cassino, e continuariam apostando até conseguirem ganhá-la ou ficarem completamente falidos. Também comentei sobre a suposta folha de trapaças que estavam usando como estratégia de apostas...
Quando terminei, «Kio» refletiu cuidadosamente sobre o que contei e soltou um suspiro pesado.
— Entendo… O Grande Cassino que os fundadores Korloy e Nachtoy construíram para enriquecerem agora está, ironicamente, colocando a vida da Lady «Nirrnir» em risco…
— Isso é ser pessimista demais — declarou Asuna. Ela guardou o cristal de cura de volta no armazenamento de itens e deu um passo à frente, segurando a mão de «Kio» com as suas. — Aqueles irmãos que construíram o cassino podem até ter pensado só no dinheiro, mas a Lady «Nirrnir» administra o cassino com justiça e dedicação, oferecendo um descanso para quem busca entretenimento, não é? E todos os visitantes de «Volupta» trazem negócios para os restaurantes, hotéis e outras lojas daqui. A Lady «Nirrnir» tem se dedicado por séculos para o bem de todas as pessoas desta cidade. Não é justo tratar isso como se fosse apenas obra do destino…
Fiquei surpreso ao ver que lágrimas começavam a se formar nos olhos de Asuna. Eu tinha presumido que ela era contra a existência do cassino só por odiar apostas. Ela provavelmente ainda odiava, mas talvez não visse o cassino como algo puramente maligno, já que também funcionava como uma atração turística. Era graças ao funcionamento longo e estável do Grande Cassino que a cidade ganhara vida e beleza, e era difícil argumentar que isso não era fruto da habilidade e nobreza de «Nirrnir».
Asuna é tão mais madura do que eu, pensei, colocando minha mão sobre a dela, que ainda segurava a de «Kio».
— Não acho que o cassino no qual a Lady «Nirrnir» colocou tanto amor a trairia. Tenho certeza de que há um jeito de convencer o grupo da linha de frente… Os aventureiros… A sair antes do fim da noite. A questão é: só precisamos que um dos dois grupos consiga acumular cem mil fichas através das lutas da arena noturna — falei, ponderando com cuidado. — Tenho quase certeza de que aquelas folhas de trapaças são uma armadilha dos Korloy. Das dez lutas, só a última tem informação falsa, permitindo que eles fiquem com todas as fichas que os apostadores acumularam até então. Então, se apostarem no contrário do que está escrito na folha, devem ganhar…
Então me lembrei de que já tínhamos falado sobre isso ontem.
— Mas isso parte do pressuposto de que a família Korloy só pode perder a luta de propósito. «Kio», em uma partida arranjada para se perder, você acha que haveria uma maneira de reverter o resultado para uma vitória? — Perguntei.
Por algum motivo, a empregada armada apenas fez uma expressão estranha e ficou em silêncio. Só então percebi que estava segurando a mão de «Kio» indiretamente, através da de Asuna, e a puxei de volta com pressa. Asuna também retirou as mãos, e «Kio» pigarreou antes de finalmente falar.
— Foi uma falha nossa não termos percebido que a família Korloy estava distribuindo essas "folhas de trapaça", como você chama. Pensando bem, parece que sempre que há um apostador especialmente grande presente, o monstro dos Korloy tende a perder na luta final. A Lady «Nirrnir» e eu somos cuidadosas em vigiar qualquer má conduta, mas pensar que eles perderiam de propósito…
Ela caminhou duas vezes ao redor da cama, olhou novamente para a adormecida Nirrnir, e então continuou com firmeza.
— Não seria muito difícil perder de propósito numa luta entre monstros de mesmo nível. Os treinadores de monstros de cada família têm séculos de conhecimento acumulado sobre cuidados com os monstros. Assim como existem medicamentos que curam feridas e doenças, também existem ervas que animam os monstros… Ou os enfraquecem… Ou os matam. Se for administrada uma erva — um veneno — que reduza os reflexos do monstro antes da luta, em violação das regras, há uma grande chance de que ele perca. Mas, para reverter isso numa vitória, não só seria necessário remover os efeitos do veneno, como também administrar um medicamento que aumentasse sua força. Como a taxa de pagamento das fichas é determinada numericamente pouco antes da luta, não haveria tempo suficiente para aplicar várias misturas no monstro…
— Em outras palavras, não há como virar o jogo se os Korloy decidirem perder? — Perguntei, sentindo um certo alívio, mas «Kio» não confirmou com um "sim".
Após alguns segundos, ela entreabriu os lábios.
— Como viram, «Bardun Korloy» é um homem astuto. Embora esteja tomado pelo medo da morte, sua mente continua afiada. Não acredito que um homem como ele deixaria de considerar a possibilidade de que sua armadilha — a folha de trapaça — fosse descoberta. Presumo que ele tenha alguma maneira de transformar uma derrota em vitória que não envolva remédios. Só não consigo imaginar qual seria.
— Entendo…
Pensei no que havia visto na arena de monstros, mas, com a jaula cercada por três lados por espectadores, não conseguia imaginar nenhuma maneira de adulterar os monstros. No máximo, considerei a possibilidade de disparar algo pequeno, como um dardo, através das grades para atingir o monstro. Mas isso quase certamente seria descoberto.
Então não há nenhuma forma de garantir que a ALS e a DKB vençam na arena noturna? Pensei, desanimado. Mas então Asuna arfou. Olhei para ela. Os olhos castanhos-avelã da espadachim piscaram várias vezes. Seu rosto estava relaxado enquanto murmurava.
— É tão simples. Basta a ALS e a DKB apostarem em monstros diferentes na luta final. Assim, uma das duas estará garantida como vencedora e ficará com as cem mil fichas, certo?
— Oh! — também me surpreendi. Ela estava exatamente certa. Nem mesmo «Bardun Korloy» conseguiria fazer com que ambos os monstros ganhassem ou perdessem. Na verdade, se Lind e Kibaou tivessem apostado em monstros diferentes na noite anterior, um deles já estaria com a «Sword of Volupta», e teriam passado o dia derrotando os poderosos monstros da segunda metade deste andar com seus status quebrados.
O problema era fazer com que eles concordassem em apostar em monstros diferentes... Mas tinha que haver uma maneira. Pensei em algumas pessoas que talvez estivessem dispostas a nos ouvir e, só para garantir, perguntei à «Kio».
— Escuta, não estou duvidando, mas... As informações do panfleto sobre a espada valer cem mil fichas são realmente verdadeiras? Sobre a imunidade a veneno, a cura constante e cada ataque ser um golpe crítico? Porque parece quase absurdo.
— Isso é exatamente o que significa "duvidar" — ela respondeu com um sorriso sarcástico antes de adotar uma expressão séria novamente. — A «Sword of Volupta» é de fato a espada do herói Falhari, que derrotou Zariegha, a Serpe Aquática, e não há falsidade na descrição. Foi o que Lady «Nirrnir» disse anteriormente. Mas é o tesouro das famílias Nachtoy e Korloy, e símbolo do verdadeiro herdeiro. Então resta saber por que os filhos de Falhari a transformariam em um prêmio de cassino... e essa foi uma pergunta que minha lady não quis responder...
— Ahhh…
Era de fato uma boa pergunta. Parecia um tanto apressado transformar a espada heróica do matador de dragões, relíquia de seu ancestral, em uma ferramenta para atrair multidões. Mas, contanto que a espada realmente tivesse os atributos listados, isso já bastava. «Aghyellr» não tinha ataques de veneno — assumindo que nada tivesse mudado desde o beta —, mas a regeneração de HP ajudaria contra seu sopro flamejante, e um acerto crítico garantido seria excelente contra suas escamas resistentes. Eu não sabia se seria Kibaou, da ALS, ou Lind, da DKB, quem usaria a espada, mas nenhum deles era do tipo que recuaria diante do primeiro verdadeiro boss dragão do jogo. Se ele assumisse o papel de atacante principal e nos deixasse focar no suporte, conseguiríamos derrotar o boss rapidamente.
Mas isso partia do pressuposto de que conseguiríamos atravessar a torre do labirinto antes do pôr do sol de dois dias a partir de agora — o prazo final para salvar a vida de «Nirrnir». Se não conseguíssemos sair de «Volupta» esta noite, então poderíamos partir bem cedo de manhã, chegar à cidade final de «Pramio» ao anoitecer, passar a noite lá e enfrentar o labirinto no último dia... Mas ainda assim seria muito apertado...
Então percebi algo e arfei, inspirando com força.
Era impossível seguirmos esse cronograma. Antes do meio-dia de amanhã, precisaríamos fazer vigília no santuário da chave sagrada, na extremidade sudoeste do andar, depois seguir a equipe de recuperação dos elfos negros que virá buscar a Chave Rubi, lutar contra os Elfos Caídos que certamente armarão uma emboscada e localizar o esconderijo deles.
Se perdêssemos esse evento amanhã, provavelmente nunca mais teríamos outra chance de recuperar as quatro chaves sagradas que «Kysarah» roubou. E então «Kizmel» seria eternamente uma exilada de seu próprio povo, nada além de uma fugitiva do Palácio da Árvore Harin e suspeita de ser espiã.
Se salvássemos «Kizmel» não poderíamos salvar «Nirrnir» — e vice-versa. Era um dilema como nenhum outro que eu já havia enfrentado. Cerrei os punhos e me vi buscando apoio em minha parceira.
Havia uma dor profunda nos olhos de Asuna. Ela devia ter percebido, desde o momento em que «Kio» disse que apenas o sangue de dragão poderia salvar «Nirrnir» — e que o dragão era o boss deste andar —, que não haveria tempo suficiente para fazer ambas as coisas. Não conseguimos dizer uma única palavra. Mas «Kizmel» perguntou gentilmente.
— Asuna, Kirito, por que estão hesitando? — Ela se aproximou de nós e tocou em nossos braços.
— Eu ficarei bem. Haverá muitas outras oportunidades para recuperar as chaves sagradas. Mas a vida de Lady «Nirrnir» está em perigo agora. Vamos nos preocupar apenas em salvá-la. E claro, ajudarei a derrotar o dragão.
— «Kizmel»… — sussurrou Asuna, apertando a mão dela. «Kio» observou essa interação com grande confusão.
— Do que vocês estão falando?
✗
De volta à sala de estar, preparamos chá juntos e nos sentamos nos sofás. «Kio» se recusou a sentar no longo sofá de «Nirrnir», então nós cinco nos acomodamos nos dois sofás menores. Mesmo sendo menores, eram de três lugares, então não ficou nada desconfortável.
Depois de umedecer a garganta com o chá quente, expliquei a «Kio» o problema que «Kizmel» enfrentava — com a permissão dela, é claro.
«Kio» franziu a testa e refletiu sobre a história por um bom tempo em silêncio. Em seguida, lançou um olhar na direção da porta, como se seu irmão «Huazo» e o domador de monstros «Lunnze», ambos de guarda no corredor, corressem o risco de ouvir. Ela baixou a voz.
— Algum de vocês reconhece a palavra Neusian?
Antes que eu pudesse reagir, a cabeça de «Kizmel» se ergueu imediatamente.
— Senhorita «Kio», onde ouviu isso?
— Eu explico em um instante, mas primeiro, poderia me dizer o que significa?
……
A cavaleira pareceu hesitar por um momento, então começou a falar lentamente.
— É uma palavra muito antiga. Significa "Aquele que não é de nenhum dos dois"… Nem dos Lyusulans nem dos Kalessianos. Em outras palavras, os Elfos Caídos. Mas é considerado o maior dos insultos contra eles, então ninguém mais usa essa palavra.
— Entendo. Como eu suspeitava — disse «Kio», indicando que já esperava por essa resposta. Ela levou a xícara de chá aos lábios para um gole, depois olhou para Asuna, Argo e para mim. — Vocês se lembram de Lady «Nirrnir» dizendo que «Bardun Korloy» estava reunindo uma grande soma de dinheiro para comprar um breve prolongamento de vida?
Assentimos. Eu tinha reparado nisso, e aquilo me incomodava. SAO tinha uma estética de fantasia clássica, mas nunca ouvira falar de um meio de estender a vida em troca de dinheiro... Até agora.
Em tom baixo, «Kio» continuou.
— Certa vez, perguntei a Lady «Nirrnir» o que isso significava exatamente. A única coisa que ela disse foi que era um "plano Neusian maligno", e não me contou mais nada. Mas depois da explicação de Lady «Nirrnir», tudo se encaixou. Os Elfos Caídos fizeram contato com «Bardun» e lhe ofereceram algum tipo de acordo.
— Falando nisso — disse Asuna, lançando um olhar em minha direção —, os guardas elfos negros estavam comentando algo sobre a gente lá no Palácio da Árvore Harin. Disseram que deviam ter oferecido estender nossas vidas... E que os humanos sempre caíam nessa…
— Ooohhh…
Tudo voltou à minha mente de repente, mas, para ser honesto, o que mais me marcou foi o som de indignação que Asuna soltou quando ouviu aquilo. A bochecha de Argo se contraiu num sorriso, como se ela estivesse assistindo à cena naquele instante. Ela se recostou nas almofadas macias.
— Aha, agora entendi. Esse é um truque comum que os Caídos costumam usar. Mas isso nos dá esperança de um caminho a seguir.
— Hã...? Como assim? — Perguntei, confuso.
A negociadora de informações arqueou as sobrancelhas para mim de maneira provocativa.
— Presta atenção. Se os Elfos Caídos ofereceram um acordo ao velho «Bardun», então é bem provável que ele tenha algum meio de entrar em contato com eles também. E, com isso em mãos, podemos encontrar o esconderijo deles sem precisar do seu plano complicado de perseguição.
— Ah! — exclamei. Asuna imediatamente levou o dedo aos lábios e me mandou silenciar, enquanto «Kizmel» apenas sorria. Ela disse a Argo.
— Sua suposição provavelmente está correta. Os Caídos possuem muitas ferramentas e amuletos estranhos, e um deles é a habilidade de enviar sinais para lugares distantes. Talvez tenham usado algo assim para marcar um encontro em um local combinado.
— Ahhh, isso seria tão útil — murmurou Argo, com inveja. Eu sabia como ela se sentia. Nós, jogadores, podíamos enviar mensagens completas, não apenas sinais, mas isso não funcionava se uma das pessoas estivesse em uma dungeon — justamente quando mais se precisava de comunicação. Mesmo um item que transmitisse apenas luz e som já permitiria uma cooperação muito mais eficiente.
Mas, se Argo estivesse certa, e os Elfos Caídos tivessem dado algum tipo de item de comunicação a «Bardun»…
— O problema é como vamos conseguir pôr as mãos nisso… — murmurei, sendo interrompido por uma voz despreocupada à minha esquerda.
— A gente só precisa roubar, obviamente.
— Hã?
Argo estava recostada, mãos atrás da cabeça e pernas cruzadas. Seus bigodes pintados apontavam para cima, numa expressão de pura confiança.
— «Bardun» pode ser um pão-duro ganancioso, mas ele não venderia esse item nem por milhares de col — provavelmente nem vai admitir que possui isso. Então só nos resta invadir o quarto dele e roubar, né?
— Ah, fala sério… — reclamei. «Kizmel» era uma cavaleira honrada a ponto de hesitar em fugir da prisão para restaurar sua reputação injustamente manchada, e «Kio» era uma serva de Nachtoy que havia jurado manter a ordem no Grande Cassino. Era de se esperar que nenhuma delas encarasse com bons olhos a sugestão leviana de um roubo sob este teto.
Mas «Kizmel» apenas disse.
— Ah, acredito que Argo está certa.
— Sim, parece ser o único jeito — concordou «Kio».
— Claro. Com certeza — concordei, fazendo uma careta. Ao meu lado, Asuna se mexeu; provavelmente estava segurando o riso. Fingi não perceber e continuei. — Ainda assim, vai ser bem difícil invadir os aposentos dele. A gente não sabe quando ele sai… E onde ele mora, afinal?
Essa pergunta foi dirigida à «Kio». A criada de batalha olhou para a porta, depois voltou-se para mim.
— Logo ali. No quarto sete do Hotel do Grande Cassino... Bem do outro lado do prédio, em relação ao quarto dezessete onde estamos.
— O quê?! — exclamei, sem conseguir evitar. Asuna me mandou calar de novo. O mestre inimigo estava morando debaixo dos nossos narizes o tempo todo? Então por que parecia que eu nunca tinha visto nenhum Korloy dentro do hotel?
«Kio» percebeu minha desconfiança e puxou um pergaminho enrolado da gaveta da mesinha de centro. Ela o desenrolou sobre a superfície plana.
— Esta é a planta do hotel. Como pode ver, as instalações como o banho, a cozinha e o depósito ficam no centro do prédio, enquanto todos os quartos de hóspedes estão nas alas norte e sul… Mas apenas a entrada do hotel e o corredor que leva às áreas compartilhadas permitem passagem entre os lados norte e sul.
— Ah, então é por isso que não havia janelas no banho! — exclamou Asuna. Eu tinha pulado o banho, mas de fato, ele ficava no lado oeste do centro do prédio, cercado por corredores ao norte, sul e oeste — e pela parede de outra instalação a leste. Os corredores se dividiam em norte e sul a partir da entrada, depois faziam uma curva de noventa graus para o oeste, indo até pontos sem saída. Em outras palavras, passar de um lado ao outro exigia cortar caminho pelo banho ou pela cozinha.
— Entendi… Então as únicas coisas que os Korloys e os Nachtoys compartilham são a entrada, o banho e a cozinha — murmurei.
«Kio» rapidamente acrescentou.
— Na verdade, apenas os funcionários do hotel podem entrar na cozinha ou no depósito, e os horários de banho de cada família são rigorosamente divididos. Assim, os únicos momentos em que podem se encontrar são no saguão da frente.
— Aham… E quais são os horários de banho dos Korloy?
— Das nove até a meia-noite. E os Nachtoy, do meio-dia até as três. Das três às nove é o horário reservado aos hóspedes do hotel.
— E da meia-noite até o meio-dia?
— Esses horários são reservados para limpeza e troca da água.
— Ah, entendi.
Eu lembrava que o banho natural sob o Castelo Galey ficava aberto vinte e quatro horas por dia, mas talvez aquilo fosse uma exceção.
— De qualquer forma, se vamos invadir o quarto do «Bardun», a única chance será enquanto ele estiver no banho. Mas depois das nove… Isso vai ser uma longa espera…
Eram 18h20 no momento. Se «Bardun» só fosse tomar banho às 23h, seriam quatro horas e meia de espera, e as lutas noturnas da arena de monstros começavam às nove; precisávamos preparar nosso plano para a ALS e a DKB. Ia ser uma verdadeira corda bamba.
À minha frente, «Kio» murmurou, preocupada.
— Mas… «Bardun» terá guardas na entrada do banho enquanto estiver lá dentro. E a porta do quarto sete é visível dali. Vai ser extremamente difícil entrar sem ser notado.
— Ah…
Desanimado, voltei os olhos para o mapa do hotel sobre a mesa. De fato, a porta norte do grande banho dava direto no corredor perto do quarto de «Bardun». As duas portas estavam a menos de quinze metros uma da outra. Se os guardas olhassem para a direita, teriam uma visão perfeita de qualquer invasor. Nessa situação, o ideal seria fazer barulho na direção oposta para distraí-los, mas não havia como chegar ao outro lado do corredor. Alguém poderia conversar com os guardas para distraí-los, mas não conseguiria manter um papo tempo suficiente para o infiltrador encontrar o item e escapar sem parecer extremamente suspeito.
Resmunguei baixo na garganta, refletindo sobre o nosso dilema. «Kio» voltou a falar.
— Quando descem para o cassino ou para os estábulos, acho que eles não colocam guardas no corredor… Mas, a menos que algo extremo aconteça, duvido que «Bardun» vá sair deste andar hoje à noite.
— O que contaria como "extremo"?
— Bem… Se outro ladrão fantasma como você atacasse, por exemplo, ou se houvesse um tumulto no cassino…
— Entendi.
Talvez eu precise voltar aos estábulos dos Korloy e fugir com o Giant Pincer Rat desta vez, pensei, desesperado. Mas descartei a ideia tão rápido quanto surgiu. Eles claramente reforçaram a segurança, e os Korloy já tinham visto meu rosto, então, se eu fosse pego, seria um desastre total. Talvez causar uma cena no cassino fosse a única opção…
— A propósito, que tipo de confusão faria «Bardun Korloy» sair correndo do quarto? — perguntei, talvez inocente demais. «Kio» pensou por um momento.
— Pelo que lembro, «Bardun» já desceu para resolver situações quando houve uma briga entre convidados por causa de trapaça nas cartas, quando uma criança rica viu um monstro na arena e teve um chilique dizendo que queria ele de estimação, e quando um hóspede com uma sorte absurda na roleta fez uma aposta gigantesca.
— Aha! — proclamou Argo. — Kii-boy, A-chan, e se vocês forem até o cassino e começarem uma briga daquelas, com porrada rolando no chão?
O assustador era que eu não sabia se ela estava brincando ou falando sério, então respondi com a maior seriedade.
— Talvez você devesse rolar no chão da arena gritando "Compra aquele monstro pra mim! Compra aquele monstro pra mim!"
A informante e eu trocamos olhares firmes, cada um desafiando o outro a desviar primeiro. Asuna suspirou e interveio.
— Nenhuma dessas opções é garantida. Quanto à terceira possibilidade… «Kio», o grande prêmio não precisa ser, necessariamente, na roleta, certo?
— Certo. A única preocupação de «Bardun» é o cassino perdendo dinheiro… Digo, perdendo a renda dele. Seja com cartas, dados, tanto faz — ele fica muito incomodado com apostadores ganhando milhares e milhares de fichas.
— Aham…
Asuna olhou para mim. Balancei a cabeça rapidamente.
— Você está sonhando se acha que a gente consegue ganhar de propósito em algum desses jogos de cassino. Se isso fosse possível, eu não teria…
Tive que me segurar para não revelar o que aconteceu comigo no beta teste. Mas Asuna entendeu a indireta e continuou de onde eu parei.
— Eu sei, eu sei. Mas, embora a roleta e os jogos de cartas talvez estejam fora de questão, tem um lugar onde dá pra ganhar até certo ponto com uma aposta garantida.
— Hã? — arregalei os olhos. Do outro lado de Asuna, «Kizmel» assentiu com sabedoria.
— Ah, você quer dizer a arena. Segundo o que disseram, as quatro primeiras lutas da noite vão seguir o que está na ficha, não é? Então, se eles colocarem todo o dinheiro… Perdão, todas as fichas, talvez consigam acumular ganhos grandes o suficiente para chamar a atenção de «Bardun».
— Ah… certo…
Parecia que a IA de «Kizmel» não só era mais inteligente e tinha uma memória melhor que a minha, como também estava me superando na imaginação.
— É verdade, é uma opção muito mais prática do que tentar a sorte na roleta — admiti. — Mas a ALS e a DKB ganharam mais de cinquenta mil fichas nas quatro lutas de ontem à noite, e «Bardun» nem apareceu. Então ele deve estar preparado para ganhos dessa magnitude. Acho que a gente teria que ganhar pelo menos mais cinquenta mil para tirá-lo do quarto… Mas já vai ser difícil o bastante convencer Lind e Kibaou a apostarem em monstros diferentes. Como vamos convencê-los a aumentar as apostas?
Mesmo com habilidades de comunicação dez vezes melhores que as minhas, duvidava que minha parceira desse conta disso. Mas Asuna apenas balançou a cabeça e disse, para meu total choque.
— Nós não vamos forçar a ALS e a DKB a apostarem mais. Nós vamos fazer as apostas. Quantos col você tem agora, Kirito?
— O quêêê?!
Foi tudo que consegui fazer para não gritar. Em vez disso, minha boca ficou aberta, muda, por alguns segundos.
— Er… bem… Se eu vender todos os meus itens extras, talvez consiga cem mil col…
— O mesmo comigo, então. Podemos juntar duzentos mil col, o que dá duas mil fichas, certo? As probabilidades na arena variam entre um ponto cinco e três para um, então, se usarmos a média de dois pontos três para um, vencendo quatro lutas seguidas apostando tudo, conseguimos mais de cinquenta mil fichas, igual aos outros. Se três pessoas apostarem alto na luta final, você não acha que isso chamaria a atenção de «Bardun»?
— Bem, suponho que sim…
Mas, apesar de concordar, ainda não havia como saber quem venceria a luta final. Se todos perdessem, Lind-Kiba perderiam algo em torno de vinte mil col no total, entre ontem e hoje — mas nós perderíamos tudo. E mesmo se vencêssemos, só conseguiríamos trocar pelas recompensas do cassino, e era bem improvável que conseguíssemos vender os itens depois para recuperar o valor.
Claro, eu não queria economizar quando se tratava de salvar a «Nirrnir», mas se a falta de fundos nos impedisse de atualizar nossos equipamentos ou reabastecer os consumíveis, isso poderia colocar a vida da Asuna em risco…
— Eu posso pagar cinquenta mil col também.
Em choque, virei na direção da pessoa que fez a oferta: «Kio».
Mas ela entendeu errado minha expressão, porque desviou o olhar e murmurou.
— Me envergonha que isso seja o máximo que posso fazer, com a vida da minha lady em jogo… Mas essas são todas as minhas economias, guardadas ao longo de dez anos de trabalho. Claro, há uma quantia inimaginável trancada nos cofres da família Nachtoy, mas só Lady «Nirrnir» pode abri-los.
— N-Não, não, é o contrário! — insisti, tentando corrigir o mal-entendido. — Eu não achei que cinquenta mil fosse pouco; estava preocupado que fosse demais… Digo, se errarmos na última luta, vamos perder tudo, e mesmo se vencermos, você não vai recuperar o valor original…
— Perder meu dinheiro não significa nada para mim. «Huazo» e eu poderíamos servir pelo resto da vida de graça e ainda assim não pagaríamos a dívida que temos com Lady «Nirrnir».
Eu não entendi muito bem o que ela quis dizer com aquilo no início, mas a expressão no rosto da «Kio» deixou claro que ela não queria responder mais perguntas sobre o assunto, então reprimi minha curiosidade.
Asuna me deu um leve aceno de concordância; parecia eticamente questionável permitir que uma NPC confiasse cinquenta mil col a um jogador, mas, se recusássemos, «Kio» só ficaria ainda mais abalada, já que já estava se culpando por não ter impedido a cobra venenosa.
— Tudo bem. Seus cinquenta mil col vão nos ajudar muito. Obrigado.
Asuna e eu fizemos uma reverência profunda em sinal de gratidão, mas isso pareceu deixar «Kio» desconfortável. Ela insistiu.
— Por favor, levantem suas cabeças. Eu é que deveria estar agradecendo a vocês.
— Mas...
Estava virando uma competição de reverências em volta da mesinha de centro.
— Tá bom, já chega — disse uma terceira pessoa, jogando uma bolsa cheia de moedas sobre a mesa, do tamanho de um punho, que tilintou ao cair. — Eu vou entrar nessa aposta também, Kii-boy. Aí tem cinquenta mil.
— Hã? — Ela apontou o dedo direto pro meu nariz.
— Mas é bom que você ganhe, entendeu? Assim, além de atrairmos o «Bardun», também conseguimos aquela espada. Dois coelhos com uma cajadada só!
Não vai ser nada fácil! pensei. Mas agora que todos estavam na mesma página, não podia dizer isso em voz alta. Tudo que consegui fazer foi assentir em silêncio.
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