Torneio da Corte Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 34: Desafio

O apito soa, a batalha começa.

— E QUEM FAZ O PRIMEIRO MOVIMENTO — brada Gaojung — É KAON!!!

O rapaz corre com o corpo inclinado à frente, se impulsionando constantemente em um ritmo notável.

Traçal não se mexe, observando o oponente frear por perto e, em seguida, fazer fintas com as ameaças de investir para algum de todos os lados; inúmeras imagens residuais são criadas. Com o tempo devagar na sua perspectiva, os olhos do robusto seguem a posição real do Kaon.

Existe uma linha imaginária entre os dois, indo do chão ao céu. Independente de quantas fintas sejam feitas, nenhuma a ultrapassa — ao menos — até agora: a perna esquerda do Kaon alcança a terra à frente, impulsionando o punho direito num balanço súbito, hachurando sua silhueta pela velocidade imposta no ataque.

A linha é rasgada, o ataque segue no rumo do umbigo do oponente. A resposta é imediata, Traçal tira a mão do bolso, jogando-a com a palma aberta contra o rosto do Kaon, sentindo certa surpresa ao atravessar apenas o nada com o balanço. Há uma circunferência de vapor no seu antebraço, justamente na direção em que Kaon se encontra, uma próxima de beijar o chão.

Ao abri as pernas ao limite, fixa uma base forte o suficiente para resistir a força da investida para baixo. Ainda é cedo para ficar em cheque. 

Enquanto recupera sua postura, Kaon vê um joelho achegar-se da sua face; um círculo de vapor surge na lateral do membro, o rapaz surge rolando para o lado ao invés de ser estourado pela joelhada. Por saltar com muita força, fica preso em uma posição difícil de se levantar, uma oportunidade de atacar que Traçal não desperdiça.

O sorriso largo volta a ser estampado. O robusto lança a palma direita contra o oponente recém erguido, que reage girando o corpo no momento do impacto para reduzir o impacto; um baque pesado soa, a guarda dos braços colados no peitoral é amassada. Mesmo com a força dispersada, o dano é o suficiente para fazê-lo voar longe, acertando o solo uma vez antes de despencar perto da parede como um boneco.

A poeira levantada se dissipa lentamente enquanto o público está estarrecido com a sequência de eventos, não sendo exceção para os narradores:

 — Um toque foi o suficiente para o jogar tão longe?! O que está acontecendo?!

Após um estalo de língua o sorriso largo do Traçal se desfaz. Ele se vira um pouco para ter o oponente no campo de visão, vendo tal se erguer com empurrões desengonçados.

— Qual o seu problema?! — reclama Traçal, voltando a pôr a mão no bolso. Ele caminha no rumo do Kaon. — Ainda não percebeu que sua velocidade não é boa o bastante para enganar meus olhos?! 

Kaon retoma sua postura de batalha. Os gritos de alguns na plateia estão estressados, pedindo o fim do combate pelas mãos do robusto seja feito logo.

— Seja do Ury ou Omnislai, você não tem sequer metade da velocidade deles! Essa sua técnica de se empurrar para longe usando o corpo do adversário é só um truque fajuto, não vai mais funcionar!

Apesar das palavras dele, o rapaz inspira fundo e restabelece sua postura, partindo para outra investida. Seu soco reto atravessa a imagem residual do Traçal, que está atualmente ao seu lado, descendo o punho cerrado igual um martelo; uma circunferência de poeira surge no chão, Kaon ganha mais velocidade, evitando o ataque que explode a terra.

Pelo aumento de velocidade, Kaon cai rodando pelo chão, freando em pouco tempo para se erguer. Antes que pudesse respirar, depara-se com a palma do adversário se aproximando em alta velocidade da sua face, forçando-o a reagir imediatamente com o giro de dispersão. É a lateral do seu peitoral que é afundada por ter se levantado; tudo clareia num estouro circular que pulveriza a dianteira do seu tronco, tirando-lhe os sentidos sobre essa parte da sua carne.

Rapidamente as cores se tornam em um amontoado de borrões circulando junto das centenas de luzes puxadas. A cara do Kaon acerto o chão, tingindo sua visão com um total negro por um instante, mas só por um, voltando a rolar várias vezes pela força do impacto. Barulhos altos soam a cada batida no chão dos seus membros; poeira e gotas vermelhas se espalham conturbados.

Uma visão que espanta o público, fazendo-os soltar gritos desconexos com movimentos involuntários.

Kaon finalmente para de rodar, ficando estirado de frente ao chão próximo novamente do muro, já um companheiro.

— Ah! Fala sério! — grita Traçal, indo em direção dele. “Eu tinha colocado força suficiente para te nocautear ali! O que esse bastardo quer?! Essa demonstração de superioridade não é o suficiente, Kaon?! Você é esse tipo de tolo?!”

O citado se levanta com dificuldade. Cospe sangue para o lado, expondo o estado do rosto, que, apesar de sujo e com sangue escorrendo pelo alto da testa, segue com uma expressão impassível.

“Esse corpo cheio de cicatrizes fala muito sobre o que já enfrentou…” Traçal para no centro da arena, focando-se em suas considerações: “Conseguiu derrotar Holpos e aquele outro que não lembro o nome, e ambos tinham uma quantidade considerável de aura e habilidade. Com certeza não foram os primeiros, não é? Hahaha… Por colocar sua vida em risco já deve ter derrubado mais lutadores com esses truques. Puramente armadilhas criadas do refinamento das suas habilidades, truques aos quais confia profundamente. Nesse caso…”

Traçal eleva os braços para os lados com os dedos espalhados. Fecha-os subitamente no enrijecimento dos músculos, ressaltando várias veias pela face e os membros. Os fios cedem, a camisa rasga, estourada em trapos para o ar, dando lugar aos músculos sobressalentes, O sorriso largo retorna, um destaque branco — como os olhos — na escuridão que se resume a sua presença hostil.

“…não é só sua velocidade, força e técnica; também preciso derrotar o seu orgulho para que desista! ‘Um homem com pouco é forte, um homem com nada, também é nada’! Só um passo separa esses dois estágios, e o farei dá-lo!”

Mesmo não sendo a primeira vez que as arquibancadas veem o físico do Traçal, a situação em que se expõem as fazem ficar nervosas sobre o futuro.

— Ele está pensando em levar Kaon a sério?! — fala Malena. — Como chegou a isso após a diferença de nível nas trocas ter sido tão clara?!

— KAON!!! — vocifera Traçal, calando a todos. — Te darei apenas uma chance!!

Ele bate com a palma no peitoral.

— Te deixarei me acertar uma vez, prove que pode ferir esse corpo! Se não puder ao menos isso, terá que desistir! Afinal vai estar provada a futilidade dessa luta!!

As palavras reverberam pelo local, embasbacando a todos. Nenhuma voz, nenhum barulho, nada ousa se propagar.

— ESTOU OUVINDO DIREITO?!! — grita Gaojung, com sua voz surgindo retornando junto das arquibancadas, estremecendo o estádio com suas empolgações. — UM DESAFIO FOI LANÇADO!!!

Após tempos do início do pandemônio, a voz do Holliver surge no telão, roubando a atenção de todos, dizendo:

— É uma boa oportunidade. (...) Vamos, não fiquem tão surpresos, desde o primeiro dia eu poderia intervir pessoalmente se fosse necessário. Enfim, independente do que digam, essa luta é algo que gerou transtornos até para os meus padrões relaxados, então… porque não confirmar se isso pode ser mesmo uma luta?

Kaon não chega a retomar a postura de luta, olhando para o alto, escutando.

— Se ele não demonstrar resultados ao aceitar o desafio, estará desqualificado para continuar. Porém, apenas se aceitar. Vocês estão permitidos a serem desonestos, e, independente de qual lado for, o confronto seguirá da mesma maneira apesar de algo como uma trapaça. Isso é tudo.

A transmissão da voz acaba. Kaon desce o rosto, vendo o ânimo escancarado do oponente, que tem dificuldades para conter o riso.

— Vou te mostrar a diferença colossal de 800 II bem usado — anuncia Traçal. — Não ouse me comparar aos amadores miseráveis que já derrubou! 

 

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No andar VIP, seja no salão escuro ou de apostas, os cochichos dominam os ambientes.

— Apenas o que é essa situação?... — comenta Unsai.

— Holliver já fez intervenções mais invasivas no passado — diz Shinsai —, essa não foi grande coisa. Se for provado que o estilo dele é totalmente ineficiente, então isso deve acabar. Eu concordo com isso, soa lógico.

— Tch! Se o cara que me derrotou for eliminado assim — fala Holpos —, minha moral vai ser pisoteada igual merda na calçada! Que droga!

Omnislai e Humine estão pensativos, a mão do segundo fica firmada no queixo. Com o passar do tempo, diz:

— Não consigo deixar de ficar impressionado, é basicamente um milagre alguém com pouca aura ter demonstrado tanta eficiência, não achava sequer possível derrotar outro lutador com uma diferença maior que 200 II.

— Não é a primeira vez e nem será a última em que pessoas como ele nascem — começa Shinsai —, se tiverem prestado atenção nas suas aulas de história de quando estudavam, existem citações de homens com pouca aura que serviam como treinadores de soldados ou assassinos, e também os que eram duelistas. Pegarei de maior exemplo: “Noorbio Gholu, o homem com apenas um fio de aura”, ou melhor, “o homem com apenas 1 II”. Seus duelos são um marco da literatura nos países do norte, havendo diversas romantizações dos registros sobre seus triunfos contra inimigos com aura o suficiente para romper paredes de tijolos e pontes de toras de madeira.

— Então o senhor está insinuando que Kaon pode ter chance contra o Traçal? — indaga Kimai.

— Os inimigos de Noorbio realizaram aqueles feitos com dificuldade, e nos confrontos sempre ficou escancarado os problemas gerados pela diferença gritante de aura. O que é quebrar uma parede de barro em comparação a uma de concreto? Eles não podiam fazer isso, mas Traçal pode.

O grupo fica mais apreensivo com esse último comentário.

— Ele é tão devastador quanto “Lunpou”, o homem que matou Noorbio com um soco, um poderoso o suficiente para o escritor do registro escrever: “A metade superior do corpo do Noorbio deixou de existir”, ou seja, foi dilacerada ao ponto de só sobrar sangue.

— Eh?... Uma história assim é popular? — comenta Unsai.

— Sim, é interessante as estratégias que Noorbio usa em cada campo de batalha, literalmente usando tudo ao seu favor para vencer. Mas, o seu principal recurso se tratava dos contra-aura, que é a principal similaridade que Kaon tem com ele: induzir os adversários a focarem força ini onde não serão atingidos, o que diminui severamente suas resistências onde serão.

— Entendo onde quer chegar — diz Humine.

— Sim… o motivo do Noorbio ter perdido contra Lunpou, foi porque sua arma não podia machucá-lo e seu corpo não podia competir com ele em nenhum aspecto. 800 II é simplesmente versátil e avassalador demais.

 

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O narrador chama a atenção do público para a arena ao ver Kaon andando. Apesar da algazarra ao redor, seus passos soam com destaque, colocando-o cada vez mais próximo do ponto decisivo do seu destino: Traçal.

— Ei… — fala Kaon.

— Hã?!

— Devo agradecer a você por essa oportunidade.

— Hahahaha! Como é?!

— Eu também queria saber… “Sou fraco? Ou sou forte?”, essa situação é apropriada para finalmente conseguir uma resposta. Isso será uma boa referência.

— Bom, tanto faz. Leve isso como a experiência que quiser, apenas vamos terminar isso logo. Venha, “Noorbio”!!

— Huh? Quem é esse?

— Hahahaha! Ninguém relevante, só um cara que se deu mal!

— Entendo. Mudando de assunto… Traçal… tem consciência do porquê do Omnislai não ter te afundado em uma poça de sangue?

— O quê?!...

Kaon pula, ficando a alguns centímetros do solo, acompanhado das gotas do seu suor, que sobem lentamente devido a irregularidade na passagem  do tempo — uma prisão de eternidade. Ele vê que o ambiente perde boa parte da intensidade das cores, com exceção dos olhos do adversário, que estão presos a ele, analisando por inteiro a sua movimentação.

Quando seus pés tocam no chão, Kaon investe com um impulso, lançando-se num mundo de luz, unindo-se a ele. A terra estoura no pousar do seu pé direito, rodeada por traços do vento; Traçal está com o punho para trás, liberando-o para um balanço lateral.

Kaon está caindo para o lado. A perna esquerda pousa, deslizando pela terra até se firmar como uma rocha; a força gerada da queda, articulações e músculos é concentrado na perna direita.

O rapaz colide em uma barreira de água, banhado no atravessa, saindo refrescado, e, com os olhos vidrados em uma luminosidade que os ofuscam, afundado-os para o seu território sereno… que poucos podem estar.



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