Trindade Vital Brasileira

Autor(a): Vitor Sampaio


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 11: A Nova Esperança

— Saia do caminho, arqueólogo!!! — O grupo de soldados ficou de prontidão para atirar.

— Olha só… — Sagna abriu um sorriso irônico. — Parece que vocês me reconheceram.

Na frente da entrada da ruína, Sagna se encontrava em uma emboscada. Dezenas de guerreiros apontavam as armas para o professor careca, o que de forma alguma o intimidaram. Entretanto, ele estava com as energias praticamente esgotadas, o sacerdote com quem lutara não era um combatente qualquer.

Fraquejado, tentou criar uma parede neutralizadora para utilizar de escudo e conseguir adentrar no santuário destroçado.

— Que saco… — reclamou Sagna, que não obteve sucesso na sua proteção.

— Suma!!! — Eles liberaram projéteis explosivos e de fogo.

As balas rasgaram a atmosfera em busca do seu alvo. De repente…

— Não passarão!!! — Vion cria um muro extenso de rochas duras como aço, que separou o Sagna do batalhão.

A resistência é gerada em uma velocidade que quebra a barreira do som, o que possibilitou o impedimento do impacto ceifador.

— Ai… como eu adoro fazer isso! — A professora surgia dos entulhos das casas de pedra ao lado, com o cabelo liso dançando no ritmo da chuva.

— Nossa… você até que foi rápida ‘pra salvar seus queridos alunos. — Sagna a fitou.

— Eu sou prática, meu carecão. E… bom, pelo o que eu ‘tô vendo, ‘cê ainda não conseguiu ver o seu aluno, não é?

— Pois é… — Ele coçou a cabeça. — Eu tive um probleminha no meio do caminho. — Sagna apontou para o ancião que derrotou, que estava jazido nas poças.

— ‘Cê só pode ‘tá de brincadeira… — Vion esvaziou seu estoque de risada. — Um pranamentor, Sagna?! É sério que ‘cê teve problema com isso?!

— Esse aí era dos fortes, Vion…

— Cara… — Vion nunca foi tão risonha. — ‘cê não ‘tá numa fase boa mesmo, hein?

— Cala a boca… — Uma gargalhada escapou de canto.

Enquanto os dois se descontraíam, os estrondos vibravam nos arredores. A tropa descarregava o pente para derrubar a muralha e atravessá-la.

— E aí… ainda quer que eu vá atrás do Lotus? — indagou Sagna.

— A essa altura, o Vital já deve ter obliterado ele — respondeu Vion. — Aquele moleque idiota… o que ele achou que ia acontecer? — praguejou. — Aff… Enfim, me dê cobertura ‘pra sairmos daqui com vida. Precisamos voltar ‘pra San Garch, nosso país.

— Tudo bem — assentiu. — Vamos ser breves então.

Em instantes, o braço de Vion petrificou e suas costas irradiaram uma luz alaranjada. Em um movimento brusco, ela desfere um soco potente na própria divisória que levantou.

— Pedrinha, pedrão!!! — bradou a arqueóloga.

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Aviões pairavam nos ares como águias famintas, navios estavam fincados no chão semelhante a uma árvore carnívora — espécie de fusão entre uma árvore e uma planta carnívora — analisando bem a sua presa.

— Eles vão afundar o litoral… preciso ser rápido — disse Rudá.

O ancião dos trovões permanecia de pé perante o horizonte tempestuoso. Os relâmpagos iluminavam suas rugas e as gotas se escondiam nas dobras da face. Encarava seriamente as ameaças que horrorizavam o cenário. Lotus, por sua vez, prostrava de joelhos no solo rochoso, ofegante como um viajante exausto no deserto.

De volta ao mundo normal, questionamentos rondavam na mente do jovem.

— Ainda estamos aqui?! — Ele olhava para as duas manoplas.

— Não passou nem dois segundos na realidade, garoto. — Rudá olhou para ele, com uma postura soberana.

— Como assim?! Então tudo aquilo aconteceu em menos de dois segundos?!

— Espaço e tempo diferentes. Sua mente mergulhou em outro plano — disse Rudá. “É impressionante o espírito dele não estar quebrado… dificilmente alguém aguenta passar por isso sem ter um colapso.”, pensou.

Surpreendido por toda experiência árdua ter sido apenas um sonho e, ao mesmo tempo, um pesadelo, Lotus agradecia mentalmente por ainda estar inteiro. As luzes das aeronaves que entravam em contraste com o gotejar, enaltecia a beleza da sua pele parda.

Subitamente, um rangido metálico ecoou por todos os cantos. As artilharias dos titãs das águas e dos ares foram alvejadas para a plataforma circular. No meio do cano delas, uma esfera de plasma azul claro ofuscava gradualmente a visão dos veículos.

“Se eu não fizer isso, tudo aqui vai ser desintegrado… eu realmente não tenho outra escolha. Ele já entendeu a mensagem que eu queria passar.”, Rudá aceitou cognitivamente.

Passos catastróficos tremiam o barco ceifador. Os inúmeros armados se preparavam para somar com a potência do laser de cor de um céu limpo. Rudá repudiava com determinação, não pretendia deixar a ação sem uma reação.

— Vital da Tempestade! — Uma voz grossa reverberou de um imponente megafone. — Entregue a Pirâmide Vital da Tempestade ou afundaremos o Doom Stormbolt!!!

Descargas elétricas simularam um dia ensolarado; a vociferação da tempestade tamborilou os tímpanos de cada ser vivo na região; e os ventos rasgavam até a mais dura peça de ferro.

Com toda a vitalidade, Rudá Tlaloc grita por todos que protegeram o poder da Pirâmide Vital da Tempestade.

— Nunca!!! — Trilhões de volts irrompem das nuvens negras e incineram os veículos de guerra.

O branco infinito engoliu a visão dos presentes na situação; a chama emanou dos automóveis como uma fogueira que recebeu gasolina; e os aviões de caça cambalearam até os mares.

Ao redor de Lotus e Rudá, uma corrente aquática os cercaram enquanto girava drasticamente. As extremidades dela passaram a atrair toda a eletricidade dos céus e das que estavam escondidas no solo de pedregulho.

Com os pés pressionando a superfície e as mãos pressionando os quadríceps, Lotus se reergueu lentamente, trêmulo como alguém com o mais puro temor. De pé, meneou a cabeça por todo o círculo que os rodeava.

— Lotus… — chamou Rudá.

Lotus o fitou, com as sobrancelhas arqueadas.

— Lembre-se, você escolheu esse destino. — De imediato, Rudá mergulhou ambas as mãos nos ombros molhados do jovem.

Como um falcão a caçar, o perigo indígena da Voquinity com suas duas pistolas prorrompeu da atmosfera prestes a fuzilar o Vital e o bombado.

— Pare!!! — Ele angulava perfeitamente as ambas coletoras de vida.

A um milímetro de puxar o gatilho, Rudá abriu as palmas e o prendeu no sobrevoo com as algemas do vendaval. Os dedos do infrator eram empurrados para trás, como se alguém o impedisse de aniquilar o universitário e o idoso.

Inconformado com a decisão do Rudá, o marginal praguejou:

— Por que ‘cê ‘tá fazendo isso?! E a sua promessa?!

A expressão aterrorizante do senhor das tormentas causava calafrios no corpo do 

criminoso. Analisou bem a postura veemente do vodariano de revólveres duplos e, logo depois, foi direto e grosso.

— Não me atrapalhe.

O braço do Rudá correu da direita para a esquerda, decepando o oxigênio. Na mesma ocasião, o procurado foi erradicado do litoral de La Esperanza e cruzou o ponto que separava as areias do vasto oceano.

Em seguida, o jovem e o velho índio deixavam o solo para trás gradativamente, começaram a levitar perante o banho celeste. A aura marinha abaixo acompanhou o voo, o que fez as águas se entrelaçarem até o topo, semelhante às cobras exercendo a coreografia do acasalamento.

Repentinamente, uma esfera aquática os envolve aos poucos, gerada por ondas capazes de sustentar a energia de uma cidade por décadas. Atônito, Lotus não compreendia o que vivenciava. Mas, suspeitava que, em breve, nada seria como antes.

Pela escadaria com os hieróglifos, Jules Maxim disparava em direção a linha que segregava o corredor e a plataforma circular. Após ter sobrevivido a uma gravidade intensa, ele salivava com a sede de assolar os planos do Rudá.

— Eu não vou permitir, Vital!!! — A capa cinza e sangrenta já havia ido desbravar os nimbo-estratos. — Me proteja, Reflect Screen! — Ele ativou seu tonabless, que refletia os impactos letais através de uma barreira psíquica.

As viaturas de confronto estavam quase totalmente reconstruídas, graças ao sistema de restauração da Voquinity, o Voptech. A picotecnologia reestruturou a fortaleza belicosa e dissipou a cremação das peças.

— Prepare-se — falou Rudá.

A orbe aquática os englobou e, estipulado, o idoso cravou suas palavras na mente do universitário.

— Não!!! — Ensopado e firme na base redonda, Jules guiou o prana alaranjado até o braço e lançou uma rajada repulsiva, que não surtiu o efeito esperado.

Inesperadamente, um raio fendeu a atmosfera e devorou o globo oceânico, o que encenou uma lâmpada que poderia iluminar a nação inteira.

— O quê?! — Vion meneou velozmente a cabeça para trás.

— Não acredito… — Sagna quase se cegou com a ascensão do trovão.

— Surja, Pirâmide Vital da Tempestade! — bradou Rudá.

Abruptamente, uma enorme pirâmide manifestou-se e ingeriu toda a área que Rudá e Lotus permaneciam de pé. A ventania rugia como um esquadrão de leões; a tormenta irrigava o triângulo colossal; e os relâmpagos esmagavam a ponta, que atuava como um para-raio e escoltava a eletricidade para as laterais.

Os gigantes bélicos mutilaram o destilar do temporal com seus lasers dizimadores, prestes a evaporar o Vital. No entanto, a pirâmide emergida arcou com o dano catastrófico seguido por uma explosão, nos quais não resultaram em um mero arranhão.

Por muito pouco, Jules não foi digerido pelo monstro piramidal, ficando bem na ponta da entrada e se apoiando nas paredes.

— Droga!!! — berrou.

Do outro lado, os professores mudaram inopinadamente de plano.

— Sagna!!! — rogou Vion, enquanto batalhava com desvantagem numérica. — Vai atrás dele!!! Eu me viro aqui com eles!!! — Ela criou um muro que impedia com que os soldados prejudicassem o arqueólogo. 

— Beleza!!! — Ele disparou para o oratório.

Do horizonte, mais aeronaves chegavam para reforços, equipadas com metralhadoras e mísseis-furadeiras — detonadores capazes de penetrar em um artefato até um ponto específico e explodir de dentro para fora. Sem enrolação, fuzilaram desde longe a pirâmide.

— Vocês vieram muito tarde! — reclamou Jules, com a boca próxima ao seu pulso. — O processo de transferência já está acontecendo!!!

— Você não foi capaz de impedir com que um garoto fosse atrás do Vital! — retrucou um homem na chamada. — E ainda quer colocar a culpa em nós?! Vai a merda, seu imprestável! — Ele desligou na cara.

— Seus cretinos!!! — gritou. — Maldição… não posso permitir que esse moleque saia com vida! Terei de fazer isso sozinho!

Revoltado, Jules libertava sua fúria nas paredes, desferindo chutes e socos em nome da sua raiva.

Durante o tempo que os ataques sucessivos aconteciam do lado externo, dentro da pirâmide, um mundo azul agitado pelos trovões, cachoeiras e furacões inundavam a visão do Lotus, que levitava no centro do lugar. Rudá, por sua vez, perseverava-se flutuando diante do jovem.

— Onde estamos?! — indagou Lotus, olhando em volta.

— Na divisão de eras da sua vida — disse Rudá.

— O quê?!

As linhas sinuosas azuis da pele do Rudá, começaram a ser sugadas pela palma da sua mão, tal qual estava aberta na frente de Lotus. Pequenos raios formaram uma pequena pirâmide de bordas azuis claras e de fundo azul escuro. O brilho escaldante ofuscava o cenário e minimizava a pupila do jovem.

— Lotus, essa é a Pirâmide Vital da Tempestade. O vodariano que absorvê-la será capaz de moldar as águas, liberar furacões e criar os trovões — falou. — Durante toda minha vida, eu a protegi com toda minha vitalidade e, de certa forma, usei para o bem de Voda.

Lotus desacreditava que, o que se desenrolava, era real.

— Eu realmente acredito que você entendeu o porquê esteve no Refúgio de Amochiom. Confiarei em você para seguir com o desejo dos nossos ancestrais.

— Não pode ser…

— Não deixe Voda cair em um abismo. Interrompa os desastres naturais para que não engulam o planeta. Não permita que forças maiores derrotem o nosso povo.

— Por que… está me escolhendo… para isso? — Mesmo que fosse sua ambição se tornar um Vital, estava atordoado com as circunstâncias. 

Rudá abriu um sorriso de canto.

— Porque Voda precisa de uma nova esperança.

Nos atos finais de sua vida, Rudá proclamou a frase que esperou dizer durante toda sua vida.

— Itaque homo discet facere maria, procellas et tonitrua! — “E assim, o homem aprenderá a fazer mares, tempestades e trovões!”.

De súbito, águas, tufões e relâmpagos foram expelidos pela Pirâmide Vital da Tempestade e invadiram o corpo do jovem. Bramidos alarmantes do bombado acompanharam o arremesso do pescoço para trás.

O artefato triangular sumia gradativamente e passou a compor a estrutura física do Lotus, criando uma simbolização nas costas, que era como uma tatuagem.

— Lhe darei o restante do meu prana ‘pra você conseguir lutar — prometeu Rudá, próximo a se despedir do planeta.

A eletricidade banhou as veias do jovem e tornaram os seus olhos reluzentes como um farol. Rilhava os dentes em resposta aos volts que o queimava internamente.

— Lotus… seja o que Voda precisa. — disse Rudá, como suas últimas palavras.

Rudá passou a se desintegrar em meio ao processo de transferência. Suas partículas se misturavam com as cascatas poderosas e se esvaíam com a corrente de vento. Descansaria em paz para sempre dentro da pirâmide, que seria como seu caixão.

Ao puxar toda a energia da Pirâmide Vital para si, Lotus Sutol se acalmou e, em seguida, bafejou, liberando seu primeiro oxigênio como um Vital.

De repente, um núcleo elétrico se forma na sua frente e, sem sucesso em se prevenir, Lotus foi ejetado para fora da pirâmide com uma explosão cataclísmica, passando pelas cachoeiras e triturando os blocos de material desconhecido, o que resultou em uma abertura para os céus.

Abaixo das nuvens escuras e lavado pela chuva, ele iluminava as sombras com os raios que passeavam pela sua carne. Todos ficaram perplexos com a cena que dominava as visões.

— Ah não… — murmurou Jules.

— Ele realmente se tornou um… — começou Sagna.

— ...Vital da Tempestade — terminou Vion.

Enquanto sobrevoava, sentia-se parte dos fenômenos naturais de Voda.

— É como se eu fosse… a própria tempestade!



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