Trindade Vital Brasileira

Autor(a): Vitor Sampaio


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 4: A Revolta do Povo Fiel

Sagna! Os ombros de Vion petrificaram e ficaram pontudos. — Será que os vagabundos da Voquinity estão agindo?

— Provavelmente. — Sua careca respingava as gotas da chuva enquanto corria. — Rudá já está com o pé na cova, não irão perder a chance de usurpar seu poder!

Sagna e Vion percorriam o caminho que Lotus uma vez enfrentou. Descobriram rapidamente a técnica do pulo, tal qual não os surpreenderam. A rigidez dos passos de Vion deixaram marcas de pegadas no chão, a sola tratorada de sua bota lamacenta não tinha piedade da superfície.

Os destroços das casas e corpos imóveis já faziam parte da rua, como se ela tivesse sido moldada com essa intenção. A tormenta desfazia o delineado cor de safira da professora, enquanto conservava os habitantes sem vida com a água congelante.

O óculos de Sagna já havia ido procurar outro dono, há muito tempo tinha sumido. Entretanto, ele o usava apenas para manter uma aparência intelectual, não necessitava exclusivamente dele para enxergar.

— Me… ajuda… — Um dos alunos estendeu a mão enquanto jazia no chão, entulhado por madeira.

À frente dos arqueólogos, um estudante banhado na lama agonizava de dor. Era o único corpo debilitado que possuía um sinal de vida. O sangue escorria da sua nuca como lágrimas fluindo na face de um adolescente. Sem pensar duas vezes, Vion e Sagna cessaram para tirá-lo dali.

— Guilherme! — gritou Vion ao disparar na direção dele. — Merda!

Escombros de uma construção escondiam metade do corpo magro do jovem, o que impossibilitava ele de respirar adequadamente. A única força que tinha era para tossir e avermelhar o solo próximo à sua boca.

— O que aconteceu?! — Ofegante, ela alçou a madeira que o prendia. 

— Eu… fui… atacado… 

Após jogar a tábua gigante para longe, Vion foi para perto do rosto dele e agachou. Suas mãos de pedra levantaram seu queixo e acariciaram o cabelo encaracolado.

— Eu não sinto… minhas pernas… — Guilherme tentava incessantemente falar.

— Não se esforce! — ordenou Vion.

— Quem fez isso com você? — indagou Sagna, ao se abaixar para ouvir-lo.

— Uma pessoa… com uma capa cinza e sangrenta! — Um suor frio navegou por suas têmporas. — Ele destruiu tudo ao redor…

— Como ele fez isso?! — perguntou Vion.

— Eu não sei… — Ele se esforçava para dar informações. — Eu estava correndo e, de repente, ele se aproximou de mim… e… com aquele maldito braço luminoso, me lançou contra essa casa! Logo depois… ela desmoronou e… ele partiu.

Nesse momento, Vion e Sagna se entreolharam. Os detalhes que Guilherme forneceu fortificaram a teoria do envolvimento de carrascos.

— Eu…

— ‘Tá tudo bem, jovem. — Sagna abriu um leve sorriso. — Descansa sua voz.

Ambos os professores realçaram em meio a tempestade. Vion bafejou e começou a discutir uma estratégia com Sagna.

— Escute, irei procurar pelos outros estudantes e levá-los o mais rápido possível para algum hospital. Procure por Lotus e evite que o pior aconteça.

— Combinado, Vion. — assentiu Sagna.

— Seja lá qual for o inimigo, não tenha piedade — reforçou Vion. — Se eles tocarem na Pirâmide Vital, esse ciclo de matança irá continuar assolando nosso povo.

— Tudo bem. — concordou Sagna.

Então, ela apoiou Guilherme no trapézio e o segurou pelas costas. Seu ombro atuava como um muro de pedra para o universitário não cair. Vion não sabia como ia conseguir carregar todos os estudantes até o hospital, mas tinha certeza que não ia deixá-los para trás, mesmo tendo os considerado deveras idiotas por buscarem um poder tão absurdo sem nem se preparar.

— Te vejo no hotel, meu carecão! — disse Vion, ao fazer Sagna comer poeira com sua pressa.

— “Meu carecão!”, essa mulher… — Sagna soltou uma leve gargalhada.

Ela correu na rota oposta de Sagna e se contentou de que iria trilhar um verdadeiro labirinto.

— Obrigado… professora! — agradeceu Guilherme, antes de desmaiar.

— Devia pensar um pouco mais antes de tomar certas decisões! — Ela deu uma bronca.

Sagna seguiu adiante, disposto a confrontar o que desse e viesse. No entanto…

— Morra! — Mais um encapuzado de vestes cinzas surgiu nos ares, ao atirar uma onda repulsiva no professor.

O choque da rajada balançou os detritos no chão, o que os empurrou para trás. Porém, o arqueólogo permaneceu intacto, como se absolutamente nada tivesse acontecido. Abismado, o guerreiro pousou e paralisou todos os seus membros.

— O quê?! Mas… como?! Por que não voou pra longe? — Ele arregalou os olhos.

— ‘Cê acha que eu nasci ontem, né? — zombou Sagna, ao soltar uma risada desmerecedora.

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Com os braços apontados para Lotus e as pernas dobradas, o líder do grupo de soldados emergia nos ares após um salto imponente. Sua mão estava envolvida por um magnífico prana alaranjado, pronto para ser dispersado e aniquilar o jovem.

— Afunde na lama, moleque! — gritou.

O bombado deu uma explosão de aceleração rumo aos devotos, a fuga dominou a sua mente. Os residentes olhavam furiosos para Lotus e o verdugo, atrapalhá-los durante o ritual era o maior crime que poderiam cometer no Doom Stormbolt, a periferia das tempestades.

— Não, não, não, não!!! — Lotus suplicava por misericórdia.

— Logo hoje… — Galdino meneou sua cabeça para trás.

De súbito, enquanto todos repudiavam a presença de dois estrangeiros, um relâmpago azulado despenca das nuvens negras e atinge com força o capitão. O clarão cegou todos na área. Entretanto…

— Valeu, Vital. — sorriu sadicamente o comandante, enquanto um escudo esférico o envolvia ao absorver a descarga elétrica.

Protegido por uma égide transparente, ele não sofreu sequer uma queimadura do trovão. Pelo contrário, a energia cativada migrou para seu braço e fortaleceu drasticamente o ataque. O prana tornou-se uma mistura entre laranja e azul, como se o fogo e o gelo estivessem se fundindo.

— Desapareça, Doom Stormbolt! — Foram as últimas palavras dele antes de liberar a ofensiva.

Em meio ao vendaval, o guerrilheiro era como o planeta Netuno iluminado pelos raios de sol. Seu brilho mirtilo irradiava em todos os cantos da comunidade. Lotus parou e virou sua cabeça para trás. Em instantes, sua pupila contraiu com a intensa luminosidade.

Como um dragão violento, o guerreiro lançou com todo vigor a rajada de vento rumo ao jovem. A repulsão do disparo quase fez com que seus braços saíssem do corpo. Mas, ele não esperava que poderia ser interrompido por alguém.

— Não interfira! — O sacerdote, próximo à entrada do santuário, saltou e atirou um contra-ataque massivo que deslocou-se na velocidade da luz.

Com seu cajado de madeira, conduziu a eletricidade do céu e o incorporou com o mais puro plasma. Em seguida, semelhante a um batedor de beisebol, fez um robusto movimento e ejetou com toda potência o projétil de relâmpago.

Em um piscar de olhos, os dois golpes fatais se colidiram e causaram uma onda de choque avassaladora, jogando quase todos ali presentes contra a subida extremamente íngreme.

Aargh! — Lotus colocou os braços no rosto enquanto era ejetado rapidamente para direção de Galdino.

— Malditos pranamentores! — O carrasco também protegeu a face com os braços, porém ele não sofreu com as consequências da onda de choque.

O impacto destruiu as casas de pedra e dissipou os destroços; o estrondo assolou os ouvidos de todos; e os devotos receberam uma chuva de rocha, que mergulharam no crânio dos habitantes.

Lotus submergiu na costela do Galdino, que deu de costas com a subida. Logo após, ambos caíram no chão de bruços e gemeram de dor.

— Por que estão fazendo isso logo hoje?! — Galdino franziu a testa. 

O jovem não estava machucado o suficiente para encontrar o Vital, ele tinha que apanhar ainda mais. Além do seu ombro dolorido, agora suas costas eram como as de um idoso que as forçou a vida inteira.

A poeira cinza que pairou pelo ambiente ofuscou a visão de todos e, também, criou uma epidemia de tosse típica de alguém com alergia. O assassino aterrissou com determinação e expeliu a fumaceira à sua volta, que preenchia as manchas vermelhas da sua capa. Do topo, o sacerdote sentia-se como se estivesse no alto de uma montanha. O local abaixo era repleto de nuvens de pó.

— Eu não posso deixar eles encostarem na Pirâmide. — O líder batia as mãos nos ombros para tirar a sujeira. — A Voquinity subestima muito os vodarianos!

Aos poucos, o povo se ergueu em meio ao nevoeiro. Suas faces estavam coradas, elas borbulhavam de ódio por eles atrapalharem um momento tão sagrado; e as tosses eram como uma orquestra de hospital.

— Vocês vão pagar por isso! — gritou um homem.

— Não posso perder tempo, tenho que impedir que ele chegue lá! — O encapuzado sangrento disparou na direção dos moradores.

Poucos segundos após ele avançar, as tosses se findaram e um silêncio volitou na atmosfera, a única coisa que podia-se ouvir era o gotejar da tempestade. O capitão deu fim à sua corrida e enrugou a testa, indagado.

— Que silêncio… será que eles desmaiaram? — perguntou.

— Seus cretinos!!! — bradava a população da periferia.

Em um átimo, vozes repercutiram por todos os cantos e o chão estremeceu. Os passos agressivos dos oprimidos evidenciaram sua fúria e rancor dos que se intrometiam nos seus rituais. A maioria deu uma investida vigorosa no assassino, enquanto a outra parte acometeu rumo ao Lotus.

— Saia daqui logo, garoto — disse Galdino. — Eles não vão ter piedade!

Permanecido no chão, Lotus ouviu os alaridos aumentarem gradativamente. Sabia que salivavam pela vingança e sua cabeça serviria de exemplo para os outros. Logo, havia pouco tempo para ele bolar um plano para sair dali.

— Tanto aqui embaixo quanto lá em cima, tem pessoas querendo me punir. — Lotus pensou alto. — Não tenho outra escolha, terei que fazer aquilo de novo!

Ele tinha um método único para ganhar força e resistência: conseguia inverter o fluxo de corrente de prana e o fazia voltar para onde saía, do coração. Assim, ele sobrecarregava e bombeava uma quantidade de energia extraordinária, ultrapassando seus limites como vodariano. Entretanto, a habilidade não poderia ser utilizada por muito tempo, pois aumentava severamente as chances de acontecer um ataque cardíaco.

Os vodarianos têm a capacidade de desenvolver uma técnica única em meio a um momento de esforço excedente, cada uma com sua peculiaridade. Lotus, por exemplo, descobriu a sua enquanto treinava perna, dia que decidiu exigir inadequadamente do seu corpo.

Com os olhos fechados e com uma longínqua inspiração, ativou o modo que denominou de Heart Discharge. Aproveitou que estava em uma área de levitação e pulou alto como nunca.

Ao sobrevoar em uma altitude que nunca alcançara, ele pôde ver a entrada da ruína e também assistir todos aqueles olhares de bravura, inclusive do sacerdote, que recuperava o prana que gastou na surtida elétrica.

— Não importa o que aconteça, eu vou me tornar um Vital! — exclamou Lotus.

— Não deixem ele chegar na ruína! — O sacerdote bateu seu bastão no chão.

Ao pousar, Lotus não ousou em ir para cima da multidão que o castigaria. Preparou uma investida com os ombros e correu com o corpo inclinado, não hesitou em confiar na sua potência exuberante em meio aos ventos raivosos. 

— Saiam da frente!!! — Lotus lançava para longe os que tentavam bloqueá-lo, como um touro que saiu da jaula.

Os que tentavam agarrá-lo eram ejetados para o solo com um único movimento do braço do jovem. Seu corpo tornara-se blindado como um tanque de guerra. Ali, ele se sentia um verdadeiro minotauro. Porém, ele não se deu conta do perigo no final do trajeto.

— Você não irá passar! — O reverendo sacudiu seu mastro e rebateu Lotus para o lado, enquanto sua barba branca acompanhava a mobilização.

A cintura do bombado fez uma recepção para um poderoso golpe que jogou-o contra os resíduos, que o fez grunhir de sofrimento. Seu corpo encouraçado amorteceu o dano resultante. Contudo, o ancião não desistiu de derrubá-lo.

— Ninguém tomará os poderes do nosso profeta! — Ele andava agitado.

Enquanto ele se aproximava de Lotus, o guerreiro que tivera de lidar com os fiéis, voava como uma águia faminta em um salto determinado. O vermelho cobria suas luvas metálicas e o seu rosto branco, o que o tornava ainda mais sombrio.

— É impossível me parar, pranamentor. — Ele falou ao fitar o sacerdote, o propagador do prana divino.

Mirou os braços para ambos e soltou uma granada de repulsão imperceptível perto do pranamentor, no qual iniciou uma luta ao aterrissar. Com a haste de madeira, travou uma batalha brutal contra o líder, defendia os energéticos socos e os chutes pesados como uma bigorna.

Lotus, ainda com seu aprimoramento ativado, aproveitou a oportunidade para adentrar no santuário, que tinha uma enorme figura de um deus asteca com a boca aberta e com as mãos apoiadas na superfície, como se tentasse se levantar. Contudo, o idoso não desviou o foco dele e passou a suportar o fardo de enfrentar dois inimigos.

Atirou diversas rajadas de vento no jovem, o que atrapalhava seu caminhar e o feria. Já no outro oponente, desbravava tacadas imponentes.

— Por Amochiom! — bradava.

No entanto, o encapuzado sangrento tinha uma estratégia, os socos eram só distrações para atrair o velhote para um ponto específico. Ao realizar o que almejava, saltou para trás e sobrevoou a área.

— Acabou! — Ele ejetou uma veemente repulsão.

— Precisará de mais do que isso! — Com seu bastão, absorveu a repulsão e o envolveu com um prana azulado.

Logo, descarregou um golpe avassalante no assassino e o mandou para quilômetros de distância. Todavia, não percebeu que estava prestes a ser projetado para um longe local.

— Não! — A granada explodiu e o mandou para uma casa de madeira abdita dali.

Com a onda de choque, Lotus parou de jazer e pegou embalo para entrar na ruína das tempestades e, finalmente, subiu um importante degrau do trajeto até seu objetivo.

 



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