Trindade Vital Brasileira

Autor(a): Vitor Sampaio


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 14: O Reencontro

My gosh, mate! You realmente está alive! — Lauren esmagava Lotus em um abraço vigoroso. — E ‘tá parecendo uma múmia!

Recepcionado como um indivíduo que acordou de um coma, Lotus esquentava o coração com a presença dos seus amigos. Suplicava mentalmente em nome da sua gratidão por eles estarem bem.

Ao desgrudar Lauren, que fazia um papel de chiclete, apreciou uma linda mulher se aproximando. As mechas do cabelo comprido descansavam sobre a camisa justa que cobria seu ombro; a franja sobressalente escondia as têmporas enquanto reluzia o centro de sua testa, branco como a neve.

— Lotus! — Ela saltitava de animação.

— Flora… — O brilho natural ofuscava as írises do bombado.

A poucos milímetros separados, Flora cessou os passos ansiosos. Analisando cada centímetro da face escura como a noite de Lotus, ela levou a sua mão até as maçãs do rosto e as afofou como uma pelúcia.

O jovem foi hipnotizado pelas emoções. O semblante negro corado lembrava uma melancia aberta; e o lago formado em seus olhos refletia o aconchego que o aquecia. No entanto, Flora não poupou Lotus de seus atos recentes.

— Seu idiota!!! — Flora desferiu um soco potente no peito de aço do Lotus.

Aargh! — Ele declinou o pescoço e jaziu os dedos na região ferida.

Em seguida, ela não resistiu e o afogou em um abraço apertado.

— Eu pensei que eu ia te perder… nunca mais me cause esse tipo de preocupação! — Flora agarrou o crânio de Lotus.

Atordoado, o jovem a envolveu com o outro braço. Não conseguiu bloquear o desaguar do rio em seus olhos, o gotejar escorreu pelas costas da garota que acelerava seus batimentos cardíacos.

Lotus desejou que aquele momento durasse para sempre. Quando se descolaram, ele fitou com afeto aquela que seria o refúgio do recente Vital. “Poderia ter durado mais um pouco…”, ele pensava.

Apesar dos poucos segundos de paz, Lotus se encontrava em uma situação onde não poderia abaixar a guarda de forma alguma.

Uhuul! Que reencontro lindo! — satirizou Vion. — Agora os segundos de tranquilidade acabaram. — A professora pegou a toalha e as roupas em cima da mesa para jogar no Lotus. — Você tem cinco minutos ‘pra tirar esse fedor de pós-guerra do seu corpo. Vai no toilette ali atrás — Ela apontou para a lateral do refeitório. —, toma um banho e volte aqui. Nós precisamos conversar.

Vion falava rápido. Lotus tinha de ser ágil para prestar atenção nas múltiplas coisas que essa mulher fazia ao mesmo tempo. A toalha e as roupas tabelaram no seu peitoral e, por sorte, entrou na cesta que ele fazia com os braços. “Por que tem um lugar ‘pra tomar banho na lanchonete, mas não tem no quarto? Puta lugar bizarro…”, mentalizou Lotus durante o momento que fitava o local.

Dada a ordem, Lotus atravessou a cafeteria do hospital, desviando dos inúmeros móveis. Ela era preenchida por muitas mesas circulares, da cor dos camelos; as cadeiras possuíam uma cama de couro para repousar os braços, e Sagna fazia um ótimo uso delas; a estante de atendimento era extensa o suficiente para abrigar os mais variados salgados e doces.

O banheiro ficava no fundo do salão, protegido por um limiar sombrio que estava mais descascado do que uma banana. Com dificuldade, Lotus ergueu a maçaneta para cima para desenroscar a porta do chão e a abriu. O rangido das dobradiças dilacerou seus tímpanos.

O cômodo adiante não era nada agradável. Assim como o quarto, o teto estava ensopado de mofo; o espelho havia sofrido com uma rachadura permanente; e o box estava por um fio de inundar com vidro o velho piso de madeira.

— Olha… esse lugar ‘tá bem cuidado, hein — ironizou Lotus.

Pendurou a toalha na maçaneta e pôs as roupas em cima da pia quebrada. Nem ousou lavar as mãos ali, pois imaginava que a água que sairia dessa torneira seria o próprio barro das ruas.

Antes de ligar o chuveiro, tirou as bandagens que defendiam seus músculos. O percentual de gordura do jovem era excelente para deixá-lo definido. Independente do que comesse, ele conseguiria se manter em forma. Entretanto, sabia que isso não duraria para sempre, por isso que continuava mantendo uma rotina de treino com liberdade geográfica.

Por fim, ele girou o registro do chuveiro para finalmente tirar as impurezas do corpo. Porém, algumas coisas estavam fora de seu controle.

— Por que não ‘tá saindo água quente? — indagou.

De repente, ele escutou um brado proveniente do lado de fora.

Holy shit!!! Estamos sem luz!!! — reclamou Lauren.

— Era só o que me faltava… — murmurou Lotus.

Para a sorte do bombado, a energia havia sido dissipada em um momento crucial do seu dia. Ele tentou acender as lâmpadas incandescentes para confirmar que Lauren não estava brincando, porém descobriu que realmente havia acontecido.

— Ah… que droga — bufou. — Bom, vou colocar a roupa e voltar lá.

Ao mesmo tempo que colocava o calção emprestado, ouvia o seu amigo resmungar sobre o fornecimento de eletricidade para as cidades. Foi então que Lotus teve uma ideia que salvaria seu banho.

— Eletricidade… agora eu posso controlá-la. E se eu fosse a fonte de energia deste prédio?

Apesar de não ter facilidade em manusear os poderes elétricos da Pirâmide Vital da Tempestade, ele não hesitou em converter seu prana para irradiar o prédio. Com a mão direita, pressionou o retângulo que aprisionava o interruptor e guiou os relâmpagos das veias até os cabos internos.

— Isso pode dar certo… — falou, confiante.

Trovões penetraram nas paredes e, em questão de milissegundos, a energia retornou como uma fênix.

It’s back, baby! — comemorou o cabeludo.

— Estou conseguindo!!! — animou Lotus.

A medida que o jovem enviava raios para sustentar a energia, o resplandecer dos lustres aumentava drasticamente. Entretanto, a felicidade durou pouco.

— Abaixem!!! — vociferou Vion.

As luminárias estouraram com a voltagem abrupta, expelindo cacos cortantes para todos os lados. Além disso, a resistência de todos os chuveiros do prédio foram queimadas. Apesar da boa intenção do universitário, a execução falhou miseravelmente e impossibilitou que qualquer resquício de luz adentrasse no edifício.

— Nossa… — Lotus estava ofegante. — Acho que exagerei…

Diferente da vez que lutou com Jules, as meras correntes elétricas que passearam pela sua pele causaram uma intensa exaustão. Não estava acostumado a atuar como uma tempestade, ainda precisava adaptar a mente e o corpo.

Sem opções, decidiu tomar uma chuva gelada dentro de um box frágil. Embora não fosse sua vontade se arriscar com a água do suposto hospital, não ousou em ter outro plano maluco com a Pirâmide Vital.

Após purificar a alma, Lotus vestiu uma camisa preta justa e o calção. “A arqueóloga conhece meu estilo.”. Dentro do prazo imposto por Vion, o jovem voltou ao grupo.

— Algo me diz que você é o responsável por toda essa bagunça — praguejou Vion.

— Ah, professora! Não custava nada eu tentar, né?

Uma gargalhada escapou de Sagna.

— A Pirâmide Vital não é brinquedo não, garoto… — disse o professor, logo em seguida.

— ‘Tá se achando the king agora, né Lotus? — sorriu Lauren.

— Sai dessa, irmão.

Assim que chegou na mesa de reunião, puxou uma cadeira e se sentou. O cinza do céu nublado ficava cada vez mais claro no decorrer do alçar solar, o que alumbrava a área da padaria.

Sem perder tempo, os arqueólogos também se acomodaram nas pequenas poltronas, e os cinco indivíduos presentes ali ficaram em círculo.

— Acredito que esse seja o horário mais ‘seguro’ que teremos ‘pra conversar… — iniciou Vion. — A propósito, antes de começarmos, tire sua camisa e vire de costas, Lotus.

— O quê?! — O bombado ficou surpreso.

— Precisamos ter certeza de que você é um Vital — continuou Sagna.

— Mas já não está óbvio? Ontem eu invoquei um tsunami!

— Faça isso agora, garoto — ordenou Vion.

— Aff…

Envergonhado por Flora estar por perto, Lotus retirou o manto que o valorizava. Meneou o tronco para trás e, já que a mulher que ele admirava exercia sua presença, abriu a escápula e posou como um fisiculturista.

— É… Não restam dúvidas de que o poder das tempestades não era apenas o prana de Rudá — disse Sagna.

— A Tatuagem dos Vitais… então você realmente é um deles — falou Vion.

Um prisma na vertical realçava a região superior das costas de Lotus. A marca era envolvida por tufões, que deslizavam nas laterais; ondas aquáticas formavam uma borda azul, que abrigava os relâmpagos violentos criados pelo triângulo invertido no centro da forma geométrica.

— Pode vestir a camisa, Lotus — pediu Vion.

— Não quer que eu faça outra pose? — brincou.

— Deixa de ser idiota! A coisa é séria. Senta aí logo!

Então, Lotus pôs a camisa e sentou.

— Acho que você ainda não entendeu a situação que ‘cê se meteu. — Vion voltou ao assunto. — O objeto que você absorveu é um poder milenar responsável por criar os oceanos e as tempestades de Voda! Tudo o que conhecemos como água veio exatamente do que está dentro de você. — Ela apontou para ele.

— Eu sei, mas…

— Não. Você ainda não sabe — interrompeu. — Por séculos, muitas pessoas morreram e mataram por essa Pirâmide. O que ela fornece a um vodariano é tentador… poder manusear o ar, a água, os trovões… e até mesmo criar desastres naturais. Agora você vai ser alvo prioritário dos que a almejam.

— Calma, Vion. ‘Cê ‘tá pulando algumas etapas — disse Sagna. — Me diga, garoto, o que levou Rudá a te transferí-la?

— Bom… eu passei por um ‘teste’ em um local chamado ‘Refúgio de Amochiom’. Lá, eu tive que enfrentar diferentes versões de mim para entender que, mesmo que eu salve muitas pessoas, elas vão continuar me odiando.

— Entendo… parece que ele quis te preparar para o futuro. Provavelmente, naquele momento ele já tinha decidido que você seria o novo Vital da Tempestade.

— Eu não sei quais eram as intenções dele… mas ele decidiu confiar em mim para seguir adiante com esse poder.

— Ainda não entra na minha cabeça que ele simplesmente te deu a Pirâmide Vital… — falou Sagna. — Mas, também, acho difícil ele ter sido intimidado ou persuadido por você. Você tem tamanho, porém não era um Vital.

— Seja lá qual for o motivo do antigo Vital ter passado essa responsabilidade, não adianta ficarmos tentando decifrar agora ou jogar na cara do Lotus que ele não tem noção das coisas. Ele já está com a Pirâmide, precisamos focar no que vamos fazer agora! — disse Flora.

Por um breve momento, todos ficaram em silêncio com a resposta. “Essa é minha aluna!”, pensou Vion, que logo depois progrediu.

— Flora tem razão. Devemos focar no presente e preparar uma maneira de sairmos de La Esperanza com vida. Conseguimos enviar a turma para longe daqui, o que significa que nós cinco estamos no ninho de cobras da Voquinity.

— ‘Pra onde enviaram?

— ‘Pra uma cidade isolada em Hermosque — respondeu Sagna.

— Por que não os enviou de volta ‘pra San Garch, nosso país?

— O que acha que o tirano que ‘tá no poder iria fazer, sabendo que o aluno que ‘tá com a Pirâmide Vital da Tempestade não retornou? Sharkgar iria torturá-los até a gente ser obrigado a voltar! — retrucou Vion.

— Tem razão… estamos à beira de uma guerra civil. — Flora ficou determinada. — Lotus pode ser nossa única esperança contra o regime de Sharkgar e o grupo revolucionário!

— ‘Tá querendo usar o Lotus como arma política?! Sharkgar é muito poderoso, ele não vai conseguir bater de frente com ele tão fácil assim! — respondeu Vion.

— Mas ele pode ter uma chance se ele conhecer melhor o próprio poder — disse Sagna. — Lotus pode ser a nova esperança de San Garch!

— Chega!!! — Lauren socou a mesa. — Vocês desviam muito facilmente do foco!!! Caiu por terra aquela história de focar no presente, Flora?! — Lauren nunca esteve tão bravo.

Lauren era um amigo brincalhão, mas odiava quando as pessoas se perdiam no assunto e criavam uma bola de neve de possibilidades ao invés de resolver o problema. Com a fúria na mente, continuou:

— Pelo tanto que vocês mencionaram a Voquinity, inevitavelmente Lotus vai enfrentar algum problema. No entanto, ele vai pegar experiência e aprender a usar esse poder imensurável! Não temos outra escolha a não ser confiar nele e preparar uma maneira de voltarmos ‘pra casa.

Todos ficaram em choque com a postura de Lauren. Ele era a última pessoa que podia esperar que fosse sério. 

— É verdade, Lauren — assentiu Sagna. — Não temos outra escolha. Queria poder contar um pouco da história da Pirâmide Vital da Tempestade, mas tempo é algo que não temos.

— Seu moleque… ‘cê ‘tá louco de falar assim com a gente?! Quem você acha que é?! — Vion abaixou a cabeça e repensou se valeria a pena ser autoritária. — Aff… bom, não temos muito mais o que falar. Irei falar com os ‘Arqueólogos de Aralquia’ para ver se consigo alguma brecha ‘pra escaparmos daqui.

Flora lacrimejava com o coração ferido. Não suportava que seus amigos fossem grossos.

— Não chore, Flora. O Lauren que você ama is back!

— Muito bem… conversa encerrada. — Lotus se ergueu. — Irei voltar ‘pro meu quarto.

De repente, bramidos de milhares de vodarianos foram ecoados pelos arredores. A janela abafava um pouco do som, mas estava nítido as palavras que eram reproduzidas.

— O quê?! — Lotus disparou até as janelas.

— O que está acontecendo?! — Vion foi junto.

Nas avenidas, uma gigante manifestação caminhava em direção ao hospital, cantarolando em nome de sua rogação.

— Ô Vital! ‘Pra nossa espécie sua existência é letal!

— Ah não… — Lotus afundava a mão nos vidros.



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