Trindade Vital Brasileira

Autor(a): Vitor Sampaio


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 17: Oportunidades que Caem do Céu

O período matinal parecia que não tinha fim, eram apenas dez da manhã e o cansaço equivalia a feitos de uma semana inteira. Muita luta dos cidadãos fora desbravada, com destaque a presença dos universitários locais. Enzo Monpath, o articulador principal da manifestação, tomava uma cerveja no bar de um posto de pranóleo — estabelecimento semelhante a um posto de gasolina — com seus amigos protestantes.

— Cara… estávamos tão perto de concluir nosso plano! — disse um colega.

Enzo virou um copo cheio, e assim respondeu:

— Nem me fale. Nunca imaginei que uma cobra verde e um muro de pedra iria protegê-lo!

— Não consigo entender o porquê deles ainda defenderem esse tipo de gente… é literalmente apoiar o lado errado! — afirmou o mesmo amigo.

— Existe louco ‘pra tudo, Pedro — falou. — Mas, nós não podemos abaixar a cabeça ‘pra esses tiranos!

Os acontecimentos passados foram assuntos para uma longa conversa entre amigos. A mesa de madeira que apoiavam suas garrafas tornou-se um estádio para jogos de baralho, e as cadeiras de material igual foram esquecidas por uns, e utilizadas de cama por outros.

Com o passar das horas, o número de companheiros foi diminuindo. Apesar do bom momento, eles não podiam se atrasar para a palestra importante que iria ter na faculdade. No entanto, Enzo não ligava muito para isso, afinal, ele seria o palestrante.

Após se despedir da maioria, Enzo sentou-se e fitou os carros luxuosos dos motoristas de seus camaradas que, às vezes, chamavam-os de ‘pai’. Para a sorte do jovem Monpath, ele tinha o próprio automóvel de primeira qualidade, não dependia de ninguém para carregá-lo de canto em canto.

A conta da confraternização não saiu barata, os barris da bebida alcoólica de trigo selecionavam apenas os que possuíam condições de consumí-los. Entretanto, isso nunca foi um problema para Enzo, ele pôde exercer sua boa vontade e cobrir a parte do seus colegas, apesar deles terem lhe deixado para pagar tudo.

A máquina do atendente escaneou seu olho e, na velocidade da luz, concluiu o pagamento com sucesso absoluto.

— Feito — Ele saiu do comércio, ajeitando a camisa. —, preciso ir.

— Opa, amigo! — Um homem no auge dos seus 20 anos, de casaco luxuoso, movimentou uma cadeira para se aconchegar.

— Olá…? — Enzo arqueou as sobrancelhas, parado. — Perdeu alguma coisa?

— Podemos conversar um pouco?

— Não tenho tempo, desculpa. — Enzo voltou a andar.

Aah… eu entendo. — Ele pegou um copo. — Eu só estava querendo conversar um pouco sobre sua liderança excepcional nesse movimento.

Enzo cessou os passos, com galáxias de dúvidas em seu universo cerebral. “O que esse cara quer?”, refletiu.

— Eu agradeço pelo reconhecimento. No entanto… outra hora conversamos. Estou atrasado agora. — Ele encarou-o de rabo de olho.

— Então vou ser breve, meu caro. Quero fazer parte do seu grupo.

— Como é?! — Enzo ficou de frente para o cara. — Mas quem é você?

— Me desculpa… quase esqueci de me apresentar. — Ele girava delicadamente o copo de chopp. — Meu nome é Luiz Ziul, e também não sou muito fã do que os Vitais representam.

Muitos indivíduos já quiseram adentrar na cúpula principal do grupo do Enzo, porém nunca obtiveram sucesso. No máximo, participaram das passeatas promovidas pelo mesmo. Contudo, alguma característica oculta em Luiz despertou o interesse no jovem Monpath.

Então, o líder da equipe acelerou as panturrilhas até a mesa marrom, onde uma vez curtiu a vida. Apressado, jogou a cadeira na posição perfeita para assentar e, logo em seguida, descansou os antebraços na tábua.

— E por que eu deveria deixar você fazer parte? Você nem parece ser daqui!

Luiz deixou escapar uma gargalhada sarcástica, enquanto seu cabelo preto tigela dançava com o fraco vento do ambiente.

— Eu vou lhe dar dois motivos bem convincentes — disse.

Enzo regrediu as costas até o encosto do banco e cruzou os braços para criar uma postura intimidadora.

— Você está certo — começou Luiz —, eu não sou daqui. Eu era um dos estudantes que estavam naquele avião que destruiu a comunidade. O Vital não teve piedade de nós…

— Fale logo os dois motivos!

— Calma cervejo… deixa eu contar o porquê estou aqui.

— Estou sem tempo, Luiz. Fale as razões ‘pra eu te querer no grupo!

— ‘Tá bom, ‘tá bom… Bom, eu sou de San Garch, e acredito que você sabe o tipo de pessoa que é o ditador do meu país. Eu era a frente do movimento estudantil da minha universidade, comandava as greves, as paralisações… já tenho bastante experiência nesse ramo.

— Não busco lideranças, eu busco devotos — retrucou Enzo.

— E é aí que o segundo motivo entra, meu camarada. — A voz de Luiz era suave como um suspiro de brisa de primavera. — Não pretendo me opor às suas intenções, eu quero ajudar você a ecoar seu nome por Voda utilizando apenas o nosso ódio contra os Vitais. Além do mais… eu tenho informações privilegiadas sobre o novo Vital, que é meu antigo colega de classe. Podemos construir tantas narrativas que você nem pode imaginar…

— Como assim? Você o conhece?

Aah… eu conheço ele muito bem. — Luiz abriu um sorriso mal intencionado. — E sem contar que… eu tenho contatos dentro de um dos grupos mais influentes da imprensa de Voda.

— Qual? — Ele se aproximou, curvando a coluna.

— Os Arqueólogos de Aralquia.

— O quê?! — Enzo expulsou os olhos do corpo.

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Os cinco integrantes de uma ilustre equipe de dois professores e três alunos eram

levados pelo elevador enferrujado do hospital. Ainda não tinham digerido a proporção que a notícia do novo Vital da Tempestade havia atingido, principalmente Lotus, que não piscou desde que se deparou com a televisão. O silêncio agoniante dominou a caixa de ferro, como em uma noite estrelada no vasto deserto.

O destino era o andar do quarto do jovem Vital, refúgio onde ele queria permanecer isolado pelo resto do dia nublado. Seu coração não aguentaria receber outro choque de surpresa, por mais que o mesmo armazenasse os relâmpagos da tormenta.

A porta de metal correu para o lado esquerdo, liberando o acesso para sair de um baú sombrio encharcado por inconformidade.

— Bom… vou procurar algum outro lugar para nós nos hospedarmos — firmou Vion. — E, também, vou falar com os Arqueólogos de Aralquia para arrumar algo que nos tire desse lugar logo. Fique esperto, Lotus.

Lotus se afogou no seu próprio mar de solidão. Os sons externos não foram ouvidos; e os vodarianos no cenário eram apenas obstáculos. Tudo o que o jovem queria era apenas mergulhar no próprio mundo e amar o teto por um bom tempo.

No modo automático, Lotus se deslocou na árdua rota até seu quarto. O corredor não tinha vida, estava vazio igual as ruas de um país em lockdown; e o chão rubro era como uma enchente de sangue após uma catástrofe vodariana.

As pegadas lentas tornaram o caminho muito mais extenso. Quando chegou à entrada descascada do seu quarto, levou a mão até a maçaneta redonda e, para seu espanto, foi interrompido de girá-la.

— Lotus — Lauren apertou seu punho —, vamos tentar distrair um pouco a cabeça, ficar preso no quarto só vai te trazer mais sofrimento.

— A gente quer passar o dia com você, meu Sutolzinho. — Flora pôs a mão no seu ombro.

Lotus mostrou agradecimento em um sorriso sincero, porém não tinha condições mentais para lidar com mais pessoas.

— Obrigado, pessoal. Porém, eu… preciso ficar um pouco aqui no meu canto. No momento, eu sou um perigo iminente ‘pra vocês, não quero causar mais problemas. Ajudem Vion a procurar algum outro lugar ‘pra vocês irem e me deixem aqui, por favor…

— Para com isso, Lotus! — Lauren esmagou o braço dele. — Nós não queremos deixar você aqui!

— Mas vocês precisam. — Lotus engrossou a voz. — Não sabemos quantas pessoas estão atrás de mim… não é justo vocês sofrerem com as consequências das minhas escolhas.

Flora conhecia o jovem Vital tão bem que, apenas avaliando suas expressões faciais, ela sabia quando ele suplicava por um momento sozinho. Ela tinha medo de se sentir desrespeitosa em relação a espaços pessoais, por isso que toda vez que notava tal comportamento, ela preferia deixá-lo refletindo em seu próprio cosmos.

— Lauren… deixa ele. — Ela tirou a mão dele do pulso de Lotus. — Ele tem que descansar um pouco, muita coisa aconteceu ‘pra um dia só.

— Obrigado, Flora. — Lotus se imaginou abraçando ela com todo seu amor.

Ambos os amigos liberaram o jovem para adentrar em seu dormitório. Entretanto, Lauren ainda não havia aceitado que Lotus não queria companhia, Flora teve que arrastá-lo pela sala segurando em seu cotovelo.

— Você nunca quer a ajuda de ninguém, não é Lotus?! — perguntou Lauren, revoltado.

— Vamos, Lauren! Para com isso! — Flora se esforçava para retirá-lo dali.

Lotus trancafiou o rosto quando Lauren soltou a chave do desaforo, contudo preferiu não responder, embora sua vontade fosse expelir os insultos mais cruéis possíveis.

Ao rodar a maçaneta, suspeitou que alguém teve coragem de ir arrumá-la, ela girou tão delicadamente quanto a de uma porta sofisticada. No entanto, a hipótese durou pouco. O abrir das dobradiças emitiu um ranger perturbador, o que fez os ouvidos robustos de Lotus sangrarem.

Para não tornar o barulho infindável, Lotus penetrou no quarto em um piscar de olhos e, assim, bateu a porta com toda velocidade para evitar o segundo grunhido.

Inspirou fundo, até ultrapassar os limites de oxigênio dos pulmões, prendeu o cheiro de carvalho envelhecido por alguns segundos, e expirou cautelosamente. Tal técnica de respiração envolvia seu músculo mais forte com um prana curativo, o que abaixava a sua pressão e aliviava um pouco a ansiedade.

Em seguida, viajou pelo quarto com os olhos.

— Será que vou usá-las novamente? — Lotus fitou as manoplas, que dormiam em cima da estante de madeira.

Menos de uma dezena de metros o separava da cama, estava mais preparado que nunca para tirar um bom cochilo. Como Vital, tinha que aproveitar igual nunca esse momento para colocar sua cabeça no lugar, não haveria outra oportunidade.

Passos curtos foram dados até o colchão, onde iria jazer pelo resto do dia. Fechar os olhos e ser sugado para o mundo dos sonhos seria mais gratificante do que permanecer na realidade.

A luz cinza invadia o quarto pela janela sem reparo, irradiando os lençóis como o sol alumbrando a lua. Portanto, Lotus foi tampar os feixes nublados com as cortinas de seda, e desejava nunca mais precisar tocá-las.

Entretanto, notou alguma coisa se aproximando como um míssil até a sua ventana.

— O que é aquilo? — Ele semicerrou os olhos.

— Vital!!! Eu te achei!!! — Um índigena rasgava os céus com seu pé direito.

Em uma celeridade incapturável, Raoni Tlaloc crava a sola tratorada de sua bota no pescoço fibrado de Lotus, atirando ele junto consigo contra a porta que trocava de pele. O estrondo da chuva de cacos de vidro misturado com a demolição da entrada reverberou por todo o saguão, o que fez Lauren e Flora submergir na superfície.

Com sua sabedoria nata em técnicas de combate, Raoni afundou Lotus com apenas uma perna e colocou ambas as Paladinas Sedentas a milímetros do nariz do jovem, que tentou ter alguma reação.

— Lotus!!! — Lauren e Flora bradaram em uníssono.

— Fiquem paradinhos! — Raoni os mirou com uma das pistolas.

Lotus usou o restante da força que lhe sobrara para algemar Raoni com correntes marítimas que saíam de suas mãos e impedir que ele puxasse os gatilhos. Todavia, para o azar do jovem, Raoni estava a anos luz em atributos de batalha.

— É só isso que consegue fazer, Vital?! — praguejou Raoni.

— Não me subestime! — Lotus utilizou sua carta na manga.

A água criou um caminho para o corpo de Raoni, onde Lotus pudesse conduzir a eletricidade e lavá-lo com os trovões da Pirâmide Vital da Tempestade. Sem hesitar, o jovem descarregou a energia incubada no seu fluxo de prana e eletrocutou Raoni, iluminando todo o corredor. Mas…

— O quê?! — Lotus ficou incrédulo.

— Você é fraco demais, moleque!

Os raios foram absorvidos até a região dos pentes da pistola, que possuía uma pequena esfera mística radiante. Linhas sinuosas surgiram no revólver e o freio de boca começou a brilhar como uma estrela. Lotus ficou face a face com uma supernova escaldante.

— Me mostre do que você é capaz, Vital!

— Não!!! — Lauren disparou até Lotus, vociferando aos prantos.



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